Introdução
Alguns modelos de masculinidades, como a hegemônica, colocam o homem numa posição superior, relegando ao gênero feminino papeis restritos à reprodução, às tarefas domésticas ou posições subalternas (como nas relações de trabalho), além de uma posição objetificada. Além disso, impõem exigências sobre as práticas sexuais, sociais e comportamentais (Connell, 1987; Kimmel, 1998; Kimmel, 2016). Assim, produz-se um conjunto de expectativas sobre o masculino, e também sobre o feminino, que pode ser desencadeador de sofrimento (Zanello, Fiuza, & Costa 2015). A masculinidade é um conceito amplo e flexível que sofre mudanças a partir do contexto histórico, cultural e político, em que se encontra, sendo possível observar não apenas uma masculinidade, mas masculinidades (Grossi, 1995; Guerra, Scarpati, Brasil, Livramento, & Silva 2015). Um dos entendimentos possíveis para a masculinidade é que essa se refere aos papeis que são esperados dos homens na sociedade e essas expectativas não são as mesmas em diferentes locais do mundo ou mesmo não eram as mesmas em um mesmo local em contextos históricos diferentes (Connell, & Messerschmidt, 2013; Grossi, 1995).
Desde a infância, dos meninos são esperados comportamentos considerados masculinos, como a agressividade. Na puberdade, diferentes rituais de passagem ocorrem para demarcar a masculinização do homem, presentes em sociedades orientais, como por exemplo a circuncisão peniana, e ocidentais, como a ida a casas de sexo para a iniciação sexual (Grossi, 1995). A socialização de gênero se inicia na infância e seus efeitos perduram por toda a vida do homem (Rivera, & Scholar, 2020). É preciso repensar as masculinidades, uma vez que a socialização e as normas de gênero podem impactar de forma significativamente negativa o comportamento dos homens, desde a forma como se relacionam até como cuidam da própria saúde (Rivera, & Scholar, 2020).
No campo da saúde sexual, aspectos ligados à masculinidade estão relacionados com a vulnerabilidade pelo HIV em homens. Especialmente os heterossexuais têm a crença de que são imunes à infecção pelo HIV (Knauth et al., 2020), fator que entra em consonância com o aumento das taxas de infecção pelo vírus nesse grupo sexual (Muniz, Fonte, & Santos, 2019). Além disso, para todos os homens, a exigência de performar no sexo pode deixar pouca margem para a colocação de preservativo pelo receio de perder a excitação ou atrapalhar o prazer, acarretando no seu uso inconsistente. Isso relaciona-se à vulnerabilidade de saúde desses sujeitos e dos seus parceiros ou parceiras sexuais, sobretudo, as mulheres, uma vez que a escolha do uso do preservativo é realizada pelo homem na maioria das vezes (Guerriero, Ayres, & Hearst, 2002). Até mesmo a ideia de que fazer sexo é uma prática necessária e intrínseca ao “ser homem”, não sendo possível rejeitar a oportunidade, leva essa população a fazer sexo mais cedo e a praticá-lo em qualquer momento, ainda que não existam preservativos disponíveis (Baére, & Zanello, 2020; Guerriero et al., 2002).
O sexo é um importante aspecto da masculinidade, podendo ser até definidor do conceito na cultura ocidental, onde ser homem significa ser ativo em vários contextos, tendo como um dos principais sê-lo no ato sexual (Grossi, 1995). A iniciação sexual precoce, a performance esperada dos homens no ato sexual e variabilidade de parceiros sexuais, entre outros fatores ligados a masculinidade, estão relacionados com comportamentos sexuais de risco em homens (Damacena et al., 2019; Gräf, Mesenburg, & Fassa, 2020; Kerr et al., 2018), sendo especialmente importante em populações universitárias (Gräf et al., 2020). Assim, atributos relacionados a masculinidade estão relacionados ao comprometimento da saúde biológica do sujeito (Mussi, & Texeira, 2018), além de impactos cognitivos e sociais.
Em sociedades que exaltam a realização dos papeis de gênero, o conflito com esses roteiros, como não fazer sexo, pode acarretar impacto na autoestima - definida como um conjunto de pensamentos e sentimentos que se tem sobre si mesmo a partir de uma autoavaliação que forma um autoconceito (Hutz, & Zanon, 2011), que pode ser positivo ou negativo (Kernis, 2005). Na literatura, há notificação de que a busca por sexo pelos homens está relacionada às recompensas sociais e emocionais, como o status social e sentimentos de poder (Hill, & Preston, 1996; Meston, & Buss, 2007), fatores capazes de promover o aumento da autoestima ou comprometê-las naqueles que não fizeram sexo. Ademais, o conflito com outros marcadores considerados masculinos, como ser não-heterossexual ou ser lido como afeminado, também podem comprometer a autoestima uma vez que esses homens são rejeitados socialmente (Takakura, 2017). Afinal, um dos elementos constituintes da masculinidade é a fuga do feminino que leva ao desprezo as mulheres e a outros homens que possam ser lidos como afeminados e/ou gays (Oransky, & Fisher, 2009; Takakura, 2017). Isso acarreta em atitudes de preconceito, como a antiafeminação, conceito que se refere a atitudes negativas frente aos comportamentos ou aparência considerados femininos de acordo com o contexto cultural em que o homem está inserido, visando exaltar a masculinidade (Ramos, & Cerqueira-Santos, 2020a; Sánchez, & Vilain, 2012). Uma vez que cumprir com os papéis sociais considerados masculinos acarreta reforços sociais (Oransky, & Fisher, 2009), e diminui a possibilidade de rejeição social, entende-se o surgimento da importância atribuída à masculinidade, que se refere à importância dada pelo homem para que seus comportamentos e aparência pareçam masculinos conforme os estereótipos da população da qual faz parte (Sánchez, & Vilain, 2012). Assim, fazer sexo pode ser um comportamento pertinente a ser buscado por aqueles que atribuem muita importância à masculinidade, bem como outros comportamentos; a exemplo da reprodução do padrão heterossexual por alguns homens não-heterossexuais, o que acarreta consequências negativas, como a misoginia e outras formas de exclusão (Ramos, & Cerqueira-Santos, 2020a). É evidente que vários atributos associados à masculinidade estão relacionados com comportamentos de homens ligados aos impactos negativos e às mulheres. O estudo da masculinidade, então, é de grande importância para as áreas acadêmica e social visto que o seu entendimento permite compreender as relações sociais e só assim torna-se possível intervir para que relações mais saudáveis ocorram (Neto, Firmino, & Paulino, 2019), uma vez que a violência (Neto et al., 2019; Takakura, 2017) e aspectos de vulnerabilidade da própria saúde, especialmente no que se refere as infecções relacionadas às práticas sexuais (Guerriero et al., 2002; Kerr et al., 2018; Knauth et al., 2020), são observados como caraterísticas constituintes da masculinidade. Sabe-se que a mudança de conduta dessa população é possível e, para isso, estudos são necessários (Goulart, Gomes, & Boeckel, 2020). Portanto, com base em pesquisas sobre masculinidade e tendo em vista que uma das principais dimensões a que esse conceito está ligado é o sexo, este trabalho teve por objetivo comparar aspectos relacionados a práticas sexuais em estudantes universitários que já haviam feito sexo penetrativo e os que não haviam feito. Os aspectos abordados foram: diferenças de idade, autoestima, importância atribuída à masculinidade, atitudes frente ao uso inconsistente de preservativo e atitudes antiafeminação. Como objetivo complementar tentou-se comparar outras características relacionadas à masculinidade, como orientação sexual e autoclassificação como afeminado, com os aspectos supracitados.
Método
Participantes
Participaram da presente pesquisa 234 estudantes universitários que se identificam como homens. A média de idade dos participantes foi de 21,49 anos (DP = 4,463). Em relação à auto declaração étnico-racial, a maioria se auto identifica como pardo (n = 125, 53,4%), seguido por brancos (n = 57, 24,4%), pretos (n = 47, 20,1%) e amarelos (n = 5, 2,1%). Em relação à identidade de gênero, cisgêneros são maioria (n = 213, 91%), seguidos por não binários (n = 11, 4,7%) e transgênero (n = 1, 0,4%). A maior parte dos participantes era das seguintes áreas de curso: Ciências Exatas e da Terra (n = 94, 40,2%), Ciências Humanas (n = 41, 17,5%), Engenharias (n = 40, 17,1%) e outras áreas (n = 59, 25,1%) completaram a amostra.
O critério utilizado para classificação de classe social foi o adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), assim, mais da metade da amostra declara pertencer à classe E (n = 124, 53,7%), sendo que 23,4% (n = 54) dos inquiridos têm menos de um salário mínimo como renda familiar mensal. A classe D possui o segundo maior número de participantes (n = 45, 19,5%), seguida pela classe C (n = 42, 18,2%), B (n = 11, 4,8%) e A (n = 9, 3,9%).
Instrumentos e procedimentos
Utilizou-se um questionário acerca dos aspectos socioidentitários dos participantes e os seguintes instrumentos:
Escala de Atitudes sobre o Uso de Preservativo (ATUP) (Ramos, Passos, Lessa, & Cerqueira-Santos, 2020), que por meio de 15 itens avalia as atitudes frente ao uso inconsistente de preservativo em homens, de modo que quanto maior o score, maiores são as atitudes de uso inconsistente de preservativo. A escala possui alfa de Cronbach de 0,896;
Escala de Atitudes Negativas sobre Afeminação (ANA) adaptada para o contexto brasileiro (Ramos, & Cerqueira-Santos, 2019; Ramos, & Cerqueira-Santos, 2020b), composta por dois fatores em que o primeiro, Rejeição Pública, tem 7 itens e possui alfa de Cronbach de 0,918 e o segundo, Rejeição Íntima, tem alfa de 0,866 e 5 itens. A escala pretende investigar as atitudes negativas de homens frente a afeminação;
Escala de Autoestima (Hutz, & Zanon, 2011) que avalia, em 10 itens, a autoestima em crianças, adolescentes e adultos e tem consistência interna de 0,90, e;
Indicador de Importância da Masculinidade (Sánchez, & Vilain, 2012) que intenta avaliar, através de dois itens, a importância que os homens dão à própria masculinidade através do quão importante é para eles que sua aparência e comportamentos pareçam masculinos.
Os estudantes foram abordados em sala de aula pelos pesquisadores que seguiam sempre o mesmo procedimento de aplicação dos questionários e explicavam os objetivos e procedimentos da pesquisa. Participaram do estudo apenas aqueles que concordaram com os termos expressos no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Todos os princípios éticos que regulamentam a realização de pesquisa com seres humanos foram seguidos, previsto nas resoluções CNS 466/12 e 510/16 e houve prévia aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade.
Análise de dados
Para a análise dos dados incialmente foi realizada a revisão dos questionários que, por conseguinte, foram digitados e transferidos para o programa de análise SPSS for Windows (versão 20), em que foram realizadas estatísticas descritivas, como frequência absoluta e relativa, média e desvio padrão. O programa também foi utilizado para a realização de análise inferencial, como Testes t de Student a fim de comparar o grupo de homens que já haviam praticado sexo e os que ainda não haviam praticado e sua relação com as seguintes variáveis independentes: idade, autoestima, importância atribuída à masculinidade, antiafeminação e atitudes negativas frente ao uso de preservativo. Em seguida, o teste foi utilizado novamente para comparar os grupos de homens heterossexuais e não heterossexuais e, finalmente, para comparar os auto considerados afeminados e não afeminados e sua relação com as variáveis independentes supracitadas, com exceção da idade.
Resultados
Perfil dos estudantes
No que tange à orientação sexual, a amostra é composta em maior número por heterossexuais (n = 194; 82,9%), seguido por homossexuais (n = 22; 9,4%), bissexuais (n = 16; 6,8%), assexual (n = 1; 0,4%) e pansexual (n = 1; 0,4%). Do total dos participantes, 72,2% (n = 169) já haviam tido algum tipo de relação sexual e 27,8% (n = 65) não haviam praticado relações sexuais até o momento da pesquisa. No que se refere aos relacionamentos sexo-amorosos, 53% (n = 124) dos participantes estavam solteiros, sendo que 36,3% (n = 85) estavam namorando, 3,4% (n = 8) eram casados ou estavam em um relacionamento estável e 7,3% (n = 17) estavam ficando. A maioria dos relacionamentos eram exclusivamente monogâmicos e fechados (n = 152, 91,1%), sendo 0,6% poligâmicos, 5,4% abertos e 1,8% tinha um relacionamento monogâmico, mas com ocorrência de relações extraconjugais. Verificou-se que 96,1% (n = 224) declararam nunca terem sido diagnosticados com alguma IST, sendo que 3% (n = 7) já foram diagnosticadas com pelo menos uma e menos de 1% teve diagnóstico para duas ou mais infecções. A frequência de exames para diagnóstico entre os participantes é baixa, sendo que somente 6,8% (n = 16) fazem com frequência e 82,1% (n =192) declararam realizar raramente ou nunca a testagem. Foram também realizados questionamentos acerca da percepção de afeminação: não se consideram afeminados 84,2% dos inquiridos (n = 197), sendo 15,8% (n = 37) a percentagem dos homens que se consideram afeminados. A média da idade para a primeira relação sexual foi de 16,13 anos (DP = 1,96).
Comparações de grupo
Foram realizados testes t de Student para amostras independentes objetivando comparar o grupo que já havia realizado relações sexuais (com penetração), e o que ainda não havia. Verificou-se que os primeiros eram, em média, mais velhos (M = 22,03; DP = 4,936) que os homens que não tinham praticado relações sexuais (M = 20,11; DP = 2,470), [t(212,404) = 3,883; p < 0,001; d de Cohen = 0,49]. No que se refere à autoestima, não houve diferença significativa entre os grupos [t(226) = 1,307; p = 0,193; d de Cohen = 0,18]. Entretanto, analisando-se a diferença de médias, verificou-se que os homens que já praticaram relações sexuais possuem maior média de autoestima (M = 30,09; DP = 5,994), em comparação aos que não haviam praticado sexo (M = 28,87; DP = 7,020). Não houve diferença significativa com relação à importância atribuída à masculinidade [t(231) = 1,012; p = 0,312; d de Cohen = 0,15], ainda que a diferença de médias indicasse maior pontuação para os homens que já se relacionaram sexualmente (M = 7,85; DP = 4,150) em comparação para os que ainda não haviam se relacionado (M = 7,23; DP = 4,027). Também não foi encontrada diferença significativa para as atitudes frente ao uso inconsistente de preservativo [t(232) = 1,119; p = 0,264; d de Cohen = 0,16], entretanto, diferenças de média expressaram maior pontuação do grupo de homens que já se relacionaram sexualmente (M = 20,59; DP = 11,106), em relação aos que não tiveram relações sexuais (M = 18,82; DP = 10,102). Foi encontrada uma diferença significativa no que se refere à antiafeminação, de modo que o grupo que não praticou sexo possui mais atitudes negativas sobre a afeminação (M = 2,56; DP = 1,553) em relação ao grupo que teve relação sexual (M = 1,99; DP = 1,156), [t (84,483) = -2,558; p = 0,012; d de Cohen = 0,41].
O teste t também foi realizado para verificar a existência de diferenças entre os grupos de homens heterossexuais e os não-heterossexuais. Foi encontrado que os homens heterossexuais possuem significativamente maiores níveis de autoestima [Mheterossexuais= 30,26 (DP = 6,430); Mnão-heterossexuais= 27,28 (DP = 5,010); t(226) = 2,729; p = 0,007; d de Cohen = 0,51], e mais atitudes frente ao uso inconsistente de preservativo [Mheterossexuais= 20,74 (DP = 10,904); Mnão-heterossexuais = 16,98 (DP = 10,106); t(232) = 2,011; p = 0,046; d de Cohen = 0,35] que os não-heterossexuais. Todavia, não foi encontrada diferença entre esses grupos para a importância atribuída à masculinidade [t(231) = -1,018; p = 0,310; d de Cohen = 0,17] ou para atitudes negativas frente a afeminação [t(207) = -1,197; p = 0,233; d de Cohen = 0,22]. Com relação a se considerar ou não afeminado, foram encontradas, através dos testes t, diferenças significativas para a autoestima, antiafeminação e importância atribuída à masculinidade. Os homens que não se consideram afeminados possuem maior autoestima [Mnão-afem= 30,29 (DP = 6,251); Mafem= 27,00 (DP = 5,902); t(226) = -2,954; p = 0,003; d de Cohen = 0,54], maior índice de antiafeminação [Mnão-afem= 2,28 (DP = 1,331); Mafem= 1,46 (DP = 0,870); t(67,195) = -4,575; p < 0,001; d de Cohen = 0,72] e maior importância atribuída à masculinidade [Mnão-afem= 8,02 (DP = 4,124); Mafem= 5,86 (DP = 3,622); t(231) = -2,970; p = 0,003; d de Cohen = 0,55]. No que concerne às atitudes frente ao uso inconsistente de preservativo não foram encontradas diferenças significativas [t(232) = -0,949; p = 0,343; d de Cohen = 0,16] entre esses grupos.
Discussão
Os homens que referiram já ter praticado relações sexuais apresentaram maior idade que aqueles que ainda não haviam praticado, isso era esperado. A média de idade da primeira relação dos homens que já haviam praticado foi de 16,13 anos. A mesma idade para sexarca masculina foi encontrada em uma população universitária no Brasil (Delatorre, & Dias, 2015). No entanto, outros estudos têm encontrado idades mais precoces de iniciação sexual entre os homens. Uma amostra composta por indivíduos do município de São Paulo verificou que a maioria dos homens tiveram a primeira relação sexual antes dos 15 anos (Pinto, Basso, Barros, & Gutierrez 2018), sendo também encontrado no Brasil a idade de 14 anos para essa população (Dallo, & Martins, 2018). Sabendo-se que homens fazem sexo mais cedo que as mulheres (Plutarco, Meneses, Arruda, Holanda, & Santos 2019; Xavier, 2005), uma vez que os participantes deste estudo que ainda não fizeram sexo têm, em média, 20 anos, e que fazer sexo para homens é algo estimulado e esperado socialmente, além de que uma das razões apontadas para a não prática de relações sexuais nos homens é a falta de oportunidade (Castro, Araújo, & Pitangui, 2017), questiona-se os impactos negativos que não ter praticado relações sexuais podem causar nesses indivíduos, social e psicologicamente. Apesar de mais novos, em média, o grupo que não teve relações sexuais está flagrantemente acima da média identificada nos estudos para a sexarca. Foram encontrados neste estudo maiores médias de autoestima em homens que já fizeram sexo em contraposição àqueles que ainda não haviam feito. Esse achado, mesmo que não tenha significativo estatisticamente, entra em consonância com um estudo que procurou responder porque as pessoas fazem sexo e uma das razões encontradas, sobretudo em homens, relaciona-se com o aumento da autoestima associada ao status social (Meston, & Buss, 2007). Pode-se estimar, então, que para os homens que ainda não se relacionaram sexualmente, esse pode ser um elemento que contribui para uma menor autoestima, visto que o sucesso da masculinidade é bastante reforçado pelo sucesso sexual. Além disso, em homens, o sexo pode ser também motivado por sentimento de poder, para surpreender os amigos e para provar a própria masculinidade (Hill, & Preston, 1996; Meston, & Buss, 2007; Ying, & Wen, 2019) - fatores passíveis de aumentar a autoestima. Ademais, fazer sexo para a população masculina está associado como uma etapa “necessária” na vida do rapaz para se tornar “homem”, um rito de passagem, portanto, como necessária para provar sua masculinidade e capaz de reforçá-la (Rebello, & Gomes, 2009). Entretanto, os dados deste estudo são limitados para reforçar tais interpretações.
A prática sexual é um comportamento conveniente de ser buscado por aqueles que atribuem muita importância à masculinidade. Afinal, essa é vista como algo que necessita de constante validação social e comprovação, uma vez que se trata de um estado precário (Vandello, Bosson, Cohen, Burnaford, & Weaver, 2008). De fato, os homens nesta amostra que já haviam praticado relações sexuais apresentaram maiores médias de importância atribuída à masculinidade. Por outro lado, a não realização do ato pode levar a comportamentos ou atitudes de compensação, uma vez que sua masculinidade pode ser questionada. Sabe-se que o sentimento de masculinidade ameaçada ocasiona várias estratégias de restauração do status masculino, entre elas, pensamentos de agressão até mesmo física (Vandello et al., 2008). Foi observado neste trabalho que homens que ainda não haviam praticado relações sexuais tinham significativamente maiores índices de antiafeminação. Ao passo que praticar sexo se relaciona à masculinidade e não tê-lo praticado pode colocá-lo em cheque, entende-se que as atitudes de antiafeminação podem surgir como uma estratégia para provar sua masculinidade, apesar de violenta e hierarquizadora. O desenvolvimento de estratégias compensatórias, como atitudes hipermasculinas, reforçam a percepção do caráter de necessidade de afirmação e reiteração constituintes dos modelos de masculinidade mais praticados na cultura do país (Ramos, & Cerqueira-Santos, 2020a). Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas no que se refere ao uso inconsistente de preservativo entre o grupo que já praticou sexo e o que não praticou. Isso leva a crer que mesmo aqueles que ainda não praticaram relações sexuais já apresentam atitudes negativas em relação ao uso do preservativo. É ideal que atitudes positivas sobre comportamento sexual seguro ou de baixo risco já estejam presentes em jovens antes mesmo de práticas sexuais. O que se demonstrou é que tais atitudes não se modificam significativamente após a sexarca, sendo desenvolvidas e consolidadas na história de vida dos indivíduos mesmo antes das primeiras experiências sexuais. Esse dado deve ser considerado para pensar nas políticas públicas relacionadas ao uso de preservativos, onde a produção de reflexão acerca do uso de preservativos deve ser iniciada antes mesmo da iniciação sexual com penetração, que nesta amostra foi de cerca de 16 anos. Todavia, análises de média evidenciaram que os homens que já praticaram relações sexuais apresentam atitudes de uso inconsistente um pouco maiores. Esse achado corrobora com um estudo realizado com universitários brasileiros que já haviam praticado sexo que, embora a maioria dos participantes tenham conhecimento sobre ISTs, principalmente sobre a aids, o uso inconsistente do preservativo foi alto (Rebello, & Gomes, 2009). Ou seja, as estratégias de prevenção em saúde sexual não podem ser pautadas apenas na distribuição de informação, é necessário gerar reflexão e autonomia. A falta de psicólogos nas equipes de saúde básica e a pouca presença da psicologia na formulação das políticas de saúde sexual agravam esse problema. O fenômeno descrito se relaciona à falta de cuidado da saúde do homem que, por sua vez, relaciona-se à masculinidade (Lorimer et al., 2018; Morais, & Filho, 2019; Rebello, & Gomes, 2009). O uso inconsistente do preservativo está relacionado a constructos masculinos, como normas de gênero, percepções masculinas de atratividade, especialmente reportadas em homens heterossexuais (Eleftheriou, Bullock, Graham, Stone, & Ingham, 2016; Raiford, Seth, Braxton, & Diclemente, 2013), embasando o dado encontrado nesta amostra, em que tais homens, de forma significativa, tinham maiores atitudes negativas frente ao uso do preservativo. Em um estudo realizado com homens não-heterossexuais e heterossexuais verificou-se que esses últimos usavam de forma mais inconsistente o preservativo, pois há a percepção do uso do preservativo como um comportamento afeminado, e portanto, não masculino (Treffke, Tiggemann, & Ross 1992). Além disso, há nesse público de homens heterossexuais e na população em geral a crença de que heterossexuais são imunes a ISTs (Guerriero et al., 2002; Knauth et al., 2020).
Não houve diferença entre os homens que se consideram afeminados e não afeminados nas atitudes referentes ao uso inconsistente de preservativo. Embora os homens afeminados pertençam a uma minoria sexual e enfrentem situações mais estressantes, fatores que influenciam negativamente na utilização do preservativo em homens (Yang et al., 2018), nesta amostra, essa relação não foi observada.
Não foram encontradas diferenças entre os grupos de heterossexuais e não-heterossexuais sobre a antiafeminação ou a importância atribuída à masculinidade. Acredita-se, então, que para os homens não-heterossexuais é também importante performar masculinidade e, possivelmente, validá-la através de atitudes de antiafeminação, ainda que pertençam a uma minoria sexual. Ou seja, mesmo dentro da comunidade não-heterossexual, é possível identificar hierarquização das masculinidades com base na expressão de gênero (Ramos, & Cerqueira-Santos, 2020a; Ramos, Costa, & Cerqueira-Santos, 2020). Encontrou-se em um estudo realizado com homens gays que, ao tentar se esquivar da imagem afeminada (importância atribuída à masculinidade), atitudes negativas contra afeminados são tomadas (antiafeminação) (Souza, & Pereira, 2013). Em uma população universitária dos EUA foi encontrado que a maioria dos homens gays atribuem como importante que se pareçam masculinos, além dos seus parceiros (Sánchez, & Vilain, 2012). A antiafeminação em homens gays e bissexuais pode estar relacionada a maiores índices de homofobia internalizada (Ramos et al., 2020). Além disso, os homens considerados afeminados são, de forma significativa, mais rejeitados por outros homens para encontros sexuais e/ou românticos, além de terem maiores chances de sofrer violências (Miller, & Behm-Morawitz, 2016; Rios, Paiva, & Brignol, 2019). Esses resultados podem sugerir, além de atitudes de antiafeminação por parte de homens não-heterossexuais, efeitos negativos sobre a autoestima dos homens que se consideram afeminados, como descrito nesta amostra, pois, apresentam-se como menos desejados e enfrentam mais discriminação e preconceito até em ambientes de trabalho (Ozturk, Rumens, & Tatli 2020), uma vez que comportamentos expressados por homens que possam ser considerados femininos não são, de modo geral, aceitos (Guerra, Scarpati, Duarte, Silva, & Motta, 2014).
Encontrou-se, de forma significativa, maiores índices de autoestima em homens heterossexuais que nos homens não-heterossexuais. A baixa autoestima dos não heterossexuais pode ser compreendida pelo modo como esse público é visto pela sociedade. Afinal, sabe-se que ser não-heterossexual corresponde a um marcador negativo em diversos contextos sociais, desse modo, justifica-se esses grupos possuírem menores níveis de autoestima, uma vez que pertencer ao grupo de não-heterossexuais, bem como ser considerado afeminado, independente da orientação sexual, provoca discriminação e rebaixamento, além de perdas de oportunidades desde o trabalho até na vida pessoal (Ramos, & Cerqueira-Santos, 2020a), pois, sexualidades não definidas pela heterossexualidade são desvalorizadas nas sociedades mais tradicionais (Mankowski, & Smith, 2016). Verificou-se, ainda, que ser um homem não-afeminado se relaciona com maior importância atribuída à masculinidade e maiores atitudes de antiafeminação. De fato, para os homens em geral, o modelo de uma masculinidade levada ao extremo é algo a ser seguido, justificando a importância dada à masculinidade (Ramos, & Cerqueira-Santos, 2020a). Além disso, ser masculino também se relaciona à negação do feminino, acarretando em atitudes antiafeminação. Foi encontrado em um estudo realizado no Japão que os homens heterossexuais mantém sua autoestima de gênero direcionando para homens gays atitudes negativas (Suzuki, & Ikegami, 2014), uma vez que é atribuído à homossexualidade um marcador feminino. Embora esse achado pudesse sugerir que os heterossexuais tivessem mais atitudes de antiafeminação, essa diferença não foi encontrada neste estudo. Entretanto, o conceito de autoestima de gênero pode ser usado como uma das explicações para a existência de mais atitudes antiafeminação em homens autodeclarados não-afeminados e a maior importância atribuída à masculinidade.
Conclusões
A necessidade de expressar a masculinidade de acordo com o contexto histórico, cultural e espacial em que o sujeito homem está inserido gera consequências negativas ao próprio homem, entre seus pares e para as mulheres. Partindo desse aspecto, discutiu-se impactos cognitivos, sociais e psicológicos que cumprir ou não o papel tido como masculino pode acarretar, sobretudo, em relação as práticas sexuais para os homens. O sexo é um dos comportamentos mais caros à performance da masculinidade no Brasil e sua não realização pode gerar o comprometimento da própria imagem que, numa tentativa de provar a masculinidade de outros modos, pode provocar comportamentos de agressão, estigma e preconceito, como é o caso da antiafeminação, vista como uma marca a ser seguida da masculinidade. Esses comportamentos são, principalmente, observados nos homens que atribuem muita importância à masculinidade. A expressão de roteiros tidos como tipicamente masculinos acarreta em impactos positivos e negativos. Por um lado, se relaciona com maior autoestima, uma vez que é cumprido o que socialmente é esperado, por outro, pode ocorrer a vulnerabilidade da saúde do sujeito uma vez que fatores de proteção sexual, como o uso do preservativo, não são vistos como masculinos, acarretando em seu uso inconsistente. Além disso, considerar-se um homem afeminado e/ou ser não-heterossexual em uma sociedade que rejeita o feminino e o que desvia da norma heterossexual coloca o sujeito em vulnerabilidade social e causa impactos negativos na sua autoestima. Observadas as consequências da masculinidade, percebe-se, no entanto, a possibilidade de mudança dos comportamentos de homens (Hacker, 1957; Pinto, Meneghel, & Marques, 2007), que justifica a necessidade de estudos sobre o tema (Connell, & Messerschmidt, 2013). Desse modo, o presente estudo contribuiu para o aumento de produções científicas que visam promover conhecimentos que possam intervir para a ocorrência de práticas masculinas mais saudáveis. Uma das limitações deste estudo foi a amostra com escolaridade acima da média e relativamente pequena, desse modo, sugere-se para estudos futuros a sua realização com uma população mais diversa e extensa, assim, os achados poderão ser reforçados. A coleta realizada em formato presencial permitiu o acesso a grupos variados, o que foi considerado como um dos pontos positivos desta pesquisa. Por fim, os dados levantados com esta amostra permitem pensar a necessidade de aprimoramento de políticas públicas, uma vez percebido que fatores relacionados à masculinidade devem ser levados em conta por aquelas políticas para seu maior sucesso, mesmo antes da iniciação sexual dos jovens.