1. Introdução
Problemática da dependência de internet
O conceito de vício em Internet foi introduzido pela primeira vez em um estudo pioneiro de Young (1998). Este trabalho usou uma versão adaptada dos critérios para jogo patológico definidos pelo DSM-IV (American Psychiatric Association [APA], 1994), o qual definiu o vício em internet como um distúrbio de controle de impulsos que não envolve uma substância intoxicante. A descrição do vício em Internet de Young (1999) se aproxima da descrição de diversos comportamentos de abuso, como por exemplo, o jogo compulsivo, a compulsão alimentar, compras compulsivas, impulso sexual excessivo e dependência de tecnologias. Comportamentos estes que não envolvem o uso de substâncias, mas que estão ligados aos transtornos de impulso. A questão principal na dificuldade de controle dos impulsos (padrão compulsivo) implicaria não somente a apresentação da tolerância (demandando período maior de conexão, níveis mais elevados ou variados de conteúdo excitante, ou uso intenso e constante da internet), como também a existência de alguma forma de padrão de abstinência. Esse fenômeno envolveria um estado de maior inquietação e sensações desagradáveis psíquicas e fisiológicas quando há o afastamento ou impedimento do uso da internet. Esses comportamentos podem ser identificados tanto por observação objetiva quanto pelo descrição subjetiva das pessoas afetadas (Greenfield, 2011).
Vantagens da Internet
A internet é uma atividade acessível, de baixo custo, que promove a distorção da percepção de tempo, possibilita interações sociais com o anonimato das pessoas durante essas interações, produzindo efeitos prazerosos. É uma atividade criada há algumas décadas, não sendo algo totalmente novo, porém a novidade pode ser observada no aumento exacerbado da intensidade, da disponibilidade e da frequência com que as tecnologias pela internet vêm sendo acessadas na atualidade (Greenfield, 2011).
Esquemas de manutenção da dependência da internet
A dependência de internet se deve à sua natureza prazerosa (reforçadora) e à estrutura de reforço dessa atividade. O esquema de reforço de razão variável prevalente ocorre no comportamento de uso da internet, que acontece quando uma resposta é reforçada após um número variável de respostas, ocasionando uma taxa de respostas alta, constante e intensamente resistente à extinção (Ferster & Skinner, 1957). A internet, por geralmente, propiciar uma satisfação, de acordo com esquema de condicionamento, em que há alto grau de imprevisibilidade e novidade, promove a resistência à extinção, reforçando ainda mais o ciclo de dependência. O prazer ao clicar e ter acesso a vastas possibilidades de conteúdo e de consumo desejados, receber notificações inesperadas de mensagens e postagens nas redes sociais, através de cliques imprevisíveis, atraentes de formas variadas e intermitentes, produz diversas combinações e estrutura que tornam a internet viciante (Greenfield, 2011). Outro modelo para explicar a manutenção da dependência seria o uso compensatório da internet através do reforço negativo (comportamento de fuga e esquiva) (Skinner 1953/2007). Nesse esquema, o comportamento de acesso à internet ocorreria como uma forma de evitar problemas da vida real ou aliviar estados de humor desconfortáveis que produziria em curto prazo consequências positivas devido ao indivíduo sentir-se melhor, porém em longo prazo poderia trazer prejuízos, uma vez que a internet se tornaria a via predominante de interações sociais em detrimento das interações na vida real (Kardefelt-Winther, 2014).
DSM-5
O Transtorno de Dependência de Internet não apresenta critérios diagnósticos claros e definidos. No capítulo Condições para Estudos Posteriores do DSM-5 (APA, 2014) em que são propostos conjuntos de critérios diagnósticos de transtornos novos, para os quais são recomendadas pesquisas futuras, há a descrição de critérios para o Transtorno do Jogo pela Internet, que descreve uma patologia especificando o uso excessivo da internet exclusivamente relacionado aos jogos. A descrição não inclui o uso excessivo da internet em outras áreas (acesso a redes sociais, acesso à pornografia, entre outros), porém menciona a necessidade de pesquisas futuras sobre os demais usos excessivos da internet seguindo diretrizes similares. Em 2018, a Organização Mundial da Saúde incluiu, na CID 11, International Classification of Diseases 11th. Revision, a definição do transtorno da dependência de jogos eletrônicos nomeada como Gaming Disorder (Transtorno por Jogos Eletrônicos em tradução livre). Consiste em um padrão de dependência causado pelos jogos eletrônicos, caracterizado pelo comportamento obsessivo em relação aos jogos, suprimindo qualquer outro interesse ou atividades que não sejam os games, comprometendo assim a funcionalidade em aspectos pessoais, familiares, educacionais e ocupacionais das pessoas afetadas pelo transtorno.
Tratamento
Em relação ao tratamento psicoterapêutico, os resultados ainda são incipientes. Abreu (2013), refere que as terapias de apoio ou de aconselhamento associadas a intervenções familiares, como uma forma de reduzir o dano causado pelo comportamento de abuso, seriam de grande importância. Como a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) apresenta índices satisfatórios no tratamento de outros transtornos dos impulsos (jogo patológico, tricotilomania, entre outros), as intervenções cognitivo-comportamentais seriam a primeira opção de escolha para o tratamento. Young (2007) realizou um estudo seguindo um modelo de intervenção baseado na TCC. A autora acompanhou uma amostra clínica de 114 pessoas, inicialmente avaliadas por meio do Internet Addiction Test (IAT), que participaram de 12 sessões de intervenção e foram reavaliadas após seis meses. No estudo foram avaliados os seguintes fatores: motivação para minimizar o uso abusivo da internet, capacidade de controlar a permanência na internet, envolvimento em atividades fora da internet, melhora dos relacionamentos interpessoais e melhora da vida sexual fora da internet (quando aplicável). A maior dificuldade relatada pelos participantes foi gerir o tempo conectado (96%), seguido por dificuldades de relacionamento devido ao tempo gasto no computador (85%) e por disfunções sexuais devido à diminuição do interesse do envolvimento sexual com parceiros reais (75%). Os resultados do estudo indicaram que a TCC foi eficaz para a diminuição dos sintomas relacionados à dependência de internet, e após seis meses, os pacientes mantiveram os ganhos obtidos. Em relação a informação, prevenção, intervenção e tratamento, Abreu et al. (2020) escreveram um manual sobre como lidar com a dependência tecnológica, com base na Terapia Cognitivo Comportamental. No guia há informações sobre o que é a dependência tecnológica e suas diferentes formas de apresentação (dependência de celular, de internet e de jogos eletrônicos); sobre os fatores de risco para o vício; quais os aspectos sociais e aspectos médicos relacionados; como agir para a educação e prevenção da dependência tecnológica na infância e na adolescência; aspectos práticos de orientação para adultos, familiares e escola sobre como conduzir as mídias digitais; e estratégias de intervenção e tratamento para a dependência tecnológica, reforçando a necessidade do envolvimento dos profissionais da saúde, da família e dos cuidadores em processos de prevenção e de tratamento deste atual e real problema.
Objetivo
Levantar estudos de metanálise sobre a dependência de internet e verificar seus principais resultados para compreender esse fenômeno, de modo a contribuir com informações, para os profissionais que atuam com essa problemática quanto ao conhecimento, desenvolvimento e aplicação de recursos na prevenção e tratamento.
2. Desenvolvimento
O questionamento que norteou este estudo foi: “O que as principais publicações dos últimos cinco anos dizem sobre a dependência de internet?”
A revisão foi realizada, a partir dos resumos dos artigos coletados na base de dados PubMed. Para a busca foram especificados os descritores Dependência de Internet, Dependência Digital e Uso Problemático de Smartphones traduzidos para o inglês com a seguinte estratégia: (Internet Addiction) OR (Digital Addiction) OR (Problematic Smartphone Use). Os critérios considerados para inclusão dos resumos foram pesquisas publicadas no período entre 2017 a 2022 na modalidade de metanálise; amostras de adolescentes e adultos e que adotassem o conceito de dependência de internet relacionado às seguintes categorias: características cognitivas na dependência de internet, efeitos negativos da dependência de internet, relação entre dependência de internet e transtornos mentais/comportamentais, tratamento da dependência de internet e prevenção da dependência de internet. Essas categorias foram consideradas devido à próxima relação entre a intervenção em terapia cognitivo comportamental e os sintomas e ou comportamentos, cognições já investigadas em pesquisas sobre a dependência tecnológica.
Foram excluídos do presente estudo, os resumos dos artigos que relatavam metodologias de tratamento on-line para o tratamento de outros transtornos que não fossem a dependência de internet; resumos de artigos sobre livros e documentos; resumos de pesquisas de ensaios clínicos e resumos de ensaios controlados randomizados.
Dados encontrados
A busca realizada no dia 06 de julho de 2022, retornou 76 resumos das publicações. Os títulos de 19 resumos se enquadraram nas categorias para este estudo. No ano de 2017 foram realizadas três publicações, uma publicação no ano de 2018, seis publicações no ano de 2019, quatro publicações no ano de 2020, duas publicações no ano de 2021 e três publicações até o primeiro semestre do ano de 2022. A incidência maior de estudos foi na categoria da relação entre dependência de internet e transtornos mentais/comportamentais, totalizando 10 artigos. Um dos artigos abordou as características cognitivas na dependência de internet, dois artigos abordaram os efeitos negativos da dependência de internet, cinco artigos analisaram tratamentos para a dependência de internet e um artigo analisou métodos de prevenção para a dependência de internet, conforme representado na Figura 1.
Análises dos Estudos
O estudo de Ioannidis et al. (2019) classificado na categoria características cognitivas na dependência de internet realizou uma revisão sistemática da literatura comparando a cognição em pessoas que faziam uso problemático da internet (UPI), uma revisão sistemática foi realizada de estudos de caso-controle examinando os seguintes domínios cognitivos no Transtorno do Jogo ou no jogo de risco (problema): inibição atencional, inibição motora, desconto, tomada de decisão e impulsividade reflexiva. As diferenças de caso-controle na cognição foram identificadas usando metanálise (modelagem de efeitos aleatórios). A análise de moderação explorou possíveis influências de idade, gênero, presença/ausência de comorbidades nos casos, região geográfica e qualidade do estudo sobre o desempenho cognitivo. Para o jogo problemático, apenas a tomada de decisão teve dados suficientes para a metanálise, resultando em prejuízo significativo versus controles (g=0,66); no entanto, a qualidade do estudo foi relativamente baixa. Esta metanálise indica impulsividade aumentada em uma variedade de domínios cognitivos no Transtorno do Jogo. A impulsividade na tomada de decisão pode se estender ao jogo problemático (em risco), mas mais estudos são necessários para confirmar esses candidatos a marcadores de vulnerabilidade cognitiva.com a cognição voltada para uma finalidade produtiva do uso da internet. Os resultados indicaram que o UPI foi associado a prejuízos significativos em vários domínios neuropsicológicos entre eles no controle inibitório, na tomada de decisão e na memória de trabalho. Em relação aos efeitos negativos da dependência de internet para a qualidade de vida, os resultados do estudo de Noroozi, et al. (2021), indicaram que pessoas que apresentavam uma alta dependência de internet, apresentaram pontuações mais baixas de qualidade de vida que aquelas que eram usuárias esporádicas da internet. Em adição, houve uma relação negativa significativa entre vício em internet e qualidade de vida nos aspectos psicológico, físico e no escore geral de qualidade de vida. Os efeitos negativos do uso abusivo da internet relacionados à qualidade do sono foram analisados por Alimoradi et al. (2019) que selecionaram estudos observacionais com foco na associação entre vício em internet e distúrbios do sono, incluindo problemas de sono e duração do sono. Os resultados da metanálise foram significativos para problemas de sono e redução da duração do sono entre os indivíduos com dependência de internet. Na categoria relação entre dependência de internet e transtornos mentais/comportamentais, o estudo de Vahedi e Saiphoo (2018) analisou os níveis de ansiedade e estresse associado ao uso de smartphones. Os resultados sugeriram uma associação pequena a média entre o uso do smartphone e sintomas de estresse e de ansiedade. Em relação ao uso problemático de smartphones, a pesquisa de Yang et al. (2020) avaliou a associação desse comportamento com a má qualidade do sono e transtornos depressivos e de ansiedade. As análises indicaram riscos significativamente aumentados de má qualidade do sono, depressão e ansiedade em pessoas que fazem uso problemático de smartphones. Um estudo semelhante foi desenvolvido por Li et al. (2020) que estudaram a dependência de smartphones relacionada à ansiedade, depressão, estresse, impulsividade e piora da qualidade do sono entre estudantes universitários. Os autores concluíram que os resultados indicaram que os estudantes universitários dependentes do celular eram mais propensos a desenvolver altos níveis de ansiedade, depressão e impulsividade e sofrer de má qualidade do sono. Outro campo estudado foi os efeitos da dependência de internet sobre o comportamento alimentar. O estudo de Aghasi et al. (2020) investigou a associação entre o uso da internet e a probabilidade de apresentar sobrepeso e obesidade. Os resultados indicaram que o uso da internet foi positivamente associado ao aumento das chances de sobrepeso e obesidade. Em relação aos transtornos alimentares Hinojo-Lucena et al. (2019) estudaram a associação entre o desenvolvimento de determinados transtornos alimentares e a dependência de internet na população estudantil. A metanálise confirmou que a dependência de internet é um preditor de transtornos alimentares em estudantes destacando-se a necessidade de prevenção. Ioannidis et al. (2021) examinaram a relação do uso problemático da internet com o transtorno alimentar e psicopatologias relacionadas. Os resultados apoiaram o impacto do uso problemático da internet para os sintomas do transtorno alimentar. A associação entre a dependência de internet e o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) foi avaliada no estudo de Wang et al. (2017) que encontrou uma associação moderada entre a dependência de internet e o TDAH. Indivíduos com dependência de internet (DI) foram associados a sintomas mais graves de TDAH. O estudo concluiu que a dependência de internet foi positivamente associada ao TDAH entre adolescentes e adultos jovens. Outro aspecto estudado pelos artigos é a associação da dependência de internet aos comportamentos de risco à saúde mental entre adolescentes e jovens adultos. Marchant et al. (2017) revisaram as evidências sobre a influência da internet no comportamento de automutilação/suicida em jovens. Uma relação entre o uso da internet e o comportamento de automutilação/suicídio foi particularmente associada à dependência de internet, altos níveis de uso da internet e sites com conteúdo de automutilação ou suicídio. Os autores concluíram que existe um potencial significativo para danos causados pelo comportamento online. Wang et al. (2022) realizaram uma análise abrangente para entender melhor a relação entre dependência de internet e comportamentos de risco à saúde entre adolescentes e jovens adultos. A metanálise mostrou que a dependência de internet foi positivamente correlacionada com beber e fumar. No contexto da pandemia da Covid-19, um estudo analisou a relação entre saúde mental e uso de mídia digital em adolescentes nesse período de isolamento social. Os resultados mostraram que, embora a maioria dos estudos tenha relatado a existência de uma associação entre mal-estar e o uso/dependência de mídia social, nem todos os tipos de mídia digital e o uso da mídia prejudicaram a saúde mental dos adolescentes. Situações que propiciaram a comunicação particular, experiências on-line positivas e a autorrevelação na amizade recíproca on-line, amenizaram os sentimentos de solidão e estresse (Marciano et al., 2022). Os estudos sobre o tratamento da dependência de internet analisaram os efeitos de procedimentos diversos para o tratamento do transtorno. Liu et al. (2017) avaliaram os efeitos de programas de aconselhamento em grupo, Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) e intervenção esportiva na dependência de internet. Os resultados evidenciaram que os três procedimentos podem reduzir significativamente os níveis de dependência de internet. Programas de aconselhamento em grupo foram mais eficazes para o gerenciamento de tempo, nas questões interpessoais e de saúde, na tolerância e no uso compulsivo da internet. O tratamento com a TCC produziu uma mudança positiva na depressão, ansiedade, agressividade, somatização, insegurança social, ansiedade fóbica, ideação paranoide e psicoticismo, e o tratamento com intervenção esportiva resultou em efeitos significativos na dependência de internet, amenizando especialmente os sintomas de abstinência. Sobre intervenções por meio de exercícios, Liu et al. (2019) estudaram os efeitos reabilitadores dessa modalidade de tratamento para a dependência em smartphones. Os achados indicaram efeitos positivos significativos das intervenções com exercícios na redução da dependência de smartphones. Malinauskas e Malinauskiene (2019) avaliaram a eficácia das intervenções psicológicas para a dependência de internet entre adolescentes. Os autores concluíram que as intervenções psicológicas podem ajudar a reduzir a gravidade da dependência, no entanto seriam necessários mais estudos de ensaios clínicos randomizados para identificar a eficácia da TCC. A metanálise de Goslar et al. (2020) avaliou a eficácia de modalidades de tratamento de alguns comportamentos compulsivos, dentre eles a dependência de internet. Os resultados indicaram que tratamentos psicológicos, farmacológicos e combinados foram associados a melhorias significativas da dependência de internet. As análises sugeriram que a combinação de abordagens cognitivo-comportamentais com o tratamento farmacológico mostrou-se mais promissora quando comparada às monoterapias. Um estudo recente, investigou a eficácia das intervenções psicológicas no uso problemático da internet e do smartphone. Os autores concluíram que as evidências atuais indicam que as intervenções psicológicas podem ser eficazes, porém, os resultados são considerados preliminares em decorrência da quantidade limitada de pesquisas disponíveis (Augner et al. 2022). Em relação à prevenção da dependência de internet o trabalho Throuvala et al. (2019) foi o único estudo publicado no período analisado. Os autores realizaram uma revisão de literatura com o objetivo de identificar e examinar programas ou protocolos de prevenção da dependência de internet direcionados aos adolescentes no contexto escolar. No entanto, os autores concluíram que o estudo apresentou resultados mistos que impediram conclusões, necessitando de maiores evidências empíricas. Os resultados da presente pesquisa indicaram que o campo de estudo da dependência de internet é amplo, abrange perspectivas diversas sobre o transtorno. No que diz respeito às características cognitivas e aspectos neuropsicológicos, os resultados do estudo de Ioannidis et al. (2019) foram ao encontro dos modelos neurobiológicos mais proeminentes em relação ao uso problemático da internet que evidenciam alterações cognitivas relacionadas a prejuízos na tomada de decisão, e disfunções executivas de flexibilidade mental e de controle inibitório, porém não há um consenso sobre quais déficits cognitivos são os mais predominantes em indivíduos que apresentam a dependência de internet (Brand et al., 2014). Os efeitos negativos do transtorno foram analisados em termos amplos (qualidade de vida) e específicos (sono, comportamento alimentar e relação com outros transtornos mentais/comportamentais). Indivíduos que faziam uso abusivo da internet apresentavam piora na qualidade de vida de forma geral, aspectos psicológicos, físicos e gerais (Noroozi et al. 2021). Os estudos analisados evidenciaram combinações diversas, em que o uso abusivo da internet, pode exercer influência em efeitos indesejáveis. O uso exagerado da internet pode estar relacionado à piora da qualidade e da duração do sono (Alimoradi et al. 2019); piora da qualidade do sono associada a transtornos depressivos, de ansiedade e de impulsividade, e aumento dos níveis de estresse e da ansiedade (Li et al. 2020; Vahedi & Saiphoo 2018; Yang et al. 2020); pode influenciar o comportamento alimentar, aumentando a probabilidade de apresentar sobrepeso e obesidade (Aghasi et al. 2020) e predizer o desenvolvimento de transtornos alimentares (Hinojo-Lucena et al. 2019; Ioannidis et al. 2021); para as pessoas que apresentam TDAH, a dependência de internet pode estar positivamente associada ao transtorno (Wang et al. 2017) e influenciar comportamentos de risco à saúde física e mental quanto aos comportamentos de automutilação e suicídio, beber e fumar entre adolescentes e jovens adultos (Marchant et al. 2017 e Wang et al. 2022). As publicações que foram selecionadas para a presente pesquisa conceberam o uso exagerado da internet de forma multidimensional (não relacionado a um conteúdo da internet específico), mas analisaram a relação entre o uso abusivo e consequências específicas variadas. Do ponto de vista cognitivo, pessoas que apresentam pensamento negativo, geralmente têm baixa autoestima e manifestam atitudes pessimistas. Estas podem ser as mais atraídas para o potencial interativo anônimo da internet, buscando superar a inadequação sentida (Young et al. 2011). Considerando os estudos na literatura sobre depressão e adolescentes, verificou-se que aqueles adolescentes que relatavam sintomas depressivos, tendiam mais que aqueles não deprimidos a conversar com pessoas na internet, fazer uso da internet com mais frequência para a comunicação interpessoal e realizar autorrevelações de forma mais proeminente na internet. Outro achado foi em relação ao uso de mensagens instantâneas entre adolescentes, que eram preditoras de maior grau de depressão, porém de menor solidão (Van Den Eijden et al. 2008; Ybarra et al., 2005, como citado em Caplan & High 2019). Esses dados apoiam os achados da pesquisa de Marciano et al. (2022) que analisou a relação entre saúde mental e uso de mídia digital em adolescentes durante a pandemia da Covid-19. Os resultados mostraram que, apesar de a maioria dos estudos ter comunicado a existência de uma associação entre mal-estar e o uso/dependência de mídia social, nem todos os tipos de mídia digital e o uso da mídia afetaram negativamente a saúde mental dos adolescentes, de forma que algumas situações amenizaram os sentimentos de solidão. No tratamento da dependência de internet as pesquisas realizadas nos últimos cinco anos avaliaram estudos sobre as intervenções por meio de exercícios, aconselhamento em grupo, intervenções psicológicas (em particular a TCC) e farmacológicas. Os resultados evidenciaram que os procedimentos propostos podem reduzir os níveis de dependência de internet, porém atuam em dimensões diferentes do transtorno, não havendo consenso quanto a uma metodologia ou protocolo que seja o mais recomendado para o tratamento, em decorrência da quantidade limitada de estudos disponíveis (Augner et al. 2022; Goslar et al. 2020; Liu et al. 2017; Liu et al. 2019; Malinauskas & Malinauskiene 2019). Pode-se observar pesquisas quanto a abordagens de psicoterapia para o tratamento da dependência de internet, ainda são poucas, pois como o transtorno ainda não está incluído nos manuais oficiais de medicina e de psicologia, o estudo e conhecimento da área são limitados. Apesar de poucos estudos, as terapias mais investigadas são a TCC e as entrevistas motivacionais. Se as pesquisas em relação ao tratamento são limitadas, o mesmo ocorre quanto à prevenção. O único estudo sobre prevenção publicado recentemente com o objetivo de identificar programas ou protocolos de prevenção da dependência de internet no contexto escolar, talvez estudar uma amostra a longo prazo com um controle das variáveis, pode ajudar os pesquisadores encontrarem novos dados (Throuvala et al. 2019).
3. Considerações finais
A internet favorece meios que aumentam a velocidade de comunicação e o fluxo de informações, traz praticidade ao facilitar atividades do dia a dia, possibilita conexões entre pessoas e interações em tempo real ultrapassando barreiras físicas, mudando o modo de vida e como as pessoas se relacionam na atualidade. Contudo, pode apresentar efeitos desfavoráveis para a saúde, quando não bem utilizada, conforme a análise dos estudos apresentados nesta pesquisa. A partir das informações apresentadas no presente trabalho a respeito da dependência de internet, pode-se concluir que se trata de uma temática atual e de grande relevância, de forma que as limitações identificadas precisam ser consideradas. Os estudos apresentados mostram as relações da dependência de internet com diversos aspectos, como obesidade, depressão, diminuição do contato social, decréscimo da qualidade de vida, entre outros. Porém os dados encontrados não evidenciaram uma congruência sobre a dependência de internet quanto a indicadores que a definam de forma clara e que abarquem a maior parte de suas nuances e implicações. A compreensão deste fenômeno recente e impactante se torna premente para que sejam delineados procedimentos de prevenção e intervenção, que sejam adequados e efetivos em amenizar os efeitos negativos do uso abusivo. Por isso, se faz necessário que os cientistas continuem com estudos prospectivos, de modo a obter mais dados.