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Natureza humana

versão impressa ISSN 1517-2430

Nat. hum. v.8 n.1 São Paulo jun. 2006

 

TRADUÇÃO

 

O cérebro e o pensamento*

 

 

Georges Canguilhem

 

 

É certo que cada um de nós se envaidece por ser capaz de pensar, e muitos até gostariam de saber como é possível que pensem como de fato pensam. Ao que tudo indica, entretanto, essa questão já deixou manifestamente de ser puramente teórica, pois parece-nos que um número cada vez maior de poderes estão se interessando em nossa faculdade de pensar. E se, portanto, procuramos saber como é que nós pensamos do modo como o fazemos, é para nos defender contra a incitação sorrateira ou declarada a pensar como querem que pensemos. Com efeito, muitos se interrogam a respeito dos manifestos de alguns círculos políticos a res-peito de certos métodos de psicoterapia dita comportamental e a respeito dos relatórios de certas empresas de informática. Eles acreditam estar discernindo aí a virtualidade de uma extensão programada de técnicas que objetivam, em última análise, a normatização do pensamento. Para simplificar sem, espero, deformar, bastará citar um nome: o de Leonid Pliouchtch, e uma sigla: a da I.B.M.

Da mesma forma que os biólogos acharam que só podiam falar do cérebro humano situando esse cérebro no extremo de uma história dos seres vivos, parece-me também apropriado, para começar uma palestra sobre o cérebro e o pensamento, situar essa questão, antes de mais nada, na história da cultura.

Se, hoje, é fato notório ser o cérebro humano o órgão do pensamento, é preciso, entretanto, lembrar que um dos maiores filósofos da Antiguidade, Aristóteles, ensinava que a função do cérebro, antagonista da do coração, é a de arrefecer o corpo do animal. Foi Hipócrates quem ensinou que o cérebro é a sede das sensações, o órgão dos movimentos e dos juízos. É o que prova o tratado hipocrático Da doença sagrada (isto é, a epilepsia). Essa doutrina, retomada em parte por Platão, notadamente no Timeu, deve a Galeno o fato de ter-se imposto na cultura ocidental. O aristotelismo militante de Galeno não o desviou da tarefa de procurar a confirmação da tese hipocrática, praticando experiências muito engenhosas no sistema nervoso e no cérebro. Tendo recebido de suas origens e conservado no correr dos séculos a feição de uma questão concernente à sede da alma, nosso problema de hoje vem suscitando, a partir da filosofia cartesiana, uma filiação de teorias e uma sucessão de polêmicas de que somos hoje os herdeiros. É indispensável que façamos um rápido histórico para identificar a época em que devemos iniciar nosso exame. Trata-se do século XIX, momento em que se travou o combate do positivismo contra o espiritualismo: a teoria das localizações cerebrais.

Costuma-se, com demasiada freqüência, situar o início desse histórico em Descartes. Isso é um perfeito contra-senso. Descartes ensinava que a alma indivisível está unida ao corpo por inteiro por meio de um órgão único e, por assim dizer, fisicamente pontual: a glândula pineal (o conarium dos antigos, a nossa epífise)1. Não se tratava, portanto, de unir um pensamento dividido a um organe fédéral (órgão central do governo). Aqueles que posteriormente não entenderam que a função da glândula pineal era uma função metafisiológica, criticaram Descartes e foram procurar em outro lugar do cérebro a sede do sensorium commune. A lista é longa, de Willis a La Peyronier. Até mesmo a invenção da guilhotina deu margem a argumentações - por parte de médicos eminentes como Soemmering, correspondente de Kant - em favor desta ou daquela teoria. Cabanis (1795), para quem o cérebro secreta pensamentos assim como o fígado secreta a bílis, inseriu-se na controvérsia e debateu o caso da decapitação de Charlotte Corday.

Em 1810, Gall publicou sua Anatomia e fisiologia do sistema nervoso em geral e do cérebro em especial. Foi naquele momento que surgiu, efetivamente, a ciência do cérebro, embora ela devesse, em seguida, ultrapassar o obstáculo inicial da frenologia, feita ao mesmo tempo de ingenuidade e de pretensão. O ponto forte da doutrina de Gall é a exclusividade que ele atribui ao encéfalo e, mais especialmente, aos hemisférios cerebrais como "sede" de todas as faculdades intelectuais e morais. O cérebro, entendido como um "sistema de sistemas", é apresentado como o único suporte físico do quadro das faculdades. A frenologia é uma cranioscospia baseada na correspondência entre o conteúdo e o continente, entre a configuração dos hemisférios e a forma do crânio. Em oposição à ideologia sensualista e contra aquilo que hoje seria chamado de aquisição da experiência sob pressão do ambiente, Gall e seus discípulos sustentam a inerência das qualidades morais e dos poderes intelectuais. Mas, de forma oposta aos metafísicos espiritualistas, eles fundamentam esse inatismo no substrato anatômico de um órgão e não na substancialidade ontológica de uma alma. O interesse da controvérsia pode parecer, à distância, puramente teórico, quando na verdade, ele não o era.

Ridicularizou-se bastante a corcova dos matemáticos,2 mas, nestes últimos tempos, já não se pensa em rir dos cromossomos dos "superdotados" ou da hereditariedade genética do quociente intelectual porque, mesmo que as pessoas só tenham um quociente intelectual médio, elas conseguem perfeitamente entrever as conseqüências possíveis disso no campo das condições sociais. É preciso lembrar, entretanto, que já Gall e Spurzheim não paravam de falar do alcance prático de suas teorias na área da pedagogia, da identificação das aptidões (o que se chama hoje de orientação), da medicina e na esfera da segurança (prevenção da delinqüência). Uma das ilustrações de Daumier para o poema satírico de Antoine-François Hyppolite Fabre, Nemesis médicale (1840), retrata um frenologista diante da tradicional coleção de crânios de gesso, apalpando o crânio de um menino cuja mãe, uma mulher do povo, o tinha levado ao consultório para um diagnóstico de aptidões. E na sua Histoire de la phrénologie, Georges Lanteri-Laura relata a rapidez com a qual a frenologia, trazida para os Estados Unidos pelo próprio Spurzheim e por um de seus discípulos, um escocês chamado Combe, transformou-se em frenologia aplicada, um instrumento usado para a orientação e a seleção profissional e até mesmo para fins de consulta matrimonial. Pode-se dizer que a frenologia teve, naquela ocasião, nos Estados Unidos, um sucesso comparável e, por razões comparáveis, ao sucesso da psicanálise.

Mas não se pode de forma alguma subestimar - pois ela é capital - a influência da frenologia sobre a psicopatologia porque, senão, seria impossível entender que as primeiras localizações cerebrais das funções intelectuais tenham estado ligadas aos problemas da fala e da memória das palavras. Em matéria de afasia, Broca e Charcot confirmaram a descoberta de Bouillaud, aluno de Gall, ou seja, a localização da função da linguagem nos lóbulos anteriores do cérebro (1825-1848). Na segunda metade do século XIX, a exploração das funções do cérebro apoderou-se da corrente elétrica galvânica ou farádica como instrumento privilegiado de análise. E, paralelamente, a neurologia experimental foi alçada por alguns ao nível de uma filosofia.

Com efeito, desde 1835, um médico do Hospital de Bicêtre, Lélut, tinha escrito o seguinte na obra intitulada Qu'est-ce que c'est la phrénologie?: "Para ser totalmente completo, só faltaria a esse sistema fisiológico-psicológico tratar do modo de ação do cérebro na produção dos fatos intelectuais e morais, isto é, explicar o mecanismo de pensamento através da hipótese moderna da eletrização ou da eletromagnetização da massa encefálica" (p. 239). Meio século depois, as pesquisas de Ferrier, Fritsch, Hitzig, Flechsig inauguravam o que Hecaen e Lanteri-Laura chamaram de "idade de ouro das localizações cerebrais", ensejando o estabelecimento do primeiro mapa topográfico do cérebro. Mas, já em 1891, o psiquiatra suíço Gottlieb Burckhardt convertia os conhecimentos topográficos em técnicas de psicocirurgia e começava a praticar, na verdade sem grande sucesso, o que foi chamado, posteriormente, de lobotomia.3 Digna de nota, novamente, foi a rapidez com a qual o suposto conhecimento das funções do cérebro foi investido em técnicas de intervenção, como se o processo teórico fosse congenitamente suscitado pelo interesse com relação à prática.

Paralelamente às pesquisas sobre neurologia cerebral, a psicologia tendia a não ser mais do que uma sombra da fisiologia, encorajada por uma filosofia mal pensante que buscava, nessa psicologia, suas razões para mal pensar. O corifeu, na França, é Hyppolite Taine. Já em 1854, na obra Les philosophes français au XIXe siècle, ele contrapõe aos discursos espiritualistas de Paul Royer-Collard as pesquisas experimentais sobre o cérebro praticadas por Flourens, que dificilmente poderia ser acusado de materialismo. E a obra de 1870, De l'intelligence, vai tornar plausível, a partir de uma teoria sobre a sensação, a tese conhecida sob o nome de paralelismo psicofisiológico que os filósofos da universidade francesa, os mestres daqueles que foram nossos mestres, inclusive Bergson, fizeram questão de refutar sob o olhar reprovador de Théodule Ribot, uma espécie de executor testamentário de Taine.

Mas, até o próprio Freud, autor, em 1888, de um artigo "Cérebro" para um dicionário médico, não deixou de reconhecer-se devedor de Taine. Tendo redigido, em 1895, seu trabalho Projeto para uma psicologia científica, ele escreveu para Fliess (fevereiro de 1896): "O livro de Taine, De l'intelligence, me agrada muito. Espero que algo possa sair dali". É talvez o que tenha autorizado Ludwig Binswanger a escrever que as concordâncias são numerosas entre o naturalismo psicológico de Taine e o de Freud. Contudo, desde 1900, ao introduzir na "Traumdeutung" o conceito de aparelho psíquico, Freud, sem renunciar à topografia das localizações, mostrou-se interessado, antes de tudo, pelo que ele chamava de "tópica psíquica". Em 1915, ele acabou escrevendo, no capítulo sobre o "Inconsciente" da Metapsicologia: "Todas as tentativas para adivinhar, a partir daí (as localizações cerebrais) uma localização dos processos psíquicos, todos os esforços para pensar as representações como estando armazenadas nas células nervosas fracassaram radicalmente". E ele acrescenta que, no momento, a tópica psíquica (distinção dos sistemas Ics., Pcs.,Cs.) "nada tem a ver com a anatomia".

Para me manter apenas na esfera francesa, lembrarei dois títulos de obras da mesma época, expressamente concebidos sem referência a conceitos filosóficos. Se, em 1905, Alfred Binet publicava um ensaio sobre a natureza da sensação com o título L'Âme et le Corps, em 1923, Henri Piéron, diretor do Instituto de Psicologia, publicava Le Cerveau et la Pensée.

O cérebro e o pensamento estão unidos de modo tão estreito e até mesmo confundidos no pensamento - ou no cérebro - dos fisiologistas, dos médicos, dos psicólogos, que remeter ao cérebro toda a responsabilidade por um drama dolorosamente sentido se impõe até mesmo aos poetas. E é dessa forma que um herói das letras, poeta e ator, em dificuldades com seu ego, escreve a Jacques Rivière: "A única coisa que peço agora é sentir meu cérebro... Sou um homem que já sofreu demais com o espírito. Eu só espero que meu cérebro mude e que suas gavetas superiores se abram". Trata-se de Antonin Artaud. Foi em maio de 1923 e em março de 1924. E foi também no ano universitário de 1923-1924 que um professor do Collège de France - aluno de Charcot, como Freud o foi, e médico particular de um outro herói das letras, também em dificuldades com seu ego, chamado Raymond Roussel - Pierre Janet,4 declarou numa das suas aulas:

Foi um exagero vincular a psicologia ao estudo do cérebro. Há cerca de cinqüenta anos que nos falam demais do cérebro: afirma-se que o pensamento é uma secreção do cérebro, o que é uma bobagem, ou então que o pensamento está em relação com as funções do cérebro. Haverá uma época em que riremos disso tudo: isto não é exato. O que chamamos de pensamento, os fenômenos psicológicos, não são a função de nenhum órgão em particular: não é nem a função da ponta dos dedos nem tampouco a função de uma parte do cérebro. O cérebro não é senão um conjunto de comutadores, um conjunto de aparelhos que movimenta os músculos através da excitação. O que chamamos de idéia, o que chamamos de fenômenos de psicologia, são um processo conjunto, o indivíduo todo tomado em seu conjunto: não devemos separar um do outro. A psicologia é a ciência do homem por inteiro e não é a ciência do cérebro: este é um erro psicológico que fez muito mal durante muito tempo.5

Esse retrospecto de uma psicologia, talvez hoje injustamente esquecida, não foi feito somente para mostrar erudição, mas é, pelo contrário, uma preocupação da atualidade. Esse relato permite creditar a Janet uma posição deliberada de não-conformismo em matéria de patogenia e de terapêutica das doenças ditas mentais, uma posição tão contestadora quanto a que poderia ter, hoje em dia, um adepto da anti-psiquiatria. Quando deixamos de acreditar na primazia do cerebral, tornamo-nos céticos com relação à eficiência de um internamento quase carcerário. Segundo Janet, o conceito de alienação não é uma construção preliminarmente psicológica, ele é, antes de mais nada, "algo que se deve à polícia". Janet declara: "Um demente é um homem que não conseguiria viver nas ruas de Paris". Por pouco ele não estaria declarando serem as ruas de Paris dementes. Esse homem tranqüilo que escreveu em 1927, na obra La pensée intérieure et ses troubles, "o vocábulo `louco' é portanto um termo policial", teria, quem sabe, aprovado sorrindo o conselho escrito nas paredes de sua universidade pelos alunos de Oxford: "Do not adjust your mind, there is a fault in reality" - Vocês não precisam corrigir seu espírito, porque é a realidade que claudica.

Em resumo, um século após Gall e Spurzheim, era possível ser psicólogo sem ter que buscar argumentos na neurofisiologia. Mas voltemos por um instante à frenologia, para entender melhor a questão filosófica ligada ao problema "cérebro-pensamento".

A explicação das funções intelectuais e de seus efeitos pela estrutura e pela configuração do cérebro traz, de imediato, uma ambigüidade que sua vulgarização tornou manifesta porque grosseira. Uma das numerosas obras de vulgarização e de propaganda frenológica, Le petit Docteur Gall, de Alexandre David, contém uma página de comentários sobre um retrato de Descartes tirado do Traité de physiognomonie de Lavater (1778). Trata-se de um desenho copiado de uma pintura de Franz Hals. O frenologista, discípulo de Spurzheim, descobre na cabeça de Descartes "todas as faculdades intelectuais perceptivas": individualidade, configuração, extensão, peso, cor, localidade, cálculo, ordem, eventualidade, tempo, tons e linguagem. Explica-se assim que Descartes tenha tido muita regularidade na administração de seu interior, que ele tenha aplicado a álgebra à geometria e a matemática à ótica. Explica-se também, pela presença cerebral da "localidade", sua existência nômade. E felicita-se um certo senhor Imbert, sábio frenologista, por ter observado que o cogito é um simples efeito da "eventualidade", ou seja, "da faculdade que percebe as ações que estão em nós". O Cogito não é de forma alguma um efeito das "faculdades intelectuais reflexivas", o que justifica o que Spurzheim havia dito, ou seja, que Descartes não é tão grande pensador quanto se pensava.

Em suma, antes da frenologia, acreditava-se que Descartes era um pensador, um autor responsável pelo seu sistema filosófico. Segundo a frenologia, Descartes é portador de um cérebro que pensa sob o nome de René Descartes. Exatamente porque Descartes é seu cérebro, no qual a "eventualidade" está presente, é que ele percebe nele próprio o cogito. Porque Descartes é seu cérebro, no qual a "localidade" está presente, é que ele se desloca como um nômade, do Poitou até a Suécia, passando por Paris, por Ulm, por Amsterdã, onde ele precede os hippies que ali se sentem à vontade por outros motivos diferentes dos seus. Em suma, a partir da imagem do crânio de Descartes, o sábio frenologista conclui que todo o Descartes, biografia e filosofia, está num cérebro que é preciso dizer seu cérebro, o cérebro de Descartes, já que o cérebro contém a faculdade de perceber as ações que estão nele. Mas, finalmente, que ele é esse? Estamos aqui no âmago da ambigüidade. Quem ou o que diz eu, não somente no início do Discurso do método, mas sobretudo no início da Geometria de 1637: "Eu nomearei a unidade... Eu não terei receio de introduzir esses termos..., etc." ?

Durante todo o século XIX, o Eu penso foi, por diversas vezes, recusado ou refutado em proveito de um pensar sem sujeito pessoal responsável. Lichtenberg, na sua obra Philosophische Bemerkungen, disse: "Es denkt sollte man sagen sowie man sagt es bliekt". Dever-se-ia se dizer isso pensa como dizemos isso brilha.

O neurologista Exner, citando essa frase de Lichtenberg num memorial, Über allgemeine Denkfehler, 1889, escreve: "As expressões `eu penso', `eu sinto', não são formas corretas de se expressar. Seria preciso dizer "isso pensa em mim" (es denkt in mir), "isso sente em mim" (es fühlt in mir). O peso dos argumentos não depende de nossa vontade, forma-se um juízo em nós (es denkt is uns)."

Anteriormente, Rimbaud e Nietzsche, independentemente um do outro, acharam que deviam se desculpar por terem cedido à ilusão de seu ego pensante. Na famosa carta a Izambard de 1871, onde Rimbaud se define como um vidente, ele acrescenta: "é falso dizer: eu penso. Dever-se-ia dizer: pensam-me". E, em Além do bem e do mal, em 1886, Nietzsche escreve: "É uma alteração dos fatos pretender que o sujeito eu seja a condição do atributo `eu penso'. Alguma coisa pensa, mas, daí a acreditar que esse algo é o antigo e famoso eu é uma pura suposição" (§ 17).

Nietzsche retomou a mesma idéia diversas vezes. A lista pode ser encontrada no livro de Bernard Pautrat, Versions du soleil, no capítulo Decomposition du cogito. Quanto maior for a concordância na denúncia de uma ilusão, tanto mais o fato da ilusão será incontestável, mas também maior será o dever de dar conta dela.

"Wo Es war soll Ich werden." Essas palavras de Freud, cuja interpretação divide as escolas de psicanálise, pode ser desviada para nosso uso. E a última frase desse nosso histórico é uma pergunta: como é que um eu penso pode advir n'isso que o fisiologista de hoje, depois do frenologista, indica e descreve. N'isso, um cérebro?

O que chamamos "pensar"? Embora, de acordo com as mundanidades filosóficas, a questão tenha uma ressonância heideggeriana, nós a tomaremos pelo seu lado banal, trivial. Segundo a definição que dermos de "pensar", admitiremos pensadores desta ou daquela espécie. O autor de Pensées, o inventor do "caniço pensante", escreveu: "A máquina de aritmética tem efeitos que se aproximam mais do pensamento do que tudo aquilo que os animais fazem; mas ela não faz nada que permita dizer que ela tem vontade como os animais". E, aqui, estamos quase no computador, cujos efeitos se aproximam ainda mais do pensamento do que fazia a máquina de Pascal. Melhor ainda, eles ultrapassam o pensamento. A metáfora, agora repetida, do cérebro-computador justifica-se na medida em que se entende como pensamento as operações de lógica, o cálculo, o raciocínio. Razão, ratio, deriva etimologicamente de reor, calcular. Quanto à vontade dos animais, mesmo se considerarmos que Pascal tenha estendido de modo abusivo esse conceito a toda sorte de condutas orientadas pela busca de uma satisfação vital, devemos convir que existe pelo menos um animal capaz de desejar um efeito sem qualquer precedente na sua experiência. É o homem, inventor das máquinas, como o próprio Pascal. Se a máquina aritmética é o efeito do cálculo de um cérebro do qual ela própria é uma aproximação, pelo menos devemos admitir que os cinqüenta modelos dessa máquina teimosamente construídos antes do modelo definitivo são o indício de uma vontade de construir conscientemente motivada. Pascal acha que não há uma abordagem mecânica desse tipo de motivação. Se não é possível conceber uma máquina motivada pelo projeto de construir uma máquina, se não existe computador na origem absoluta do computador, o que proibiria o filósofo de se interrogar a respeito de outras questões diferentes das dos fisiologistas? Isso não significa de forma alguma contestar o saber do fisiologista na sua área. A estrutura dos neurônios do cérebro e a relação entre eles são a condição de seu exercício. Os progressos e a retificação do saber dos fisiologistas é assunto de fisiologistas. O fisiologista manda na própria casa. Mas o filósofo é indiscreto em qualquer lugar.

O computador é o resultado de uma tentativa de mimetizar, graças à eletrônica do século XX, as propriedades já reconhecidas no cérebro pela fisiologia do século XIX: recepção de estímulos, transmissão e desvio de sinais, elaboração de respostas, registro de operações. A descrição desse esquema funcional na linguagem atual da informática não o altera de modo fundamental. Pode-se falar à vontade do computador como se fosse um cérebro ou do cérebro como se fosse um computador. Na sua obra Mémoire pour l'avenir, François Dagognet escreveu: "A verdadeira proeza é o homem ter conseguido exteriorizar os processos cerebrais graças aos quais ele calcula, fala e pensa" e, inversamente, que "O próprio cérebro... sai redefinido em razão de sua substituição pela memória material".

Existe aí um caso particular de estratégia teórica, característica da ciência atual: a partir de observações e de experiências conduzidas em determinado campo da realidade, constrói-se um modelo, e, a partir desse modelo, continua-se a refinar o conhecimento como se estivéssemos lidando com a própria realidade.

Fazemos a seguinte pergunta: o fisiologista admite perfeitamente que o cérebro seja uma parte de um organismo, isto é, de acordo com a definição de Nageotte, de um mecanismo "cuja edificação esteja compreendida no seu funcionamento". Será que essa propriedade paradoxal, em comparação com os mecanismos artificialmente produzidos pelo homem, é ou não é ampliada por outra propriedade paradoxal que os fisiologistas atribuem ao cérebro, ou seja, a de ser um órgão cuja representação de seu funcionamento está inserida no próprio funcionamento? Para os redatores da revista Pour la Science,6 que publicaram um número dedicado ao cérebro, esse "grande computador da nossa vida" descobriu "suas maravilhosas propriedades refletindo sobre sua própria natureza". Mas eles são somente jornalistas. David Hubel, conhecido neurofisiologista, recusa o argumento "materialista-espiritualista" (ou seja dualista) segundo o qual o computador cerebral seria incapaz de entender a si próprio. Hubel reconhece, aliás, que o cérebro humano (1012 neurônios; 1014 sinapses, ou seja, cem mil bilhões) é diferente do computador, cujos componentes, até mesmo no futuro, não teriam condições de atingir esses números. Além disso, o cérebro não funciona segundo um programa seqüencial linear. Na mesma revista, Francis Crick mostra, ele também, como e em que a analogia entre o cérebro e o computador é enganadora. Ele constata, com desgosto, que o fisiologista não conseguiu descrever a percepção cons-ciente de forma a esclarecer a experiência "muito direta" que nós temos dela. "Suspeita-se fortemente ser esse fenômeno o resultado de uma retroação das vias de cálculo sobre si mesmas, mas não se sabe exatamente como isso ocorre". Como se uma retroação pudesse ser considerada transcendente em relação a uma ação direta.

Existem, entretanto, fisiologistas que não confundem os marcos e os limites de sua ciência e que, ao se esforçarem em fazer recuar esses limites, mostram-se prudentes quanto à possibilidade de ultrapassá-los. Um biomatemático, Pierre Nelson, termina o prólogo de sua obra, Logique des neurones e du système nerveux, tecendo reflexões sobre a "insatisfatória objetividade" do tipo de explicação que confunde o que é sentido com o que é lógico. O professor Michel Jouvet, ao responder a uma pergunta de um jornalista do Nouvel Observateur7 sobre se ele acreditava ser possível, um dia, a descoberta de uma fórmula química da "consciência da consciência", respondeu-lhe: "Um sistema só pode entender outro se ele for mais complexo. Lógico... Então, nosso cérebro irá poder decifrar seus próprios segredos? Mesmo com o auxílio de um computador, não estou muito certo de que conseguiremos traduzir todos os processos de consciência em termos neurobiológicos". Mas será essa questão realmente uma questão de lógica? Anteriormente, François Jacob havia invocado o teorema de Gödel como base para uma resposta semelhante à de Jouvet.8 Cabe perguntar se não se estaria tomando muitas liberdades com relação a esse teorema da limitação ao invocá-lo para questões estranhas ao seu campo de validade, a aritmética formal. Devemos, entretanto, elogiar esses biólogos pela sua reticência em deduzir a consciência de uma ciência do cérebro, mesmo fortalecida com o recurso do computador.

Mas a surpresa não poderia ser maior ao constatar o interesse manifestado pelo público no tocante à maquinaria eletrônica do pensamento humano. A lista das publicações de cultura anglo-saxã na área cujos títulos aliam as palavras Mind ou Brain a Machine é bastante longa. Quanto à divulgação junto ao público, Bernard D'Espagnat observa, em obra recente, não existir espiritualista hoje em dia que não se sinta obrigado a pensar no seu espírito em termos de contatos de computador. Inútil sublinhar o uso ou, melhor dizendo, o abuso de expressões não pertinentes como "cérebro consciente", "máquina consciente", "cérebro artificial" ou "inteligência artificial". Mas, aqui, cabe perguntar por que essas justaposições de termos incompatíveis na ciência? Certamente, porque essas metáforas, nascidas do uso legítimo de modelos heurísticos ou de simuladores sofisticados pelos cientistas, foram habilmente transformadas e repetidas em lugares-comuns publicitários, no estágio industrial da informática. Como poderíamos estar contra o computador se nosso próprio cérebro é um computador? O computador na sua própria casa? Porque não, já que temos um computador em cada um de nós? Um modelo de pesquisa científica foi convertido em máquina de propaganda ideológica com dois objetivos: prevenir ou desarmar a oposição à invasão de um meio de regulação automatizado das relações sociais; dissimular a presença dos tomadores de decisão que existem por detrás do anonimato da máquina.

Mas, quer se trate de máquinas analógicas ou de máquinas lógicas, uma coisa é o cálculo ou o tratamento de dados de acordo com instruções e outra é a invenção de um teorema. Calcular a trajetória de um foguete espacial é coisa que cabe a um computador. Formular a lei da atração universal é uma performance que não está na esfera dele. Não existe invenção sem a consciência de um vazio lógico, sem tensão em direção a um possível, sem os riscos de se enganar. Quando perguntaram a Newton como é que ele tinha encontrado o que ele procurava, ele teria respondido: "pensando sempre nisso". Que sentido devemos reconhecer nesse "isso"? Que situação é essa de pensamento onde se busca o que não se vê? Que lugar para o isso numa maquinaria cerebral que seria montada para relacionar dados sob a limitação de um programa? Inventar é criar informação. Perturbar hábitos de pensamento, o estado estacionário de um saber.9 Da mesma forma que, no "Jogador de xadrez" de Torrès y Quevedo, um fonógrafo pode proclamar "Xeque ao Rei", também podemos imaginar uma máquina gritando "Eurêka" após haver encontrado a solução de um problema cujos dados e dificuldades lhe tenham sido comunicados. Não se imagina essa máquina descobrindo as funções fuchsianas do modo como Henry Poincaré relatou essa descoberta em Science et Méthode. Após vários períodos de trabalho infrutíferos, abando nados e retomados, Poincaré percebe, num relance, uma relação de identidade entre as transformações que lhe permitiram definir essas funções e aquelas da geometria não euclidiana. Foi em Coutances, subindo num ônibus: "No momento em que eu colocava meu pé no degrau, veio-me à idéia..." Será que algum dia existirão autômatos lógicos aos quais virão idéias? Eu responderia com duas citações. No seu estudo Au sujet d'Eurêka, Valéry escreveu que "as pesquisas insensatas são parentes das descobertas imprevistas". E um matemático que se interrogava sobre as dificuldades de construção de modelos para nos aproximar do acaso e formalizar o informalizável, René Thom, escreveu: "Nessa tarefa, o cérebro humano, com seu velho passado biológico, suas avaliações hábeis, sua sutil sensibilidade estética, permanece e permanecerá ainda por muito tempo insubstituível".10

Mas, se não é possível, assimilando o cérebro a uma máquina eletrônica, entender como o cérebro é capaz de inventar, será que isso pode ser entendido através de uma explicação química? Da mesma forma como o uso de certas substâncias ditas psicotrópicas vem permitindo uma melhoria real de certas doenças nervosas ou mentais, pode-se formular a esperança de estender à causa das perturbações o que se conseguiu sobre seus sintomas. Daí o interesse crescente pela química cerebral e pelas moléculas próprias à modificação da transmissão das excitações no nível das sinapses. A descoberta dos neuropeptídeos - encefalinas e endorfinas -, substâncias endógenas, assegurou um certo poder de inibição da dor psíquica e dos sofrimentos morais.

A hostilidade da antipsiquiatria contra a psicofarmacologia, a denúncia sistemática das "camisas-de-força químicas", recobre um tanto de cegueira injusta para os casos de problemas metabólicos que encon tram racionalmente sua suspensão ou sua atenuação na intervenção química dos neuromediadores. É o caso da doença de Parkinson, à qual sabemos contrapor a ação da L.Dopa, e é o caso também da esquizofrenia, tranqüilizada ou até mesmo curada através da administração de clorpromazina, cuja descoberta foi julgada tão importante quanto o foi, para a cirurgia, a dos anestésicos.

Teria sido muito surpreendente se, em razão de alguns resultados espetaculares e estimulantes, os psicofarmacologistas não tivessem nutrido a esperança de estender os poderes da química, não mais somente às deficiências do cérebro para atenuá-las, mas, também e sobretudo, ao desempenho deste, para estimulá-lo. Os redatores do artigo da revista Newsweek11 acreditam que está chegando o momento em que se descobrirá, da mesma forma como foram descobertas as substâncias destinadas a fortalecer a memória, substâncias próprias a fortalecer a invenção. Fala-se de uma possível droga capaz de suscitar o sentimento do déjà vu para ajudar as pessoas a resolverem problemas que só lhes pareçam difíceis porque sem precedentes. Não se fala de quais problemas se trata. Existe uma grande distância entre problemas de manutenção ou de contra-espio-nagem e um problema de matemática como, por exemplo, a demonstração geral do famoso teorema de Fermat. Como não ironizar o extremismo ao qual chegam os vulgarizadores? E como deixar de observar que a invenção dessa droga - que poderíamos chamar de pílula da invenção ou da concepção - seria ela própria facilitada grandemente pela invenção prévia daquilo que ela objetiva produzir? Noutras palavras, o projeto de pesquisa para um sustento da heurística seria tributário, por sua passagem da potência ao ato, da realização prévia daquilo de que ele é o projeto. Pensa-se resolver o problema particular da solução dos problemas em geral, no nível das microestruturas cerebrais, pela invenção de uma espécie de pílula pró-solução (ou pró-concepção). Trata-se, na verdade, apenas da reduplicação do problema ou, para falar de modo mais simples, do uso de uma alavanca sem ponto de apoio.

Conseqüentemente, apesar da existência e dos felizes efeitos de alguns mediadores químicos, apesar das perspectivas abertas por certas descobertas em neuroendocrinologia, não parece ter chegado o momento de anunciar, à moda de Cabanis, que o cérebro vai secretar pensamento como o fígado secreta bílis.

Não esqueço que Pascal não esqueceu da memória. Lembro-me de dois de seus Pensamentos: "A memória é necessária para todas as operação da razão" e "quando eu era criança, eu apertava meu livro...". Na primeira, Pascal visa a memória do calculador, do pesquisador, do administrador, do estrategista. A memória-arquivo e inventário. Aquela que nos orgulhamos de imitar, de reduzir, de aliviar, e até mesmo, de substituir através do tratamento automático dos bancos de dados por uma memória artificial isenta das doenças da memória.

Mas essa "Memória para o futuro", segundo a expressão de François Dagognet, que futuro ela abre para a memória? Para a memória do "Quando eu era criança...", para a memória do tempo perdido e do tempo reencontrado, para essas lembranças às quais Proust se referiu quando escreveu, nas últimas linhas de sua obra, "que elas acabarão perecendo quando o desejo de um corpo vivo não as mantiver mais"?

O exame do assunto mereceria mais do que somente um momento na conferência e mais do que uma conferência. É voluntariamente que não tratarei de uma questão que deveria logicamente conduzir à interrogação sobre a probabilidade de ver, um dia, na vitrine de uma livraria, a Autobiografia de um Computador, na falta de sua Autocrítica.

Mas, o que chamamos "pensar" quando se trata desse poder do ser vivo que Pascal chamou de vontade e cuja capacidade de simulação ele nega à maquina? Essa restrição poderia parecer imprópria a todos aqueles que lhe oporiam os robôs de hoje, os animais eletrônicos e as tartarugas de GreyWalter ou de Albert Ducrocq, todos máquinas que têm, reconhecidamente, o sentido da oportunidade, da adaptação às circunstâncias e que possuem a capacidade de aprender. Pascal não poderia prever que Henri Piéron, em 1908, iria utilizar o seu termo "comportamento" para traduzir a palavra inglesa behaviour, adotada no início do século nos Estados Unidos por Thorndike, Jennings e Watson, para designar os comportamentos animais polarizados como fenômenos biológicos de adaptação ao meio ambiente. Ainda que se continuasse chamando de psicologia esse estudo dos comportamentos - na verdade, por uma estranha conduta de exclusão e de retenção -, proibia-se qualquer referência ao pensamento e à consciência, interessando-se pelo cérebro somente como uma caixa preta onde apenas as entradas e as saídas eram levadas em conta. Distinguia-se, decerto, entre as condutas dos vivos, algumas que se continuava a chamar de inteligentes, mas sem referência a qualquer capacidade reflexiva de juízo. Objetivamente, a inteligência é a correção do comportamento em função dos obstáculos encontrados na busca de uma satisfação.

É notório que o estudo objetivo dos comportamentos utiliza as técnicas do condicionamento através de dispositivos de aprendizagem. Mas nem sempre se distingue suficientemente dois tipos de condicionamento: o condicionamento pavloviano através do enxerto de uma relação estímulo-resposta numa relação de tipo reflexo inato; e o condicionamento skinneriano ou instrumental, que é a consolidação sistemática, através do efeito reiterado de uma recompensa obtida, de uma conduta de solução satisfatória conseguida inicialmente por acaso. Na caixa de Skinner, o rato ou o pombo adquirem, através da repetição de situações erro-castigo e correção-recompensa, o comportamento aparentemente inteligente de um cálculo de vantagens. Numa e noutra teoria do condicionamento estima-se poder extrapolar uma conclusão do animal para o homem, e não se pode contestar que muitos daqueles que as defendem estão à beira de confundir adestramento com aprendizagem e de considerar qualquer meio como um ambiente, inclusive o fato social e cultural no caso do homem, e, finalmente, de passar progressivamente do conceito de educação ao de manipulação. A qual dessas duas teorias deveríamos vincular as técnicas de orientação ou de direcionamento dos indivíduos no meio social, através da distribuição manifesta ou camuflada de recompensas?

Para se justo, é preciso reconhecer que a teoria do condicionamento resultante dos trabalhos de Pavlov é incorporada, por uma certa antropologia que adota o materialismo dialético, a uma filosofia que se auto-denomina não-reducionista, na medida em que ela reconhece de modo expresso que o ambiente cultural humano é um efeito histórico e não um dado natural. Sob essa ótica, o pensamento não é mais uma função puramente cerebral, um produto biológico. Ele é um efeito social relativo ao tipo de sociedade no qual ele intervém. Numa sociedade conservadora ou repressora, a equação pensamento = cérebro serve de justificativa para as técnicas de normatização da conduta. O condicionamento skinneriano é considerado pelos neurológos progressistas como o reflexo e como o meio de conservação da sociedade americana. A isso, os radicais americanos respondem que o condicionamento, o descondicionamento, a lavagem cerebral e a camisa-de-força química não são o privilégio de país nenhum.

Mas o essencial do ambiente social humano é ser um sistema de significações. Uma casa não é percebida como pedra ou madeira, mas como abrigo. Um caminho não é terra aplainada, mas uma passagem, uma pista. Mesmo para o homem de Neanderthal, um sílex talhado não é apenas pedra: sua dureza não é apenas um dado de sensibilidade, ela é, antes de mais nada, projeto de "utensilidade". A percussão é apenas um movimento, um gesto cujos efeitos primordiais, a ferramenta e o fogo, constituem as raízes do sentido de sua existência para o ser vivo humano. Conseqüentemente, será que poderíamos admitir que a aprendizagem e o domínio do sentido das coisas e dos atos, num ambiente cultural, não trazem outros problemas de método além do simples adestramento por condicionamento? Esses problemas culminam no problema da linguagem. A relação pensamento-linguagem remete à questão cérebro-pensamento através da relação cérebro-linguagem. Será que a linguagem é "aprendida" como qualquer outro comportamento, na concepção de Skinner? Será que o ensino da linguagem é análogo a um condicionamento que desemboca no vínculo durável entre um significante, um significado e um referente? Se identificarmos aprendizagem e condicionamento não estaríamos ressuscitando com isso o empirismo, contemporâneo da época em que as funções do cérebro eram ignoradas? Se temos de levar em conta as capacidades lingüísticas inatas, será que devemos por isso identificar inatismo e programação cerebral genética? Esse foi o objeto do debate organizado em Royaumont, em 1975, entre Noam Chomsky e Jean Piaget, recentemente publicado sob o título Teorias da linguagem, teorias da aprendizagem.

Ao sustentar que a gramática de uma língua não é uma proprie-dade dessa língua, mas uma propriedade do cérebro humano, Chomsky pensa dar conta do fato de que a mesma criança que aprende a falar na língua de seus locutores adultos aprenderia uma outra língua na comunicação com outros locutores. Quando se objeta que a inteligência geral poderia obter o que Chomsky supõe estar inscrito no núcleo fixo da linguagem, Chomsky responde que, para aprender a aprender, é necessária uma disposição inicial. Segundo ele, a obrigação de ter de recorrer a uma capacidade geral para explicar a aprendizagem da língua é justamente a confirmação desse aspecto da criatividade que Wilhelm von Humboldt reconheceu ao afirmar: "Uma língua pode fazer uso infinito de meios finitos". Pode-se entender facilmente porque Chomsky invoca Descartes e Leibniz, filósofos que defenderam o inatismo dos princípios racionais; mas não se entende bem como ele pode identificar a necessidade das exigências universais da competência lingüística com a determinação genética das capacidades cerebrais. Certo é que sua oposição a Skinner e à teoria exposta na obra Verbal Behavior é paralela a sua atitude de oposição política às teses de Skinner expostas em Beyond Freedom and Dignity (1971):

A crença de que o espírito humano é vazio, fornece uma justificativa a toda sorte de sistemas autoritários. Se o espírito humano é vazio, qualquer método para conformar os espíritos à sua vontade é legítimo e isso é desenvolvido ao extremo em Skinner, por exemplo; tudo acaba numa espécie de esquema fascista. (Teorias da linguagem, teorias da aprendizagem)

Mas os adversários de Chomsky respondem que o inatismo do poder intelectual pode se transformar num argumento em favor do elitismo, como apoio para uma justificativa das relações sociais desiguais. Basta lembrarmos, no momento, que na sua versão biológica atual, o debate entre empirismo e inatismo fornece, indiferentemente, argumentos a posições políticas opostas. Sinal, sem dúvida, de que a justificação de escolhas políticas deve ser buscada noutro lugar que não no cérebro. Sobre esse último ponto, aliás, a conclusão da conferência do Sr. Jouvet12 merece atenção. Ele formulou a hipótese de que o sonho, expressão de uma atividade cerebral fechada às aferências externas, cortada do am-biente, poderia ser considerada como o indício de uma atividade de manutenção do programa hereditário, de uma ruptura da relação social. O sonho seria o guardião da liberdade natural, em reação às restrições culturais. Surge aqui a tentação de evocar Rousseau, a oposição do homem selvagem e do homem civil, e o axioma segundo o qual o homem nasceu livre, embora esteja, em toda parte, enjaulado. Mas a Profissão de fé do Vicário da Savóia não permite incluir Rousseau entre os que buscam na fisiologia os fundamentos da pedagogia e da política.

Em resumo, a linguagem humana é, essencialmente, uma função semântica da qual as explicações de tipo fisicalista nunca chegaram a dar conta. Falar é significar, dar a entender, porque pensar é viver no sentido. O sentido não é relação entre..., ele é relação com... Eis porque ele escapa a qualquer redução que tente inseri-lo numa configuração orgânica ou mecânica. As máquinas ditas inteligentes são máquinas de produzir relações entre os dados que lhes são fornecidos, mas não estão em relação com o que o usuário se propõe, a partir das relações que elas engendram para ele. Porque o sentido é relação com, o homem pode brincar com o sentido, desviá-lo, simulá-lo, mentir, criar armadilhas.13 Pois, tanto numa ocorrência como na outra, é preciso levar em conta um desvio da relação com, um entorse do sentido. A relação de sentido na linguagem não é a réplica imaterial de relações físicas entre elementos ou sistemas de elementos no cérebro do locutor. Inversamente, o sentido da palavra proferida na relação com... não é a produção de uma configuração física no cérebro do interlocutor. Da mesma forma que nossa área visual cerebral não vê, por assim dizer, os objetos que nossos olhos presumidamente deveriam nos dar a ver, não existe, nas dobras do córtex, um pensamento contemplando o fantasma dos objetos ou das situações visadas nas nossas palavras. Hoje, na idade da eletrônica, do mesmo modo que no século XIX, não se pode explicar o conhecimento científico ou a experiência poética pela réplica cerebral da relação entre o meio e o organismo. Copérnico e Galileu podem, ao falar com o jardineiro ou o camareiro, dizer que o sol se levanta, já que Copérnico e Galileu vêem, como jardineiro ou o camareiro, o globo solar subir acima do horizonte, mas eles sabem que o sol não se levanta. Como Vitor Hugo pode fazer de conta que percebe o inverso do que ele está vendo no pôr-do-sol, ele percebe, por assim dizer, a verdade do movimento aparente dos astros, isto é, aquilo que devemos pensar depois de Copérnico e Galileu:

O dia morria; eu estava perto dos mares, na praia.
E segurava pela mão minha filha, criança que sonha,
Espírito jovem que se cala.
A terra, inclinando-se como um navio que naufraga,
Virando no espaço ia mergulhando nas sombras;
A pálida noite despontava
(As contemplações: Magnitudo Parvi)

A relação entre o cérebro, o pensamento e o mundo não pode, portanto, ser considerada como a reprodução mental (ou interior) dos efeitos físicos produzidos no cérebro pela introdução do mundo (exterior) nele, utilizando, para isso, a via dos canais sensoriais. Wittgenstein escreve incisivamente a esse respeito nas suas Zettel (escritas entre 1945 e 1948): "Os filósofos que acreditam que se pode, por assim dizer, prolongar a experiência no pensamento, deveriam saber que a palavra pode ser transmi-tida pelo telefone, mas não o sarampo". É certo que não se pode trans-mitir o sarampo pelo telefone, mas podem ser transmitidos pelo telefone discursos cuja cor simbólica não é agradável para todos. Daí a prática da escuta telefônica. Daí a exclusão de indivíduos por motivo de doença contagiosa do pensamento, afastamento mais longo, geralmente, que os dezoito dias de afastamento escolar em caso de sarampo.

Existem várias formas de se dar conta do fato de que a palavra humana remete ao pensamento, o qual remete, por sua vez, a um sujeito que não é uma parte do mundo, mas, como diz Wittgenstein, "um pressuposto de sua existência". Pode-se concordar com a reflexão crítica sobre a ilusão da interioridade psíquica, reflexão inaugural da obra póstuma de Maurice Merleau-Ponty, O visível e o invisível, sem por isso concordar com todas as teses do existencialismo. Pode-se preferir, por motivo de não-engajamento axiológico, a referência a Wittgenstein já citada. O autor do Tractatus lógico-philosophicus insiste, para daí tirar uma conseqüência geral, no fato de que nosso campo de visão não é ele próprio visto por uma espécie de olho mental, localizável no mundo da percepção:

Existe realmente um sentido no qual pode ser questão de um eu não psicológico em filosofia. O eu aparece em filosofia em decorrência do fato de que o mundo é o nosso próprio mundo. O eu filosófico não é o homem, nem o corpo humano, nem a alma humana de que trata a psicologia, mas o sujeito metafísico, o limite - não uma parte do mundo.14

O melhor comentário sobre esse texto não deve ser procurado na filosofia, mas sim na pintura. A visão do pintor é, ela também, uma relação significante a. Maurice Denis disse que Cézanne chamava de "motivo" aquilo que ele desejava representar, o que o incitava a pintar; e não o assunto, isto é, as coisas representadas das quais se pode falar. Pode-se sustentar que, para o filósofo, a visão do pintor como ato de presença no mundo é mais instrutiva do que uma teoria psicofisiológica da visão. O quadro de René Magritte, A paisagem isolada, é a imagem de uma paisagem contemplada por um homem visto de costas e que diz numa bolha: "Eu não vejo nada em volta da paisagem". É bem verdade que Eu não vejo nada em volta da paisagem, como eu veria a parede em volta de um quadro representando a paisagem em torno da qual tem alguém que diz "Eu não vejo nada". Eu sou o todo da minha visão, mas eu posso transformar sempre em outro o todo da minha visão, ao me deslocar. Prova de que eu não coincido com aquilo de que constituo o limite. O campo perceptivo é, como diria Raymond Ruyer, uma superfície absoluta, mas deve-se acrescentar, móvel. O Eu não está em relação de sobrevôo com o mundo, mas sim numa relação de observação.

*

Eis-nos de volta ao mesmo ponto ao qual chegamos no final do histórico inicial. Pensar é um exercício do homem que exige a consciência de si na presença ao mundo, não como a representação do sujeito Eu, mas como sua reivindicação, pois essa presença é observação e, mais exatamente, sur-veillance. De um ponto de vista filosófico, não há contradição em reconhecer uma subjetividade sem interioridade, o que não acarreta a suspeita de idealismo solipsista. Se examinarmos com atenção, com efeito, o conceito de interioridade veicula uma imagem espacial. A interioridade é a exterioridade invertida, mas não abolida. Em relação a isso, o Eu, observador do mundo das coisas e dos homens é tanto o Eu de Spinoza quanto o Eu de Descartes. Enquanto Descartes julga intimamente a evidência de seu Cogito, Spinoza enuncia como axioma impessoal o Homo cogitat. Mas, quando ele compõe o Tratado Teológico-Político, Spinoza é esse Eu que reivindica, no último capítulo, ante o reconhecido direito do Soberano de regular qualquer coisa no Estado com respeito às ações dos cidadãos: "Que seja outorgado a cada um pensar o que quer e dizer o que pensa". Se bem que Spinoza tenha utilizado o nós da modéstia, ele não consegue deixar de escrever no fim: "acabei assim de tratar das questões que estavam no meu desígnio... Sei que sou homem e que posso ter me enganado". Desígnio, erro, marcas do pensamento, nós o tínhamos proposto. O Eu spinozano não é, a despeito da Ética geometricamente demonstrada, menos Eu do que o Eu da geometria de Descartes, em razão da quarta parte do discurso que a precede. Qualquer que seja a oposição entre as concepções cartesianas e spinozianas das relações da alma e do corpo, permanece o fato de Spinoza dizer Eu comportando-se como mandatário, solitário e reprovado, da defesa de seu sistema, da mesma forma que Descartes, nas suas Réponses aux cinquièmes objections diz Eu ante Gassendi, que ele designa pelo nome de "Chair".

De minha parte, não receio afirmar que, entre Descartes e Spinoza, é no segundo que a função subjetiva de presença-observação é mais manifesta. Na segunda parte do Discurso, Descartes cuidou bastante de sua defesa diante da acusação feita a ele de crítico político. Ele afirmou nada mais querer do que reformar seus próprios pensamentos. Ele procurou se distanciar daquelas pessoas "cujo humor confuso e inquieto" leva para a oposição. O filósofo da generosidade começou com uma filosofia da prudência. Spinoza tomou publicamente o partido do direito à liberdade de pensar. Amigo de Jean de Witt, Grande Pensionário da Holanda, cujas convicções republicanas compartilhava, ele foi testemunha de seu assassinato por insurretos orangistas na cidade de Haia, em 1672, quando os exércitos de Luis XIV invadiram a Holanda. A indignação e a dor de Spinoza levaram-no a sair de casa para pregar, nas paredes da cidade, um cartaz onde ele havia escrito Ultimi barbarorum. Conta-se que seu proprietário teve de usar a violência para contê-lo.15 Em suma, essa filosofia que refuta e recusa os fundamentos da filosofia cartesiana, o cogito, a liberdade em Deus e no homem, essa filosofia sem sujeito, muitas vezes assimilada a um sistema materialista, essa filosofia vivida pelo filósofo que a pensou, imprimiu no seu autor a força necessária para se insurgir contra o fato consumado. A filosofia deve dar conta de tal força.

Para essa tarefa, a filosofia não tem nada a esperar dos serviços da psicologia, uma disciplina que, segundo Husserl, da forma como entrou em cena na época de Aristóteles, veio a ser uma "calamidade permanente para os espíritos filosóficos" (Philosophie première, 1923-1924). Entendemos, com isso, uma ciência que se quer objetiva, situando-se entre as outras ciências objetivas com sua pretensão de instruí-las sobre as funções intelectuais que permitem que elas sejam as ciências que são. Contra essa pretensão de dar conta do todo sendo somente parte dele, a filosofia não pode deixar de erguer-se. Assim, ela deve deixar a psicologia continuar a propor, ela própria, suas aquisições teóricas para serem possivelmente exploradas pela pedagogia, pela economia e, finalmente, pela política. Quanto à filosofia, sua tarefa não é a de aumentar o rendimento do pensamento, mas de lembrar-lhe o sentido de seu poder.

Atribuir à filosofia o encargo específico de defender o Eu como reivindicação inalienável da presença-observação é não reconhecer que ela tem outro papel além do de crítica. Aliás, essa tarefa de negação não é negativa, pois a defesa de uma reserva é a preservação das condições de possibilidade da saída. Posso bem imaginar os sarcasmos que a palavra "reserva", convocada para dar sentido àquela palavrinha, Eu, não deixará de suscitar, de um lado, por parte dos psicanalistas psicanalizantes, que a considerarão um sintoma de desconhecimento do inconsciente, e, por outro lado, por parte dos psicanalistas fisicalizantes, que denunciarão a herança ridiculamente conservada do espiritualismo defunto. Mas a reserva filosófica não é nem esconderijo nem santuário; ela é a depositária da energia. Suspender a aquiescência, a adesão, a aderência, não é nem recuo nem abstenção. Essa é a razão pela qual devemos tomar cuidado para não parecer interiorizar o Eu precisamente no momento em que teríamos a tentação de confundir subjetividade com interioridade, em reação contra a atual assimilação do pensamento àquilo que René Thom chamava de "quinquilharia eletrônica". Defender nossa reserva impõe que saíamos dela de vez em quando, como Spinoza o fez. Sair de nossa reserva é fazê-lo com nosso cérebro, com o regulador vivo das intervenções em ação no mundo e na sociedade. Sair de nossa reserva é opor-nos a toda intervenção estrangeira no cérebro que tenda a privar o pensamento de seu poder de reserva, em última instância.

Espero que reconheçam que, ao tomar como exemplo a conduta de Spinoza, eu não fiz confusão, nem brinquei com as palavras. Sair de nossa casa é a imagem simbólica de sair de nossa reserva. Ocorre que Spinoza fez efetivamente as duas coisas. Não devemos, entretanto, atribuir a Spinoza uma filosofia que não seja a dele. Sua conduta é a prova de que, de acordo com a última parte da Ética, a ordem e a conexão das afecções do corpo regulam-se pela ordem e pelo encadeamento dos pensamentos na alma, correspondência cuja perfeição seria a verdadeira liberdade. Mas a última palavra é que "tudo que é belo é tão difícil quanto raro". Enquanto o homem sábio não tiver obtido "em razão de uma necessidade eterna, a consciência de si mesmo, de Deus e das coisas", ele pode ter que decidir, de repente, tomar uma atitude com respeito aos "perigos comuns da vida que podemos afastar e sobrepujar pela presença e pela força da alma". Essa é a razão pela qual Spinoza se mostrou presente para injuriar publicamente alguns homens chamando-os de bárbaros, embora ele tivesse dito que a indignação, geradora de ódio, é forçosamente má, embora ele soubesse que a multidão é terrível quando não teme nada. O homem que escreveu que não se conhecem todas as capacidades do corpo humano e que elas são, às vezes, erradamente atribuídas à alma, esse homem saiu de sua casa com o seu cérebro e, certamente, em conformidade com sua filosofia. Mas é possível que ele tenha saído dela através de uma imperceptível falha cartesiana de sua construção filosófica.

À primeira vista, poderíamos considerar que Spinoza cometeu um erro. O de acreditar que os bárbaros que ele denunciava publicamente eram os últimos. Mas ele sabia latim e quis dizer que eram os mais recentes, os últimos. Conseqüentemente, os filósofos de hoje, qualquer que seja sua linha de pesquisa, spinoziana ou cartesiana, estão certos de que não lhes faltará ocasião ou razão para, por sua própria conta e risco, num gesto de engajamento controlado por seu cérebro, escrever nos muros, nas fortificações ou nas cercas: Ultimi barbarorum.

 

Tradução de Sandra Yedid* e Monah Winograd**

 

 

Recebido em 8 de abril de 2005.
Aprovado em 12 de maio de 2005.

 

 

* Conferência na Sorbonne para o M.U.R.S. (dezembro de 1980); primeira publicação em Prospective et Santé, n. 14, .verão de 1980, pp. 81-98. Os subtítulos que haviam sido acrescentados pela revista foram suprimidos. A ordem de alguns parágrafos que haviam sido invertidos foi restabelecida de acordo com as indicações de Canguilhem (N.E.). (In: Georges Canguilhem - Philosophe, historien des sciences. Actes du Colloque, 6-8 dezembro de 1990. Paris, Albin Michel). Agradecemos a Bernard Canguilhem a autorização para publicarmos essa tradução de Georges Canguilhem (N.E.).
* Graduanda em Psicologia pela PUC-Rio. Pesquisadora do grupo Matéria Pensante.
** Psicanalista. Doutora em Teoria Psicanalítica/ UFRJ. Pesquisadora e Prof.do Departamento de Psicologia da PUC-Rio/ FAPERJ. Coordenadora do grupo de pesquisa Matéria Pensante - Neurociência, Psicanálise e saberes afins, vinculado à linha de pesquisa Clínica e Neurociência da Pós-Graduação em Psicologia da Clínica da PUC-Rio. Autora do livro Genealogia do Sujeito Freudiano e de diversos artigos científicos em periódicos de Psicologia.
1 Epífise ou Glândula Pineal: corpúsculo oval situado no cérebro, por cima e atrás das camadas ópticas e ao qual se atribuem funções endócrinas. (N.R.)
2 Paul-Jules Möbius (1853-1907), neurofisiologista alemão, cognominado "Gall redivivus", situava a corcova dos matemáticos acima da órbita esquerda do lado externo; Cf. sua obra Über die Anlage zur Mathematik (Leipzig, 1907). Ele era neto do ilustre matemático e astrônomo Augusto Ferdinand Möbius (1790-1868), inventor do Anel de Möebius.
3 G. Burckhardt, Über Rindenexcisionen, als Beitrag zur operativen Therapie der Psychosen, Allgemeine Zeitschrift für Psychiatrie, 1891, n. 47. Sobre o início da psicocirurgia, cf. artigo de Alain Jaubert, L'excision de Ia pierre de folie, no n. 4, 1975-1976, da revista Autrement: "Guérir pour normaliser".
4 Um estudo interessante de Pierre Janet deve ser consultado, na tese de Claude Prévost, La Psychophilosophie de P. Janet (Payot, 1973).
5 Pierre Janet (Curso do Collège de France 1923-1924, citado por Marcel Jousse, Archives de philosophie, v. 2, caderno 4; Études de psychologie linguistique).
6 Pour la Science, número especial; novembro de 1979. Nouvel Observateur; 29 out. 1979.
7 Nouvel Observateur; 29 out. 1979.
8 "Mas descrever em termos de física e de química um movimento da consciência, um sentimento, uma decisão, uma lembrança é outra coisa. Nada indica que venhamos a conseguir. Não somente por causa da complexidade, mas também porque sabe-se, desde Gödel, que um sistema lógico não pode bastar à sua própria descrição" (La Logique du vivant, p. 337).
9 A persistência de um estado estacionário do saber, além de uma invenção teórica, é como a medida objetiva de originalidade dessa invenção. É o que fez Max Planck dizer, em sua Autobiographie, que não basta que uma descoberta acumule provas teóricas para se impor: muitas vezes ela precisa esperar que seus adversários tenham desaparecido e que uma nova geração chegue ao poder cientifico.
10 Citado por H. Atlan, Entre le cristal et Ia fumée (Seuil, 1979, p. 229). R. Thom insiste ainda mais no caráter aventureiro de invenção teórica quando diz : "Quase todos os progressos de álgebra provêm do desejo de fazer operações proibidas (números negativos, racionais, imaginários, etc.)" (Colloque de Royaumont: Théories du langage, théories de l'apprentissage, Seuil, 1979, p. 508).
11 Drugs for the mind, Newsweek. 12 nov. 1979.
12 Ver a conferência de Michel Jouvet: "Les états de vigilance: bilan et perspectives" in Prospective et Santé, n. 14, été de 1980, pp. 73-80 (N.E.).
13 Uma máquina não pode enganar, nem tampouco se enganar. Em outras palavras, uma máquina não é capaz de maquinações. Foi Michael Scriven que fez da capacidade de mentir o critério de demarcação entre um robô aparentemente consciente e a consciência ("The Mechanical Concept of Mind", in Minds and Machines, Prentice Hall. Englewood Cliffs, 1964).
14 É necessário esclarecer que, com a expressão sujeito metafísico, Wittgenstein não entende o sujeito ontológico mesmo na época du Tractatus logico-philosophicus, e que, posteriormente, ele abandonou o conceito de sujeito metafísico.
15 Às vezes contestada, essa conduta de Spinoza foi relatada par Jakob Freudenthal, Das Leben Spinozas (Stuttgart, 1904). Cf. (Oeuvres de Spinoza, editadas por Ch. Appuhn (Garnier éd.), tomo I, p. 218, nota 1; e Georges Friedman, Leibnitz et Spinoza (Idées, Gallimard), p. 110.