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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva
versão impressa ISSN 1517-5545
Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.8 no.1 São Paulo jun. 2006
ARTIGOS
Reforçamento diferencial de comportamentos verbais alternativos de um esquizofrênico
Differential reinforcement of alternative verbal behavior of a schizophrenic patient
Ilma A. Goulart de Souza Britto1 ; Myriam Christina A. Rodrigues; Daísy Cléia O. Santos; Maurícia A. Ribeiro
Universidade Católica de Goiás
RESUMO
O presente estudo teve como objetivo investigar o comportamento verbal de um homem de 49 anos que havia sido diagnosticado como esquizofrênico crônico desde os 20 anos de idade. A intervenção foi conduzida em duas classes de respostas: falas psicóticas e falas apropriadas. Os procedimentos de reforçamento diferencial de comportamentos alternativos e extinção foram conduzidos por auxiliares de pesquisa em sessões de 45 minutos, duas vezes por semana. Controle experimental foi obtido por meio de um delineamento de reversão do tipo ABAB seguido por Follow-up. Todas as sessões foram filmadas para posterior cálculo de fidedignidade. Os resultados do estudo mostram uma redução das falas psicóticas e um aumento das falas apropriadas durante as sessões de intervenção. Os dados demonstram que o comportamento verbal da pessoa diagnosticada como esquizofrênica pode ser controlado pelo reforço social combinado com extinção. Delírios e alucinações foram discutidos como comportamentos verbais.
Palavras-chave: Falas psicóticas, Intervenção comportamental, Esquizofrenia.
ABSTRACT
The objective of the present study was to investigate the verbal behavior of a 49-year-old man who had been diagnosed as chronical schizophrenic since he was 20 years old. The intervention was implemented in two response classes: psychotic speeches and appropriate speeches. The procedures of differential reinforcement of alternative behaviors and extinction were conducted by research assistants in 45-minute sessions, twice a week. Experimental control was obtained through an ABAB reversal design followed by Follow-up. All sessions were video recorded for posterior data reliability calculation. The study results show a reduction of psychotic speeches and an increase in appropriate speeches during intervention sessions. The data demonstrate that the verbal behavior of a person diagnosed as schizophrenic can be controlled by social reinforcement combined with extinction. Delusion and hallucinations were discussed as verbal behavior.
Keywords: Psychotic speeches, Behavioral intervention, Schizophrenia.
As primeiras aplicações e replicações sistemáticas do paradigma de operante com adultos humanos foram empreendidas por Skinner e Lindsley no Metropolitan State Hospital em Waltham, Massachusetts, entre 1953 e 1965 (por exemplo, Skinner, Solomon & Lindsley, 1954). Esse trabalho exerceu um importante papel na história e extensão dos princípios operantes ao comportamento humano e, conseqüentemente, contribuiu para o avanço de estudos nessa área. Assim como promoveu a aplicação dos métodos operantes à compreensão das psicopatologias (Rutherford 2003), Sidman (2004) aponta para o fato de que o trabalho de Skinner e Lindsley estabelecia o estudo do comportamento humano em casos psiquiátricos via uma abordagem científica. No paradigma operante, cada sujeito usualmente serve como seu próprio controle. O comportamento é estudado sob diferentes condições, geralmente com medidas repetidas, até que uma estabilização de respostas seja alcançada.
O trabalho de Ayllon e Haugthton (1964) demonstrou a utilização dos procedimentos de reforçamento positivo e extinção para controlar o comportamento verbal de uma mulher hospitalizada durante 16 anos com diagnóstico de esquizofrenia crônica. A mulher apresentava falas psicóticas que faziam referências à família real, e falava de si mesma como se fosse uma rainha. Naquele estudo, foram registradas duas classes de respostas: (a) respostas verbais psicóticas, incluindo referências à realeza e (b) respostas verbais neutras. As duas classes de respostas foram alternadamente reforçadas e extintas durante várias fases do experimento. Tanto o reforço positivo quanto o procedimento de extinção foram controlados pela equipe de enfermagem. O reforçamento consistia em dar à paciente um cigarro e conversar com ela durante três minutos. A extinção, por sua vez, consistia na retirada da atenção social e não liberação de cigarros. Durante a linha de base, as respostas verbais psicóticas e neutras ocorreram com a mesma freqüência. Quando o comportamento verbal psicótico foi conseqüenciado por cigarros e atenção social, teve sua freqüência aumentada, enquanto as respostas neutras qua-se que desapareceram. Quando as contingências foram invertidas, isto é, durante o procedimento de extinção para falas psicóticas e conseqüenciação das falas neutras por cigarros e atenção social, constatou-se que as falas psicóticas tiveram sua freqüência reduzida, enquanto a freqüência das falas consideradas neutras aumentou.
A extinção também foi utilizada por Ayllon e Michael (1964) para alterar o comportamento de uma pessoa hospitalizada, que visitava freqüentemente a sala de enfermagem, inter-rompendo e interferindo no funcionamento dos trabalhos. Nessas ocasiões, a paciente era tomada pela mão e conduzida para fora da enfermaria. Tais comportamentos persistiam havia mais de dois anos. As enfermeiras foram instruídas a não darem atenção social quando a paciente entrasse na enfermaria, a não solicitarem que saísse e nem chamarem o vigilante para que a levasse embora. A freqüência do comportamento de visitar a enfermaria decresceu durante o período de oito semanas de extinção.
Isaacs, Thomas e Goldiamond (1964) modelaram o comportamento verbal de um homem com o diagnóstico de esquizofrenia catatônica que se mostrava mudo durante 19 anos de institucionalização. O participante permanecia imóvel, sentado e olhando para frente, mesmo quando lhe ofereciam potenciais reforçadores como cigarros. Durante uma sessão, acidentalmente o experimentador deixou cair um pacote de goma de mascar. Observouse que o participante olhou em direção à goma. A descoberta do interesse do participante pela goma possibilitou o início de um procedimento de modelagem no qual o experimentador segurava um pedaço de goma e esperava que os olhos do paciente se movimentassem em direção à mesma. O procedimento de modelagem por aproximações sucessivas foi eficaz em estabelecer não só o direcionamento do olhar, mas também uma sucessão de respostas tais como movimentos faciais, movimentos dos lábios, vocalizações, emissão de palavras e um repertório verbal mais complexo que culminou com o participante solicitando 'goma, por favor' na 18ª sessão. O participante chegou a falar com vários funcionários do hospital.
Ayllon e Azrin (1978) descreveram vários estudos realizados em instituições psiquiátricas utilizando reforçadores condicionados num sistema de troca de fichas por outros reforça-dores. Um desses estudos visava aumentar a participação dos internos em atividades diversas. A atividade a ser desenvolvida podia ser escolhida pelos pacientes a partir de uma lista afixada na enfermaria. O procedimento padrão para o reforçamento consistia em fornecer fichas contingentes ao comportamento alvo e possibilitar sua troca por uma variedade de outros reforçadores. Os resultados demonstraram que os procedimentos de reforçamento foram eficazes para aumentar a participação nas atividades requeridas.
Os comportamentos de um indivíduo psicótico são, geralmente, considerados elementos constitutivos de um transtorno mental a ser tratado. Com isso, perturbações subjacentes são buscadas na postura rígida ou inadequada do pensamento ou do comportamento desorganizado e das falas bizarras do psicótico. Contudo, Skinner (1956/1979) afirma que o comportamento do psicótico é parte ou parcela do comportamento humano. As falas são consideradas psicóticas simplesmente porque descrevem o que não é característico do contexto.
As falas psicóticas assumem diferentes formas. É importante lembrar, entretanto, que a forma não define a função da fala. Uma alucinação pode ser definida pela presença de respostas verbais frente a estímulos inobserváveis. Delírios podem ser definidos como falsas afirmações, embora incontestável para a-quele que fala. Os operantes delirar e alucinar característicos de pessoas psicóticas são classes de comportamentos verbais (Britto, 2004). Os delírios e as alucinações são freqüentemente considerados indicadores de esquizofrenia no diagnóstico psiquiátrico. No entanto, recentes estudos realizados sugerem que as falas psicóticas podem ser mantidas pelo reforçamento positivo sob a forma de atenção.
Wilder, Masuda, O'Connor e Baham (2001) estudaram as falas delirantes, falas alucinatórias e as falas apropriadas de um homem de 43 anos diagnosticado como portador de esquizofrenia crônica do tipo indiferenciado. Esses pesquisadores utilizaram um Delineamento de Reversão e um Delineamento de Múltiplos Elementos para investigar os efeitos de quatro condições funcionais: a) condição de demanda, b) condição de atenção, c) condição de ser deixado só, e d) condição de controle. Os percentuais médios das classes de respostas obtidas durante a condição de atenção foram elevados quando comparados às outras condições. Os resultados mostraram controle da atenção sobre o comportamento verbal do participante: as falas delirantes e falas alucinatórias praticamente desapareceram durante as fases de intervenção e as falas apropriadas tiveram suas freqüências aumen-tadas. Os resultados sugerem também que falas delirantes e falas alucinatórias foram mantidas pela atenção social.
Dixon, Benedict e Larson (2001) analisaram as possíveis funções das falas psicóticas de um adulto de 25 anos de idade com o diagnóstico de transtorno psicótico e retardo mental. As análises funcionais foram estabelecidas a partir de um Delineamento de Múltiplos Elementos com quatro condições de tratamento: atenção, demanda, sozinho e controle. Os resultados da análise funcional indicaram que as verbalizações psicóticas eram mantidas pela atenção social. Estes resultados foram replicados em Delineamento de Reversão. A intervenção consistiu em reforçamento diferencial alternativo dos comportamentos apropriados: as falas apropriadas eram reforçadas com atenção e as falas psicóticas não recebiam reforços. O tratamento foi efetivo e as intervenções possibilitaram uma diminuição das falas psicóticas e um aumento de interações apropriadas com as pessoas.
DeLeon, Arnold, Rodriguez-Catter e Uy (2003) realizaram breves análises funcionais para verificar se as falas bizarras de um participante de 21 anos de idade eram mantidas pela atenção social. Um Delineamento de Reversão foi usado para avaliar o efeito da atenção contingente apenas para as falas bizarras. Todas as outras falas foram ignoradas. Num outro momento, um Delineamento de Múltiplos Elementos foi usado para examinar os efeitos dos conteúdos bizarros em taxas de afirmações bizarras. Os resultados dos arranjos das contingências demonstraram um elevado nível de falas bizarras nas condições de atenção, sugerindo que houve sensibilidade do participante para o reforçamento positivo em forma de atenção. Durante o segundo delineamento, as falas bizarras eram mais freqüentes quando a atenção estava voltada para as falas do participante do que quando não estavam. Os resultados sugerem, inequivocamente, que as falas bizarras são sensíveis aos reforçamentos provenientes da atenção contingente.
Os estudos acima citados sugerem que as falas psicóticas dos indivíduos diagnosticados com transtornos psiquiátricos podem ser mantidas pelo reforçamento positivo em forma de atenção. No entanto, Lancaster, LeBlanc, Carr, Brenske, Peet e Culver (2004) apresentam uma importante questão em face desse tema. Os autores salientam que não têm sido publicados casos nos quais análises funcionais indiquem reforçamento automático ou funções não operantes para as falas bizarras. Lancaster e cols. (2004) apontam que a literatura indica a existência de variáveis biológicas em muitos transtornos associados com falas bizarras e, por esta razão, não seria surpreendente sugerir a presença de viés desse tipo na literatura analítico-comportamental. Pesquisadores comportamentais apresentam casos com referências ao controle operante, enquanto os profissionais psiquiatras acrescentam outras causas.
Para investigar esta questão, os autores selecionaram aleatoriamente quatro participantes de uma amostra de 120 pacientes de uma unidade para esse tipo de tratamento, com dois tipos de diagnósticos: retardo mental e esquizofrenia. O procedimento consistiu na análise funcional da relação entre atenção e falas bizarras, em que, para dois participantes, era disponibilizada atenção para as falas psicóticas e, para os outros dois, não havia o reforçamento social para as verbalizações bizarras. Desse modo, foram programadas tanto a função social como não social para a fala bizarra. O estudo possibilitou o controle das verbalizações bizarras dos participantes com os dois tipos diagnósticos. Os resultados demonstraram que o reforçamento social não contingente reduziu as falas bizarras, enquanto a atenção contingente aumentou suas freqüências. Todos os participantes dos estudos acima citados faziam uso diário de vários tipos de medicamentos antipsicóticos.
Certa atenção deve ser dada quanto ao efeito das falas psicóticas sobre a própria pessoa diagnosticada como esquizofrênica, ou seja, os efeitos das locuções verbais sobre seus próprios comportamentos subseqüentes. Se os relatos verbais delirantes se mantêm, de algum modo são efetivos para a obtenção de reforçadores (Britto, 2005).
Para o comportamento inapropriado se tornar irrelevante, são necessárias mudanças estruturais: alterações dos ambientes físicos, mudanças na estimulação ambiental, melhoria das atividades diárias, opções de escolha disponíveis para a pessoa, dentre outras. Uma análise funcional permite identificar o que está mantendo as falas psicóticas e assim alterar as condições que as influenciam. A redução das falas psicóticas pode ser favorável à introdução de novos repertórios verbais, sendo útil selecionar e conseqüenciar instruções afetivas. Torna-se, então, necessário estudar o papel do reforço social em relação à esquizofrenia, uma vez que relatos verbais bizarros são descritivos de delírios e alucinações, justificando o diagnóstico e, até mesmo, o internamento da pessoa.
Todavia, a locução bizarra é analisada por profissionais de saúde mental como sinal ou sintoma de um processo mental patológico subjacente, uma vez que o comportamento verbal inapropriado é geralmente interpretado por meio de crenças em fatores biológicos determinantes da esquizofrenia. Daí a necessidade da pesquisa interdisciplinar sobre comportamento e neurociências. Silva, Guerra e Alves (2005) argumentam que as atividades neurais seguem as mesmas leis que controlam os comportamentos e podem ser integradas à análise comportamental.
O presente estudo teve como objetivo demonstrar o efeito de contingências tais como o reforçamento diferencial de comportamentos alternativos e extinção sobre o repertório verbal de um indivíduo com diagnóstico de esquizofrenia crônica por quase 30 anos.
Método
Participante
Uma pessoa do sexo masculino, solteiro, com 49 anos de idade, não trabalhava, havia completado o segundo grau e residia com o pai. Foi aposentado com diagnóstico de esquizofrenia crônica e internado 12 vezes em diferentes instituições psiquiátricas. Fazia uso constante dos medicamentos: Neozine - 100mg (1/2 comp. à noite), Risperidona - 2mg (1 e ½ comp. de manhã e 2 à noite) e Rivotril - 2mg (1 comp. de manhã e 1 à noite).
Material e Ambiente
A sala de atendimento continha três cadeiras, uma mesa, uma poltrona, uma escrivaninha com computador, tapete e almofadas. Foram utilizados: uma câmera filmadora 8mm, fitas de vídeo, disquetes, revistas, jornais, livros literários e históricos, CDs e folhas de registro.
Procedimento
Um documento de consentimento informado foi assinado pelo participante autorizando a gravação das sessões em vídeo e a utilização do material gravado para o presente estudo. O documento continha esclarecimentos sobre os aspectos relevantes da pesquisa, o sigilo das informações e da identificação do participante, bem como a permissão para divulgação dos resultados do estudo em revistas ou eventos científicos. O participante foi informado de que apenas as autoras deste estudo teriam acesso às fitas.
As sessões foram realizadas pela segunda e terceira autoras sob supervisão da primeira autora. Todas as auxiliares da pesquisa participaram das transcrições, dos registros e das análises das sessões. O trabalho terapêutico foi realizado em 30 sessões que ocorreram duas vezes por semana, com a duração de 45 minutos cada sessão e com filmagem de todas as sessões pelas auxiliares da pesquisa.
Pela observação do comportamento do participante e pela transcrição de suas falas em seis sessões registradas em vídeo, foi possível estabelecer uma avaliação geral de seu repertório verbal. De posse das transcrições de cada uma das sessões e com a leitura das mesmas, foram selecionadas as falas do participante que continham falas apropriadas e falas psicóticas. Por exemplo, entre as falas psicóticas considerou-se: "O diabo e a prostituta captam até pensamentos meus de um ano até aos 22 anos"; Noventa e nove por cento (99%) da população mundial são bichas, sapatonas e esquizofrênicas", "Os diabinhos que estão dentro do meu estômago e intestino não me deixam defecar" e "O senhor Jimmy Carter controla o mundo todo, faz todos os filmes, as novelas e as músicas", dentre outras. Como fala apropriada consideraram-se falas do tipo: "Bom dia! Hoje o dia está quente", "Eu gosto de ler sobre política" e "Vou fazer um peixe assado este final de semana", dentre outras.
Desse modo, as vocalizações psicóticas foram identificadas por meio das palavras ou frases do participante que satisfizessem um ou ambos os critérios: se referissem aos estímulos não presentes ou discutissem a existência, ou se referissem a um dos seis tópicos específicos que ele, repetidamente, verbalizava: Diabo, Prostituta, Jimmy Carter, Transtornos Mentais, Bichas e Lésbicas. As verbalizações apropriadas foram definidas como declarações ou questões que não estavam presentes nas definições de vocalizações psicóticas.
Um Delineamento de Reversão no formato ABAB seguido de Folow-up foi utilizado para demonstrar o controle experimental dos pro-cedimentos utilizados, em que se alternaram fases de Linha de Base (A) e de Intervenção (B). O delineamento iniciou-se com quatro sessões para levantamento dos dados em fase de Linha de Base (LB-I). Após a LB-I foi iniciada a Intervenção I (INT-I) com a realização de oito sessões. A seguir, houve retorno à fase de Linha de Base (LB-II) estabelecida em três sessões. Novamente um período de Intervenção II (INT-II) foi realizado com seis sessões. Após um mês sem contato com o participante, outras três sessões de Folow-up foram realizadas com o participante.
Durante a Linha de Base, as sessões foram conduzidas sem o estabelecimento de manipulação experimental. Já a Intervenção consistiu no reforçamento diferencial alternativo (DRA) de todos os comportamentos verbais apropriados do participante e na extinção (EXT) de suas falas psicóticas. Tanto o procedimento de reforçamento quanto o de extinção foram aplicados pelas auxiliares de pesquisa. As auxiliares de pesquisa reforçavam as falas apropriadas com o fornecimento de atenção social contingente. Por exemplo, quando o participante emitia falas do tipo "ontem fiz um peixe assado na casa do meu irmão", as auxiliares de pesquisa forneciam reforço social de forma vocal, como: Muito bem! Ótimo! Isso mesmo! Ou sinalizavam positivamente com a cabeça, mantinham o contato visual, sorriam e a atenção dispensada ao participante era maior.
Já as falas psicóticas como no caso: "o diabo não me deixa sorrir", não eram reforçadas. Quando o participante emitia uma fala psicótica, as auxiliares de pesquisa passavam a agir como se estivessem interessadas em alguma outra coisa, olhavam para algo distante do participante e, até mesmo, se afastavam dele, movendo-se para o outro lado da sala e não emitiam nenhum comentário sobre o que havia sido dito. A análise de todas as sessões do delineamento ABAB seguido de Folow-up só foi iniciada quando encerrados os trabalhos da INT II. De posse das fitas de todas as sessões gravadas em vídeo, as mesmas foram assistidas tantas vezes quanto necessário para clareza dos registros.
Todos os dados coletados foram registrados em folhas de registro previamente padronizadas: cabeçalho com espaços para o nome das emissões verbais - se psicóticas ou apropriadas - data, número da sessão e espaços quadriculados representando intervalos de tempo de 15 segundos e que totalizavam 180 intervalos. Primeiramente, foram registradas as falas psicóticas (FP). A simples ocorrência era registrada com um ponto (.) e a não ocorrência com um xis (x). Do mesmo modo, e após os registros de todas as falas psicóticas (FP), foram registradas as falas apropriadas (FA). No caso de dúvidas as fitas eram reprisadas.
Como as freqüências das FP e FA foram registradas por meio de um registro de intervalo de tempo, a ocorrência e a não-ocorrência das falas eram marcadas de 15 em 15 segundos. Dessa forma, seria possível obter quatro ocorrências em um minuto. Enquanto uma auxiliar de pesquisa sinalizava a mudança do tempo a cada 15 segundos, as outras duas registravam a ocorrência da resposta. Tal atividade era realizada até completar os 45 minutos da sessão e, conseqüentemente, as 180 ocorrências da folha de registro. A escolha da duração do intervalo foi decidida pelas diretrizes das observações etológicas que sugerem intervalos curtos para comportamentos cuja freqüência é alta.
Para confiabilidade dos registros foi utilizada a fórmula padrão: concordância dividida por discordância mais concordância, multiplicadas por 100. Os cálculos foram efetuados em separado para as falas psicóticas (FP) e as falas adaptadas (FA). O menor índice de concordância encontrado durante o estudo foi de 81,5%. Contou-se para esta fase com uma pessoa com experiência em categorização de sessões terapêuticas.
Nas fases de intervenção também foi solicitado ao participante que trouxesse à sessão seguinte uma redação manuscrita, com um assunto determinado pelas auxiliares de pesquisa sobre aspectos diversificados: política, família ou viagens e que poderiam ser buscados em revistas, jornais, livros literários ou históricos.
Para essa tarefa, as auxiliares de pesquisa abriam uma revista ou jornal e mostravam, ao participante, um assunto ou figura, fazendo vários comentários sobre ele e demonstrando, ao participante, como proceder ao comentar um determinado assunto. Desse modo, as auxiliares de pesquisa ofereciam um modelo a ser seguido pelo participante para a execução da tarefa.
Durante as sessões de intervenção, as redações eram sempre lidas pelo participante. As palavras ou frases escritas e lidas com conteúdos apropriados foram seguidas de reforço social e aquelas com conteúdos psicóticos, ignoradas. Ao final da sessão, e de posse da redação, as auxiliares de pesquisa registravam a freqüência dos caracteres das duas classes de comportamentos verbais do participante. Os dados coletados dessa atividade foram registrados em folhas de registro, contendo cabeçalho, espaços para data e número da sessão e espaços para o registro da quantidade de caracteres de falas apropriadas e de falas psicóticas em separado.
Resultados
Os dados obtidos são apresentados sob a forma de tabelas e figuras. Por se tratar de um Delineamento de Reversão ABAB seguido por Follow-up, os procedimentos seguiram as fases para obtenção dos dados. Linha de Base I (LB-I) seguida pela fase de Intervenção I (INT-I) retorno à fase de Linha de Base II (LB-II), seguida por outra fase de Intervenção II (INT-II) e Follow-up. O Delineamento de Reversão utilizado permitiu demonstrar que houve um aumento nas falas apropriadas (FA) e uma redução das falas psicóticas (FP) durante as duas fases de intervenção.
Comparando-se a porcentagem das duas classes de respostas verbais do participante nas fases de Intervenção (INT-I e INT-II), os dados da Tabela 1 demonstram que o participante falou mais freqüentemente FA (75,38% e 85,84%) do que FP (24,61% e 14,15%), respectivamente. Embora as porcentagens obtidas nas LB-I e II sejam menores que as obtidas nas INT-I e II, nota-se que depois da INT-I, os dados da LB-II são melhores que os da LB-I. Com relação ao percentual das FP nas fases de LB-I e LB-II, pode-se observar uma diminuição em suas ocorrências de 61,24 para 48,28%. Além disso, os dados de Follow-up são equivalentes aos dados da INT-II. Os dados da Tabela 1 indicam ainda que a média das falas por sessão foi praticamente a mesma.
Os dados da Figura 1 mostram o número das falas apropriadas (FA) e falas psicóticas (FP) por sessão. Os dados indicam que o participante verbalizou na primeira sessão da Linha de Base I (LB-I) 98 FA e 111 FP. Na segunda sessão, o número de FA foi 89 e o de FP foi 125. Na terceira sessão, 98 FA e 112 FP. Na quarta sessão, o número de FA diminui para 41, ao contrário da freqüência de FP, que alcançou o maior número na fase de Linha de Base I: 167 ocorrências de falas psicóticas.
Da quinta à oitava sessões, na fase de Intervenção I (INT-I), o número de FA aumentou (97, 129, 150 e 139, respectivamente), enquanto que o número de FP diminuiu (103, 89, 52 e 64, respectivamente). Os números de FA mantiveram certa regularidade da nona à décima-segunda sessão, alcançando 174,5 ocorrências em média por sessão (170, 177, 177 e 174, respectivamente). Verificou-se que a quantidade de FP, da nona à décima-segunda sessão foi acentuadamente menor (27, 14, 17 e 28), principalmente se comparada com a quantidade das mesmas durante a fase de Linha de Base I. Nesta fase as FA foram reforçadas com o reforço social e as FP ignoradas. Tais dados estão resumidos na Figura 1.
Quando os procedimentos de reforço social e extinção foram retirados nas sessões que compunham a Linha de Base II (LB-II), os dados indicam que as FA diminuíram em suas ocorrências (96, 131 e 88, respectivamente) quando comparadas à fase anterior. Quanto às FP, ocorreu o inverso: as falas psicóticas do participante aumentaram (111, 76 e 107, respectivamente), conforme mostra a Figura 1.
Da décima-sexta a vigésima-primeira sessão, na fase de Intervenção II (INT-II), os dados da Figura 1 indicam aumento na freqüência de FA, com a média de 171,8 ocorrências por sessão (175, 180, 165, 166, 173 e 172, respectivamente). Com relação às FP, os dados apontam redução na freqüência, tendo uma média de 28,3 ocorrências (23, 19, 43, 41, 14 e 30, respectivamente). Vale ressaltar que nesta fase os procedimentos de reforço social e extinção foram reintroduzidos, isto é, as FA foram reforçadas e as FP ignoradas.
Após um período de 30 dias, iniciaram-se as sessões da fase de Follow-up. Os dados da Figura 1 revelam certa regularidade com relação às falas adaptadas que se mantiveram altas, com ocorrências de 172, 180 e 165 por sessão. Já com relação às falas psicóticas, verificaram-se decréscimos em sua quantidade: 36, 24 e 31 ocorrências respectivamente em cada sessão.
Comparando-se a freqüência de caracteres das redações desenvolvidas pelo participante, os dados da Tabela 2 indicam que os percentuais dos caracteres das falas apropriadas foram notadamente maiores que os das falas psicóticas. Os percentuais das FA nas fases de INT I e II foram de 95,35 e 88,32 e os das FP foram de 4,62 e 12,22, respectivamente. No entanto, o percentual das FP foi maior na INT I que na INT II. Chama a atenção o percentual zero de FP durante as três sessões do Follow-up indicando que naquela fase o participante escreveu cem por cento de FA.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo investigar os efeitos do reforçamento diferencial alternativo de falas apropriadas e extinção de falas psicóticas do repertório verbal de uma pessoa diagnosticada como esquizofrênica crônica. A intervenção produziu importante diminuição das falas psicóticas e um aumento das falas apropriadas nas duas fases do tratamento. Mais uma vez foi confirmada a eficácia de métodos operantes no controle de falas psicóticas.
Os trabalhos pioneiros dos analistas do comportamento, desde a década de 50, em contextos psiquiátricos abriram uma importante área para o estudo do complexo comportamento humano (Rutherford 2003; Sidman, 2004). Tais estudos contribuíram para o desenvolvimento da pesquisa aplicada a comportamentos problemas apresentados por esquizofrênicos, deficientes mentais, autistas, dentre outros.
Os resultados apresentados no presente trabalho são consistentes com estudos presentes na literatura da área, confirmando a possibilidade de controle operante de falas psicóticas como indicaram os trabalhos de Ayllon & Haughton, (1964), DeLeon et al. (2003), Dixon et al. (2001); Lancaster et al. (2004) e Wilder et al. (2001). Com efeito, as verbalizações inapropriadas de pessoas diagnosticadas como esquizofrênicas demonstram sensibilidade ao arranjo das contingências programadas, como no caso da atenção contingente.
Os dados do presente estudo demonstram a efetividade dos procedimentos adotados para o aumento das falas apropriadas e a diminuição das falas psicóticas, observados durante as fases de intervenção do Delineamento de Reversão desenvolvido. Os dados permitem afirmar que as falas desse participante foram controladas pelo reforço social combinado com a extinção. Uma relação foi produzida entre o seu modo falar e a conseqüência imediata, como demonstraram os estudos de Ayllon e Haughton (1964), DeLeon et al. (2003), Dixon et al. (2001), Wilder et al. (2001) e Lancaster et al. (2004).
As falas apropriadas tiveram sua freqüência aumentada. O efeito de extinção pode ser observado quando as falas psicóticas não foram seguidas pelo reforço social: suas freqüências diminuíram. Os mesmos efeitos podem igualmente ser observados em relação à freqüência dos caracteres nas redações escritas pelo participante.
Os resultados encontrados no presente estudo apontam para importantes considerações em relação às falas psicóticas de uma pessoa diagnosticada como esquizofrênica: a) tais pessoas podem aprender uma variedade de falas apropriadas quando expostas a um programa de interação com o ambiente; b) falas psicóticas devem ser entendidas como comportamento verbal; c) comportamento verbal é mantido pela mediação de outras pessoas; d) as falas psicóticas como operantes verbais funcionam também de acordo com os princípios de reforçamento e extinção; e) o comportamento psicótico, como qualquer outro comportamento, pode ser produzido e controlado pela alteração das condições em que ele ocorre.
Referências
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Recebido em: 27/12/2005
Primeira decisão editorial em: 20/05/2006
Versão final em: 07/06/2006
Aceito em: 10/06/2006
1 E-mail: psyilma@terra.com.br
Apêndice: Resultados e observações adicionais
Além da diminuição na freqüência das falas psicóticas, foi notado nas gravações das sessões da fase de Intervenção II, que o participante começou a observar suas próprias vocalizações, produzindo mudanças acentuadas em relação à freqüência com que vocalizava tais falas. De repente, ele calava-se. Após uma pequena pausa, falava de modo apropriado.
Além disso, parece que o participante demonstrou ter aprendido os efeitos da situação manipulada nas sessões, uma vez que há evidências de que ocorreu generalização no controle de seu comportamento verbal adequado para outros ambientes: o médico psiquiatra que o atendia enviou, às autoras, um bilhete no qual relatava o fato de que durante uma consulta o participante falou apropriadamente quase o tempo todo da sessão.
Por meio do material gravado em vídeo, foi possível observar outras mudanças no comportamento do participante. No início dos trabalhos, ele apresentava pouca expressão corporal, chegando até a dizer que nunca sorria. E, se isto ocorria, era atribuído à ação dos personagens de suas falas psicóticas. Em uma das sessões de intervenção, foi-lhe demonstrado que o comportamento de sorrir era função de algum evento. Nas sessões seguintes, pôde ser observado o aumento na freqüência do sorrir. Tornou-se possível observar, também, que o participante passou a gesticular com maior freqüência, apresentando uma postura menos rígida, por exemplo: sentar, apoiando-se no encosto da poltrona, movimentando braços e pernas com maior freqüência. Outra mudança observada foi quanto a uma maior ênfase dada ao cumprimentar as auxiliares de pesquisa na função de terapeutas, demonstrando novas habilidades nas relações interpessoais.
Pode-se supor que a generalização dos comportamentos do participante, por intermédio do reforçamento diferencial alternativo de falas apropriadas, gerou mais reforçamento social, o que aumentou a freqüência de reforço pessoal, gerando buscas por outras atividades sociais. Ao final da Intervenção I, o participante chegou a relatar, espontaneamente, algum objetivo que estava traçando para sua vida, como voltar a trabalhar e estudar, casarse e ter filhos.
O registro das sessões na Intervenção II permitiu observar que houve um aumento na interação do participante com as terapeutas: respondia de forma mais detalhada às per-guntas, mantinha contato visual com maior freqüência e falava sobre temas variados sem direcionamento prévio.
Nas primeiras redações, o participante não conseguia identificar em si nenhuma característica positiva ou habilidade para algo e, depois, já as destacava com freqüência, conforme dados registrados também em vídeo. Com o treino sobre como o participante deveria escrever as redações, percebeu-se um aumento acentuado de seu repertório verbal. Também, nas duas primeiras sessões, o participante apresentava dificuldade em expressar-se, seja ao falar ou ao escrever, tanto para as falas apropriadas quanto para as falas psicóticas. Nas redações, verificavam-se freqüentes referências aos seis tópicos específicos que ele repetidamente discursava: Diabo, Prostituta, Jimmy Carter, Transtornos Mentais, Bichas e Lésbicas.
Durante a fase de Intervenção II, verificou-se o quanto o participante era sensível a eventos estressantes, tais como o momento em que seu pai fora internado e operado, o que exigia cuidados especiais também por parte da família. Nesse período, o participante aumentou suas emissões verbais psicóticas, como observado na décima-nona e vigésima sessões daquela fase. O participante atribuiu os pro-blemas de saúde do pai à ação dos personagens de suas falas psicóticas e quando as emitia, movimentava braços, pernas e mãos, o que poderia ser descrito como agitação motora. No entanto, poder-se-ia afirmar que o participante apresentava dificuldades para lidar com eventos que lhe exigiam habilidades mais complexas.
As falas delirantes e alucinatórias foram definidas como falas psicóticas. Todavia, deve-se reconhecer que a distinção entre falas psicóticas e falas apropriadas é até certo ponto arbitrária. Sabe-se, porém, que definições podem ser construídas pelos efeitos produzidos, ou seja, pela adequabilidade de suas funções.
Pelos resultados encontrados nas fases do delineamento do presente estudo, verificou-se que o reforçamento diferencial alternativo de falas apropriadas e extinção de falas psicóticas constituíram uma maneira possível de estudar os episódios verbais de uma pessoa diagnosticada como esquizofrênica. Um procedimento que possibilitou uma maneira efetiva de ajudar uma pessoa a aprender novas habilidades verbais.