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Revista Mal Estar e Subjetividade

versão impressa ISSN 1518-6148

Rev. Mal-Estar Subj. vol.11 no.4 Fortaleza dez. 2011

 

AUTORES DO BRASIL
ARTIGOS

 

Oficinas de dança contemporânea: um convite à reinvenção das práticas

 

Workshops of contemporary dance: an invitation to reinvent practices

 

Talleres de danza contemporánea: una invitación a reinventar las prácticas

 

Ateliers de danse contemporaine: une invitation à réinventer des pratiques

 

 

Vilene MoehleckeI; Tania Mara Galli FonsecaII

IDoutora em Informática na Educação da UFRGS, Mestre em Psicologia Social e Institucional da UFRGS. Professora do curso de Psicologia da UNISINOS. Trabalhadora de um CAPS. R. Paulo Jack Feltes, 44, Jardim das Acácias. CEP 93048-260. - São Leopoldo - RS. E-mail: vilenemo@unisinos.br
IIDoutora em Educação da UFRGS, Professora do Programa de Pós-Graduação em Informática na Educação, PGIE, UFRGS. Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, UFRGS. Coordenadora do Grupo de Estudos Corpo, Arte e Clínica, Modos de Trabalhar, Modos de Subjetivar. R. Campos Salles, 262. CEP 90480-030 - Porto Alegre - RS. E-mail: tfonseca@via-rs.net

 

 


RESUMO

Esse trabalho aborda uma intervenção realizada em um CAPS, por meio de uma Oficina de Dança Contemporânea. Discutimos o quanto a Reforma Psiquiátrica propõe a transformação dos modos de cuidado e de novas produções de saúde e cidadania. No CAPS, a Oficina de Dança ocorre há quatro anos. Pouco a pouco, uma grupalidade foi sendo tecida, na qual o desejo de dançar passa a ser compartilhado entre os integrantes. O nome do grupo foi criado: Contágio. Assim, problematizamos a Oficina do CAPS enquanto um recurso potencializador de autonomia e expressão dos sujeitos em sofrimento. Fabricamos, pois, um método que se produz no interstício entre técnica e arte, humano e artefato dançado. Um processo que se dá no encontro entre uma singularidade e seu coletivo. A Filosofia da Diferença, de Deleuze e Guattari, coloca-se como uma ferramenta teórica para embasarmos nossas práticas, além do conceito de Dispositivo proposto por Regina Benevides. Desse modo, a proposta consiste em pensar o grupo e analisar os efeitos dessa experiência dançante. A Oficina se coloca como um dispositivo de reinvenção das práticas em saúde mental, além de apontar uma clínica que se abre à produção da diferença. Entendemos que o estar no grupo não é passivo, porque abre sujeito e corpo para novos modos de agir. Podemos, então, acompanhar suas transformações e, também, compartilhar alterações no movimento grupal, que passa a ser mais ativo e audacioso. Existem diferenças percebidas, que vão desde as conquistas no próprio ato de dançar, bem como os laços no grupo, que se tornam mais próximos e acolhedores. Ainda, vemos os integrantes produzindo novos movimentos de saúde. Portanto, a arte atravessa a clínica e convida o trabalhador de saúde mental e o paciente-bailarino a sair do seu amornamento cotidiano e lançar o corpo aos ritmos inusitados do desejo.

Palavras-chave: Grupo, dispositivo, oficina de dança contemporânea, saúde mental, reforma psiquiátrica.


ABSTRACT

This paper discusses a CAPS intervention through a Workshop of Contemporary Dance. We discuss how the Psychiatric Reform proposed the transformation of modes of caring and new productions of health and citizenship. In CAPS, the Dance Workshop started four years ago. Little by little, a sense of groupality was being built in which the desire to dance is shared among its members. The group name was created: Contagion. Thus, we discuss the Workshop as an empowering resource for the autonomy and expression of the subjects in distress. We manufacture, therefore, a method that is produced in the Interstitial between technique and art, human and danced artifact. The process occurs in the encounter between the singularity and its collectivity. The Philosophy of the Difference, proposed by Deleuze and Guattari, stands as a theoretical tool for basing our practices, as well as the device concept proposed by Regina Benevides. In this way, the proposal is to think about the group and to analyze the effects of the dance experience. The workshop is presented as a practical device for reinventing mental health, while pointing out a clinic that opens to the production of difference. We understand that being in the group is not passive, because it opens up the subject and its body to new ways of acting. We can then track their changes and also share variations in group movement, which becomes more active and bold. There are perceived differences, ranging from the achievements in the very act of dancing, to the ties in the group that become closer and more welcoming. Besides, we see members producing new health movements. Therefore, the art acts through the clinic and invites the mental health worker and the patient-dancer to come out of their routine apathy and to release the body to unusual rhythms of desire.

Keywords: Group, device, contemporary dance workshop, mental health, psychiatric reform.


RESUMEN

Este artículo analiza una intervención en un CAPS a través de un Taller de Danza Contemporánea. Finalmente se discute la Reforma Psiquiátrica propuesta en la transformación de los modos de atención y nuevas producciones de la salud y la ciudadanía. En el CAPS, el Taller de Danza se lleva a cabo hace cuatro años. Poco a poco, una grupalidad se tejía, y el deseo de bailar es para ser compartido entre los miembros. El nombre del grupo fue creado: El Contagio. Por lo tanto, nos preguntamos a la Oficina como una característica potenciadora de la autonomía y la expresión. Fabricamos un método que se produce en el intersticio entre la técnica y el arte, el humano y el artefacto bailado. La filosofía de la diferencia, de Deleuze y Guattari, se erige como una herramienta teórica para embasarmos nuestras prácticas más allá del concepto de dispositivo propuesto por Regina Benevides. Por lo tanto, la propuesta es pensar en el grupo y evaluar los efectos de la experiencia de la danza como un dispositivo práctico de reinvención de la Salud Mental, al tiempo que señala una clínica que se abre a la producción de la diferencia. Entendemos que estar en el grupo no es pasivo. A continuación, puede realizar un seguimiento de los cambios y también los cambios en el movimiento de los grupos de acciones. Hay diferencias percibidas, que van desde los logros en el acto mismo de la danza, así como los vínculos en el grupo. Sin embargo, vemos que los miembros producen nuevos movimientos de la salud. Por lo tanto, el arte actua a través de la clínica y la invita a los trabajadores de la salud mental y el paciente bailarino a dejar de su vida cotidiana y liberar el cuerpo a los ritmos inusuales de lo deseo.

Palabras-clave: Grupo, dispositivo, taller de danza contemporánea, salud mental, la reforma psiquiátrica.


RÉSUMÉ

Cet article discute une intervention dans un CAPS par un atelier de danse contemporaine. Nous discutons comment la réforme psychiatrique a proposé la transformation des modes de soins et des nouvelles productions de la santé et la citoyenneté. En CAPS, l'Atelier de danse a lieu il y a quatre ans. Peu à peu, une groupalité était tissée dans laquelle le désir de danser est partagée entre les membres. Le nom du groupe a été créé: «Contágio». Ainsi, nous nous interrogeons sur l'Ateliers comme un ressource potentialisateur de l'autonomie et d'expression des sujets en souffrance. Nous fabriquons une méthode qui est produite dans l'interstitium entre la technique et l'art, l'homme et les artefacts dansé. La philosophie de la différence, proposé par Deleuze et Guattari, et également le concept de dispositif proposé par Regina Benevides sont présentés comme des outils théoriques pour nous soutenons nos pratiques. Ainsi, la proposition est de penser du groupe et d'analiser les effets d'expérience en danse. L'atelier est présenté comme un dispositif de la réinvention des pratiques en santé mentale, tout en soulignant une clinique qui s'ouvre à la production de la différence. Nous comprenons que être dans le groupe n'est pas passive, car elle ouvre le sujet et le corps à de nouvelles façons d'agir. On peut alors suivre vos modifications et des changements dans le mouvement du groupe, qui devient plus active. Il existe des différences perçues, allant des réalisations dans l'acte même de la danse, ainsi que les liens dans le groupe, qui deviennent plus étroites et plus confortable. Pourtant, nous voyons les membres produire nouveaux mouvements de santé. Par conséquent, l'art traverse la clinique et invite le travailleur en santé mentale et le patient-danseur a sortir de sa vie quotidienne tiède et lancer le corps aux rythmes inhabituels du désir.

Mots-clés: Groupe, dispositif, atelier de danse contemporaine, santé mentale, réforme psychiatrique.


 

 

O CAPS como Dispositivo de Cuidado e Atenção

Muitas são as problematizações que envolvem os modos de atenção ao portador de sofrimento psíquico. No Ocidente, temos uma história recheada de exclusões, fascismos e violências para com o dito louco. Em diferentes países e contextos, os sujeitos em sofrimento, não raras vezes, viveram à margem da sociedade, ou esquecidos, ou vitimizados. Foram, pois, despotencializados de suas formas de vida e de saúde. Paralelo a isso, houve, na história, tentativas de desmistificar a instituição loucura e, ao mesmo tempo, propor novas formas de atendimento e cuidado. A questão que fica requer a pergunta: como sair da tutela e experimentar novas práticas de cuidado? Desde o Tratamento Moral na Europa, passando pelas Comunidades Terapêuticas na Inglaterra, ou por meio da Psicoterapia Institucional na França, a ideia consiste em propor outras abordagens, que rompam com a discriminação e fomentem novas terapêuticas e expressividades para os sujeitos em sofrimento. Na Itália, Franco Basaglia propunha a desconstrução de práticas segregadoras, ao criar a psiquiatria democrática e investir no fim dos manicômios.

No Brasil, a história não foi diferente, permeada por exclusões e encarceramentos. Assim, as atuais discussões referentes à luta antimanicomial e à Reforma Psiquiátrica propõem políticas de saúde mental, no sentido de repensar a construção da saúde e da cidadania. Tenório (2001) salienta que o novo paradigma de cuidados em saúde mental é definido pela expressão atenção psicossocial. Esse termo supõe uma série de tecnologias de cuidado, que desconstroem uma loucura institucionalizada, aprisionada, e buscam promover a autonomia de um sujeito que, mesmo em crise ou em intenso sofrimento, é capaz de reinventar a própria vida.

Atualmente, as políticas de saúde mental no Brasil já estão consolidadas. Isso pode ser um efeito de muitas lutas e reivindicações para a transformação dos modos de agir em saúde mental, o que pode trazer certo alívio. Por outro lado, podemos nos perguntar se os profissionais de saúde mental não correm o risco de cair num certo amornamento das práticas, por sentirem que não é preciso reativar as lutas? Segundo Tenório (2001), o que está na base da reforma psiquiátrica seria a promoção de outro agenciamento social da loucura. Nesse caso, as lutas micropolíticas se fazem no cotidiano dos serviços, nas comunidades, nas universidades. E não cabe aos seus próprios atores acharem que o caso já se encontra resolvido. Pelo contrário, podemos pensar em como se faz necessário relançar as ações ao problemático, como nos diz Deleuze (1998), com o intuito de pensar que um problema não é determinado senão pelos pontos singulares que exprimem suas condições. É nesse sentido que a luta não está ganha, mas as singularizações nos fazem abrir o corpo para a alteridade, para aquilo que faz a loucura se expressar de múltiplos modos.

Nesse caso, ao invés do disciplinamento do corpo ou do seu controle, podemos contar com a problemática das práticas, para repensá-las ou refazê-las. Trata-se, então, de relançá-las a sua mais alta potência de diferenciação. Lobosque (2010) argumenta que o movimento antimanicomial abrange princípios e posicionamentos voltados para a construção de um lugar de cidadania para a loucura. Mas não se trata aqui de uma cidadania moral, cheia de formas pré-definidas, porque exatamente aquilo que a convoca a outras expressividades contém o seu caráter polimorfo e múltiplo.

Saímos, pois, de um fazer cheio de violências e segregações, mas corremos o risco de cair numa prática corriqueira e burocrática. Como evitar tal engodo? Segundo Lobosque (2010), trata-se de buscar, para a loucura, algum cabimento na cidade, o que exige uma reinvenção da mesma, assim como outra concepção sobre seus movimentos. Portanto, para intervir com os sujeitos em sofrimento, hoje, é preciso mexer com instituídos, bem como interferir nas relações que envolvem o urbano, para promover encontros com a diferença.

Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) tem o propósito de reinventar ações para produzir uma nova loucura, mais acolhida na cidade, ou mais sensível aos encontros. Para tanto, podemos sair das práticas mornas e produzir muitas tecnologias de cuidado, mais dispostas, arteiras, inventivas ou lúdicas. Merhy (2009) coloca o desafio de organizar novos modos de se gerir os serviços de saúde e de produzir ações que tenham impactos na criação, manutenção ou recuperação da saúde. Nesse sentido, podemos problematizar as atuais práticas do CAPS, para questionar seus efeitos e pensar sobre seus enlaces e proliferações.

 

Oficinas de Dança Contemporânea: Um Convite à Reinvenção das Práticas

Partindo da importância de se repensar as práticas, é possível problematizar uma experiência com uma Oficina de Dança, não por tentar generalizá-la, mas para que sua singularidade se propague e faça novas alianças. Assim, narramos um grupo, sua história, ao produzirmos novos agenciamentos nesse pequeno coletivo de sonhos e passos dançados.

No CAPS, a Oficina de Dança ocorre há quatro anos. Nesse tempo, muitos foram os usuários do Serviço que experimentaram essa coletividade. Alguns foram afetados, outros não. Pouco a pouco, uma grupalidade foi sendo tecida, fomos inventando modos de funcionamento, modos de desejar a dança ou a coreografia. A organização do grupo foi construída aos poucos, como se fôssemos dando um tom para nossos ensaios, um ritmo para os gestos criados. O nome do grupo foi discutido e criado: Contágio. Perguntamos, pois, se incontáveis não foram os nossos contágios diários nesse pequeno coletivo, seja por meio da dança, por uma palavra, um desânimo repentino, ou uma vontade louca de continuar. Gradativamente, a Oficina ocupou um espaço dentro do Serviço e, ao mesmo tempo, passou a desejar sair fora dele. Procuramos, então, eventos e lugares para apresentarmos nossas danças e expressões, o que traz uma motivação maior aos bailarinos.

Atualmente, nos encontramos duas vezes por semana. O ritual, inventado pelo próprio grupo, é mantido a cada encontro, ao mesmo tempo em que nos dispomos a acolher as inúmeras surpresas que nos acometem. Na Oficina, realizamos uma conversa inicial, para vermos como andam os integrantes. Fazemos um aquecimento em círculo, em que os integrantes propõem gestos e modos de alongar. Em seguida, vamos criando coreografias, partindo dos seus corpos e gestos, transformando as expressividades propostas e criando saídas coletivas para tais tramas. Tenório (2001) afirma que é preciso um exercício permanente de crítica e empenho desejante, no sentido de garantir a vitalidade do trabalho. Assim, os integrantes-bailarinos foram criando um olhar crítico sobre o grupo, o que nos faz crescer, repensar ações e estratégias importantes. A ideia consiste em relançar a Oficina para a cidade, ao compor novas alianças entre elas, tarefa nem sempre fácil, pois o medo do desconhecido também atravessa o grupo.

Lobosque (2010) traz o quanto os CAPS buscaram propiciar uma relação entre a loucura e a arte. Podemos perceber tal aliança nesse grupo. Em várias oficinas do Grupo Contágio, os bailarinos demonstram o seu desejo em dançar, em se apresentar em outros lugares ou, simplesmente, em fazer brincar o próprio corpo, em alguns instantes de diversão e riso. Algumas sensações e falas atravessam os integrantes do nosso grupo, como se eles tivessem uma expressão única em alguns momentos. E, apesar de haver discordâncias de opiniões e histórias, há um acolhimento pelas expressividades vividas, pelas dificuldades sentidas ou pelos talentos experimentados. Em um movimento de saúde, há um coletivo que suporta descontinuidades e divergências, ao acolher as potências, singularidades e dificuldades de cada integrante. Ao entrar em uma espécie de zona de interferências recíprocas e transitórias, os sujeitos se alteram e se deixam contagiar por uma atmosfera criada. O grupo, às vezes, se dá as mãos nos instantes finais da Oficina. Os olhares se cruzam, em uma espécie de zona de contato que permite certo trilhar por entre as existências, ao produzir insistências no desejo e no coletivo.

A partir de um empírico transcendental, lançamos a experiência a um jogo problemático que acolhe o avesso das significações pré-definidas e se abre ao inesperado movimento de uma entrega. Podemos, pois, nos perguntar como o dispositivo grupal opera uma produção de ressignificações do vivido? De que modo o "estar no grupo" passa a ser um processo agenciador de novas falas e gestos que transformam sujeitos e expressividades?

Lima (2004) coloca que o dispositivo chamado de oficina é geralmente convocado quando se fala em "novas" propostas terapêuticas. Falamos de micro-revoluções das práticas, a fim de transformar os olhares sobre a loucura, bem como os encontros com a alteridade. Respaldado pelas concepções da reforma psiquiátrica, o universo das oficinas não se define por um modelo hegemônico de intervenção ou por um único regime de produção. Ao contrário, é composto de naturezas diversas, de uma multiplicidade de formas, processos e linguagens. Trata-se, então, de inventarmos e propormos diversas tecnologias de cuidado. Segundo Merhy (2009), podemos investir na elaboração de "tecnologias" para o trabalho vivo em ato que enfrentem as situações efetivas e necessárias de mudanças. Ora, saímos no amornamento e entramos na vitalidade desse trabalho. A arte nos ajuda a não sucumbir frente aos encontros burocráticos.

Ao buscar novas inscrições por meio da dança, a Oficina realizada no CAPS pode se tornar um dispositivo de construção de novas histórias e expressões. No grupo, tornamo-nos cúmplices de nossas mazelas e frustrações, assim como agenciadores de um coletivo que vibra no corpo e pode desfazer os nós de um emaranhado de possíveis divergentes. Trocamos o cheiro de suor ao dançar, bem como uma lágrima que cai no rosto, quando alguém conta a notícia da perda de um ente querido. Como fazer para não sucumbir aos apelos de um grito silenciado? Ou, de que modo não se aprisionar em uma palavra-sopro que se esvai em ações deslocadas de um plano de produção do sensível? Aprendemos, pouco a pouco, a investir na potência da espera, quando apostamos em uma clínica de agenciamentos sutis que podem, quase que invisivelmente, construir novas linguagens e imbricações.

Merhy (2009) salienta a micropolítica do processo de trabalho, no cotidiano institucional do "fazer saúde". Esse fazimento pode encontrar, na arte, uma grande aliada, não no sentido de resolver todos os problemas, e sim, para experimentar novos agenciamentos entre corpo e sofrimento psíquico. Investimos, então, na configuração de singulares modos de atenção à saúde ao fazer, da dança e do grupo, uma estratégia de cuidado e composição de afetos e saídas inventivas para a loucura.

 

Dispositivo Grupal: Linhas que se Cruzam

Nos momentos iniciais do nosso grupo, criamos uma espécie de zona de compartilhamento de experiências, ideias e narrativas. Dessa maneira, ouvimos a voz do outro com atenção, ao estabelecermos, com ela, séries concordantes ou divergentes. Dividimos potências e alegrias que nos comportam de variadas maneiras. Algumas forças são acolhidas com intensidade e vibração, ao fazerem ressoar conflitivas em comum, além de abrirem espaço para prestarmos atenção em dificuldades ou tensões que circulam entre modos e entes.

Barros (1997) se questiona se um grupo pode ser um dispositivo? E o que o caracterizaria? O que faz disparar outras expressões e modos de andar a vida? Para isso, podemos entender a noção de dispositivo e ver como isso transversaliza uma grupalidade. Barros (1997) lembra Foucault, ao tomar o dispositivo como um emaranhado de linhas, histórias que se cruzam, bem como regimes de enunciação e visibilidade que se produzem. Ora, um dispositivo supõe a visibilidade do vivido, além da produção de sentidos sobre a experiência. Trata-se de fazer ver e falar, dar sentidos singulares às experimentações.

Desse modo, em uma manhã fria de segunda-feira, Jaqueline1 fala, com uma pequena brabeza expressa em sua voz: "Cadê todo o mundo? Por que os outros não vieram hoje?" Suas palavras ressoam na sala e salpicam de inúmeras maneiras, de tal modo que os demais bailarinos se mantêm em silêncio, mas demonstram estar em pleno acordo com o salpicar de palavras que pede a força de um coletivo inventado, mas que já carrega suas pequenas histórias e delícias. Como responder a tamanho nó problemático? Um silêncio parece imperar no ambiente por apenas uma fração de segundos. Em seguida, passamos a fazer dobra com a palavra, ou a tentar deslizar nas superfícies dos acontecimentos, para procurar por um segundo de significação que tente dar conta de sensações e afetos que pulsam de nossas existências em chama. "Vamos pensar sobre a ausência ou a presença? O que nos toma nesse momento?" Percebemos, então, que o grupo se deseja pensar sobre os próprios passos. Muitas são as conversas tecidas a partir daquele pequenino espaço de confrontação, que nos fazem jogar o grupo ao problemático e envolvê-lo em certa dose de solidão e, concomitantemente, em um punhado de sonhos que o levem a cheiros ainda não explorados. Portanto, o "cadê todo o mundo?" pode se tornar uma pergunta-problema, ou uma fala-dispositivo, ao disparar uma visibilidade e produzir sentido para o vivido.

A construção de tais linhas traz efeitos interessantes para o próprio grupo. Barros (1997) ainda retoma as linhas de força e de subjetivação, como uma espécie de poder-saber que opera um embate de forças em jogo. Uma mistura de falas e gestos dançados produz a transversalidade. Um coletivo se ultrapassa, experimenta outros encontros e vive os limites da própria transformação de si. São as linhas da subjetivação, que também compõem um dispositivo, tal qual a invenção de modos de ser e a desterritorialização nos modos dominantes de existir.

Robertina, no meio de um ensaio, dirige-se ao grupo: "Qual o figurino que nós vamos usar na coreografia? Eu acho que a gente deveria ter uma roupa em comum, para todas as apresentações. Uma roupa que simbolizasse o grupo. Não sei o que vocês pensam?" Desse modo, por meio de sua fala, ela pede opiniões, ou contribuições para o desenrolar de um grupo que se constrói no plano do sensível e do expressivo. Os demais integrantes a ouvem com atenção e respeito e passam a pensar sobre as questões trazidas. Pouco a pouco, um processo de autonomia e autoria, sutil e envolvente, enche nossos corpos com novas proposições e enlaces. A potência do encontro parece fazer reverberar o corpo em novos movimentos intensivos e envoltos em multiplicidades.

Existem, também, discordâncias e heterogeneidades, que povoam o plano grupal, com acontecimentos que expressam uma vida, para além de binarismos e individualidades. Isso se faz por meio de enfrentamentos, discussões, palavras destoantes que são lançadas no problemático, porque divergem de um significado já conhecido e nos fazem pensar sobre o intensivo movimento de mundo que nos atravessa. Um elemento paradoxal circula entre o grupo, tal qual uma casa vazia, ou um habitante sem lugar, que provoca rupturas e brechas de sentido e expõe o corpo a novas práticas e intenções.

Ao mesmo tempo, uma sensação de igualdade ou pertencimento ao grupo pode nos ajudar a nos sentirmos em casa, aconchegados em um abraço contemplativo do olhar e da voz, na qual ambos nos impelem a retomar o ritmo virulento dos acasos intensivos e jogá-los em uma territorialidade estética que nos acalma e enlaça. De igual para igual, estranhamos um plano de diferenças que circula e agencia dobras ritmadas e sensíveis ao inesperado movimento das singularidades impessoais.

Assim, o "estar no grupo" nos altera e nos produz de múltiplas maneiras. E passamos não só a freqüentá-lo, mas também a reinventá-lo, a admirá-lo, porque a nossa imbricação passa a transcender o plano representacional do vivido e tende a compor uma sensação de cumplicidade a quem dele pertence. Nessa direção, ativo e passivo se enrolam em uma contemplação do diferir, bem como em um investimento naquilo que excede o cogito e nos toma enquanto sujeitos bailarinos de si, envoltos em uma pulsação rítmica do desejo. Vivenciamos sonhos dançantes que exprimem o inexprimível jogo dos afetos e nos embalam em uma espécie de aventura dissonante.

Segundo Lima (2004), o usuário dos serviços de saúde pode participar ativamente do seu processo terapêutico e construir sua trajetória, na instituição e na vida, escolhendo aqueles espaços e linguagens que lhe façam sentido ou que lhe proporcionem a construção de algum sentido. Desse modo, a instituição pode ser vivida como uma realidade flexível, ao se deixar transformar pelo sujeito que tem, então, a vivência de inscrever-se no mundo.

No Grupo Contágio, damos as mãos incontáveis vezes, na tentativa de deixar passar as forças que pedem passagem e provocam a construção de uma nova estética do si, que se atualiza em um complexo grupal, aberto aos acasos e às forças das imagens dançantes. Segundo Dias (2009), o criador atinge o ponto culminante de sua excitabilidade não quando recebe, mas quando dá. Trata-se de uma entrega ao outro, no sentido de emprestar modos de expressar o complexo grupal, bem como de colocar na roda as sutilezas de uma dança inventada, porque não estava ali, foi se tecendo nas alegrias e dores de nossos ritmos.

Assim, naquela manhã quente de janeiro, Ademar retorna ao grupo, após ter se afastado por vários meses. Todos o recebem com alegria e benevolência. Estão curiosos por suas palavras as quais chegam timidamente e se retiram sem pressa, para dar lugar a um saudoso pedido de recomeço. Ele esteve fora, perdido no tempo, sem rumo ou paradeiro. Um modo-Ademar conta de um estado de total apatia para com o mundo. Ora, como a dança não o salvou de tal estado de fragilidade? Não, não fazemos mágica. Ele sentia falta do grupo, apesar de saber que era preciso dar um tempo e suportar os percursos de uma espera. Por outro lado, tinha a sensação de que voltaria a tempo de arriscar-se em novas quedas e encontros, como se o ritmo dos acasos fosse embalado por uma estranha melodia, suave e triste, mas encharcada por uma esperança de novas constelações problemáticas e corporais. "Vou voltar para o grupo em janeiro". E não é que assim o fez? Cumpriu sua palavra, e voltou com a mesma dedicação e seriedade de outrora. É bom vê-lo novamente por entre os gestos criados, como o eterno retorno de um personagem embebido em sonho e em uma vontade criadora. Segundo Barros (1997), uma primeira característica do dispositivo é seu caráter ativo. O encontro com o grupo pode disparar novas ações, ou outras saídas para aquilo que os acomete, ao tirar trabalhadores e usuários de um CAPS de toda a ladainha que rondam suas práticas cotidianas e lançar os corpos a novas ousadias.

Desse modo, falas e gestos podem ganhar a potência do infinitivo e acessar o esplendor do neutro, em toda a sua potência de variação e transbordamento. Falar e ensaiar, bem como oficinar e dançar, podem se tornar séries expressivas de um elemento paradoxal que não cessa de morrer, tampouco de nascer sob múltiplas perspectivas e embates. Acompanhamos o desistir e o chorar, bem como o lutar ou o esperar. Nesse emaranhado de sensações, também convivemos com séries que trazem a beleza do sofrer e os seus desdobramentos, que afetam o grupo e o tornam preocupados com os próprios percursos e individuações. Às vezes, lamentamos a ausência do outro, mesmo apostando no eterno retorno de sua volta. E, caso isso se efetue, é como se investíssemos na contra-efetuação do sofrer e da doença, uma vez que enlaçamos o gesto ao mundo e descobrimos novas possibilidades para a produção de um movimento dançado que se transforme em linguagem de si e da vida. É preciso, também, suportar os limites de uma estética que não nos salva, apenas compõe um convite a uma criação que perpassa os personagens de um coletivo imagético e dançante.

Lima (2004) salienta que, por meio da realização das mais diversas atividades, os pacientes dos hospitais e dos Centros de Atenção Psicossocial passam a poder se apropriar das riquezas culturais de sua comunidade, da qual tinham sido excluídos. Passa a haver, então, encontros entre a sociedade que se diz sadia e aqueles que passaram pela experiência da loucura. Na Oficina de Dança do CAPS, temos experimentado encontros com o olhar da comunidade, por meio de apresentações, participações em eventos e festividades locais. Isso tem produzido uma vontade de seguir dançando e tecer novas linhas expressivas por meio de um coletivo dançante.

Portanto, há um afeto que passa a circular por entre gestos e corpos, e faz uma costura que nos liga a um desejo em comum: oficinar, coreografar, compor um grupo, em sua potência e fragilidade, naquilo que ele tem a nos oferecer de alegria ou tristeza, aventura ou potência de invenção. Nesse aspecto, séries divergentes se associam nos sujeitos dançantes e os fazem sentir os gozos do Oficinar e do Coreografar. Por isso, uma zona intensiva entre o oficinar e o coreografar nos leva às superfícies da linguagem, já que fazem o corpo, o gesto e o processo criativo trilharem um plano compartilhado de afetos, palavras, movimentos e transformações.

Para Dias (2009), uma forma não dura eternamente, o tempo se encarrega de destruí-la. Passo a passo, o grupo potencializa o agenciar do derretimento do gesto que cede a forma atual e se prolifera em micro-partículas intensivas inventadas, as quais invadem corpo e linguagem e acionam uma nova maquinação. Um tempo lento e fluido corrompe um movimento estereotipado e o convida a experimentar novas dobras dançadas. Ao final de um encontro, temos a sensação de sairmos mais leves, mais dispostos a sentir a vida que transborda por entre os poros e suplica por mais um instante de criação. Conforme Spinoza (2007), a força e a expansão de uma paixão qualquer são definidas não pela potência no perseverar no existir, mas pela potência da causa exterior. Isso implica em pensar na força de um encontro, que pode expandir as paixões alegres e ampliar o que pode o corpo, para além de sua preservação.

Às vezes, é como se o dispositivo grupal só existisse lá, naquele meio associado. Evaristo comenta que, lá fora, ele não circula, não cuida do próprio dinheiro, não pode tomar suas próprias decisões. Atualmente, ele diz isso com uma mágoa e, ao mesmo tempo, com a sensação de que ele pode ser mais do que isso. Ali, no grupo, ele parece ocupar outro lugar, uma vez que ele critica, questiona, pergunta, dá inúmeras sugestões. Há dias em que ele vem de bicicleta, por não ter o dinheiro para a passagem de ônibus. Visualizamos as pedaladas de Evaristo, que duram cerca de uma hora, e que o conduzem às aventuras do Contágio. Dessa maneira, algo se produz em um modo-Evaristo de dançar, ou de oficinar, que o torna autor de si, e faz desaparecer a dependência e a discriminação. Somente lá, na sala-garagem, no acontecimento-oficina, um modo Evaristo de tornar-se outro e arriscar-se em novas relações com a linguagem e com o mundo transbordam a sala e contagiam diversos personagens dessa história embrulhada em sensações e afetos múltiplos.

Não há, pois, uma separação entre Evaristo e o grupo, já que ele se faz nesse cruzamento, em meio a esse nó grupal e singular que o transversaliza e atravessa desejos e produções expressivas. Entre a passividade e a atividade da entrega, uma vida se torna bailarina de si, comediante dos próprios acontecimentos, ao convocar um plano de virtualidades, ou uma espera a ganhar novas consistências. Alegres pedaladas que o levam para as aventuras de uma arte compartilhada. Estranho amalgamento entre um modo-dançante e seu corpo em chamas, pois ambos se transformam e agenciam novas dobras ao grupo que se arrisca em chances inéditas para as potências do oficinar.

Ao mesmo tempo em que temos a sensação de que o dispositivo grupal só existe na sala-garagem, também vivenciamos o fato de que esses movimentos transbordam dinamismos espaço-temporais e nos convidam a trilhar novos territórios. Marinea convida Jaqueline a ir ao shopping após a Oficina. Um convite que se repete muitas vezes, em uma tentativa de manter o contato mesmo fora do CAPS, em seguir a conversa, ou movimentar o corpo em outros espaços. Há instantes em que temos a nítida noção de que, ao término de uma Oficina, os corpos estão transbordando, pedindo por uma ampliação, por uma nova ternura, como se a atual configuração já não desse mais conta de suas experiências e alegrias. Para Lima (2004), podemos pensar uma clínica marcada pela experimentação, ao colocar em conexão as produções artísticas e culturais que se compõem no coletivo.

"Quando vamos dançar de novo em outros lugares?" A pergunta de Ademar me soa tão coletiva, como se fosse um embaralhamento de vozes a compartilhar o mesmo desejo, ou as mesmas artimanhas de um novo desejar, ou as mesmas séries elevadas à potência de um grupo que se redesenha a cada contato. Olhares atentos aguardam uma resposta à questão. Apesar de algo que invade o grupo em sua comunicação comum, também há uma espécie de divergência assimétrica que faz proliferar modos e sombras, além de ideias dissonantes. Em meio a passos diversos, as diferenças podem soar como um dançar do elemento paradoxal, pois ele se alimenta da multiplicidade dos corpos em sintonia e desdobramento de outros possíveis.

Deleuze (1998) salienta que duas séries heterogêneas podem convergir para um elemento paradoxal, que funciona como o seu diferenciante. Nesse caso, ele é o princípio de emissão das singularidades pré-individuais. Ora, uma pergunta que se torna coletiva em um grupo não estava lá a priori, como um atributo substanciado a ser desvendado, mas ela se constrói enquanto uma singularidade pré-individual que passa a fazer eco entre as personagens daquela trama dançante. O perguntar pode se tornar uma série divergente, tal qual um elemento paradoxal que compõe fissuras e faz passar por entre meios as potências de um infinitivo vibrante.

Desse modo, o singular não remete ao indivíduo, mas ao impessoal. Há, pois, uma relação de reciprocidade entre o grupo e o singular, pois ambos remetem a um processo de divergência de séries, bem como a uma produção intensiva de novas expressividades. Com isso, estar em grupo envolve a dispersão do homogêneo, em uma onda vibratória de sensações e ausências que estimulam as artimanhas da alteridade. A singularidade é indiferente ao individual ou ao coletivo, pois ela é "neutra". Deleuze (1998) coloca o domínio do neutro como o estatuto do acontecimento puro que não ultrapassa as oposições, mas exatamente as exprime em concomitância. Há, aqui, um paradoxo do absurdo ou dos objetos impossíveis, já que os objetos contraditórios passam a ter sentido e a se comunicarem entre si. O neutro, nesse caso, não supõe uma ausência, porque ele explode em excessos e implica no desdobramento de novos agenciamentos ao ser.

Os bailarinos, nos encontros, vão se apropriando e criando uma linguagem dançada em seu corpo. Dessa maneira, o Grupo Contágio ganha expressões, ao mesmo tempo em que perde rótulos. Abrimos espaço, na sala-garagem, para aquilo que excede e pode fazer reverberar, no corpo, a expansão da vida em seu esplendor e brilho. Ao mesmo tempo, temos a chance de apostar na destruição do desamparo e da clausura que leva a loucura ao medo do porvir. Por exemplo, um modo-Ademar-deprimido-imóvel cede espaço a um modo-Ademar-ativo, que ocupa um lugar no grupo, passa a dar sugestões e a fazer críticas, ao mesmo tempo em que lança o seu corpo a um processo paradoxal de criação e recomeço.

Quando são chamados de bailarinos, percebemos um brilho em seus olhos, ao comportar uma vibração intempestiva que carrega, em si, o risco pelo desprendimento e pela composição de novas dobras do corpo e da linguagem. Um modo-Clara, por sua vez, vai transformando as expressividades corporais, pois ela vem se desprendendo de um corpo pesado, que pouco se movimenta e carrega o peso do sofrer no colo. Clara tem dançado de novos jeitos, ao experimentar se apropriar do gesto, arriscar novas plasticidades e traçar uma memória intensiva daquilo que ela está se tornando. Um sorriso no canto dos lábios exprime a percepção de que ela acompanha a viagem de suas transformações. Por isso, propomos a construção de uma clínica do sensível, pois ela pode se abrir ao intempestivo movimento de produção advindo de um sujeito que se faz a partir de um coletivo e de um encontro com a potência do neutro, em seus excessos e desdobramentos do si.

 

Modos Estéticos e Dançantes

Para Lima (2004), a utilização de atividades em saúde mental implica, então, pensar uma clínica construtiva e inventiva de novas possibilidades e novas formas de vida. Uma clínica comprometida com a construção e a produção de uma nova subjetividade aberta à alteridade. Tentamos, pois, produzir esse jogo na Oficina de Dança do CAPS. Apostamos em uma clínica atenta àquilo que propicia a criação e potencializa os processos de transformação do cotidiano e do corpo. Inventamos uma clínica que possa ser praticada como um exercício de expansão e aliança sensíveis aos processos de singularização.

Um método estético e clínico tem sido criado coletivamente no Grupo Contágio, uma vez que os personagens e conceitos operam com a transformação do corpo em dança, na tentativa de sentir os processos conquistados a partir dessa tensão criadora. As discussões produzidas também funcionam como uma espécie de zona conceitual, que faz os bailarinos se pensarem de outros modos e verem o coletivo de uma nova maneira. Isso replica a subjetivação, outrora apenas doente, e a joga em uma sensação de arrebatamento e calma, frente aos caminhos embalados por novas temáticas do existir. Criamos, pois, uma espécie de suspensão do corpo abatido e doente, para que seja possível inventar novas expressividades para a existência.

A potência do oficinar nos toma como um modo de ser grupo-dançante e nos liga às intempéries das superfícies, porque produzimos, a partir da subjetivação, novas dobras para a linguagem. Ainda posso lembrar dos corpos quase engolidos por uma profundidade obscura, a chegar na Oficina e pedir uma morada. Lentamente, sem sabermos ao certo quando, podemos acompanhar suas transformações e, também, compartilhar alterações no próprio movimento grupal, que passa a ser mais ativo, arteiro, audacioso, empolgante.

Oficinar supõe, então, a produção de um campo de imanência dos movimentos do desejo, uma vez que não há dicotomias entre o dentro e o fora, entre o individual e o grupo, e sim, uma associação entre singular e coletivo. Diversos agenciamentos constituem uma imanência entre os processos criativos de subjetivação e as formas produzidas por meio da estética dos encontros. Os bailarinos dançam nas brechas entre o que ainda os atormenta e as proliferações intensivas de novos arranjos para o si. Um corpo se encontra com o gesto dançado, com outro corpo dançante, bem como com os movimentos grupais. Assim, a estética do encontro supõe um acoplamento entre diferenças, ou seja, no momento em que há respeito para com o ritmo do outro, mas também uma aposta em suas potências de transformação, temos a chance de fazer, do encontro, uma nova estética, ou outros modos de expressividade.

Dessa forma, Marinea chega ao grupo e parece muito cabisbaixa e entristecida. Todos respeitam a sua quase invisibilidade, apesar de a convidarem, várias vezes, para o aquecimento. Aquele momento inicial implica, talvez, uma resistência frente à entrega que se dará àquele coletivo estético. Pouco a pouco, ela se envolve pela atmosfera e deixa-se fazer bailarina de novo, tal qual um eterno retorno de um conceito que se põe a dançar. Vivemos um momento mágico do grupo? Não, apenas vimos uma zona de produção que liga dentro e fora, e faz um modo de agir ser atravessado pelas potências que se criam no grupo.

Segundo Deleuze (1995), um agenciamento comporta dois segmentos, que consistem em conteúdo e expressão. O agenciar supõe, por um lado, um acoplamento maquínico de corpos, ações e paixões, como uma mistura reagindo uns sobre os outros. Nesse caso, estamos no domínio do corpo e de seus estados de coisas. Por outro lado, é possível um agenciamento coletivo de enunciação, com atos e enunciados, transformações incorpóreas atribuídas aos corpos. Aqui, trata-se do desdobramento das superfícies, isto é, da construção de uma linguagem imagética e corpórea, que passa a produzir novos jogos de sentido. Vemos, no grupo, o quanto corpo e linguagem provêm de séries heterogêneas, que se desdobram e redobram ideias e expressões. Novas espessuras são costuradas, à medida que o coletivo sente a abertura a um tempo paradoxal de fluxos misturados. O oficinar envolve fragmentos de palavras, misturados a gestos, sons, suores e odores, que travam uma tensão entre uma nova subjetividade que se constrói a partir de um coletivo implicado em novas formas e aventuras.

Em meio a um sussurrar de plasticidades, pode ocorrer um compartilhamento de imagens e perspectivas, quando os integrantes compõem uma suave coreografia dos afetos e palavras inquietas. De paciente a bailarino, muitos são os ensaios vividos, bem como incontáveis se tornam as práticas embebidas em tentativas e recomeços, que embalam os sujeitos em novas experimentações. Para Barros (2007), podemos pensar o grupo, não como substanciado, mas como plano de produção, isto é, um plano maquínico em que o produzir se faz por agenciamentos ou encontros entre elementos heterogêneos. Ora, falar e girar, dançar ou chorar, configuram-se em séries intensivas compostas por entre meios que fazem crescer a atmosfera grupal. Dividimos, tantas vezes, fragmentos intensivos que pedem passagem e parecem acolher o tão sonhado movimento de mundo que nos convida à variação. Juntos, é como se nos sentíssemos mais fortes, ou, ao menos, menos expostos a uma solidão arrebatadora. Por isso, o grupo pode se tornar uma figura utópica, sem um lugar determinado, já que ele nos permite pensar o contemporâneo e também transformá-lo de múltiplos modos.

Do dançar, passamos à fala que convoca a uma ruptura e nos desacomoda de algum jeito. Ao mesmo tempo, temos a possibilidade de trilhar novos rumos para nossas sintaxes. "O trabalho com grupos se dá na superfície, porque está aberto às conexões, porque se põe como catalisador poético-existencial de devires que insistem em se expressar." (Barros, 2007, p. 297 e 298) Portanto, modos-Jaqueline, outrora medrosos da vida e receosos da argumentação, passam a nos surpreender, porque convocam o grupo a não se intimidar frente àquilo que nos atormenta, além de expressarem livremente um instante de confrontação.

Os modos que se transformam no Grupo Contágio ganham voz e sensibilidade e nos fazem pensar sobre o que estamos nos tornando. Segundo Deleuze (1998), é preciso tornar-se a quase-causa do que se produz em nós, o Operador, produzir as superfícies e as dobras em que o acontecimento se reflete. Em meio a esse jogo de sutilezas, uma quase-causa se opera entre o corpo e o dito, em uma zona limite que irrompe em novas dessemelhanças e desassossegos, pois fazem voz e gesto tremer e aprender com as fragilidades que a vida nos transpõe.

Em dado momento, Marinea argumenta: "Sabe por que a gente vem aqui, Vilene? Porque a gente se concentra só no gesto, esquece dos próprios problemas." Aqui, o "a gente" implica uma coletividade em seu esplendor e acontecimento, ao mesmo tempo em que conduz o sujeito a uma entrega a devires dançantes. Conforme Deleuze (1998), o incorporal pode manifestar em nós o esplendor neutro que ele possui em si como impessoal e pré-individual. Em uma sala-garagem, às vezes, somos capazes de esquecer o que nos atormenta e investir em uma movimentação que aposta na alegria do dançar e do vir a ser.

Conforme Lima (2004), a arte pode ocupar o lugar de paradigma, uma dimensão intrínseca a toda forma de produção e atividade humana. Trata-se de transformar a natureza, transformar o mundo em que se vive, compor a própria existência, criar-se a si mesmo, em um processo autopoiético. A partir dessa ideia, podemos nos questionar de que maneira estamos produzindo um operador clínico para trabalhar com os corpos da psicose, sem cairmos em práticas instituídas, tampouco reproduzirmos olhares limitadores e estigmatizantes? Ou, dito de outro modo, quais são os efeitos criados a partir da experimentação grupo-dança-contágio, que relancem a subjetivação a quase-causas incorporais?

Conforme Barros (2007), trabalhar na superfície é positivar as múltiplas direções que os agenciamentos podem imprimir aos corpos, é explorar, na multiplicidade pré-individual, devires-outros que se insinuem entre as dualidades. Por isso, no meio da ilusória dualidade eu-grupo, nasce uma teia misturada que se reverbera em ações outras e faz a subjetivação fluir na imanência de um eu que se reinventa. Nesse aspecto, um modo-Jeferson passa a deslizar nas superfícies do sentido, ao dançar as intensidades do mundo e ao fazer desdobrar o si em múltiplas reverberações. O eu, tomado pelas vozes que o tensionam e o jogam em uma profundidade onde as coisas se tornam ameaçadoras, pode reverberar em novos gestos e outras palavras. Os sentidos produzidos provocam a desenvoltura em um corpo que aprende a sentir o gozo profano das perplexidades acionadas na entrega. Assim, modos de ser grupo, ou modos de ser bailarino são tecidos a partir dessa doce, ou difícil aventura.

Dessa maneira, um corpo da psicose, desprovido de proteção, pode se sentir acolhido em um modo-grupo que compõe moradas expressivas e estéticas. Algo do turbilhão de afetos que povoam as profundidades pode ser desdobrado nas superfícies, no momento em que ligamos o corpo a uma quase-causa dançada, ou quando acessamos um pouco de paixão e a relançamos aos acontecimentos do sentido. Nessa mesma direção, ao final de uma Oficina, Clara diz a todos: "Tu percebeste como eu mudei, Vilene? Desde que eu estou vindo no grupo, eu mudei muito". Portanto, vemos uma frase-pergunta que, ao mesmo tempo, afirma o esplendor do acontecimento, uma vez que dá a ver explicações sensíveis ao vivido, tal qual uma conexão inventada entre efeito e corpo em transformação. Esse plano de composição entre ação-paixão e quase causa permite a acolhida do ser despedaçado em uma nova dobra. Uma mudança que é percebida por quem a vive e, paralelamente, é sentida como se o olhar do outro, que vem de fora, também a acompanhasse. Nessas experimentações, agenciamos um espaço do corpo do bailarino, em que interior e exterior se encontram e compõem uma estranha melodia, isto é, uma zona de conexão entre o dentro e fora.

Ou seja, propomos um operador clínico que se faça enquanto convite às narrativas do si, elevada à sua mais alta potência de invenção e amparo. No grupo Contágio, passamos a suportar as dores do outro, mas também a participar de experimentações e estetizações de modos bailarinos que se precipitam em acontecer por meio de aventuras que se fazem na zona limítrofe que separa gesto e escritas dançantes.

Quando Clara pergunta se percebemos a sua mudança, respondemos que, para nós, isso parece tão claro... Questionamos de que alteração estamos falando? O grupo se contagia perante o movimento de transformação que vem do outro, mas que, de alguma forma, também é nosso. Para Dias (2009), a afirmação do devir é condição para que haja criação. Se tudo está em devir, tudo está sujeito às leis da destruição. Algo, porém, permanece apesar da destruição. Permanece o insistente ato criador. Portanto, aqui operamos com uma potência clínica para o corpo da psicose, ou seja, vivemos, com ele, as potências da destruição, advindas da experiência estética. Ao mesmo tempo, acionamos algo da permanência que convoca a territorialidade artística a se afirmar. Isso, de algum modo, tem a chance de acolher o corpo da psicose e convidá-lo ao processo da criação, para que se possa jogar na tensão entre o destruir e o construir.

A personagem conceitual, nesse caso, se compõe enquanto um coletivo maquínico de criação dançante. Não raras vezes, é necessário compor um plano reflexivo sobre o encontro, porque o coletivo assim o quer. O grupo passa a desejar, então, coisas em comum: uma apresentação nova, um uniforme, uma filmagem. Eles buscam qualquer coisa que os conectem a um plano coletivo de compartilhamento da experiência estética, em uma iniciativa que requer autonomia e criação. Conforme Spinoza (2007), uma coisa singular qualquer, cuja natureza é diferente da nossa, não pode estimular nem frear nossa potência de agir, a não ser que tenha algo em comum conosco. Nesses percursos de afeto, experimentamos aumentar a potência de agir do corpo, à medida que criamos novas zonas de vizinhança, ou outras linhas que fazem concordar nós e forças.

Nesse espaço-tempo de comunicações, a experiência "em comum" perambula, como se nós pertencêssemos àquele modo de produção coletiva do desejo. Os bailarinos buscam conversar sobre maneiras de tentar dar conta daquilo que inventamos, como uma produção de demanda por um movimento grupal que nos tira da solidão e do abandono e nos relança a novos laços com o social e com a arte.

Como era de se esperar, há momentos em que os laços são frágeis, porque eles são ainda tão recentes, contudo, temos, também, a perspectiva de uma paixão e um recomeço, a cada instante em que os olhares se cruzam e anseiam por uma nova Oficina. Segundo Barros (2007), o grupo supõe uma experimentação, que implica estar em contato com movimentos de fluxos, dimensões de uma existência até então não incluídas naquele território. Esse desafio requer a valorização dos processos maquínicos de produção do desejo. Não existem passos pré-determinados, uma vez que o método vai sendo tecido a partir de um investimento que se dá nesse plano de solidariedade para com a diferença que provém do outro. Não seguimos regras ou obrigações, apenas tentamos romper com uma clínica moralizante e segregadora, para compor um oficinar e um Coreografar que acionam outras falas, ou que liberam fluxos e convidam o sujeito a dançar por entre as alegrias da vida, ou de uma vida, envolta em novas problematizações.

 

Considerações finais

A partir de uma problematização da experiência da Oficina de Dança de um CAPS, pensamos sobre os efeitos produzidos em um coletivo dançante, nomeado Grupo Contágio. Entendemos que tal prática é permeada por uma clínica que se abre ao sensível e às expressões do corpo e de um grupo, para produzir novos sentidos a uma experiência singular. Tentamos acompanhar as transformações de um coletivo artístico, que se produz por meio de novas alianças entre dança, clínica e cidade.

Portanto, uma Oficina expressiva, em um CAPS, pode se tornar um grupo dispositivo, no sentido de disparar agenciamentos, linhas de enunciação e visibilidade que se cruzam e tecem diferenças naqueles bailarinos. Essa se configura como uma tecnologia de cuidado e expressão possível, em meio a tantas outras. Trata-se de lançar a experiência ao problemático, no sentido de dar visibilidade a pontos singulares e transformar as intervenções. Segundo Lobosque (2010), os trabalhadores da saúde mental não podem permitir que sejam afogados pelo automatismo cotidiano. A autora propõe, a partir disso, uma conexão entre teoria e invenção, a fim de redimensionar as possibilidades da clínica e da intervenção em saúde.

Em meio a narrativas e complexidades, a oficina pode ser pensada como um efeito, um resto de paixão. As práticas ligadas à oficina a transformam em quase-causa de nossas aventuras e inquietações, já que ela nos embala em uma melodia ardilosa, que espalha pelo corpo o desejo da vibração e o apelo por uma maquinação de processos artísticos, ao criar elos entre afeto e sentido. Em nossos rituais inventados, corpo e língua se conectam, em uma espécie de coreografia de contrários que se agitam e encontram novas espessuras para os processos criativos e compartilhados. A oficina se configura como um meio associado, pois ela se constrói a partir do acoplamento entre as diversas personagens e as séries destoantes, em que uma almeja o desdobramento na outra.

Fazemos e propomos, portanto, uma clínica de contra-instituições, uma vez que trabalhamos a diluição de instituídos, tais como a noção de que a loucura impede o processo criativo e dificulta a composição de obra. Ao invés disso, pensamos um devir clínico, já que abrimos a intervenção a seus estranhos, com o intuito de torná-la mais porosa ao acontecimento e seus sentidos incorporais produzidos em uma superfície de inscrição do sensível e do movimento criativo do desejo.

No Grupo Contágio, muitas são as dificuldades que surgem no caminho. Ao mesmo tempo, incontáveis são as surpresas e as produções que se dão por meio desse agenciamento dançante. Tal fazer nunca está pronto, já que nos exige um constante pensar sobre si, sobre o grupo, a fim de torná-lo maleável e aberto para novos riscos e experimentações. Para Lima (2004), é possível vermos uma nova forma de pensar a arte, não apenas como expressão do que já está, do que já se é, mas como possibilidade de criação de novo. Trata-se, pois, não apenas de tornar visível o invisível, mas criar novos regimes de visibilidade. Acompanhamos o subjetivar do corpo por meio da música, do passo dançado, da coreografia ensaiada, que torna um paciente em um impaciente bailarino.

Desse modo, ao buscarmos intervir no processo de saúde/doença, por meio da realização de atividades estéticas, estamos inseridos em um meio cultural que produz uma forma de fazer, de saber-fazer, uma tecnologia. Fabricamos, pois, um método que se produz no interstício entre técnica e arte, humano e artefato dançado. Um processo que se dá no encontro entre uma singularidade e seu coletivo. Entendemos, pois, que o "estar no grupo" não é passivo, porque abre sujeito e corpo para a alteridade e produz efeitos no coletivo dançante. Há pontos singulares que emergem desse encontro, como os processos inusitados que se dão nos integrantes bailarinos e promovem outros movimentos de saúde. Existem diferenças percebidas na Oficina, que vão desde as conquistas no próprio ato de dançar, bem como os laços no grupo, que se tornam mais próximos e acolhedores. Dessa maneira, a própria loucura é convidada a dançar e experimenta novas expressões para os afetos que pedem passagem. A arte atravessa a clínica e convida o trabalhador de saúde mental a sair do seu amornamento cotidiano e lançar o próprio corpo aos ritmos inusitados do desejo e da alteridade. Não seriam essas as pequenas lutas das quais não podemos abrir mão?

 

Referências

Barros, R. B. (1997). Dispositivos em ação: O grupo. In A. Lancetti (Org.), Saúde e loucura (Vol. 6, pp. 183-191). São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Barros, R. B. (2007) Grupo: A afirmação de um simulacro. Porto Alegre, RS: Sulina.         [ Links ]

Deleuze, G. (1995). Mil platôs: Capitalismo e esquizofrenia (Vol. 2). São Paulo: Editora 34.         [ Links ]

Deleuze, G. (1998). Lógica do sentido. São Paulo: Perspectiva.         [ Links ]

Dias, R. (2009). Amizade estelar: Schopenhauer, Wagner e Nietzsche. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Lima, E. A. (2004). Oficinas e outros dispositivos para uma clínica atravessada pela criação. In C. M. Costa & A. C. Figueiredo (Orgs.), Oficinas terapêuticas em saúde mental: Sujeito, produção e cidadania (pp. 59-81). Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria.         [ Links ]

Lobosque, A. M. (2010). Nem a fuga da teoria, nem o medo da invenção. In F. B. Campos & A. Lancetti (Orgs.), SaúdeLoucura 9 (pp. 255-272). São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Merhy, E. E. (2009). A micropolítica do trabalho vivo em ato, no cuidado. In S. R. Carvalho, S. Ferigato & M. E. Barros (Orgs.), Conexões: Saúde coletiva e políticas de subjetividade (pp. 276-300). São Paulo: Hucitec.         [ Links ]

Spinoza, B. (2007). Ética. Belo Horizonte, MG: Autêntica.         [ Links ]

Tenório, F. (2001). A psicanálise e a clínica da reforma psiquiátrica. Rio de Janeiro: Rios Ambiciosos.         [ Links ]

 

 

Recebido em 07 de junho de 2011
Aceito em 27 de agosto de 2011
Revisado em 21 de outubro de 2011

 

 

1 Os nomes dos integrantes são fictícios, em função do sigilo dos integrantes do grupo.

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