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Revista Psicologia Política

versão On-line ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.24  São Paulo  2024  Epub 23-Ago-2024

https://doi.org/10.5935/2175-1390.v24e22182 

Artigo

O DESMENTIDO NA CENA SOCIAL: VIOLÊNCIA E SEGREGAÇÃO NA PANDEMIA DA COVID-19

La negación en el escenario social: violencia y segregación en la pandemia del covid-19

The denial on the social scene: violence and segregation in the covid-19 pandemic

ALINE GABRIELE CARVALHO DE LIMA1  , Conceitualização, Curadoria de dados, Análise de dados, Elaboração do manuscrito original, Redação, revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-0276-3277

KARLA PATRÍCIA HOLANDA MARTINS2  , Conceitualização, Análise de dados, Elaboração do manuscrito original, Redação, revisão e edição
http://orcid.org/0000-0003-3242-6287

FABIANO CHAGAS RABÊLO3  , Análise de dados, Elaboração do manuscrito original, Redação, revisão e edição
http://orcid.org/0000-0001-5026-8396

CELINA PEIXOTO LIMA4  , Conceitualização, Redação, revisão e edição
http://orcid.org/0000-0002-9305-079X

1https://orcid.org/0000-0002-9305-079X E-mail: celinapxlima@gmail.com Psicanalista. Doutora em Psicologia pela Université Paris 13. Professora aposentada do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade de Fortaleza (UNIFOR)

2https://orcid.org/0000-0002-0276-3277 E-mail: alinegclima@gmail.com Psicóloga (UNIFOR). Mestre em Psicologia (UNIFOR). Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará/UFC

3http://orcid.org/0000-0003-3242-6287 E-mail: kphm@uol.com.br Pós-doutorado no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Doutorado em Teoria Psicanalítica pela UFRJ. Professora Associada do Programa de Pós-Graduação em Psicologia e da graduação em Psicologia da Universidade Federal do Ceará/ UFC. Bolsista de produtividade do CNPQ

4https://orcid.org/0000-0001-5026-8396 E-mail: fabrabelo@gmail.com Psicanalista. Professor do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Delta do Parnaíba (UFDPAR). Doutor em Psicologia, Universidade Federal do Ceará/UFC. Participante da Letra Freudiana - Escola de Psicanálise


RESUMO

No decorrer de 2020, especialmente no Brasil, a disseminação do vírus intensificou as consequências das desigualdades sociais, racismos e discriminações já existentes. Desse modo, o objetivo do presente estudo é discutir os recentes efeitos de atualização da segregação no contexto pandêmico atual, ressaltando o caráter traumático da não dignificação e do não reconhecimento do valor de vidas perdidas, adoecidas e enlutadas. Foi realizada uma revisão de literatura, na qual a noção lacaniana dos discursos, a teoria ferencziana do trauma e a proposta freudiana de mal-estar constituem as principais categorias de análise. Na conclusão, destaca-se o recrudescimento de um processo de exclusão e segregação fundamentado na influência cada vez mais premente da ciência e do capitalismo no cotidiano, fato que vem contribuindo para a promoção do descrédito social, da violência e da apatia em relação a dor dos mais vulneráveis de forma cada vez mais avassaladora.

Palavras-chave: Desmentido; Violência; Segregação; Covid-19; Psicanálise

RESUMEN

Durante 2020, especialmente en Brasil, la propagación del virus intensificó las consecuencias de las desigualdades sociales, el racismo y la discriminación existentes. De ese modo, el objetivo del presente estudio es discutir los efectos recientes de la actualización de la segregación en el actual contexto pandémico, destacando la naturaleza traumática de la no dignificación y el no reconocimiento del valor de las vidas perdidas, enfermas y afligidas. Se realizó una revisión de la literatura, en la que la noción lacaniana de discursos, la teoría ferencziana del trauma y la propuesta freudiana del malestar constituyen las principales categorías de análisis. En conclusión, destacamos el resurgimiento de un proceso de exclusión y segregación basado en la influencia cada vez más intensa de la ciencia y el capitalismo en la vida cotidiana, hecho que ha contribuido a promover el descrédito social, la violencia y la apatía hacia el dolor de los más vulnerables de manera cada vez más abrumadora.

Palabras clave Negación; violencia; Segregación; Covid-19; Psicoanálisis

ABSTRACT

During 2020, especially in Brazil, the spread of the virus intensified the consequences of existing social inequalities, racism and discrimination. Therefore, the aim of the present study is to discuss the recent effects of updating segregation in the current pandemic context, highlighting the traumatic character of non-dignification and non-recognition of the value of lost, sick and bereaved lives. A literature review was carried out, in which the Lacanian notion of discourses, the Ferenczian approach of trauma and the Freudian proposal of malaise constitute the main categories of analysis. In conclusion, we highlight the resurgence of a process of exclusion and segregation based on the increasingly pressing influence of science and of capitalism in everyday life, a fact that has contributed to the promotion of social discredit, violence and apathy towards the pain of the most vulnerable in an increasingly overwhelming way.

Keywords Denial; Violence; Segregation; Covid-19; Psychoanalysis

INTRODUÇÃO

Ao indicar as fontes do mal-estar humano, Freud (1930/2010a) não deixou de analisar o papel problemático das relações com o próximo como uma de suas fontes, circunscrevendo, neste ponto, um impossível no horizonte da felicidade. Tal como os porcos-espinhos da fábula de Schopenhauer1, é preciso encontrar uma distância moderada. Mas como em Freud (1921/2011), uma psicologia dos grupos vem sempre acompanhada de uma análise do Eu e suas dimensões inconscientes, a discussão então necessita ultrapassar a sua dimensão filosófica para progredir em direção à análise do sofrimento e das suas formas múltiplas de determinação: psicológicas, sociais e orgânicas (Freud, 1910/2013).

Desse modo, ao considerar o desamparo do homem frente à sua vulnerabilidade biológica (Freud, 2010a, 1950[1895]/1996) e ao narcisismo, na sua vertente do amor e do reconhecimento social, Freud (2010a, 2011) aponta a dependência em relação ao outro-semelhante como um fato estruturante, constitutivo do humano. O paradoxo é que, a partir dos processos narcísicos, evidenciam-se as dificuldades na subjetivação das diferenças, o que leva à formação de estratégias para repudiá-las ou, ainda, desmenti-las (verleugnen).

Essa discussão, tão cara à psicanálise desde Freud, reflete-se em muitas problemáticas da contemporaneidade, incluindo àquelas que se atualizaram pelo medo da contaminação do Coronavírus e da sua doença, a Covid-19. Até meados de fevereiro de 2020, as notícias das mortes em países da Ásia e da Europa pareciam não nos ameaçar diretamente, até que seu potencial mortífero chegou em nosso país. Em pouco tempo, na tentativa de lidar com as consequências da proliferação do vírus, as medidas de isolamento social passaram a fazer parte da vida de todos, na condição de estratégia mais eficaz de proteção. Restou então o desafio de enfrentar o cotidiano a partir da exigência da redução do contato presencial em grupos.

Assim, em um curto período, muitos se depararam com a necessidade de se familiarizar com inúmeros dispositivos tecnológicos e gadgets – objetos pré-fabricados de consumo rápido, condensadores de gozo – que até então eram desconhecidos ou estranhos para uma parte significativa dessa nova leva de usuários. A partir daí, proliferaram-se reuniões de trabalho, eventos científicos, aulas, orientações, supervisões e sessões de atendimentos remotos.

Foi se percebendo aos poucos que as medidas de isolamento não necessariamente culminam em uma solidão absoluta. Ao mesmo tempo, constatou-se que a nova realidade também não oferecia uma satisfação substituta capaz de suplantar os sacrifícios que o regime pandêmico de exceção impôs de forma tão brusca. Ficar em casa passou a ser o mandamento para a preservação da vida e da saúde.

Percebe-se aqui o agenciamento de uma nova forma de biopolítica e de controle dos corpos, como nos indica Agamben (2020). Desse modo, acompanhando a linha de raciocínio do filósofo italiano, tem-se então, como uma perspectiva do problema, que o isolamento de uns facilmente se confunde com confinamento de outros, bastando apenas um pequeno passo para que as medidas de prevenção correspondam a políticas de segregação.

Apesar da pertinência das pontuações de Agamben, faz-se necessário incluir nesse cálculo outros fatores que estão em jogo neste contexto, ou seja, as desigualdades sociais impostas pelo capitalismo liberal. Assim, a lógica de contaminação exponencial imposta pela epidemia, quando associada à política de tratamento seletivo adotada por muitos governos, dentre os quais, o brasileiro, culmina em uma condenação à morte tácita de uma grande parcela da população que já se encontrava desassistida pelas políticas públicas e sem recursos para pagar tratamentos privados. Soma-se a esse quadro uma situação de vulnerabilidade adicional: percebe-se que a grande maioria de brasileiros não pode aderir ao isolamento, seja ele parcial ou total, devido a urgência de trabalhar para garantir uma renda mínima de subsistência.

Por isso, diante desse quadro simultaneamente político, cultural, econômico e sanitário, ao longo de 2020, de uma ponta a outra da nação, vivemos e assistimos a cenários aterradores. Verificou-se que, se por um lado, o vírus atingiu todas as classes econômicas, por outro, ele potencializou os efeitos desagregadores das desigualdades, dos racismos e preconceitos já existentes no país. Como previu Mbembe (2020), muitos não passariam pelo buraco da agulha: as vidas que já eram matáveis no contexto de violência urbana são as mesmas que contabilizam a maior parcela de mortes pela Covid-19, ou seja, pardos e negros, como aponta pesquisa do Centro Técnico Científico da PUC/Rio (2020). Além disso, o uso dos espaços públicos e privados também sofreu transformações: se antes já vivenciávamos um isolamento em decorrência da violência urbana, temos hoje uma realidade que potencializa a redução dos processos de interação social.

Dito isso, o objetivo do presente artigo é propor uma discussão sobre o que se entende como uma atualização dos efeitos de segregação no contexto da pandemia da Covid-19, a partir do caráter traumático da não dignificação e reconhecimento do valor de algumas vidas no cenário pandêmico, colocando em diálogo a proposta freudiana sobre o mal-estar, a noção lacaniana de segregação e a teoria ferencziana sobre o trauma. A análise e a discussão desses pressupostos se baseiam ainda na categoria de Homo sacer, cunhada por Giorgio Agamben (2010), nas articulações propostas por Achille Mbembe (2020) em ensaio recente sobre a pandemia e sobre a necropolítica (2018) e no conceito de vida precária desenvolvido por Judith Butler (2019).

O DESMENTIDO EM CONTEXTO DE PANDEMIA

O mito de uma doença que ataca a todos por igual foi desconstruído à medida que os números da Covid-19 e seus marcadores foram sendo estudados. Conforme mostrou a pesquisa do Centro Técnico Científico da PUC/Rio (2020) com dados atualizados até maio de 2020, a atual pandemia matou, em percentuais bem maiores, pessoas que já viviam em condições sociais de maior vulnerabilidade, sobretudo os pardos e negros. Outro estudo, lançado em setembro de 2021 pela Rede de Pesquisa Solidária, reforça os dados anteriores ao apontar que as mulheres negras morrem mais de Covid-19 do que qualquer outro grupo – homens negros e brancos e mulheres brancas – no mercado de trabalho. Já os homens negros, ainda em relação à Covid-19, morrem mais do que os homens brancos independentemente da posição no mercado de trabalho.

O descaso e o negacionismo do representante maior do poder público brasileiro frente aos alarmantes dados de mortes e aos impactos subjetivos da doença levaram alguns psicanalistas a relacionar a pandemia com os conceitos de trauma e desmentido, a partir da obra de Sándor Ferenczi (1931/1988). Segundo Gondar (2012), Ferenczi não dirigiu seus estudos propriamente a questões de ordem social ou política, mas sua teoria sobre a traumatogênese e suas produções clínicas são bastante sensíveis a essas áreas.

O que trazemos aqui como uma desvalorização da vida pode ser lido por meio do que Ferenczi (1988) chamou de desmentido – Verleugnung – na sua teoria do trauma. Segundo este, o aspecto de maior gravidade não seria o episódio em si, mas “a negação, a afirmação de que nada se passou, que nada doeu ... é isto sobretudo que torna o traumatismo patógeno.” (p. 343). Como conclui Gondar (2012), “o que se desmente não é o evento, mas o sujeito” (p. 196).

Existem alguns elementos que se repetem no cenário pandêmico, as vidas matáveis, ou morríveis, trazem marcas semelhantes àquelas da violência urbana, mas também há a reiteração sucessiva de um processo de apagamento, um descaso, que se transforma em números, óbitos pela violência e pela Covid-19. O que em outros tempos chamaria atenção pelo alto índice de mortes violentas, por assassinato e seus derivados, atualmente ganha destaque pelo volume de mortos pela doença. Ainda que esses dados tenham valor para o planejamento de ações sanitárias coletivas articuladas, é curioso constatar, no entanto, que as medidas constituídas daí são desautorizadas e, quando acontecem, ocorrem de forma precária e insuficiente. Como consequência, cria-se uma certa apatia em relação a esses números.

Desse modo, a invisibilização e o desmentido continuado dessas mortes vão se transformando em um impedimento para o sofrimento das famílias e de tudo que elas carregam enquanto restos de dores não elaboradas de um passado histórico. Com efeito, vão se acumulando e se instalando no interior de uma sepultura secreta tudo aquilo que foi desmentido (verleugnen) (Törok & Abraham, 1995).

O caso da primeira morte pela doença na capital do Rio de Janeiro é emblemático. A vítima foi uma empregada doméstica, de 63 anos, que contraiu o vírus de sua patroa, a qual havia, antes desse episódio, viajado para o exterior. Por já suspeitar da contaminação, esta havia feito o exame para a Covid-19 e aguardava o resultado, o que viria confirmar a doença. Segundo a imprensa, na mesma residência da empregada doméstica viviam mais 7 pessoas (UOL, 2020).

Partindo desse exemplo, é provável que o isolamento social não tenha sido praticado pelos primeiros contaminados, uma parcela mais abastada da população com condições financeiras de viajar para o exterior, o que acabou por contribuir para que o vírus se espalhasse na periferia, entre os mais vulneráveis. Importante destacar, conforme Werneck e Carvalho (2020), que, no início da pandemia, havia pouco conhecimento científico sobre o novo coronavírus, ao mesmo tempo que se percebia a rapidez de sua disseminação e a alta mortalidade que afetava sobretudo as populações mais vulneráveis. Tal conjuntura gerou no mundo inteiro incertezas acerca das estratégias mais apropriadas para lidar com a pandemia.

Sabe-se que casos semelhantes ao da empregada doméstica se repetiram em outras cidades. Em depoimento de uma moradora da periferia de São Paulo, publicado na Revista Piauí (2020), lê-se que a chegada da pandemia agravou o que já existia, a saber: a violência e o descaso. Para a entrevistada, a pandemia se configura como uma crise entre várias outras crises que os moradores da periferia lidam diariamente:

O racismo sempre existiu, e pessoas negras continuam morrendo mesmo durante uma pandemia, quando era para estarmos todos seguros em casa. Era para a gente estar tendo que lidar apenas com uma questão, a pandemia. Acreditar que não é real é mais confortável, mas essas questões estão custando vidas. (Revista Piauí, 2020, online)

Antes da pandemia, a humanidade já tinha que lidar com as desigualdades e com o racismo (Mbembe, 2020). O trecho acima sinaliza que a pandemia se soma a uma série de outras formas de exclusão, mas é importante frisar o fator de descrédito: “acreditar que não é real” (online), conforme a fala da moradora. O desmentido tem justamente esse caráter de descrédito acerca da experiência do indivíduo ou de toda uma população, daí a falta de reconhecimento e a recusa da validação da vida dessas pessoas. A condição de sujeito desses indivíduos não é reconhecida, o que frequentemente pode levar a produção de efeitos traumáticos (Gondar, 2012). O que se desmente nesses casos é a própria vida.

Segundo Martins e Rabêlo (2020), a memória social brasileira carrega vários graves episódios em torno da saúde pública que foram sendo esquecidos ou escondidos pela ‘história oficial’. Para os autores, essas memórias latentes são portadoras de signos que, quando atualizados, fazem emergir as angústias e os desmentidos de outros tempos.

Talvez seja possível dizer que um desses signos frequentemente atualizado é a escravidão, que, de acordo com Endo (2005), conseguiu se inscrever profundamente na subjetividade do homem colonial e estabelecer lá profundas raízes que até hoje estão vivas. Os efeitos do racismo se manifestam também na pandemia. É possível vê-lo claramente na quantidade de mortos pela Covid-19, como mostra a pesquisa já citada.

Em entrevista à revista de pesquisa da FAPESP, Góes (2020) denuncia a anestesia da consciência crítica brasileira diante da tragédia que se abate sobre essa parcela da população mais desfavorecida: “é considerado normal 100 mil pessoas morrerem e a maioria ser pobre, negra, do Nordeste, da periferia, do Norte, indígena – essas populações sempre estiveram à margem” (online). Uma frase se tornou comum com a advento da pandemia: estamos todos no mesmo barco. No entanto, continuamos em barcos diferentes. A desigualdade social no Brasil é um fator que contribui para a constante atualização dos signos que foram profundamente cravados no passado e que não tiveram oportunidade de ser elaborados.

Para Martins e Rabêlo (2020), a negação de um acontecimento social traumático, disruptivo, produz o esgarçamento dos laços sociais. Daí que, quando abafadas – ou entubadas, para usar um termo originário do vocabulário médico, que no senso comum passou a designar o risco iminente de morte e de silenciamento – tais experiências tendem a reaparecer, forçando o seu reconhecimento pela via da reatualização do trauma.

A pandemia por si só nos obrigou a aderir a um novo formato nos encontros com pessoas queridas. Vale destacar que o ritual dos velórios e enterros foi obrigado a mudar subitamente, o que deve desencadear consequências importantes para a elaboração do luto. Pontua-se aqui a dor dos familiares e amigos das vítimas da Covid-19 que foram sepultadas às pressas, em valas coletivas, como se viu em Manaus (Exame, 2020, 22 de abril).

Apesar desse cenário catastrófico, percebe-se, desde o surgimento da doença em solo brasileiro, um claro desmentido por parte do principal governante do país acerca da severidade da pandemia. Há um governo negacionista que abertamente se recusa a reconhecer a gravidade de uma série de consequências trazidas pela situação de urgência sanitária. Ao agir dessa forma, ele desautoriza a dor de toda uma sociedade e desqualifica o valor da vida de milhares de mortos. As mortes das populações comumente marginalizadas, principalmente as que vem sendo derivadas da pandemia, provavelmente entrarão para o conjunto de memórias esquecidas. O não-reconhecimento da dor e a invisibilização da morte de tantos se juntam assim a uma série de privações já conhecidas: da alimentação, da saúde, da moradia, da segurança etc.

Diante disso, faz-se necessária uma reflexão acerca da política de isolamento social implantada pelos estados como forma de evitar uma maior disseminação do vírus. A questão que se abre é: como ficam aqueles que não possuem condições de se manter isolados, não dispondo dos recursos mínimos necessários para a prevenção do Coronavírus? São justamente os que já viviam em condições de maior precariedade, habitando em áreas muito específicas das cidades, os que mais sofrem e que estão mais vulneráveis à pandemia. É pertinente citar aqui os exemplos das penitenciárias, dos asilos de idosos, dos abrigos de crianças e adolescentes, dos centros socioeducativos e das favelas como locais de maior probabilidade de infecção, onde há grande quantidade de pessoas aglomeradas, sem a possibilidade de se manterem isoladas.

Faz-se necessário então distinguir dois tipos de população: uma que pode permanecer em casa, em isolamento, pois dispõe de recursos disponíveis para isso; e a outra, dos habitantes da periferia dos centros urbanos, que não tem as mesmas condições. Decorre dessa situação duas modalidades de resposta à catástrofe: de um lado, há as vidas passíveis de luto, cujas perdas podem ser elaboradas por seu familiares e amigos próximos, e, de outro, encontram-se as vidas perdidas, silenciadas e desautorizadas, cuja lembrança abafada vai fazer eco a outras memórias subterrâneas, acirrando uma ferida social pré-existente, pelo menos - é o que se espera - até o momento em que elas consigam invadir o espaço público para reivindicar o seu reconhecimento (Pollak, 1989).

Hoje a divisão das cidades favorece as narrativas de um discurso a favor de uma elite que permanece indiferente à realidade de uma sociedade onde mais de 30 milhões de pessoas não tem sequer acesso à água tratada e quase 100 milhões não tem acesso à um sistema de esgotamento sanitário. Isso mostra que há uma enorme parcela da população que não tem os recursos mínimos para os cuidados relativos à prevenção de uma doença como a Covid-19.

Para Mbembe (2020), o confinamento não é uma novidade que surgiu com a pandemia. Ele já fazia parte da nossa condição social: o isolamento já existia para “as multidões que habitam as prisões do mundo e outras pessoas cuja vida é despedaçada contra muros e outras técnicas de criar fronteiras” (2020, s/p). O autor toca em um aspecto que preexiste à atual situação em que estamos, cuja lógica tende a ser atualizada em nome do vírus. Trata-se dos efeitos de segregação, que é discutido a seguir a partir das transformações impostas pela atual pandemia.

O ISOLAMENTO SOCIAL E A ATUALIZAÇÃO DOS EFEITOS DE SEGREGAÇÃO

Cabe um breve resgate do cenário brasileiro anterior à pandemia, principalmente no que diz respeito às configurações de moradia, assim como aos modos de lidar com o espaço público e privado. Nesse contexto, a desigualdade social e a violência urbana foram fatores determinantes para que as divisões das cidades em zonas mais ou menos perigosas fossem sendo estabelecidas e, consequentemente, foi se constituindo uma espécie de autorização seletiva dos corpos que circulam em cada espaço. Como afirma Vilhena (2009):

Naturalizamos as câmeras que nos observam e, cada vez mais, vamos restringindo nossa circulação pela cidade. Sob a justificativa de uma política de segurança estamos acabando com o comércio, com os cinemas, com a vida da rua, buscando incentivar, cada vez mais, a criação de shopping-centers. Nada melhor do que tentar duplicar a cidade, sem o que de “desagradável” há nela – o diferente. (p. 103)

Anos depois, Dunker (2015a) propôs a lógica do condomínio, que exclui tudo aquilo que está além dos muros. Tal modelo reflete grande parte das moradias existentes nos bairros nobres e de classe média das grandes capitais do país. Os muros dos condomínios, ou mesmo de nossas casas, servem, de acordo com o autor, como uma forma de determinar o espaço como território: o muro funciona como uma estrutura de defesa contra a diferença e a alteridade. Ele materializa uma mensagem de indiferença em relação ao outro, que se torna a partir daí uma figura da exclusão e segregação.

Já para Sposito e Góes (2013), o aparecimento dos muros nas cidades nos lembra o perigo e o medo:

Se os muros medievais demarcavam a unidade espacial da cidade, continente de diferenças, os que circundam esses novos espaços residenciais têm como razão precípua separar os desiguais, reforçando e mudando o valor das diferenças, atualmente expressas sob a forma de novos modos de separação social. (p. 67)

Segundo as autoras, os muros delimitam áreas que influenciam as relações espaciais da cidade, com exceção dos deslocamentos permitidos pelos portões de acesso, concentrando aí o fluxo entre interno e externo, de acordo com o ambiente. Os muros possibilitam a existência de um filtro, que operam por meio de sistemas de controle e segurança, que selecionam quem pode entrar e quem deve permanecer fora, realizando uma filtragem dos fluxos de circulação. Desse modo, tais sistemas se propõem proteger os moradores dos riscos associados aos espaços fora dos ambientes residenciais fechados, o que traz uma sensação de segurança, ainda que frágil e artificial. Tal regime é destacado como uma nova forma de separação social, que evidencia como as cidades vem sendo transformadas em sua essência. Ou seja, essa delimitação espacial permite e obriga a separação daqueles que não se quer por perto. Todavia, o que se produz dentro dos muros é a ilusão de segurança, de uma vida sem perigos, o que está fora se revela uma verdadeira zona de exceção. Assim, pode-se considerar que a divisão que se tem criado dentro das cidades facilita também uma divisão entre os matáveis e não-matáveis. A convivência é percebida, então, como um problema. Tem-se daí o desafio de se confrontar com a seguinte questão: como é possível morar em uma cidade onde os espaços verdadeiramente coletivos são escassos e que na maioria dos lugares de troca simbólicas e sociais grande parte da população não é bem-vinda?

A questão ganha hoje um novo formato, pois, se há um vírus com grande potencial mortífero e alto índice de propagação, existe também uma grande parcela da população que é relegada a áreas precarizadas. Conclui-se daí que uma política prévia de isolamento tem os seus efeitos de segregação potencializados a partir da pandemia. Engendra-se com isso uma autorização velada de extermínio desses corpos estigmatizados e desfavorecidos, o que leva a concluir que a divisão das cidades favorece a realização de uma clara necropolítica (Mbembe, 2018).

Segundo Koltai (1998), a sociedade moderna consegue “fazer coexistir, co-habitar e integrar as mais formidáveis conquistas científicas e técnicas com as formas mais extravagantes e monstruosas de marginalização e rejeição” (p. 106). Com isso, a autora mostra que o discurso científico, atuando direta e indiretamente sobre os grupos sociais, contribui para os acirramentos dos efeitos de segregação.

A autora apresenta a gênese da noção de segregação da seguinte forma:

Ainda que historicamente sempre tenha havido estrangeiros, são as nações modernas que puseram em prática a segregação, termo que vem do latim e que quer dizer “separar do rebanho”. A partir do século XVI segregare passou a significar o ato pelo qual se separavam as populações brancas das de cor, ou seja, passou a significar apartheid. Com a II Guerra Mundial tornou-se um fenômeno de civilização, um sintoma social. Foi o totalitarismo moderno que mostrou até onde pode ir o humano quando se acirram as questões de diferenças, que mostrou que a segregação, que existe em toda a sociedade, pode chegar – como aliás chegou – a negar a própria condição de humano ao outro, reduzindo-o a um simples número tatuado no braço. (Koltai,1998, p. 108)

Fuks (2007) afirma que “a segregação e o racismo situam-se . . . na dimensão agressiva do sujeito frente a uma pequena diferença, que provoca angústia” (p. 66). Ou seja, não necessariamente precisa haver uma grande discrepância entre os grupos no que tange às diferenças individuais e sociais para que haja segregação.

De acordo com Askofaré (2009), o termo ‘segregação’ não pertence ao vocabulário corrente da psicanálise, mas é uma noção que vem sendo utilizada para se pensar os efeitos dos discursos da ciência na contemporaneidade. É lícito, portanto, pensar essa noção a partir de seus precursores paradigmáticos históricos, em especial, os campos de concentração. Pode-se dizer que, desde a implementação dessa experiência na II Guerra Mundial, houve uma repetição e amplificação dos efeitos de segregação nas sociedades do Ocidente, com destaque para a atualidade (Harari, 2010).

Assim, se o fenômeno de segregação possui determinantes estruturais coletivos, faz-se necessário assumir que ele também acarreta efeitos psicológicos singulares, uma vez que a segregação diz respeito ao modo específico como cada um lida com a diferença e com a alteridade, algo que vai além da separação espacial. Como afirma Soler (1998), “a segregação se apresenta como uma via de tratar o insuportável, o impossível de suportar” (p. 46).

Askofaré (2009) destaca algumas diferenças entre segregação estrutural, efeitos de segregação e prática segregativa. Porém, é importante destacar de antemão, que facilmente, prática e efeito de segregação podem se confundir. A segregação estrutural está relacionada à origem de todo discurso. Tomando como referência a releitura que Lacan faz da obra freudiana “Totem e tabu”, a segregação pode ser definida como o ponto determinante da origem da fraternidade, de modo que é lícito entendê-la como o princípio de discursos estruturantes dos laços entre humanos. Ou seja, da família à nação.

Seguindo essa linha de raciocínio, em “O Seminário, Livro 17”, Lacan (1992) traz a ideia de que a segregação estaria no princípio da fraternidade:

só conheço uma única origem da fraternidade . . . é a segregação. . . . na sociedade, tudo o que existe se baseia na segregação, e a fraternidade em primeiro lugar. Nenhuma outra fraternidade é concebível, não tem o menor fundamento, . . . o menor fundamento científico, se não é por estarmos isolados juntos, isolados do resto. (pp. 120-121)

Askofaré (2009), retomando Lacan, propõe que a constituição da fraternidade implica, desde a sua origem, a exclusão de alguns. Assim, a interdição da mãe ocorre concatenada à legitimação do gozo paterno. Supõe-se então, desde Freud (1912-1913/2012) que numa era remota esse pai primevo, um déspota cruel e agressivo que monopolizava o gozo de todas as mulheres, foi assassinado por seus filhos. A fraternidade surge, então, quando cada um dos integrantes do grupo de irmãos, após esse assassinato mítico, concorda em não reivindicar para si o mesmo direito de gozo do pai morto. Desse pacto originário derivam as várias organizações humanas, que se estruturam a partir de discursos em torno de um significante-mestre2 ‘S1’, que só são possíveis pela existência de um outro para se opor (Askofaré, 2009).

O autor demonstra, por meio do comentário da transcrição de duas conferências de Lacan, o que, no seu entendimento, caracteriza os efeitos de segregação. A primeira conferência, ministrada para uma plateia de psicanalistas, é a ‘Proposição de 9 de outubro de 1967’. Na sua análise da fala de Lacan, o autor defende que os fenômenos de segregação estão relacionados aos vários discursos que se estruturam em torno de um ‘pai ideal’ou de um significante ideal.Assim, “pode-se afirmar que é somente de um e do mesmo movimento que se instauram as segregações, que se engendram as fraternidades e que se afirmam as solidariedades” (Askofaré, 2009, p. 349).

Trazendo esse apontamento para a realidade brasileira, um exemplo claro do que Askofaré afirma tornou-se evidente logo no início da pandemia. A falácia do ‘estamos todos no mesmo barco’, que condiz com um discurso fraternal, logo se revela como uma prática que, na realidade, assume e aceita o fato de que muitos estão fora do barco.

Askofaré (2009) volta a tratar dessa questão ao abordar uma outra conferência lacaniana: ‘Pequeno discurso aos psiquiatras’, de 10 de novembro de 1967. Nesse momento de seu ensino, Lacan se endereça para um público de psiquiatras em formação. A posição do psiquiatra é descrita como um lugar privilegiado do exercício de poder e da autoridade, haja vista que sua práxis acontece em uma instituição de segregação, o hospital psiquiátrico. Com efeito, Lacan se refere a uma prática segregativa específica e delimitada, que é a do encerramento da loucura, que se apoia simultaneamente na concepção de sujeito moderno e no discurso da ciência. Decorre daí que o fenômeno da segregação nesse contexto possui um caráter mais organizado, sendo que o paradigma utilizado por Lacan para entender essa forma de agenciamento é o dos campos de concentração durante a Segunda Guerra.

O discurso da ciência traz consigo um efeito de universalização. Nos experimentos científicos, os sujeitos envolvidos são colocados entre parênteses. Assim, a ciência passa a administrar os corpos, pautando-se somente nos resultados que são aferidos, sempre em nome da obtenção de um avanço tecnológico para a sociedade. Em função disso, práticas como a reclassificação e a realocação dos agrupamentos sociais são implementadas em benefício de uma reterritorialização e de um estreitamento da circulação dos corpos falantes (Harari, 2010).

Para Koltai (1998), o discurso da ciência é contemporâneo ao totalitarismo: ele produz efeitos sobre nós enquanto indivíduos e enquanto grupos sociais em razão da universalização que produz. Essa universalização é, para a autora, responsável pela abolição da diferença, pois o discurso da ciência, aliada ao capitalismo, evolui por meio de práticas que confluem para um todo igual. O limite dessa universalização está onde resiste e insiste o particular de cada um. A segregação está, portanto, do lado do gozo, ou melhor, na forma particular com que o gozo do outro nos incomoda. Ela representa uma resposta à ameaça que esse gozo representa. Tem-se então que o capitalismo científico instaura a tendência de tornar a segregação um fato cada vez mais frequente e ordenado, conforme uma lógica própria.

No entanto, percebe-se que a experiência da pandemia traz um duplo atravessamento do discurso da ciência: a segregação enquanto efeito da tentativa de universalização do sujeito da ciência e a legitimação da possibilidade de os governantes ditarem normas para o enfrentamento das condições que o vírus impõe. No intervalo dessas duas dimensões, coloca-se então o desafio de fazer com que o discurso da ciência, que traz evidentes benefícios para toda a população, não se transforme a partir de sua apropriação pelos governantes em novas formas de exclusão.

Soler (1998) afirma que a civilização científica contribuiu para a crise do significante mestre, significante que unifica, mas que na modernidade tardia encontra-se fragmentado. Quando esse significante, no lugar de agente do discurso do mestre3, é capaz de modular uma forma específica de laço social que leva em consideração a alteridade e, por isso, constitui a base da cultura, é possível tratar o gozo em suas diferenças, minimizando assim os efeitos de segregação. No entanto, com a universalização do capitalismo tecnológico, que não passa pelo agenciamento desse significante mestre, mas sim pelos valores do mercado – valores de manejo econômico, e não mais valores ideais –, tem-se então que uma parcela da população excluída do circuito da distribuição de bens torna-se, então, alvo de um processo continuado de segregação. Nesse contexto, a forma encontrada para lidar com as diferenças “é um meio que quase podemos chamar de espacial: cada um em seu devido lugar, ou seja, uma solução que poderíamos caracterizar como sendo pela via da repartição territorial” (Soler, 1998, p. 45).

Dessa forma, pensando nas práticas segregativas como uma forma de separar as massas, de dividir a população – mais do que isso, de lidar com as diferenças –, constata-se que as práticas que se atualizam hoje no Brasil com a pandemia, vêm favorecendo o recrudescimento de uma necropolítica que autoriza a morte daqueles cuja vida não tem valor.

VIOLÊNCIA URBANA E PANDEMIA

O delineamento da lógica segregativa inerente ao capitalismo tecnológico, que preexiste à pandemia, possibilita uma reflexão sobre o fenômeno da violência nas cidades, um dos nomes possíveis para o mal-estar no Brasil (Dunker, 2015b). Tendo esse cenário em vista, resta então indagar coma a pandemia repercute nessas práticas de violência e segregação.

A divisão das cidades favorece o afastamento das áreas denominadas de risco. Assim, os grandes centros urbanos apresentam claramente a seguinte cartografia: de um lado, pessoas que residem em áreas mais precárias, em zonas de exceção, e, de outro, aqueles que parecem buscar o que Soler (1998) chamou de segregação voluntária: uma forma de segregar-se da massa em nome de uma ideia de elite.

Na vida segregada, na qual se tenta constantemente se separar do rebanho, ou melhor, da fraternidade, dos irmãos não bem-vindos, é possível perceber que a violência tende a ser legitimada por meio da figura de bandido: uma lógica segregacionista, cujos efeitos repercutem diretamente naqueles que vivem em contexto de vulnerabilidades.

Situamos o bandido como uma figura emblemática, um significante comum nos discursos que circulam na sociedade brasileira. Pretende-se pensá-lo como:

uma espécie de forma identitária, engendrada no/pelo discurso, que produz categorias como formas de organização das manifestações problemáticas da subjetividade na atualidade. Cada forma de resistência, cada modalidade de subjetividade que se apresenta como uma nova dificuldade ao funcionamento da lógica civilizatória corresponde à produção de uma figura da segregação, uma categoria que coloca cada um no seu lugar. O lugar, nesse caso, é um lugar fora do espaço comum a todos. (Fontenele et al., 2018, p. 499)

Uma vez aceita a ideia de que a divisão das cidades decorre de um esforço coordenado de separação daqueles que supostamente seriam potenciais responsáveis pela violência, compreende-se a razão pela qual o bandido desponta como uma representação do inimigo, o responsável pelo mal-estar. Daí o passo seguinte: a legitimação do extermínio desse grupo de pessoas, sobretudo pela violência policial, e a indiferença e o embotamento da crítica da maioria da população quanto a esse fato, o que favorece a perpetuação e mesmo o acirramento dessas práticas.

O bandido diante da sociedade, como figura da exclusão, é o indivíduo negro, jovem, pobre e morador da periferia. Ou seja, há uma caracterização ampla e genérica que abarca uma enorme parcela da população. No cenário da pandemia, a figura do bandido facilmente se dissolve entre os moradores da periferia. Percebe-se então uma constante tentativa de exclusão do outro, que se materializa no descaso em relação às suas vidas.

Freud (1915/2010b), referindo-se às nações de raça branca que dominavam o mundo na época da Primeira Guerra Mundial, já apontava as dificuldades em lidar com o desconhecido e o diferente no processo civilizatório contemporâneo. O autor mostra que nessas ditas nações civilizadas havia pessoas que tinham origem em povos já segregados ou discriminados, sendo aceitas com restrição sob a condição de serem aptas ao trabalho comum.

Essa difícil convivência permeada pela violência - às vezes manifesta, outras veladas - é compreendida por Freud (1930/2010a) a partir do conceito de narcisismo das pequenas diferenças. Essa concepção é formulada a partir da observação de comunidades próximas e semelhantes que costumam criticar umas às outras a partir do destaque de um traço distintivo, por vezes discreto ou mesmo insignificante para o observador desavisado. Tal agenciamento, na medida em que promove a satisfação de impulsos agressivos que permeiam a relação entre os membros de um dado grupo, favorece a coesão e o sentimento de pertencimento comunitário. Sobre essa noção freudiana, Endo (2005) afirma:

Ele se expressa na formação de grupos “pretensamente homogêneos” que se mantêm (e se acreditam) coesos sob a vigência de um desejo de proteção absoluta numa “interioridade” grupal impossível, onde o eu seria pleno e onipotente, coibindo e reagindo a qualquer mínima diferença com ódio, mal-estar e uma indiferenciação reativa que autoriza a exclusão, ou, ainda, a eliminação do diferente. Distanciamento radical dos que diferem que autoriza a sua expulsão para fora da cidade, como forma reiterada de anular as possíveis e prováveis experiências de conflito. (2005, p. 24)

O narcisismo das pequenas diferenças, portanto, está alicerçado na lógica da exclusão do diferente. Essa forma de narcisismo legitima o ódio em nome de um ideal grupal. Por essa via, é possível dar coesão a um grupo de indivíduos, que se unem e se identificam entre si, suspendendo suas diferenças internas, ao mesmo tempo que excluem, combatem e mesmo exterminam os que destoam do traço significante que sustenta o laço grupal.

Koltai (1998) mostra que o próprio traço identificatório, que se torna parte integrante do sujeito no processo de constituição psíquica, já contribui para uma separação, visto que ele marca uma diferença entre semelhantes e não-semelhantes. Relembrando o que Freud indicou sobre o narcisismo das pequenas diferenças, a autora afirma que, para que exista amor entre os iguais, é necessária uma certa rejeição aos diferentes: “a unidade do grupo se estrutura por considerar inimigos, logo estrangeiros, os que permanecem fora do grupo. É sempre possível, nos ensina Freud, unir os homens uns aos outros, à condição de deixar outros tantos de fora” (p. 107). Ou seja, os indivíduos são capazes de se unir em grupos, desde que alguns sejam excluídos e para eles possam direcionar sua agressividade (Koltai, 1998).

Ora, essa dinâmica, que se assenta na organização do discurso do mestre, é substancialmente alterada pelo discurso do capitalista, uma vez que este subverte o funcionamento do significante mestre, que exerce a função de agente do primeiro discurso (Lacan, 1974/2003). Desse modo, a segregação, que no discurso do mestre se assenta nos efeitos do significante, passa então a ser modulada por uma injunção de gozo agenciada por objetos de consumo rápido pré-fabricados. Assim, se a violência e a exclusão promovidas pelo discurso do mestre traz em seu bojo uma margem de dialetização e a possibilidade de uma implicação subjetiva, no discurso do capitalista isso se torna mais difícil de acontecer. Tal fato eleva a intensidade e a amplitude dos efeitos de segregação a outro patamar. São esses efeitos que se tem no horizonte quando se faz menção à violência no cenário brasileiro atual de pandemia.

Nesse contexto, a figura do bandido carrega consigo alguns signos da diferença, entre eles o racismo e a pobreza. O mal-estar diante da diferença, por menor que seja, dá suporte então a uma desqualificação do outro. A representação do homo sacer, categoria agambeniana, se mostra pertinente para se pensar as vidas desqualificadas que são comumente marginalizadas.

A partir do conceito de biopolítica, Agamben (2010) desenvolve uma discussão sobre a política na modernidade para discutir a categoria de vida nua. Segundo o autor, trata-se da vida matável e insacrificável do homo sacer, figura do direito romano arcaico, que tem uma função singular na política ocidental, mas não se encontra em uma só categoria definida, e sim em qualquer corpo biológico vivente. Há na representação do homo sacer uma forma de permissão ou autorização diante de sua morte, decisão que cabe ao soberano legislar (Agamben, 2010). Partindo-se da ideia de uma soberania hoje diluída e, levando em consideração que toda sociedade escolhe o seu homo sacer, é possível então perceber uma aproximação da figura do bandido com esta categoria agambeniana, que remete a uma vida sacrificável, que não tem valor (Souza et al., 2019).

Essa relação da sociedade com a vida nua, pensada aqui do ponto de vista da cidade como uma entidade, facilita o que Agamben (2010) denominou de ‘tanatopolítica’. Nela, o que era tido como decisão sobre a vida na biopolítica passou a ser então uma decisão sobre a morte. Cria-se então um contexto em que, segundo Souza (2018), a vida e a morte passam a ser vistos como conceitos políticos, não apenas pelo interesse da própria política, mas também porque são definidos nela e por ela. De acordo com Agamben (2010):

Se, em todo Estado moderno, existe uma linha que assinala o ponto em que a decisão sobre a vida torna-se decisão sobre a morte, e a biopolítica pode deste modo converter-se em tanatopolítica, tal linha não mais se apresenta hoje como um confim fixo a dividir duas zonas claramente distintas; ela é, ao contrário, uma linha em movimento que se desloca para zonas sempre mais amplas da vida social, nas quais o soberano entra em simbiose cada vez mais íntima não só com o jurista, mas também com o médico, com o cientista, com o perito, com o sacerdote. (p. 119)

Pode-se compreender a situação das constantes buscas por supostos bandidos nas favelas, nos morros ou em quaisquer partes das cidades não apenas como indicadores de ações contra a violência, mas como o exercício de uma tanatopolítica discursivamente orientada. Há a produção cíclica de um contingente de mortes que são transformados diariamente em números e dados estatísticos: pura vida nua, sem o devido valor ou preocupação com os indivíduos que morrem e seus familiares, que precisam elaborar o luto de seus filhos, pais, esposos, mães etc.

Tem-se então uma aproximação entre essa lógica de funcionamento da violência urbana com o que se vê hoje em relação aos números de mortos pela Covid-19. Como já demonstrado, a principal população afetada é a mesma que já sofria as consequências da desigualdade social e do racismo. São as vidas sem valor, pessoas cuja morte é contabilizada como uma forma de proteção contra a ameaça que elas encarnam, qual seja: a de interrupção de uma lógica de consumo.

O Estado tem o interesse de que algumas parcelas marginalizadas da população, como é o caso dos indivíduos considerados perigosos, “se configurem como vida nua e permaneçam em situação de abandono, expostos à morte” (Scisleski, Silva, Galeano, Bruno, & Santos, 2016, p. 89). Tal fato se atualiza no momento da pandemia. Assim, a cidade, com suas divisões, apresenta-se como promotora da tanatopolítica. Soares (2016) afirma que são “milhares de seres viventes, que através da vida nua se figuram nos campos de concentrações, cortiços, favelas etc., lugares onde a exceção é paradoxalmente a única forma de inclusão” (pp. 386-387).

A partir dessa discussão, é válido fazer uma breve ilustração acerca das cracolândias, espaço que os usuários de drogas ilícitas ocupam dentro das cidades. Segundo Carneiro (2012), trata-se de uma realidade extrema que pode ser claramente identificada como uma forma de apresentação do mal-estar na cultura da contemporaneidade. Destoando de uma expectativa de laço social instituída, tem-se aqui “uma nova forma de atualizar o que se passa com os usuários em uma aparente socialização de costumes, em função do ‘ajuntamento de seres humanos’ que se cria sob os olhares atônitos do cidadão” (p. 372, grifo do autor). Dessa forma, o usuário de droga também constitui um dos avatares do homo sacer na atualidade urbana brasileira. As cracolândias parecem servir como uma forma de encerramento desses indivíduos. A formação desses espaços parece possibilitar a convivência desses indivíduos dentro da cidade, ao mesmo tempo que os aparta do resto da população.

Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se identificar como encarnações do homo sacer na população das periferias, além dos indivíduos denominados bandidos e os usuários de drogas, os moradores de rua, que assumem um lugar invisibilizado de miséria na sociedade. Decorre daí a constante tentativa de confinamento desses sujeitos em presídios, em instituições governamentais ou, como assinalado há pouco, em espaços da cidade que são continuamente referidos como locais perigosos.

Os contextos referidos acima não são apresentados como novas estruturas referentes à um funcionamento pós-pandemia, mas poderia ser. O argumento do confinamento necessário na tentativa de barrar o vírus também tem o potencial para mortes em massa nesses mesmos espaços. A política de se deixar morrer esses corpos matáveis (Mbembe, 2018) se torna ainda mais evidente diante do cenário pandêmico. Assim como Ferrari, Januzzi e Guerra (2020), acredita-se que a necropolítica se faz presente hoje pela gestão pública do país e estimula ainda mais os processos de segregação das comunidades de gozo. Como já dito anteriormente, são as populações mais precarizadas as que mais sofrem.

No decorrer deste texto, falou-se inúmeras vezes em uma desvalorização da vida. Isso porque a intenção é também apresentar o caráter do que seria de fato uma vida, principalmente quando se trata de indivíduos que se encontram em condição de vulnerabilidade. Para Butler (2019), “se certas vidas não são qualificadas como vidas ou se, desde o começo, não são concebíveis como vidas . . ., então essas vidas nunca serão vividas nem perdidas no sentido pleno dessas palavras” (p. 13). Isso tem implicação direta na forma como a morte desses indivíduos se transformam em experiências esvaziadas de sentido e elaboração, pois suas famílias muitas vezes são privadas de um luto, que sequer tem a chance de acontecer.

Butler (2019) afirma que “há ‘sujeitos’ que não são exatamente reconhecidos como sujeitos e há ‘vidas’ que dificilmente – ou, melhor dizendo, nunca – são reconhecidas como vidas” (p. 17). Esse pensamento, adicionado à categoria de vida nua, aponta para a possibilidade da existência de vidas que não se reconhecem nem são reconhecidas, de fato, como vidas. Segundo a autora, as vulnerabilidades não podem ser desarticuladas dos contextos históricos que as produziram, o que pode dificultar a valorização da vida das pessoas que se encontram nessas situações de exclusão e a promoção de seus direitos e dignidade pelas políticas públicas. É como se existisse aí um a priori que determinasse onde vale a pena investir.

A autora aponta a necessidade de um diferente entendimento acerca do que se chama de vida precária, uma vez que todas as vidas são precárias no sentido de que qualquer vida está indispensavelmente nas mãos do outro, inclusive daqueles que não conhecemos. Tal concepção se aproxima do conceito de desamparo freudiano (Freud, 1930/2010a), onde todo ser humano depende, desde o nascimento, do cuidado de um semelhante, inclusive de desconhecidos. Ou seja, se todos, genuinamente, possuem uma vida precária, então todos são dependentes de uma experiência compartilhada de precariedade. Talvez essa seja uma lição que a catástrofe da pandemia de alguma forma possa trazer, ainda que seja incerto que tal lição seja assimilada. No entanto, “é preciso ainda compreender a respiração, para lá de aspectos puramente biológicos, como aquilo que nos é comum e que, por definição, escapa a qualquer cálculo. Falamos, assim, de um direito universal de respiração” (Mbembe, 2020, s/p). Em outras palavras, arriscando uma metáfora, a humanidade ainda precisa entender que todos os seres humanos compartilham o mesmo ar.

CONCLUSÕES

Em vários textos de sua obra, mas principalmente em “O mal-estar na civilização”, Freud (1930/2010a) já indicava o relacionamento com o outro como a principal fonte de mal-estar. Assim, o ser humano está inevitavelmente condenado a se confrontar com a impossibilidade de realização de seus impulsos e desejos na relação com o próximo. Tem-se daí que a exclusão do diferente e a identificação com o semelhante surge como uma forma recorrente de defesa frente a manifestação do desamparo constitucional humano no laço social.

No entanto, percebe-se que à medida que a civilização sofre os efeitos do discurso da ciência e do capitalismo, vão surgindo novas formas de exclusão, dessa vez mais radicais, o que leva a novas formas de presentificação do mal-estar e de estratégias para contorná-lo. Na atualidade do cenário brasileiro, tem-se a violência policial favorecendo a eliminação e consequente exclusão do bandido, bode expiatório responsável pela violência urbana. O estabelecimento da pandemia do Coronavírus evidenciou a política de se deixar morrer as vidas nuas que já possuíam a marca da exclusão e o estigma do bandido. Conclui-se que os diferentes momentos históricos, quando articulados, comprovam a contínua produção de vulnerabilidades, evidenciando que os alvos preferenciais das necropolíticas são as populações negras e não negras empobrecidas.

Assim, referindo-se ao contexto da atual pandemia no Brasil, salientou-se que a negação, o desmentido e o descrédito da dor e do sofrimento do outro constituem formas paradigmáticas de exclusão e desvalorização da vida. Constatou-se que essa situação de emergência sanitária, por um lado, atualizou uma série de feridas narcísicas históricas e sociais brasileira, por outro, também trouxe consigo uma exigência súbita de transformação, que impõe uma mudança de posição estrutural dos envolvidos, o que pode desencadear consequências salutares e promotoras de saúde, não só no plano individual, como também no coletivo. Para isso, no entanto, faz-se necessário a realização de um trabalho psíquico capaz de agenciar a produção de uma nova posição política e subjetiva. Assim, falar em experiências coletivas de dor implica em aceitar que existe algo a ser narrado e ouvido, que há a necessidade de elaboração da experiência vivida. Tal situação traz consigo o desafio de se levar em consideração nesse esforço de escuta o histórico de um passado muitas vezes repleto de dores, experiências traumáticas e lutos, que, provavelmente, não foram ouvidos e, portanto, assumidos e elaborados.

O descrédito de tantas vidas perdidas em nome de um vírus ficará lado a lado com as memórias de outras perdas que não foram contabilizadas na história oficial brasileira, a exemplo dos mortos das ditaduras e da violência policial que vem ocorrendo no decorrer dos anos e que permanecem até hoje inauditas. No entanto, as memórias subterrâneas continuarão a retornar até que alcancem o reconhecimento necessário, tal como o fantasma da cripta que assombra o guardião do cemitério (Törok & Abraham, 1995). Para isso, é preciso que existam guardiões dos lugares de memória.

1Um número de porcos-espinho se aproximaram buscando calor em um dia frio de inverno; mas, quando começaram a se machucar com seus espinhos, foram obrigados a se afastar. No entanto, o frio fazia com que voltassem a se reunir, porém, se afastavam novamente. Depois de várias tentativas, perceberam que poderiam manter certa distância uns dos outros sem se dispersarem. Do mesmo modo, as necessidades sociais, a solidão e a monotonia impulsionam os “homens porcos-espinho” a se reunirem, apenas para se repelirem devido às inúmeras características espinhosas e desagradáveis de suas naturezas. A distância moderada que os homens finalmente descobrem é a condição necessária para que a convivência seja tolerada; é o código de cortesia e boas maneiras. Aqueles que transgridem esse código são duramente advertidos, como se diz na Inglaterra: keep your distance! Com esse arranjo, a necessidade mútua de calor é apenas parcialmente satisfeita, mas pelo menos não se machucam. Um homem que possui algum calor em si mesmo prefere permanecer afastado, assim ele não precisa machucar outras pessoas e também não é machucado (Schopenhauer, 1851/1965, p. 765, tradução nossa).

2De acordo com a teoria lacaniana, o significante-mestre ‘S1’, representa o sujeito para outro significante ‘S2’, que representa o saber. Há aqui a escrita simplificada da cadeia associativa, que implica a lógica da significação retroativa, da qual o sujeito emerge como efeito (S/). Tem-se daí que a sua existência é fugaz, evanescente e pontual, uma vez que ela está subjugada às vicissitudes do significante e às suas consequências no campo da regulação do gozo (a) (Lacan, 1992).

3Para Lacan (1992), trata-se de uma fórmula que permite apresentar as três modalidades mais fundamentais de laço social (o discurso do mestre, da histérica e do universitário) e então, a partir do câmbio dos elementos nos lugares que compõe os discursos, situar como opera o analista na clínica, destacando a sua especificidade (o quarto discurso). O discurso do mestre funda a cultura. Nele, o significante-mestre S1, está no lugar de agente e se dirige ao S2, o saber, que, no campo do Outro, passa a ser designado como escravo ou trabalhador. O terceiro lugar, o da produção, é ocupado pelo objeto pequeno a que assume a função de mais-valia ou mais-de-gozar. Segundo Fink (1998), nesse discurso, o mestre tenta omitir a sua fraqueza, fato que está indicado na localização de sua divisão subjetiva (S/) na posição da verdade, debaixo da barra. Os outros três discursos se originam a partir da rotação anti-horária do discurso do mestre. A exceção é feita ao discurso do capitalista, que, como será apresentado logo adiante, resulta de uma quebra ou subversão dessa estrutura quaternária que condiciona o quarto giro que realiza a passagem de um discurso a outro.

Financiamento

AGCL – Bolsista CAPES/DS nº do processo: 88887.601611/2021-00

KPHM – Bolsista PQ edital 2022

Consentimento de uso de imagem

Não se aplica.

Aprovação, ética e consentimento

Não se aplica.

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Recebido: 05 de Fevereiro de 2021; Revisado: 07 de Abril de 2022; Aceito: 26 de Novembro de 2023

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