Durante a infância, a maior parte das pessoas adquire as habilidades que gradualmente as tornam independentes para realizar muitas atividades importantes para a vida cotidiana. Essa ampliação de habilidades segue durante os demais ciclos vitais, permitindo que a pessoa se torne independente em tarefas mais complexas e sociais ( Brandebusque et al., 2020 ; Macedo et al., 2018) . Espera-se que na vida adulta uma pessoa seja independente funcional, ou seja, consiga manter-se saudável e cuidado, de forma autônoma, sem precisar da intervenção ou supervisão de outras pessoas ou de ferramentas assistivas para auxilio (Organização Mundial da Saúde [WHO], 2001 ).
A independência funcional abarca três fatores progressivamente hierárquicos: as Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD), Atividades Instrumentais de Vida Diária (AIVD) e Atividades Avançadas de Vida Diária (AAVD) ( Tavares et al., 2019 ). As ABVD envolvem os comportamentos básicos e as atividades de autocuidado, tais como a capacidade de alimentar-se, vestir-se e transferir-se. Enquanto as AIVD abarcam atividades mais elaboradas, relacionadas à uma autonomia e participação ativa na comunidade, como administrar finanças, preparar refeições, utilizar meios de transporte ( Leal et al., 2020 ) e pode requerer a manipulação de instrumentos e ferramentas, demandando planejamento das ações e capacidade para resolução de problemas ( Macedo et al., 2018 ). As AAVDs envolvem assumir papéis sociais, físicos, produtivos e de lazer mais complexos, como, por exemplo, manter um trabalho remunerado, planejar viagens, participar de grupos sociais e movimentos comunitários ( Brandebusque et al., 2020 ; Tavares et al., 2019 ).
A independência funcional se liga à existência de condições motoras e cognitivas satisfatórias para o desempenho de tais tarefas ( Amaral et al., 2017 ). Além disso, os aspectos emocionais e psicológicos podem influenciá-las. Por estar ligada a conseguir executar diferentes níveis de atividades de forma autônoma, esta é uma medida que pode avaliar a habilidade para execução de autocuidado e a possível necessidade de assistência, servindo para o acompanhamento da evolução de vários quadros clínicos/sociais de forma mais ecológica e indicando focos importantes para intervenção ( Lemes et al., 2021 ). Caso a pessoa perca capacidade de realizar atividades de forma independente, o profissional pode avaliar as causas desta perda, seu impacto direto no cotidiano e possíveis intervenções adaptadas para o tipo de tarefa que seu cliente precisa desempenhar.
A manutenção da independência funcional amplia a qualidade de vida, podendo ser vista como uma das ferramentas para assistir às ações dos serviços de saúde ( Gavasso & Beltrame, 2017 ). Mas algumas condições podem levar o indivíduo a reduzir ou perder tal capacidade, fazendo com que demandem algum tipo de ajuda de um cuidador ( Barroso & Silva, 2016 ). Transtorno do neurodesenvolvimento, transtornos neuropsiquiáticos, sequelas de acidentes e sintomas ou sequelas de patologias crônicas são exemplos de situações que podem impactar negativamente a independência funcional, levando à necessidade de um cuidador. Sobre isso, sabe-se que, quanto maior a dependência, maior o grau de sobrecarga do cuidador responsável ( Reyes-Vega & Rivero-Méndez, 2021 ).
Em busca na literatura realizada nas bases de dados Pubmed, Web of Science, Psyinfo, Periódicos Capes e JSTOR por instrumentos que avaliassem independência funcional foram identificadas 20 escalas, publicadas entre 1990 e 2020. Destas, 15 estão validadas para o Brasil. Mas algumas foram validadas apenas para sub-populações específicas ( n =8), como para pessoas com paraplegia ou para pessoas com heminegligência, por exemplo. Ou avaliam aspectos restritos da independência funcional, como apenas a capacidade de locomoção. Entre os instrumentos para a população geral, destacam-se: Medida de Independência Funcional ( Riberto et. al., 2004 ), Escala de Barthel/Escala Modificada de Barthel ( Yamashita & Amendola, 2008 ) e o Questionário de Atividades Funcionais de Pfeffer ( Assis, 2014 ; González et al., 2021). Dentre todos os instrumentos, a Escala de Katz e o Índice de Barthel são as mais usadas internacionalmente para avaliar ABVD. E as Escala de Lawton e o Questionário de Atividades Funcionais de Pfeffer são as mais adotadas para avaliar as AIVD ( Vasconcelos, 2021 ).
Entre os instrumentos validados para populações específicas, destacam-se: o Índice de Katz ( Gallasch et al., 2022 ; Mendes et al., 2020 ), Escala Geral de Atividades de Vida Diária ( de Paula et al., 2014 ), Escala de Atividades Avançadas de Vida Diária ( Silva et al., 2017 ), Dysexecutive Questionnaire ( Cviatkovski, 2019 ; Macuglia et al., 2016 ; Oliveira et al., 2022 ), Classificação de Idosos quanto à Capacidade para o Autocuidado ( Almeida, 2004 ), World Health Organization Disability Assessment Schedule II ( Almondes et al., 2021 ; Barbosa et al., 2020 ; Borges et al., 2019 ; Cardoso et al., 2020 ; Castro et al., 2018 ; Grou et al., 2021 ; Moreira et al., 2015 ; Silva et al., 2013 ; Silveira et al., 2019 ; Zacarias et al, 2022 ), Teste de AVD – Glittre ( Costa, 2016 ; Martins, 2014 ; Monteiro, 2016 ; Montemezzo et al., 2019 ; Reis et al., 2018 ), Questionário de Medida Funcional para Amputados ( Kageyama, et al., 2008 ), Escala de Atividade de Vida Diária (Nigri et al., 2006), Test d’Evaluation des Membres Supérieurs de Personnes Agées ( Michaelsen et al., 2008 ) e o Amyotrophic Lateral Sclerosis Assessment Questionnaire ( Pavan et al., 2007 ; Pavan et al., 2010 ). A Escala Lawton ( Júnior & Santos, 2008 ) e o Motor Activity Log ( Saliba et al., 2011 ) também foram adaptados para o país, mas ainda não validados.
Um ponto em comum entre todos os instrumentos elencados é que apresentam poucos itens sobre os aspectos avaliados e, por isso, tais itens precisam abarcar uma grande gama de comportamentos, o que os torna menos sensíveis para variações individuais. Por exemplo, a Escala de Barthel contém um único item para avaliar a alimentação, o que pode mascarar dificuldades específicas. Além disso, não foram localizados instrumentos que avaliassem a capacidade de prestar informações confiáveis sobre si e o cotidiano (independência expressiva) ou sobre expressão emocional, ambos aspectos relevantes para as relações humanas ( Wiethan et al., 2017 ).
Considerando a importância da independência funcional e expressiva e as características e lacunas dos instrumentos já publicados, o presente estudo teve como objetivo desenvolver uma escala para avaliar independência funcional (Escala de Independência Funcional e Expressiva – EIFE) e investigar suas evidências de validade baseadas no conteúdo e na estrutura interna.
Método
Estudo de desenvolvimento para criação da Escala de Independência Funcional e Expressiva (EIFE). Esse trabalho foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro sob o registro CAAE 80121917.2.0000.5154 e todos os participantes deram seu expresso consentimento por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Construção dos itens
Inicialmente foram analisados os itens de 19 das 20 escalas publicadas para avaliar independência funcional, independentemente de estarem ou não validadas para o Brasil. A Escala de Atividade de Vida Diária (Nigri et. al., 2006) não foi analisada por não estar disponibilizada na internet e os autores não terem atendido ao pedido de disponibilizá-la.
Tais itens foram agrupados por temática, repetição em mais de um instrumento e formas das alternativas de resposta. Em seguida a equipe criou itens próprios que consideravam pertinentes, mas não foram localizados em outros instrumentos, tomando por base textos sobre perdas funcionais e a experiência clínica da primeira autora. A lista final, contendo 129 itens, foi dividida em nove seções: Funções corporais básicas; Alimentação; Sono; Higiene e autocuidado; Mobilidade; Reconhecimento; Autocontrole; Comunicação e Prestação de Informações; Gerenciamento das atividades do cotidiano e Lazer. Essa etapa ocorreu entre 10 de junho e 29 de outubro de 2021.
Análise de adequação dos itens por juízes
A lista completa de itens foi submetida a avaliação de seis juízes especialistas (dois psicólogos, uma enfermeira, uma terapeuta ocupacional, um médico e um fisioterapeuta). Tais juízes eram profissionais e/ou pesquisadores na área e atuavam com temas ligados à independência funcional por pelo menos cinco anos.
A participação dos juízes ocorreu de forma individual e virtual. Cada um recebeu em seus e-mails o material para sua avaliação. Solicitou-se que avaliassem a adequação dos nomes das subescalas, itens, ausências de itens, necessidade de supressão ou migração de itens. Definiu-se como critério para incluir um novo item, retirar ou migrar um item já existente na escala, a existência de consenso entre pelo menos três juízes sobre o item. Para os demais casos, a equipe de pesquisa se reuniu e ponderou individualmente sobre as sugestões feitas. Essa etapa ocorreu entre 29 de outubro de 2021 e 12 de fevereiro de 2022.
Análise de validade semântica
Após a análise dos juízes e revisão do instrumento, a versão inicial da EIFE foi aplicada individualmente em 10 cuidadores, para verificar se os itens e instruções estavam compreensíveis para a população de interesse. Tais cuidadores tinham escolaridade entre ensino fundamental completo e superior incompleto, sendo cinco familiares e cinco profissionais. Os cuidadores liam os itens, indicavam o que haviam entendido, suas dúvidas, dificuldades e sugestões. Todos os pontos que geraram dúvidas nos cuidadores foram alterados.
Ainda, para verificação de validade semântica, foram convidados outros dois cuidadores, para avaliar se as alterações feitas após o primeiro piloto estavam adequadas. Ambos tinham baixa escolaridade, para aumentar a chance do instrumento ser compreendido por todos os possíveis respondentes.
Análises iniciais de qualidades psicométricas da EIFE
Dada a natureza das perguntas e alternativas de resposta, a equipe entendeu que a EIFE poderia ser um instrumento de heterorrelato, preenchido por cuidadores sobre pessoas com 12 anos ou mais. Com essa premissa, seguiu-se para a realização da coleta de dados para estudos iniciais das qualidades psicométricas da nova escala. Nesse ponto a EIFE continha nove dimensões e 122 itens.
A coleta de dados para esta etapa ocorreu entre 10 de maio e 29 de setembro de 2022, adotando estratégia de amostragem por bola de neve. A coleta ocorreu presencialmente em Instituições de Longa Permanência para Idosos, hotéis geriátricos e nas residências dos cuidadores convidados. Além disso, também foi realizada online, com convite feito nas redes sociais Instagram, Facebook e WhatsApp.
Os cuidadores ( n =241) responderam sobre pessoas com 12 anos ou mais, idosas ou com alguma limitação ou condição crônica. Esses cuidadores residiam em 11 estados brasileiros (Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Goiás, Minas Gerais, Pará, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo), eram predominantemente mulheres (83%), com idade média de 45,23 anos (mínimo de 19 e máximo de 91 anos; DP =16,92).
Os cuidadores tinham essa função, em média por 7,8 anos ( DP =7,97; mínimo de 8 meses e máximo de 40 anos) e responderam sobre pessoas entre 17 e 100 anos, com média de idade de 74,13 anos ( DP =21,17). Destes, 80,9% ( n =195) eram pessoas idosas, 17,0% ( n =41) adultos e 2,1% ( n =5) tinham entre 12 e 17 anos. O motivo dos cuidados derivava de hemangioma, acidente vascular cerebral, síndrome de Down, insuficiência cardíaca, Alzheimer, demências, diabetes, hidrocefalia e ser acamado ou idoso.
As análises foram descritivas por subescala e escala total. A consistência interna da EIFE total e de cada subescala foi avaliada por meio do alfa de Cronbach e Ômega de McDonald. Considerou-se a consistência interna satisfatória quando os valores observados eram iguais ou superiores a 0,70 ( Mcdonald, 1999 ).
O tamanho amostral, respeitando os critérios propostos por DeVellis (2011) era adequado para análise das subescalas, mas pequeno para avaliar o instrumento completo. Por esse motivo, optou-se por realizar uma análise fatorial exploratória das subescalas, considerando matriz de correlações policóricas (dada a adoção de escalas tipo likert como forma de resposta) e método de extração Robust Diagnonally Weighted Least Squares. A decisão sobre o número de fatores retidos baseou-se na técnica de Análise Paralela com uso de bootstrap de mil participantes. A rotação utilizada nos modelos foi a Robust Promin. As análises de verificação do modelo fato-rial seguiram indicação de Timmerman e Lorenzo-Seva (2011) , considerando: Teste de Esfericidade de Bartlett com p -valor <0,05, índice Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) maior que 0,80, Erros quadrados médios de aproximação (RMSEA) até 0,08, Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI) >0,90. Além disso, a probabilidade de replicação da estrutura fatorial foi avaliada pelo Índice H Generalizado (H), considerando que há replicabilida-de quando esse índice foi superior a 0,80 ( Hancock & Mueller, 2000 ).
A comunalidade também foi analisada, e considerou-se valores acima de 0,50 como bons. Como evidências de unifatorialidade considerou-se os valores da Congruência Unidimensional [UniCo] iguais ou maiores que 0,95, da Variância Comum Explicada [ECV] maior que 0,85 e da Média de Item Residual [MIREAL] inferior a 0,30 ( Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018 ). As análises estatísticas foram realizadas nos programas SPSS versão 23 e Factor.
Resultados
A Figura 1 sumariza as etapas para a construção e análises iniciais das qualidades psicométricas da EIFE. A análise das 19 escalas já publicadas permitiu identificar 50 itens distintos sobre independência funcional. Além desses, foram construídos outros 79 itens. Os 129 itens foram, então, agrupados em nove subescalas, compondo a versão inicial do instrumento. As alternativas de resposta foram definidas em escala tipo likert de cinco pontos: nunca fez/não se aplica (zero pontos), não consegue (1 ponto), consegue com ajuda (2 pontos), consegue, mas faz apenas se alguém pedir (3 pontos) e consegue sozinho (4 pontos).
Os juízes fizeram 19 sugestões de inclusão de itens, 31 sugestões de retirada e 7 de migrações. Destas, a equipe acatou 26 sugestões, sendo 11 inclusões de itens, 11 retiradas e 4 migrações de seção, chegando a segunda versão da EIFE, que manteve 129 itens.
A versão com 129 itens foi a submetida ao primeiro estudo piloto. Nessa etapa as instruções do instrumento foram compreendidas, não havendo alterações. Contudo, foram apontados termos nos itens que demandaram ajustes. Tais termos foram: urina, fezes, despir-se, armário, manusear, auto-lesionar, expressar-se, informar e compreender.
Após essa etapa, a equipe de pesquisa decidiu, ainda, unir itens referentes à mesma tarefa ( n = 4) ou removê-los ( n =3), reduzindo para 122 os itens da EIFE. Essa terceira versão foi submetida a análise de compreensão por dois cuidadores com baixa escolaridade e foi a considerada para as análises iniciais de qualidades psicométricas.
A Tabela 1 apresenta os valores gerais e por subes-calas da EIFE. A pontuação total variou entre 86 e 369 pontos, com média de 223,60 ( DP =74,11) e mediana de 223 pontos. Por subescala os resultados variaram entre zero e 96 pontos.
Média (DP) | Mínimo – Máximo | Percentil 25 | Mediana | Percentil 75 | |
---|---|---|---|---|---|
Funções Corporais Básicas | 22,38 (5,83) | 7 – 28 | 19 | 24 | 28 |
Alimentação | 16,09 (5,73) | 3 – 24 | 13 | 17 | 21 |
Higiene e Autocuidado | 21,07 (9,79) | 3 – 36 | 11 | 20 | 30 |
Mobilidade | 37,13 (17,57) | 10 – 64 | 20 | 33 | 56 |
Reconhecimento | 19,02 (7,31) | 2 – 28 | 12 | 20 | 26 |
Autocontrole e Tomada de Decisão | 25,08 (11,73) | 0 – 40 | 13 | 28 | 36 |
Comunicação, Socialização e Prestação de Informações | 45,40 (13,13) | 13 – 64 | 37 | 48 | 55 |
Gerenciamento de atividades | 37,41 (17,33) | 6 – 96 | 25 | 30 | 44 |
Total | 223,60 (74,11) | 86 – 379 | 159 | 223 | 286 |
Fonte. Autoras
A Tabela 2 apresenta os dados sobre a consistência interna da EIFE. A confiabilidade do instrumento total foi de 0,98. Ao analisar as subescalas, observou-se variação entre 0,83 e 0,96 para os valores de Alfa de Cronbach e 0,83 a 0,97 para o Omega de McDonald.
Nº de itens | Alfa de Cronbach | Ômega de McDonald | |
---|---|---|---|
Funções Corporais Básicas | 07 | 0,85 | 0,86 |
Alimentação | 06 | 0,83 | 0,83 |
Higiene e Autocuidado | 09 | 0,94 | 0,95 |
Mobilidade física | 16 | 0,96 | 0,97 |
Reconhecimento | 07 | 0,92 | 0,92 |
Autocontrole e Tomada de Decisão | 10 | 0,91 | 0,92 |
Comunicação, Socialização e Prestação de Informações | 19 | 0,91 | 0,92 |
Gerenciamento de atividades | 21 | 0,93 | 0,94 |
Total | 95 | 0,98 | 0,98 |
Fonte. Autoras
Os testes de esfericidade de Bartlett mostraram resultados não significativos e o KMO variou entre 0,80 e 0,93, mostrando fatorabilidade das subescalas da EIFE ( Tabela 3 ). Observou-se um a quatro dimensões internas nas subescalas, com capacidade explicativa variando 62,35 e 85,12%. Os índices de ajuste das análises fatoriais mostraram-se adequados aos parâmetros indicados na literatura e o índice de replica-bilidade da estrutura fatorial (H) variou entre 0,82 e 0,98, indicando boas chances de replicabilidade em estudos futuros.
Fatores | Eigenvalue | Variância | KMO | RMSEA | |
---|---|---|---|---|---|
Funções Corporais Básicas | 01 | 5,68 | 72,11 | 0,66 | 0,13 |
Alimentação | 01 | 4,07 | 75,31 | 0,85 | 0,07 |
Higiene e Autocuidado | 01 | 7,37 | 74,87 | 0,80 | 0,04 |
Mobilidade física | 01 | 9,96 | 62,35 | 0,93 | 0,00 |
Reconhecimento | 01 | 5,58 | 85,12 | 0,90 | 0,06 |
Autocontrole e Tomada de Decisão | 01 | 6,20 | 70,90 | 0,87 | 0,08 |
Comunicação, Socialização e Prestação de Informações | 04 |
8,69 2,45 1,50 1,18 |
0,66 | 0,86 | 0,00 |
Gerenciamento de atividades | 04 |
9,04 2,80 1,38 1,27 |
0,69 | 0,84 | 0,00 |
Total | 15 | 77,77 | 0,72 | - |
CFI | TLI | H | UniCO | ECV | Mireal | |
---|---|---|---|---|---|---|
Funções Corporais Básicas | 0,98 | 0,97 | 1,00 | 0,97 | 0,87 | 0,26 |
Alimentação | 0,99 | 0,99 | 0,93 | 0,96 | 0,86 | 0,28 |
Higiene e Autocuidado | 0,99 | 0,99 | 0,98 | 0,96 | 0,90 | 0,23 |
Mobilidade física | 1,00 | 1,15 | 0,97 | 0,99 | 0,92 | 0,21 |
Reconhecimento | 0,99 | 0,99 | 0,96 | 0,99 | 0,91 | 0,25 |
Autocontrole e Tomada de Decisão | 0,99 | 0,99 | 0,96 | 0,98 | 0,90 | 0,24 |
Comunicação, Socialização e Prestação de Informações | 0,99 | 1,20 |
0,87 0,82 0,98 0,94 |
0,90 | 0,80 | 0,26 |
Gerenciamento de atividades | 0,99 | 1,16 |
0,83 0,91 0,94 0,89 |
0,99 | 0,78 | 0,27 |
Total | - | - | - | - | - | - |
Fonte. Autoras
As cargas fatoriais dos itens por subescala ( Tabela 4 ) variaram entre 0,41 e 0,92. Houve presença de cargas fatoriais cruzadas em 12 itens das duas subescalas com mais de um fator (5 em Comunicação, Socialização e Prestação de Informações e 7 em Gerenciamento das Atividades do dia a dia e Lazer). Nesses casos os itens foram mantidos no fator que mostrou carga fatorial mais elevada.A comunalidade também foi avaliada. A maior parte dos itens mostrou comunalidade acima de 0,50, mas houve alguns itens que não conseguiram cumprir esse critério ( Tabela 4 ).
Nº de itens | Fatores | Carga Fatorial mínima | Carga Fatorial máxima | Comunalidades | Presença de cargas fatoriais cruzadas | |
---|---|---|---|---|---|---|
Funções Corporais Básicas | 07 | 01 | 0,68 | 0,85 | 0,47 - 0,99 | Não se aplica |
Alimentação | 06 | 01 | 0,66 | 0,81 | 0,44 - 0,65 | Não se aplica |
Higiene e Autocuidado | 09 | 01 | 0,70 | 0,92 | 0,40 - 0,82 | Não se aplica |
Mobilidade física | 16 | 01 | 0,57 | 0,91 | 0,48 - 0,89 | Não se aplica |
Reconhecimento | 07 | 01 | 0,76 | 0,89 | 0,58 - 0,79 | Não se aplica |
Autocontrole e Tomada de Decisão | 10 | 01 | 0,67 | 0,85 | 0,45 - 0,85 | Não se aplica |
Comunicação, Socialização e Prestação de Informações | 19 | 04 | 0,41 | 0,84 | 0,35 - 0,88 | Presente em 5 itens |
Gerenciamento de atividades | 21 | 04 | 0,44 | 0,88 | 0,45 - 0,84 | Presente em 7 itens |
Total | 95 | 15 | 0,40 | 0,88 | 0,54 - 0,91 | Presente em 14 itens |
Fonte. Autoras
A hipótese inicial era de um instrumento unifato-rial, capaz de avaliar nove aspectos da vida. A unidimen-sionalidade da EIFE total ainda não pôde ser analisada, devido ao tamanho amostral, mas as análises sobre as dimensões mostraram melhor ajuste com oito subescalas: 1. Funções Corporais Básicas, que avalia capacidade para engolir, controlar esfíncteres, movimentar membros superiores e inferiores, movimentar-se para evitar lesões por pressão e controle de tônus muscular; 2. Alimentação, avalia reconhecimento da necessidade de comer e beber, identificar o que pode comer, levar a comida até a boca, controlar ingestão de alimentos, servir-se e preparar as refeições; 3. Higiene e Autocuidado, que avalia higiene bucal e corporal, uso de vaso sanitário, pentear-se, aparar pelos, cortar unhas, vestir-se e calçar-se; 4. Mobilidade Física, que avalia capacidade para alternar entre posições corporais, transferência entre móveis, andar, subir degraus, abrir e trancar portas, cobrir-se, controle motor fino e pegar roupas para vestir; 5. Reconhecimento, que avalia localização no tempo e espaço, reconhecer pessoas próximas e profissionais, reconhecer objetos e medicamentos; 6. Autocontrole e Tomada de Decisão, que avalia a capacidade do indivíduo para manter-se acordado durante o dia e dormir a noite, autocontrole sobre comportamentos incômodos, socialmente inadequados e impulsos sexuais, manter comportamento voluntário, seguir orientações, ficar sozinho por curtos períodos e não se autolesar; 7. Comunicação, Socialização e Prestação de Informações, que avalia o funcionamento dos sentidos (ver, ouvir), capacidade para falar, ler e escrever, fazer ligações e mandar mensagens, informar sobre acontecimentos e desconforto, entender e fazer pedidos, e demonstrar e entender sentimento e entender os sentimentos; e 8. Gerenciamento das Atividades do dia a dia e Lazer, que avalia a capacidade para gerenciar atividades e compromissos cotidianos, usar dinheiro e tecnologias, ter atividades de lazer, fazer compras, contratar serviços, estudar e trabalhar.
Discussão
As análises por especialistas, fatorial e de consistência interna mostraram que os itens da EIFE são adequados para avaliar a independência funcional e expressiva de brasileiros a partir dos 12 anos, pela perspectiva de seus cuidadores. A independência funcional é uma medida importante para entender evolução clinica e ter uma medida objetiva para mensurá-la pode auxiliar no acompanhamento e prognóstico de diversos casos ( Gavasso & Beltrame, 2017 ). Serve, ainda, para identificar aspectos em que os cuidadores precisam de auxilio, permitindo orientações e acompanhamento mais efetivo para suas demandas ( Reyes-Vega & Rivero-Méndez, 2021 ). Além disso, a capacidade de expressar-se social e afetivamente, também mensurada pela EIFE, representa um fator importante para a formação de vinculo entre cuidadores e pessoas que recebem ajuda, identificação de demandas de saúde, cuidado e suporte social ( Barroso & Silva, 2016 ).
A análise dos dois estudos pilotos mostrou que a compreensão das instruções para preenchimento do instrumento e dos itens foi satisfatória, permitindo que a EIFE seja entendida como um instrumento de hete-rorrelato, que pode ser respondido por um cuidador com maior contato com a pessoa que recebe assistência, sem a necessidade de um aplicador. Os instrumentos de heterorrelato desta natureza têm a vantagem de dispensar um aplicador, podendo ser respondidos no momento mais conveniente para o respondente e respeitando seu tempo, o que os tornam interessantes para atividades de pesquisa ( Vieira, 2009 ). Além disso, esse tipo de instrumento não impede que seja oferecida ajuda para os respondentes com problemas visuais, analfabetos ou com menor escolaridade.
A EIFE incorpora temas presentes em outras escalas, mas apresenta grande número de itens inéditos, em especial relacionados com a expressão emocional, lazer e uso de tecnologias e todos se mostraram satisfatórios para os especialistas e nas análises psicométricas já realizadas, cumprindo o previsto pela American Psychological Association, American Educational Research Association, and National Council on Measurement in Education (APA, AERA & NCME, 2014) . A construção de um instrumento que agrega vários aspectos da vida pode tornar a avaliação da independência funcional mais difundida e parcimoniosa no Brasil. Além disso, a incorporação de itens nas temáticas de expressão, lazer e relacionamento ajuda a ampliar a compreensão sobre o que é vida saudável e qualidade de vida ( Brandebusque et al., 2020 ), mostrando que pessoas podem manter atividades sociais mesmo diante de um possível diagnóstico.
A maior parte das subescalas se mostrou unifatorial ( n = 6), mas duas agregaram mais fatores ( n = 4). A análise dos itens da subescala de Comunicação, Socialização e Prestação de Informações permitiu entender que seus quatro componentes se referem à: 1. Habilidades básicas de comunicação e expressão emocional (ver, ouvir, falar, falar que está com desconforto, demonstrar sentimentos positivos e negativos); 2. habilidades aprendidas de comunicação (ler e escrever); 3. Prestar informações, entender instruções e fazer pedidos (contar que realizou atividade ou evento específico, iniciar conversa, entender pedido direto e em etapas, entender sentimentos e fazer pedido ou dar orientação); 4. Socialização (atender e fazer ligações, enviar mensagens, fazer visitas e comparecer a evento presencial ou on-line).
Enquanto os itens da subescala de Gerenciamento de atividades referem-se a: 1. Cuidados com a casa e uso básico de dinheiro e transporte (arrumar a casa, lavar e passar roupa, trabalhos manuais domésticos, fazer pagamentos e usar transporte), 2. Lazer (ligar aparelhos, trocar de canal e ter lazer fora de casa), 3. Autonomia para decisões cotidianas e de vida (gerenciar refeições, medicação, tomar decisões de dia a dia e decisões maiores), e 4. Gerenciamento de atividades que envolvem dinheiro e tecnologia (gerenciar consultas, finanças, usar aplicativo de transporte, fazer compras pessoalmente, pesquisar evento on-line, estudar e trabalhar fora).
Cabe destacar que esse é o estudo inicial sobre a EIFE e suas propriedades psicométricas, havendo necessidade de estudos futuros que somem às evidências aqui apresentadas. Além disso, é necessário destacar que a presente amostra foi obtida por conveniência, via divulgação em redes sociais e nas redes de contato das autoras. Essa escolha pode ter atraído pessoas com maior escolaridade e acesso a tecnologias de informação e comunicação. Estudos futuros deverão enfocar na confirmação do modelo fatorial do instrumento, sua análise como instrumento completo e em sua comparação com outros instrumentos e construtos relacionados.
Apesar dessas limitações, entende-se que o processo de criação da EIFE foi descrito, atende ao esperado para construção de instrumentos e que evidências iniciais de validade semântica, validade de conteúdo e confiabilidade do instrumento foram demonstradas. Conclui-se que a EIFE é um instrumento que pode ser utilizado na população brasileira para avaliação da independência funcional e expressiva de pessoas com 12 anos ou mais. Os estudos futuros aprofundarão o conhecimento sobre esse instrumento e buscarão construir suas normas nacionais para comparação dos dados obtidos por meio dele.