Ao longo do tempo, o papel do homem no contexto familiar foi se modificando, impulsionado por mudanças nas estruturas e dinâmicas familiares ( Bueno & Vieira, 2014 ; Cabrera et al., 2014 ; Gomes et al., 2010). Nos séculos XVII e XVIII, os pais representavam figuras morais dentro da família, sendo esperado que passassem para os filhos seus valores – muitos deles influenciados pela religião ( Lamb, 2010 ; Pleck & Pleck, 1997 ). Algumas décadas depois, o ideal cultural esperado para o pai passou a ser o de provedor financeiro, estando o homem engajado primariamente no trabalho remunerado ( Lamb, 2010 ) – papel referido como o do pai tradicional ( Cia et al., 2005 ). Com o passar do tempo este ideal foi se modificando e, ao longo do século XX, o pai foi culturalmente incentivado a se envolver ativamente nos cuidados com o filho ( Griswold, 1993 ). Assim, características de um pai mais próximo psicologicamente e mais presente na rotina familiar passaram a ser incluídas ao papel paterno – do chamado pai moderno ( Silva, 2011 ). Hoje em dia, é esperado do homem o envolvimento ativo e direto em atividades da casa e com os filhos, que são divididas de forma mais equitativa (ainda que não igualitária; IBGE, 2020) com a mãe da criança – no Brasil, papel do chamado pai emergente ou polivalente ( Santis et al., 2017 ; Silva, 2011 ).
As modificações do ideal cultural e da atuação do pai no contexto familiar também impulsionaram os estudos científicos sobre o envolvimento paterno ( Cabrera et al., 2018 ). Atualmente, este construto é entendido como multidimensional, caracterizado por comportamentos e atividades de envolvimento direto ou indireto do pai em relação à criança. O envolvimento direto se refere às interações entre pai e criança, incluindo os sentimentos (afeto) e pensamentos (cognição) associados a esta interação ( Palkovitz, 2019 ). Já as atividades paternas de envolvimento indireto são aquelas que não incluem a presença da criança, mas que estão relacionadas à sua criação e desenvolvimento (por exemplo, interações do pai com a mãe ou com companheiros de trabalho, em prol do bem-estar e desenvolvimento do filho) ( D’Andrade & Sorkhabi, 2016 ). Ademais, este envolvimento é, hoje, compreendido em termos da sua quantidade (tempo dispendido com a criança ou em prol da sua criação e desenvolvimento) e qualidade (relativo à forma como este tempo é estruturado) ( Barrocas et al., 2016 ; Fagan et al., 2014 ).
Este crescente interesse pelo envolvimento paterno também tem evidenciado a importância do pai no ambiente familiar, para o desenvolvimento infantil saudável e bem-estar dos membros da família ( Cabrera et al., 2014 ; Cabrera et al., 2018 ; Lamb, 2000 ; Volker, 2014 ). Nas últimas décadas, muitos estudos focaram nas consequências do envolvimento paterno para o desenvolvimento infantil ( Diniz et al., 2021 ). Estes impactos foram observados, por exemplo, no desenvolvimento cognitivo ( Rollè et al., 2019 ) e na ocorrência de problemas de comportamento ( Slaughter & Nagoshi, 2020 ; Zhang et al., 2019 ). Indo além das consequências para o desenvolvimento infantil, estudiosos também observaram desfechos para os próprios pais e mães. A revisão feita por Diniz et al. (2021) evidenciou, por exemplo, implicações do envolvimento paterno para as relações interpessoais dos membros da família, como para a qualidade do relacionamento coparental e conjugal de pais e mães.
Apesar da sua importância e do crescente foco em estudos sobre o envolvimento paterno nas últimas décadas, a falta de coesão teórica sobre o tema ( Cabrera, 2019 ; Rollè et al., 2019 ) impacta na sua avaliação. Assim, ainda hoje não há na literatura um instrumento predominantemente utilizado para a avaliação do envolvimento paterno ( Cabrera, 2019 ; Schoppe-Sullivan & Fagan, 2020 ). Dentre os instrumentos utilizados internacionalmente, tem-se o Inventory of Father Involvement (IFI). O IFI é um instrumento de autorrelato desenvolvido nos EUA para avaliar o envolvimento paterno de pais com filhos de cinco a 10 anos de idade, aproximadamente ( Hawkins et al., 2002 ). Por ser coerente com concepções teóricas de um envolvimento paterno multidimensional e apresentar evidências de validade adequadas, o IFI vem sendo adaptado para uso em diferentes países – como Portugal ( Barrocas et al., 2016 ) e China ( Kwok et al., 2012 ).
O IFI também já foi traduzido e adaptado para uso no Brasil, onde foi chamado de Inventário de Envolvimento Paterno (ou IFI-BR) ( Paschoalick, 2008 ). Sua versão inicial, com 26 itens e nove fatores, foi respondida por pais de crianças de 5 a 10 anos de idade ( Santis et al., 2017 ; Santis et al., 2022 ). Os resultados das análises psicométricas desta versão indicaram evidências de validade com base na sua estrutura interna, identificando como plausível uma estrutura fatorial de segunda ordem com oito fatores específicos – dos nove presentes no IFI – (χ2/ df =1,86; CFI=0,90; RMSEA=0,06; SRMR=0,07; alfa de Chronbach entre 0,65 e 0,81) ( Santis et al., 2017 ). Também foram verificadas para essa versão evidências de validade com base na sua relação com construtos teoricamente relacionados (correlações variando de |0,37| a |0,46|) ( Santis et al., 2022 ).
Com o intuito de aprimorar características psico-métricas da medida e ampliar sua possibilidade de uso, uma versão revisada do IFI-BR, com 27 itens, foi desenvolvida por Santis et al. (2023) – chamada de IFIBR-27. Esta versão foi desenvolvida para ser respondida por uma amostra mais ampla de pais, com filhos estudantes na Educação Infantil e Ensino Fundamental I – de dois a 10 anos de idade, aproximadamente. O IFI-BR-27 apresentou estimativas de precisão adequadas para seus nove fatores (confiabilidade composta variando de 0,65 a 0,84). Também foram verificadas evidências de validade com base na sua estrutura interna (χ2/ df =3,52; CFI = 0,937; TLI = 0,929; RMSEA=0,066), sendo esta estrutura invariante em relação ao ciclo escolar do filho (Educação Infantil e Ensino Fundamental I). Além disso, evidências de validade convergente (correlações de 0,67 e 0,58) e com base na relação com construtos relacionados (correlações entre −0,31 e 0,43) também foram verificadas para o IFI-BR-27 ( Santis et al., 2024 ).
Observa-se, portanto, que o IFI-BR-27 vem se mostrando uma medida adequada para avaliação do envolvimento paterno no Brasil. Ainda assim, estudos adicionais são necessários para certificar que os escores produzidos pelo instrumento são cientificamente confiáveis. Sabe-se que instrumentos de autorrelato são passíveis da influência de vieses subjetivos ( Arthur et al., 2020 ; Paulhus, 1991 ). Além disso, segundo Matte-Gagné et al. (2021) , é possível que escores de envolvimento paterno obtidos por meio de questionários reflitam estes vieses. Nesse sentido, uma avaliação ainda necessária para a precisa utilização do IFI-BR-27 é sobre a possibilidade de que seus escores sofram influência de vieses sociais, como o da desejabilidade social.
Desejabilidade social e o envolvimento paterno
Vieses de respostas são uma questão importante na área de avaliação psicológica, especialmente quando os dados avaliados são baseados em autorrelato ( Arthur et al., 2020 ). Quando o próprio participante relata sobre seus comportamentos, traços ou atitudes, este relato pode envolver vieses sistemáticos que prejudicam a mensuração do construto ( Paulhus, 1991 ), tendo consequências importantes para a avalição que é feita. Conforme comentam Vesely e Klöckner (2020) , estes vieses podem, por exemplo, influenciar os escores médios obtidos, adicionar ruído aos dados e restringir a variabilidade das respostas – podendo influenciar na análise e resultados derivados.
De acordo com Paulhus (1991) , vieses de resposta são tendências sistemáticas de responder a itens de um instrumento com base em algo além do que o item se propõe a medir (ou seja, além do seu conteúdo). Dentre estes possíveis vieses, a desejabilidade social corresponderia à situação na qual, ao invés de se basear no conteúdo do item, o respondente baseia a sua resposta no seu conteúdo valorativo, tendendo a escolher a resposta que é mais desejada socialmente ( Paulhus, 1991 ) − ou seja, aquela que mais corresponde às expectavas sociais vigentes. Assim, nas respostas socialmente desejáveis os respondentes tendem a minimizar suas caraterísticas negativas e apresentar em destaque suas características positivas ( Lanz et al., 2021 ). Esta projeção de si é, muitas vezes, feita com o objetivo de evitar avaliações negativas de outras pessoas, ou de facilitar a conformidade de outros com a projeção que é feita ( Johnson & Van de Vijver, 2002 ).
Respostas influenciadas pela desejabilidade social podem afetar não apenas a validade dos escores derivados destas medidas ( Paulhus, 1991 ), mas também as inferências e comparações feitas (entre diferentes indivíduos e do mesmo indivíduo, ao longo do tempo). Isso acontece pois não é possível saber com segurança se os resultados (diferenças ou similaridades) verificados são devidos ao construto de interesse ou à influência da desejabilidade social sobre as respostas ( Ziegler, 2015 ). Por comprometer a validade e interpretação dos dados de autorrelato, algumas técnicas vêm sendo utilizadas para minimizar os impactos da desejabilidade social ( Vesely & Klockner, 2020 ).
Uma dessas técnicas é a inclusão aos questionários de pesquisa de uma medida de avaliação da desejabilidade social. A ideia seria mensurar a tendência que as pessoas têm de responder de forma socialmente desejável e utilizar esta variável como controle para ajustar os resultados dos participantes em relação a este viés de resposta ( Lanz et al., 2021 ; Vesely & Klockner, 2020 ). Esta é uma técnica que vem sendo utilizada por pesquisadores de diferentes campos do conhecimento, mas em especial da psicologia ( Lanz et al., 2021 ) − por exemplo, nos âmbitos da psicologia social ( Feldman et al., 2017 ) e organizacional ( Arthur et al., 2020 ).
Diante do exposto, assim como acontece com diferentes construtos psicológicos, é importante avaliar se instrumentos psicométricos de mensuração do envolvimento paterno são suscetíveis à influência da desejabilidade social. Apesar do IFI-BR-27 contar com diferentes evidências de validade adequadas para uso no contexto brasileiro ( Santis et al., 2023 ; Santis et al., 2022 ), ainda não foi verificado se os escores produzidos com o uso da medida podem sofrer influência da desejabilidade social. Assim, o presente estudo teve como objetivo fazer esta avaliação, complementando as evidências psicométricas já verificadas para o IFI-BR-27.
Método
Participantes
Participaram deste estudo 238 homens, que deveriam ter ao menos um filho na Educação Infantil e Ensino Fundamental I, estudantes da rede pública (78,2%) e privada (21,8%) de ensino. Estes pais tinham idade média de 36,95 anos ( dp =7,21), variando de 22 a 61, e renda familiar média de 3879,83 reais ( dp =3561,08), variando de 980,00 a 25.000,00. Em relação ao estado civil, 85,7% dos pais disseram ser casados ou viverem em união estável, enquanto 6,7% disseram ser solteiros e 7,6% divorciados ou separados. Ainda, a maioria destes participantes (43,3%) tinham Ensino Médio completo ou Ensino Superior incompleto, enquanto 23,1% tinham Ensino Superior completo, 13,9% tinham Ensino Fundamental II completo ou Ensino Médio incompleto, 9,2% tinham Ensino Fundamental I incompleto e 7,6% ensino Fundamental I completo ou Ensino Fundamental II incompleto. Em relação aos filhos, os participantes tinham entre um e cinco filhos ( M =1,74; dp =0,83), e a idade média do seu filho alvo era de 6,13 ( dp = 2,57), variando de 1 a 17 2 anos. Sobre o ciclo escolar do filho alvo, 47,1% eram estudantes da Educação Infantil e 52,5% do Ensino Fundamental I.
Instrumentos
Questionário Sociodemográfico. Desenvolvido para caracterizar a amostra deste estudo, o instrumento contém perguntas sobre a idade do pai, seu nível educacional, estado civil, renda familiar média e número de filhos.
Inventário de Envolvimento Paterno – versão revisada (IFI-BR-27). O Inventory of Father Involvement (IFI; Hawkins et al., 2002 ) foi desenvolvido no contexto americano para a avaliar a qualidade do envolvimento paterno de pais com filhos no Ensino Fundamental (nos Estados Unidos, a partir de 5 anos de idade). Sua versão inicial em português brasileiro (IFI-BR; Paschoalick, 2008 ) foi avaliada e evidências iniciais adequadas de validade foram verificadas, quando utilizado junto a pais com filhos de cinco a 10 anos de idade ( Santis et al., 2017 ; Santis et al., 2022 ). Diante de limitações teóricas e metodológicas da versão inicial do IFI-BR, modificações nos itens do instrumento foram realizadas ( Santis et al., 2023 ) e avaliadas ( Santis et al., 2024 ), desenvolvendo uma versão revisada da medida (com 27 itens; IFI-BR-27), plausível para uso por pais de crianças em uma faixa etária ampliada – estudantes da Educação Infantil e Ensino Fundamental I (de dois a 10 anos de idade, aproximadamente).
O IFI-BR-27 é composto por 27 itens que avaliam nove dimensões do envolvimento paterno: (a) disciplina e ensino de responsabilidade (por exemplo, “ Estabelecer regras e limites para o comportamento de seu filho” ), (b) encorajamento escolar (e.g., “ Encorajar seu filho a ter sucesso na escola” ), (c) suporte à mãe (e.g., “ Cooperar com a mãe de seu filho na criação deste” ), (d) sustento (e.g., “ Suprir as necessidades básicas do seu filho” ), (e) tempo juntos e conversas (e.g., “ Passar tempo com seu filho fazendo coisas que ele goste de fazer” ), (f) elogios e afeto (e.g., “ Elogiar seu filho por ser bem comportado ou fazer a coisa certa” ), (g) desenvolvimento de talentos e interesses futuros (e.g., “ Encorajar seu filho a desenvolver seus talentos” ), (h) leitura e ajuda com tarefas escolares (e.g., “ Ler para seu filho” ) e (i) acompanhamento (e.g., “ Comparecer em atividades ou eventos nos quais seu filho participa” ). O pai avalia a qualidade do seu envolvimento com seu filho alvo para cada item do instrumento, usando uma escala de pontuação que varia entre 0, ( muito pobre ), e 6, ( excelente ), ou “ não se aplica ”. Estimativas adequadas de consistência interna foram verificadas para os fatores do IFI-BR-27 (confiabilidade composta variando de 0,65 a 0,84). Evidências de validade também foram verificadas por Autores ( Santis et al., 2024 ), e apresentadas anteriormente na introdução deste trabalho.
Escala Marlowe-Crowne de Desejabilidade Social (EDS). De origem americana, esta escala já foi traduzida e adaptada para uso no Brasil ( Ribas Jr. et al., 2004 ) e algumas evidências de validade da versão brasileira já foram verificadas. Além da tradução, retrotradução e julgamento por parte de juízes, estudos de teste-reteste evidenciaram correlações altas entre as duas aplicações do instrumento ( r =0,82). Também foram realizadas análises fatoriais e calculada a consistência interna do instrumento (α>0,75), que conta com 33 itens ( Gouveia et al., 2009 ; Ribas Jr. et al., 2004 ; Scagliusi et al., 2004 ).
Procedimento de coleta de dados
O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética para Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos (parecer número: 1.473.472). Os dados foram coletados presencialmente (entre 2016 e 2018), em escolas públicas e privadas de cinco cidades de São Paulo. Nestas escolas, todos os pais com filhos na Educação Infantil e Ensino Fundamental I foram convidados a participarem do estudo. No dia e horário previamente agendado, os pais interessados em participar compareciam à escola e respondiam o questionário após aceite do Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, levando, em média 30 minutos. Logo após a participação, os pais receberam um panfleto com informações científicas sobre a família e o envolvimento paterno. Depois de terminado o estudo, os pais também receberam uma devolutiva com os principais resultados verificados.
Procedimento de análise de dados
A fim de se que os resultados pudessem ser empiricamente comparados, dois modelos de equações estruturais foram testados: um modelo Multiple Indicators and Multiple Causes (MIMIC) e um modelo bifactor. Ambas as análises foram realizadas com o software MPlus (versão 7.11).
Modelo MIMIC
Uma vez que a desejabilidade social é uma variável intervalar, a invariância dos parâmetros foi testada por meio da modelagem MIMIC ( Muthén, 1988 ). Nesta avaliação, compara-se os modelos com e sem viés. No modelo com viés, estima-se os efeitos diretos da variável externa de viés (desejabilidade social) sobre os itens da variável de interesse (envolvimento paterno; IFI-BR-27), avaliando se a variável externa impacta na parametrização dos itens da variável de interesse. Assim, neste modelo são estimados os efeitos diretos (da variável externa sobre os itens da variável de interesse) e indiretos (da variável externa sobre o fator latente da variável de interesse). Relações significativas entre a variável externa e os itens (efeito direto) seriam um indicativo de que estes sofrem influência da variável externa para além de qualquer relação que esta possa ter com a variável latente do construto de interesse. No modelo sem viés, por sua vez, testa-se apenas o efeito indireto da variável externas sobre os itens da variável de interesse – mediado, portanto, pelo fator latente da variável de interesse.
Para fazer estas avaliações por meio de modelagem por equações estruturais, o modelo com viés no qual todos os efeitos diretos e indiretos são avaliados é indeterminado. Assim, optou-se por iniciar pela avaliação do modelo sem viés, observando os índices de modificação (relacionados aos efeitos diretos da desejabilidade social sobre os itens do IFI-BR) sugeridos para esse modelo. Resultados dos modelos com e sem viés são, então, comparados. Além dos índices de ajuste para os dois modelos, foram avaliadas as relações significativas entre a variável externa de viés (desejabilidade social) e os itens e fator geral do IFI-BR.
Modelo Bifactor
A fim de verificar a coesão entre os resultados, além do modelo MIMIC, a influência da desejabilida-des social sobre os itens do IFI-BR também foi avaliada por meio de um modelo bifactor. Neste modelo, um fator geral seria responsável por explicar a variação conjunta dos itens do IFI-BR-27 e dos itens de desejabili-dade social. Sem relação com este fator, outros fatores específicos também explicariam variações nos itens do IFI-BR-27 (mas não dos itens de desejabilidade social) – conforme estrutura fatorial da medida ( Santis et al., 2024 ). Caso não haja influência da desejabilidade social sobre os itens do IFI-BR-27, espera-se que as cargas fa-toriais dos mesmos sejam mais altas nos fatores específicos do IFI-BR-27 – e não no fator geral, que inclui a desejabilidade social.
As cargas fatoriais representam a correlação de cada variável (item) e o fator ao qual está ligado. Assim, para que uma carga fatorial seja considerada forte suficiente para interpretação, deve-se considerar a sua significância (probabilidade de que aconteça ao caso), mas também a sua magnitude, que deve ser grande o suficiente para que sua interpretação seja útil ao modelo. Levando isso em consideração, para a interpretação das cargas fa-toriais, foram consideradas sua significância ( p <0,05) e magnitude. Cargas com magnitude entre (a) 0,30 e 0,40 foram consideradas como critério mínimo para interpretação. Cargas acima de 0,70, por sua vez, indicariam uma estrutura bem definida ( Hair et al, 2009 ).
Resultados
Modelo MIMIC 3
O modelo sem viés (efeito indireto) se ajustou bem aos dados (χ2=1762.634; p <0,001; gl =1529; RMSEA (IC 90%) = 0.025 (0.019 – 0.031); CFI = 0.955; TLI=0.953), e o coeficiente de regressão do fator geral de envolvimento paterno no fator de desejabilidade social foi significativo (0,350; p<0.001). Nos índices de modificação deste modelo, não houve sugestão de relações diretas entre itens do IFI-BR-27 e o fator de de-sejabilidade social. No entanto, foram sugeridas regressões de alguns itens do IFI-BR-27 (itens 6, 15, 19, 21, 22 e 23) em um dos itens da Escala de Desejabilidade Social (item 1). Diante destas sugestões de relações diretas (ainda que por um dos itens, e não pelo fator de desejabilidade social), os modelos com viés inicialmente testados mantinham a relação entre estes itens do IFI-BR-27 e o fator dedesejabilidade social.
Os dados também se ajustaram bem aos modelos com viés (χ2=1746.801; p <0,001; gl =1503; RMSEA (IC 90%)=0.026 (0.020 – 0.031); CFI = 0.953; TLI=0.950). Sobre as relações diretas entre itens do IFI-BR-27 e o fator de desejabilidade social (efeitos diretos), as análises dos modelos com viés indicaram três itens do IFI-BR-27 que poderiam sofrer influência significativa da desejabilidade social: itens 7 ( “Dar à mãe de seu filho encorajamento e apoio emocional (por ex., escutar e ajudar nas dificuldades que ela sente em relação ao filho)” ), 12 ( “Administrar o dinheiro para conseguir arcar com as despesas do seu filho” ) e 19 ( “Planejar-se para o futuro de seu filho (por ex., fazer uma poupança, informar-se sobre opções de estudo, etc.) ”). Assim, avaliou-se um modelo com viés no qual os coeficientes de regressão destes itens no fator de desejabilidade social (efeitos diretos) foram estimados livremente (resultados apresentados na Tabela 1 ).
Tabela 1 Coeficientes de Regressão Padronizados e Índices de Ajuste dos Modelos com e sem Viés da Desejabilidade Social
Itens IFI-BR | Modelo com viés | Modelo com viés – final | Modelo sem viés | Modelo original | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
(efeitos diretos e indiretos – regredindo itens: 7, 12, 19) | (efeitos diretos e indiretos – regredindo itens: 7, 12) | (efeitos indiretos)ª | (AFC IFI-BR-27) | |||||||||
EP | DS | EP | DS | EP | EP | |||||||
Carga padr. | p | Carga padr. | p | Carga padr. | p | Carga padr. | p | Carga padr. | p | Carga padr. | p | |
1 | 0,778 | ** | - | 0,778 | ** | - | 0,778 | ** | 0,778 | ** | ||
2 | 0,742 | ** | - | 0,742 | ** | - | 0,741 | ** | 0,742 | ** | ||
3 | 0,706 | ** | - | 0,706 | ** | - | 0,706 | ** | 0,706 | ** | ||
4 | 0,801 | ** | - | 0,801 | ** | - | 0,801 | ** | 0,801 | ** | ||
5 | 0,768 | ** | - | 0,768 | ** | - | 0,768 | ** | 0,765 | ** | ||
6 | 0,834 | ** | - | 0,834 | ** | - | 0,834 | ** | 0,837 | ** | ||
7 | 0,696 | ** | 0,176 | *(0,012) | 0,696 | ** | 0,174 | *(0,014) | 0,771 | ** | 0,764 | ** |
8 | 0,776 | ** | - | 0,776 | ** | - | 0,758 | ** | 0,761 | ** | ||
9 | 0,782 | ** | - | 0,782 | ** | - | 0,762 | ** | 0,767 | ** | ||
10 | 0,737 | ** | - | 0,735 | ** | - | 0,715 | ** | 0,719 | ** | ||
11 | 0,684 | ** | - | 0,682 | ** | - | 0,665 | ** | 0,673 | ** | ||
12 | 0,536 | ** | 0,242 | *(0,002) | 0,543 | ** | 0,226 | *(0.004) | 0,639 | ** | 0,625 | ** |
13 | 0,711 | ** | - | 0,711 | ** | - | 0,711 | ** | 0,71 | ** | ||
14 | 0,834 | ** | - | 0,834 | ** | - | 0,834 | ** | 0,836 | ** | ||
15 | 0,765 | ** | - | 0,765 | ** | - | 0,765 | ** | 0,764 | ** | ||
16 | 0,856 | ** | - | 0,856 | ** | - | 0,856 | ** | 0,854 | ** | ||
17 | 0,859 | ** | - | 0,858 | ** | - | 0,858 | ** | 0,861 | ** | ||
18 | 0,899 | ** | - | 0,899 | ** | - | 0,899 | ** | 0,898 | ** | ||
19 | 0,684 | ** | 0,113 | 0,068 | 0,730 | ** | - | 0,73 | ** | 0,724 | ** | |
20 | 0,779 | ** | - | 0,772 | ** | - | 0,772 | ** | 0,775 | ** | ||
21 | 0,817 | ** | - | 0,810 | ** | - | 0,810 | ** | 0,814 | ** | ||
22 | 0,596 | ** | - | 0,596 | ** | - | 0,596 | ** | 0,596 | ** | ||
23 | 0,690 | ** | - | 0,690 | ** | - | 0,690 | ** | 0,689 | ** | ||
24 | 0,841 | ** | - | 0,841 | ** | - | 0,841 | ** | 0,842 | ** | ||
25 | 0,515 | ** | - | 0,515 | ** | - | 0,515 | ** | 0,509 | ** | ||
26 | 0,533 | ** | - | 0,533 | ** | - | 0,533 | ** | 0,539 | ** | ||
27 | 0,703 | ** | - | 0,703 | ** | - | 0,703 | ** | 0,703 | ** | ||
Variável externa | ||||||||||||
DS (fator) | 0,321 | ** | 0,329 | ** | 0,35 | ** | ||||||
Índices de ajuste | ||||||||||||
CFI | 0,958 | 0,958 | 0,955 | Não-aninhadob | ||||||||
TLI | 0,956 | 0,956 | 0,953 | |||||||||
RMSEA | 0,025 | 0,025 | 0,025 |
Nota. EP=Envolvimento paterno; DS=Desejabilidade social; ** p <0,001; n.s.=Não significativo.aPara este modelo (sem viés) os efeitos diretos entre a desejabilidade social (variável externa) e os itens do IFI-BR foram fixados em 0.b Os índices de ajuste para este modelo não foram apresentados aqui, já que, por não considerar a variável desejabilidade social, ele não é aninhado aos demais.
Como pode ser observado na tabela, neste modelo o coeficiente de regressão para o item 19 não foi significativo. Assim, um novo modelo com viés foi avaliado, no qual estimou-se livremente apenas os coeficientes de regressões dos itens 7 e 12 – resultados apresentados na Tabela 1 . Os índices de ajuste deste modelo são adequados (χ2=1748,675; p <0,001; gl=1527; RMSEA (IC 90%) = 0,025 (0,018 – 0,030); CFI=0,958; TLI=0,956), e melhores do que os observados para o modelo sem viés. Assim, este modelo será chamado, a partir de agora, de modelo final.
Com base nestes resultados, entende-se que, de forma geral, os escores obtidos por meio do IFI-BR-27 sofrem pouca influência da desejabilidade social. Comparando os índices de ajuste do modelo sem viés e dos modelos com viés avaliados inicialmente, os primeiros são mais adequados – ainda que os índices de ajuste do modelo final sejam os mais adequados, quando considerando todos os avaliados. Além disso, dos 27 itens do IFI-BR-27, apenas dois deles (7 – “Dar à mãe de seu filho encorajamento e apoio emocional (por ex., escutar e ajudar nas dificuldades que ela sente em relação ao filho)” e 12 – “Administrar o dinheiro para conseguir arcar com as despesas do seu filho” ) parecem sofrer influência significativa da desejabilidade social. Ainda que as cargas fatoriais estejam abaixo do critério mínimo para sua interpretação no modelo ( Hair et al., 2009 ), nota-se que o valor da carga padronizada para o item 12 é superior a 0,20 (0,226). Uma vez que ambas as cargas fatoriais são positivas, entende-se que, em ambos os casos, estes itens são mais facilmente endossados por participantes suscetíveis à desejabilidade social.
Modelo Bifactor
Na Tabela 2 , são apresentados os resultados do modelo bifactor (cargas fatoriais padronizadas e índices de ajuste). Considerando as cargas fatoriais do IFI-BR-27, quando carregando no fator geral (que inclui a desejabilidade social), nota-se que a maior parte é significativa ( p <0,05). No entanto, a magnitude destas cargas variou entre 0.086 e 0.395, sendo que apenas três itens atingiram o critério mínimo para interpretação (entre 0,30 e 0,40) ( Hair et al., 2009 ). Em ordem de grandeza das cargas, estes itens foram: item 12 – “Administrar o dinheiro para conseguir arcar com as despesas do seu filho” (0,395), item 7 – “Dar à mãe de seu filho encorajamento e apoio emocional (por ex., escutar e ajudar nas dificuldades que ela sente em relação ao filho)” (0,322) e item 19 – “ Planejar-se para o futuro de seu filho (por ex., fazer uma poupança, informar-se sobre opções de estudo, etc.)” (0,317). Ainda assim, nenhuma carga atingiu o ideal para uma estrutura fatorial bem definida (>0,70). Diferentemente, as cargas fatoriais dos itens do IFI-BR-27, quando considerando os fatores específicos do instrumento, foram em sua maioria superiores à 0,70, variando de 0,476 a 0,868 – todas significativas ( p <0,001).
Tabela 2 Cargas Fatorais e Índices de Ajuste do Modelo Bifactor
Itens IFI-BR-27 | Fator Geral | Fatores IFI-BR-27 | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Carga padr. | p | Fator | Carga padr. | p | ||
1 | 0,249 | 0,003 | 0,734 | <0,001 | ||
2 | 0,208 | 0,004 | F1 | 0,716 | <0,001 | |
3 | 0,212 | 0,004 | 0,674 | <0,001 | ||
4 | 0,220 | 0,003 | 0,772 | <0,001 | ||
5 | 0,256 | 0,000 | F2 | 0,720 | <0,001 | |
6 | 0,211 | 0,005 | 0,812 | <0,001 | ||
7 | 0,322 | <0,001 | 0,689 | <0,001 | ||
8 | 0,224 | 0,004 | F3 | 0,734 | <0,001 | |
9 | 0,237 | 0,001 | 0,732 | <0,001 | ||
10 | 0,208 | 0,007 | 0,702 | <0,001 | ||
11 | 0,129 | 0,116 | F4 | 0,688 | <0,001 | |
12 | 0,395 | <0,001 | 0,509 | <0,001 | ||
13 | 0,188 | 0,012 | 0,683 | <0,001 | ||
14 | 0,200 | 0,007 | F5 | 0,812 | <0,001 | |
15 | 0,193 | 0,006 | 0,740 | <0,001 | ||
16 | 0,206 | 0,007 | 0,827 | <0,001 | ||
17 | 0,164 | 0,045 | F6 | 0,851 | <0,001 | |
18 | 0,221 | 0,021 | 0,868 | <0,001 | ||
19 | 0,317 | <0,001 | 0,651 | <0,001 | ||
20 | 0,218 | 0,003 | F7 | 0,750 | <0,001 | |
21 | 0,237 | 0,003 | 0,782 | <0,001 | ||
22 | 0,176 | 0,016 | 0,569 | <0,001 | ||
23 | 0,198 | 0,006 | F8 | 0,662 | <0,001 | |
24 | 0,251 | <0,001 | 0,802 | <0,001 | ||
25 | 0,163 | 0,026 | 0,476 | <0,001 | ||
26 | 0,086 | 0,254 | F9 | 0,536 | <0,001 | |
27 | 0,137 | 0,085 | 0,693 | <0,001 | ||
Índices de ajuste | ||||||
CFI | 0,953 | |||||
TLI | 0,950 | |||||
RMSEA (IC 90%) | 0,026 (0,020 – 0,031) |
Nota. Fator Geral=fator que considera todos os itens do IFI-BR-27 e os itens de desejabilidade social. Fatores IFI-BR-27=fatores específicos apenas com os itens do IFI-BR-27. F1=Disciplina e ensino de responsabilidade; F2=Encorajamento escolar; F3=Suporte à mãe; F4=Sustento; F5=Tempo juntos e conversas; F6=Elogios e afeto; F7=Desenvolvimento de talentos e interesses futuros; F8=Leitura e ajuda com tarefas escolares; F9=Acompanhamento.
Assim, nota-se que todos os itens do IFI-BR-27 apresentam cargas fatoriais de magnitude mais elevadas nos fatores específicos do instrumento, em comparação com o fator geral (que inclui a desejabilidade social). Além disso, dos 27 itens, apenas três deles apresentaram carga fatorial minimamente interpretável no fator geral, sendo todos as restantes inferiores a 0,30 – indicando, de forma geral, pouca influência da desejabilidade social. Estes três itens são os mesmos que apresentaram indícios de influência da desejabilidade social no modelo MIMIC, sendo que em ambos os casos o item 19 é aquele que parece ser menos influenciado. De forma geral, portanto, pode-se concluir que os resultados do modelo bifactor corroboram os resultados da avaliação do modelo MIMIC.
Discussão
Além da sensibilidade do tema avaliado, especificidades do processo de avaliação realizado com base em instrumentos de autorrelato indicam a necessidade de que os escores produzidos sejam avaliados, para verificar a influência de vieses de respostas ( Arthur et al., 2020 ). Diante disso, no presente estudo, buscou-se verificar a influência da desejabilidade social sobre os escores da qualidade do envolvimento paterno, obtidos pelo IFI-BR-27. Os resultados das duas análises feitas corroboraram em evidenciar que poucos itens do IFI-BR-27 são influenciáveis por este viés de resposta. Em ambas as análises, apenas três dos 27 itens do instrumento mostraram-se suscetíveis à influência da desejabilidade social, sendo apenas dois deles mantidos no modelo final do MIMIC.
Dentre os três itens, o item 12 (“Administrar o dinheiro para conseguir arcar com as despesas do seu filho”), que faz parte do fator “Sustento”, foi o que pareceu sofrer maior influência da desejabilidade social, nos dois modelos avaliados (MIMIC e bifactor). Oliveira e Silva (2011) mostraram em sua revisão da literatura que a tarefa de prover financeiramente para a família foi identificada pelos pais como um dever imposto pela sociedade, ao longo dos anos. Além disso, Lamb (2010) comenta que a função paterna de provedor financeiro foi um dos primeiros ideais ligados ao papel do pai e, assim como outros, permaneceu associado ao papel paterno, ao longo do tempo – ainda que somado a novas expectativas ( Griswold, 1993 ; Oliveira & Silva, 2011 ). Possivelmente, o fato de ser entendido como um dever social e de ser um ideal antigo associado ao papel do pai podem fazer desta dimensão mais sensível à desejabilidade social. Soma-se a isso o fato de os respondentes deste estudo viverem em um país subdesenvolvido, no qual questões econômicas podem ter uma relevância maior
O segundo item que se manteve no modelo MIMIC final e que carregou no fator geral do modelo bifactor foi o item 7 (“Dar à mãe de seu filho encorajamento e apoio emocional (por ex., escutar e ajudar nas dificuldades que ela sente em relação ao filho)”), que compõe o fator “Suporte à mãe”. Este item reflete uma atividade necessária e diretamente relacionada à outra pessoa – a mãe da criança. A qualidade da relação do pai com a mãe da criança – como a relação coparental ou conjugal – parece ser capaz de alterar a avaliação do envolvimento paterno. Charles et al. (2018) , Coley e Morris (2002) e Mikelson (2008) , por exemplo, afirmam que, dentre outras variáveis, a qualidade do relacionamento conjugal influenciou nas discrepâncias observadas no relato de pais e mães sobre o envolvimento paterno. Os resultados do presente estudo, no entanto, apontam para outro fator que também poderia influenciar nas respostas paternas – a desejabilidade social. No contexto da satisfação conjugal, o termo “convencionalização conjugal” (ou marital conventionalization, em inglês) foi criado para se referir à tendência de uma pessoa distorcer a avaliação que faz sobre o seu relacionamento conjugal, no sentido daquilo que é esperado socialmente ( Edmonds, 1967 ). Assim, seria importante que estudos análogos buscassem entender como acontece e por que aspectos da relação pai-mãe (como o apoio mútuo na criação do filho) são mais suscetíveis à influência da desejabilidade social.
Finalmente, dentre os itens passíveis de viés, o item 19 (“Planejar-se para o futuro de seu filho (por ex., fazer uma poupança, informar-se sobre opções de estudo, etc.)”) pareceu ser o menos sensível – não permaneceu no modelo final da análise MIMIC, mas teve carga fatorial superior a 0,30 no fator que incluía a desejabilidade social, no modelo bifactor. Na versão inicial do IFI-BR (26 itens), Santis et al. (2017) relataram problemas com a precisão do fator ao qual este item faz parte – “Desenvolvimento de talentos e interesses futuros”. Problemas de dados omissos (do item) e precisão (do fator) também foram verificados por Santis et al. (2023) , que fizeram uma pequena modificação na redação do item – chegando na versão final, utilizada no presente estudo. No entanto, a revisão feita não levou em consideração o conteúdo valorativo do item.
Assim, sugere-se que pesquisadores do envolvimento paterno que busquem avaliar as dimensões “Sustento”, “Suporte à mãe” e “Desenvolvimento de talentos e interesses futuros” (ou dimensões relacionadas), considerem os resultados deste trabalho. Além de avaliar o conteúdo valorativo dos itens utilizados para essa men-suração, também é importante que estudos sejam desenvolvidos para melhor compreender como estes fatores do envolvimento paterno são entendidos, e quais varáveis poderiam estar relacionadas à qualidade das respostas dadas pelos pais aos itens que os avaliam. Especificamente para o IFI-BR-27, sugere-se que estudos futuros avaliem empiricamente a influência da manutenção dos itens 12, 7 e 19 nos escores do instrumento. Outra possibilidade também seria avaliar o desenvolvimento e testagem de versões alternativas para estes itens. Nestas versões, deve-se avaliar e controlar o conteúdo valorativo destes itens, para que eles não sejam (ou, sejam ainda menos) suscetíveis à influência da desejabilidade social.
Apesar destes resultados indicarem evidências iniciais da adequação da interpretação dos itens do IFI-BR-27, em relação à influência do viés da desejabilidade social, os procedimentos empregados para essa avaliação contam com algumas limitações. Ainda que duas análises distintas tenham sido realizadas, ambas se basearam na avaliação da desejabilidade social por meio de uma escala de autorrelato – a Escala Marlowe-Crowne de Desejabilidade Social. Métodos de controle e avaliação de vieses de respostas por meio do uso de escalas de avaliação da desejabilidade social são amplamente utilizados ( Lanz et al., 2021 ; Vesely & Kockner, 2020 ). No entanto, apesar de apresentar evidências de validade em situações na qual há uma demanda para que o participante responda de forma desejável ( Burns & Christiansen, 2006 ; Viswesvaran & Ones, 1999 ), este método também conta com algumas limitações.
Alguns autores argumentam que as escalas de avaliação da desejabilidade social podem não capturar respostas socialmente desejáveis em alguns contextos específicos ( Griffith & Peterson, 2008 ) – como na área de seleção de pessoal ( Burns & Christiansen, 2006 ), por exemplo. Outros questionam sua validade, havendo um debate sobre o que, de fato, estas escalas medem ( Lanz et al., 2021 ). Por exemplo, há dúvidas se estas escalas mediriam um estilo ou traços de respostas ( Lanz et al., 2021 ); ou, ainda, se de fato elas se relacionariam ao comportamento real de falsificação (em inglês, faking ) do respondente – ligado às respostas socialmente desejáveis ( Griffith & Peterson, 2008 ). Ademais, Paulhus (2011) questiona se este tipo de avaliação considera o fato de algumas pessoas naturalmente terem mais atributos socialmente desejáveis (e que, portanto, sem “fingir” pontuariam mais alto nestas escalas).
Apesar da consistência destes argumentos, é importante considerar que muitos foram feitos no âmbito de estudo da personalidade ( Griffith & Peterson, 2008 ; Larson, 2019 ). Estas críticas derivam da possibilidade de que os escores produzidos por escalas de avaliação da desejabilidade estariam ligadas a traços virtuosos específicos, como amabilidade, conscienciosidade e hones-tidade-humildade ( de Vries et al., 2014 ; Zettler et al., 2015 ). Desta foram, escores elevados em desejabilida-de social na realidade refletiriam estas virtudes – e não respostas socialmente desejáveis, como comumente são interpretados. Com isso, conclusões mais radicais feitas com base nesta interpretação usual (como exclusões de itens ou de participantes) seriam desincentivadas ( Zettler et al., 2015 ).
Apesar de o presente estudo ter se baseado na interpretação recorrente para as escalas de desejabilida-de social (escores elevados indicariam uma tendência a respostas socialmente desejáveis), as recomendações de Zettler et al. (2015) , para interpretação dos resultados foram seguidas. Assim, os resultados foram interpretados de forma parcimoniosa, indicando a possível suscetibilidade dos itens 7, 12 e 19 ao viés da desejabilidade social, mas não sugerindo a exclusão de itens. Ainda, destaca-se a relevância das avaliações feitas, uma vez que são poucos os estudos na área de avaliação psicológica que investigam empiricamente vieses de respostas na avaliação do envolvimento paterno/parental ( Morsbach & Prinz, 2006 ). Isso é ainda mais raro quando os dados não são de origem europeia ou americana e contam com a avaliação do homem ( Bornstein et al., 2015 ) – como é o caso do presente estudo.
Além de incluir a avaliação de homens brasileiros, o presente estudo supera outra limitação. Estudos que se enquadram no campo de desenvolvimento e adaptação de instrumentos para a mensuração do envolvimento parental/paterno comumente avaliam o viés da desejabilidade social por meio de instrumentos psico-métricos. Normalmente, a influência deste viés é verificada por meio da correlação entre escores no cons-truto de interesse (envolvimento paterno/parental) e na escala de desejabilidade social – como em Abidin e Brunner (1995) , Gooden e Struble (1990) , Kitamura e Suzuki (1993) , Lovejoy et al. (1997) , Peters e Fox (1993) , Pumroy (1966) , Reitman et al. (2001) (não foram encontrados estudos mais recentes que fizeram esta avaliação, na mensuração do envolvimento paterno/parental). Este procedimento, no entanto, é mais limitado em relação às análises que envolvem modelagem por equações estruturais ( Mâsse & Watts, 2013 ), empregadas no presente estudo. Diferente das correlações, os modelos de equações estruturas consideram na análise o erro das medidas – e oferecem, portanto, resultados mais confiáveis ( Mâsse & Watts, 2013 ).
Conclui-se, portanto, que, apesar das limitações associadas à autoavaliação do envolvimento paterno, poucos esforços na área da avaliação deste construto foram direcionados no sentido de sistematicamente melhorar sua mensuração ( Morsbach & Prinz, 2006 ). Considerando suas limitações, o presente estudo apresenta um esforço empírico nesse sentido, demonstrando que poucos itens do IFI-BR-27 podem sofrer alguma influência da desejabilidade social. Apesar de contar com a mesma forma de avaliação deste viés que a maioria dos estudos da área, o presente trabalho difere na forma de análise dos dados. Além disso, por meio do modelo MIMIC, é possível aferir a influência direta da desejabilidade social sobre os itens do IFI-BR-27, desconsiderando qualquer relação que esta possa ter com o escore latente de envolvimento paterno ( Ferreira et al., 2016 ). Assim, além de somar à literatura científica, os resultados encontrados apresentam evidências psicométricas importantes para a avaliação do envolvimento paterno no Brasil (por meio do IFI-BR-27). Espera-se que a precisa avaliação deste construto contribua para o desenvolvimento de pesquisas e intervenções que tenham como objetivo final a promoção de relações familiares saudáveis.