O Brasil, como muitos outros países, enfrenta desafios significativos no âmbito educacional, com destaque para a taxa de abandono escolar. A esse respeito, dados de 2022 apontam que aproximadamente 5,6% da população com 15 anos ou mais – o que equivale a 9,6 milhões de indivíduos – abandonou a escola antes de se alfabetizar. Ainda, 51,1% das pessoas com 25 anos ou mais – cerca de 52 milhões de pessoas – não completaram o ensino médio, seja devido ao abandono escolar ou à falta de frequência ( IBGE, 2022 ).
Dados da Galeria de Estudos e Avaliação de Iniciativas Públicas (2017) indicam que a evasão e o abandono escolar geram custos de mais de R$130 bilhões ao ano para o país, sendo aproximadamente R$ 35 bilhões relacionados à perda de renda, R$ 49 bilhões à diminuição da atividade econômica; R$ 18 bilhões à violência e criminalidade e R$ 28 bilhões à área de saúde. Essas informações demonstram que o abandono escolar e desengajamento da escola têm implicações sociais, políticas e econômicas. Uma das mais importantes é a diminuição da qualidade da mão de obra e da produtividade que, por sua vez, acarreta o aumento da desigualdade de renda. Adicionalmente, a ausência de educação formal frequentemente perpetua o ciclo de pobreza em comunidades marginalizadas, resultando em desfechos como o desemprego e trabalhos precários. Nesse contexto, é evidente que a evasão escolar transcende o âmbito educacional, representando um desafio multifacetado com implicações sérias tanto na economia quanto no âmbito social para o Brasil ( Rosa et al., 2023 ).
Tendo em vista suas importantes consequências, se torna relevante identificar as variáveis internas (ex. Funcionamento e turno das escolas) e externas (ex. Situação laboral) que determinam a evasão escolar ( Lopes, 2017 ). Segundo Branco et al. (2019) , estes são fenômenos complexos que devem ser compreendidos sob várias perspectivas. No que tange à escola, a defasagem de conteúdos, desorganização escolar, falta de identificação do aluno com a escola, falta de estrutura escolar, baixa qualidade de ensino e a escassez de professores são fatores que contribuem para a evasão e não adesão. Adicionalmente, relacionamentos conflitivos com os estudantes e a presença da violência escolar também levam ao abandono dos estudos. Sobre a violência escolar, é importante destacar que pode dizer respeito ao bullying, à criminalidade, aos acertos de contas entre grupos de bairro, assaltos, entre outras formas de agressividade que se fazem presentes na escola. Todos esses aspectos exigem intervenção das instituições de ensino e da comunidade escolar, como um todo, bem como a implementação de políticas públicas eficazes ( Branco et al., 2019 ; Monteiro et al., 2021 ).
Além dos fatores escolares, o background familiar contribui para a explicação do abandono escolar. Este pode ser compreendido como a educação e renda dos pais, aspectos ligados à formação do aluno em sua totalidade. Segundo Machado e Gonzaga (2007) , o alto rendimento econômico e altos níveis de escolaridade dos pais estão associados a melhores condições para que a criança se mantenha na escola por um período maior, tendo em vista que os pais terão mais recursos para incentivar seu envolvimento no ambiente escolar. Os resultados obtidos por Salata (2019) , em seu estudo com alunos do ensino médio, oferecem suporte a esse dado. Nele, o pesquisador identificou que um dos principais motivos para a evasão é a desmotivação dos pais com a escola ou o não envolvimento com seus filhos. Complementarmente, sua satisfação com a escola pode influenciar nos níveis de evasão escolar dos filhos ( Paccaud, 2021 ).
Ainda, Martins e Teixeira (2021) observaram que alunos provenientes de lares biparentais, apresentaram melhor desempenho escolar, do que aqueles em lares monoparentais, que tendem a ter renda familiar mais baixa, levando à necessidade de o estudante trabalhar para ajudar em casa. Corroborando esses achados, Lima et al. (2021) relatam em seu estudo que as taxas de evasão são sempre menores para alunos do quinto ano de famílias biparentais. Já para o nono ano essa taxa é mais elevada em arranjos biparentais.
Pode-se observar, portanto, que a configuração familiar tem um importante papel na formação educacional dos jovens. Além de envolver aspectos que podem ser determinantes na decisão de evadir, tem relação direta com variáveis do próprio indivíduo. Por exemplo, o estudo de Martins e Teixeira (2021) evidencia que o desempenho do aluno em disciplinas de matemática e língua portuguesa pode ser impactado pelo contexto familiar. Os dados obtidos demonstram que alunos cujos responsáveis não são os pais tendem a apresentar pior desempenho em avaliações de matemática. Os autores sugerem que esse achado pode ser explicado pela dificuldade das avaliações, mas também pela ausência de preparo por meio da realização de atividades como a lição de casa, que, segundo Macedo (2004) , é um fator crucial para o bom desempenho em matemática. Esses achados evidenciam, portanto, que o envolvimento dos pais na educação e na realização das tarefas escolares é um fator protetivo para a evasão ( Koepp et al., 2023 ).
Ainda, no que diz respeito às variáveis dos estudantes, é importante notar que à medida em que progridem do ensino fundamental para o ensino médio, são confrontados com decisões sobre continuar estudando, entrar no mercado de trabalho (por necessidade de se manter financeiramente ou pela exigência de contribuir financeiramente para a renda familiar) ou combinar ambas as atividades. Esse processo ocorre em um contexto de transformações científicas e tecnológicas, que proporcionam o surgimento de novas carreiras no mercado de trabalho e intensificam o desafio de escolher uma carreira ( Suzuki & Polli, 2021 ). Diversos fatores influenciam essa tomada de decisão, incluindo interesses pessoais, auto-conceito e a percepção sobre as próprias habilidades para desempenhar uma profissão. Nesse sentido, o desempenho escolar também assume um papel fundamental, pois resultados positivos em uma disciplina podem contribuir para a avaliação da própria capacidade para realizar determinadas atividades ou tarefas, o que pode ter impacto no processo de escolher ( Pereira & Carvalho, 2021 ). A esse respeito, cabe destacar que uma das variáveis com potencial interferência no desempenho dos estudantes é a violência escolar, que pode comprometer os resultados em avaliações formais ( Becker & Oliveira, 2023 ).
Tendo em visa os prejuízos individuais e coletivos do complexo fenômeno da evasão escolar, o objetivo do presente estudo foi identificar variáveis preditoras nos domínios escolar, familiar e individual, considerando uma amostra de estudantes do ensino fundamental e médio. Mais especificamente, buscou-se verificar se os preditores da evasão escolar são os mesmos para estudantes do quinto e nono ano do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio.
Método
Participantes
O estudo contou com um total de 104.010 estudantes do quinto e nono ano do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio. Todos os participantes eram de uma rede estadual da região Sudeste do Brasil e de escolas públicas (estaduais e municipais).
Instrumentos
A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação de um instrumento constituído de questões sociodemográficas para caracterizar a amostra. Além disso, também foram utilizados instrumentos psicométricos.
Questionário Socioeconómico e Demográfico: Este questionário tinha como objetivo coletar informações básicas sobre os participantes, incluindo idade, gênero, nível de escolaridade, ocupação, entre outros dados sociodemográficos. Foi empregado para coletar variáveis individuais, familiares e escolares.
18REST ( Ambiel et al., 2018 ; Martins et al., 2023 ): o instrumento avalia os interesses profissionais no modelo RIASEC por meio de 18 itens (exemplo de item: Fazer análises e experimentos em laboratórios), sendo três para cada dimensão. As respostas são registradas em uma escala do tipo Likert que varia de “1 – não gosto/desgosto muito” a “5 – gosto/gosto muito”. Neste estudo o Ômega variou de 0,62 (Social) a 0,72 (Realista). Foi empregado para coletar variáveis individuais.
Questionário sobre Violência Escolar e Doméstica: no total 18 itens foram utilizados para avaliar violência escolar e doméstica. A partir da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar 2019 ( IBGE, 2019 ), seis itens dicotômicos (i.e., sim e não) foram adaptados para avaliar bullying vítima (exemplo de item: Nos últimos 30 dias, seus colegas lhe esculacharam, zombaram, zoaram, caçoaram, mangaram, intimidaram ou humilharam por causa da sua cor ou raça?; ω =0,72) e um item dicotômico foi utilizado para avaliar bullying intimidador (exemplo de item: Nos últimos 30 dias, você esculachou, zombou, mangou, intimidou ou caçoou algum de seus colegas da escola tanto que ele(a) ficou magoado(a), aborrecido(a), ofendido(a) ou humilhado(a)?). Para avaliar indisciplina, foram utilizados três itens dicotômicos (exemplo de item: Desde o início deste ano, você já foi colocado(a) para fora da sala de aula por algum professor, por estar atrapalhando a aula? ω = 0,49). A soma dos escores de Bullying vítima, Bullying intimidador e Indisciplina gera o escore de Violência Escolar (ω = 0,75). Para avaliar se os estudantes sofrem ou presenciam violência física ou psicológica foram utilizados oito itens, sendo quatro referentes ao ambiente escolar (exemplo de item: Na escola, com que frequência você presencia um amigo ou conhecido sofrer violência psicológica [gritos, xingamentos, ameaças ou outras ofensas verbais, bullying etc.]?; ω =0,74”) e quatro referentes ao ambiente doméstico (exemplo de item: Na sua casa, com que frequência você sofre violência física [tapas, socos, pontapés etc.]?; Ôω=0,84), os quais são respondidos em uma escala do tipo Likert de quatro pontos que varia de “1 – Muito pouco” a “4 – Muito”. Foi empregado para coletar variáveis familiares e escolares.
Procedimentos de Coleta de Dados
A seleção da amostra foi realizada diretamente pela Secretaria de Ensino Estadual, a qual selecionou cerca de 10% a 20% da amostra de estudantes que responderam à prova de proficiência padronizada que aplicaram em toda a rede estadual. Os convites para a participação das escolas foram estendidos pela Secretaria de Ensino Estadual, que também garantiu autorização ética para o estudo na rede pública de ensino, envolvendo escolas estaduais e municipais.
A coleta de dados, coordenada pelo Instituto Ayrton Senna [IAS] ocorreu no quarto trimestre de 2019, por meio de aplicações em lápis e papel em sala de aula. Seguindo o delineamento Blocos Incompletos Balanceados (BIB), foram elaborados sete cadernos para a pesquisa completa, com cada aluno respondendo apenas um caderno. Os procedimentos adotados no estudo seguiram os preceitos da Declaração de Helsinque, da Associação Médica Mundial ( WMA, 2013 ), bem como as exigências do Conselho Nacional de Saúde (CNS), descritas na Resolução 510, de 2016.
Procedimentos de Análise de dados
Neste estudo, trabalhou-se exclusivamente com os dados secundários disponibilizados pelo IAS no contexto do Edital 003 de Psicologia Educacional 2 . Inicialmente foram conduzidas análises descritivas das variáveis investigadas, por meio de frequência absoluta e relativa, medidas de tendência central e dispersão. Posteriormente foram criadas variáveis-índice para agrupar medidas de uma mesma dimensão, para isto utilizando-se de uma análise de componentes principais, forçando a retenção de um componente. Desta forma criou-se um escore componencial ponderado para o conjunto de variáveis participação dos pais (sete itens, a saber: 1. Converso com meu filho sobre a escola; 2. Acompanho as lições de casa do meu filho; 3. Converso com os professores do meu filho; 4. Participo das reuniões de pais; 5. Participo das reuniões do Conselho da Escola; 6. Participo de passeios, festas, campeonatos esportivos ou apresentações culturais promovidas pela escola; 7. Participo de outras formas e, acesso à informação (composto pelas variáveis jornal de notícias, revista de informação geral, dicionário, livros, gibis e histórias em quadrinhos, revistas educativas ou de divulgação científica, acesso à internet, serviço de TV por assinatura). As cargas componenciais dos itens estão disponíveis no material suplementar. Ainda, a amostra foi dividida em função dos anos escolares, por representarem diferentes fases escolares e do desenvolvimento dos jovens. Foram criados três grupos correspondentes ao 5º ano do ensino fundamental, 9º ano do ensino fundamental, e 3º ano do ensino médio.
Posteriormente, seguiu-se a dicotomização da variável desfecho, para melhor tratamento estatístico. A variável desfecho representa a proporção de evasão/abandono na escola do participante, tendo uma distribuição notadamente assimétrica, com muitos zeros, do tipo Poisson. Contudo, os modelos de regressão Poisson apenas admitem números inteiros, enquanto os modelos de proporção não admitem valores exatamente zero ou um. Desta forma o desfecho foi dicotomizado tendo como referência os valores médios nacionais de evasão/abandono, sendo as escolas com taxas iguais ou superiores à média receberam o valor “1” e as escolas com escores inferiores à média receberam o escore “0”, modificando o desfecho para pertencer/não pertencer ao perfil de escolas mais vulneráveis à evasão/abandono. Posteriormente, para cada amostra e amostra total, foi utilizado o método best subsets regression para a seleção das variáveis preditoras do desfecho. Este método consiste em selecionar modelos concorrentes, por método combinatório, em um arranjo de variáveis que expliquem a maior parte da variância do desfecho. As variáveis identificadas como preditoras nos três modelos (cada grupo e total) foram retidas para modelagem posterior. Uma das limitações das regressões lineares é não descreverem a inter-relação entre preditores. Isto é, em modelos de regressões lineares (mínimos quadrados ordinários, logística, etc.) a variância compartilhada entre os preditores é controlada, mas entre os preditores e o desfecho não é, resultando em uma correlação semi-parcial ( Aloe & Becker, 2012 ). Para superar essa limitação, recorremos ao modelo redes mistas, baseadas em relações condicionais ou correlações parciais. Desta forma, ao controlar a variância compartilhada entre preditores e preditores com o desfecho, algumas relações diretas e proximais com o desfecho podem se tornar indiretas e distais, evidenciando novos padrões de relacionamento (e.g. mediação) entre as variáveis preditoras incluídas no modelo ( Epskamp & Fried, 2018 ).
Para tanto, foram conduzidas análises de redes regularizadas mistas por meio do método nodewise ou neighborhood regression, com penalização do tipo least absolute shrinkage and selection operator (elastic LASSO) utilizando o índice extended bayesian inormation criteria (EBIC) como critério de seleção dos modelos com melhor ajuste ( Haslbeck & Waldorp, 2020 ). No modelo de redes mistas são estimados uma série de modelos de regressão (geralmente n =100) com diferentes níveis de penalidade (fixar betas de regressão abaixo do parâmetro em zero) por meio de um hiperparâmetro de penalização lambda (λ). Esses modelos irão produzir redes mais ou menos esparsas, isto é, com maior ou menor número de associações mantidas. Para a seleção do modelo final, é aplicado um hiperparâmetro de ajuste ( tuning ) para o índice EBIC gama (λ)=0,25. Adicionalmente, nós calculamos o nível de preditabilidade das variáveis no modelo, especialmente da variável desfecho (evasão/abandono escolar) utilizando o nível de acurácia das predições ( Haslbeck & Walddorp, 2018 ). As correlações parciais podem ser interpretadas como pesos de regressão, conforme a regra: de 0,1 a 0,3 efeito pequeno, acima de 0,30 a 0,5 efeito moderado e acima de 0,5 como afeito de grande magnitude. As matrizes de correlações parciais regularizadas são posteriormente representadas em um plano bidimensional formado por nodos e arestas, representando, respectivamente, variáveis e as correlações parciais.
Resultados
As estatísticas descritivas das principais variáveis de caracterização e as variáveis selecionadas para o modelo de predição por meio do método best subset regression (resultados não apresentados) nos três grupos formados por alunos do quinto e nono anos do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio são apresentadas na Tabela 1 . Nela estão as frequências absolutas e relativas das variáveis categóricas e as medidas de média, desvio-padrão, mínimo e máximo para as variáveis contínuas. A amostra tem equilíbrio de participantes em função do sexo, estuda predominantemente no turno da manhã, tendo uma proporção maior de casos de abandono/evasão a partir do 9º ano o ensino fundamental. A média de idade dos participantes é compatível com a seriação. As variáveis de acesso à informação (pc_info) e participação dos pais (pc_parpais) são índices criados por meio de indicadores semelhantes no instrumento de pesquisa. Os indicadores de participação dos pais e suas respectivas cargas componenciais foram: conversar com os professores do filho (0,72), acompanhar as lições de casa do filho (0,71), conversar com o filho sobre a escola (0,65), participar de reuniões de pais (0,64), participar de atividades promovidas pela escola (0,57), participar de outras formas (0,44) e participar de reuniões de conselho na escola (0,44). Os indicadores de acesso à informação e suas respectivas cargas componenciais foram: livros (0,64), gibis e quadrinhos (0,62), revistas educativas ou de divulgação científica (0,60), dicionário (0,59), revista de informação geral (0,51) e jornal de notícias (0,37). Ambas as médias foram analisadas por meio de escores componenciais padronizados.
Variáveis/Grupo ano escolar | 5º ano fundamental | 9º ano fundamental | 3º ano médio | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
f | % | f | % | f | % | ||
Sexo | Feminino=12.161 | 49,25 | Feminino=19.942 | 49,8 | Feminino=19.813 | 50,4 | |
Masculino=12.528 | 50,75 | Masculino=20.081 | 50,2 | Masculino=19.485 | 49,6 | ||
Período | Manhã=15.215 | 61,6 | Manhã =28.314 | 70,7 | Manhã =24.644 | 62,7 | |
Tarde=9.474 | 38,4 | Tarde=11.678 | 29,2 | Tarde=658 | 1,7 | ||
Noite=31 | 0,1 | Noite=13.996 | 35,6 | ||||
Evasão/Abandono | Abaixo da média=17.545 | 70,1 | Abaixo da média=18.248 | 45,6 | Abaixo da média=19.653 | 50,01 | |
Média ou acima=7.144 | 28,9 | Média ou acima=21.775 | 54,4 | Média ou acima=19.645 | 49,99 |
Média | DP | Min | Max | Média | DP | Min | Max | Média | DP | Min | Max | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
idade | 10,76346 | 0,61753 | 10 | 12 | 14,74792 | 0,672046 | 13 | 15 | 17,39992 | 0,601905 | 16 | 19 |
satisfação | 3,21794 | 0,622023 | 1 | 4 | 3,024159 | 0,618193 | 1 | 4 | 2,989443 | 0,611628 | 1 | 4 |
lição | 4,256935 | 0,772743 | 1 | 5 | 3,839853 | 0,885395 | 1 | 5 | 3,845833 | 0,916482 | 1 | 5 |
faz lição | 5,46535 | 0,877676 | 1 | 6 | 5,050621 | 1,164755 | 1 | 6 | 5,042915 | 1,169261 | 1 | 6 |
ensino pai | 3,328216 | 1,308627 | 0 | 6 | 3,076243 | 1,47225 | 0 | 6 | 2,988673 | 1,462222 | 0 | 6 |
ensino mãe | 3,432841 | 1,238593 | 0 | 6 | 3,220599 | 1,406354 | 0 | 6 | 3,145241 | 1,404219 | 0 | 6 |
trabalho pai | 0,860209 | 0,346784 | 0 | 1 | 0,861121 | 0,345827 | 0 | 1 | 0,849435 | 0,357632 | 0 | 1 |
trabalho mãe | 0,700403 | 0,458099 | 0 | 1 | 0,712551 | 0,452581 | 0 | 1 | 0,713496 | 0,452136 | 0 | 1 |
renda fam | 2,36853 | 1,149848 | 1 | 8 | 2,494227 | 1,196273 | 1 | 8 | 2,573 | 1,212797 | 1 | 8 |
nivSaeb_lp | 5,186525 | 1,901818 | 1 | 10 | 6,430642 | 1,869627 | 1 | 12 | 7,523141 | 1,928423 | 2 | 13 |
nivSaeb_mat | 5,785846 | 1,993149 | 1 | 10 | 6,94332 | 1,926236 | 2 | 13 | 7,637787 | 1,905344 | 3 | 13 |
realista | 2,497281 | 0,991277 | 1 | 5 | 2,543496 | 0,976357 | 1 | 5 | 2,523429 | 1,060254 | 1 | 5 |
investigativo | 3,008032 | 1,064473 | 1 | 5 | 2,930135 | 0,995671 | 1 | 5 | 2,85089 | 0,972161 | 1 | 5 |
artistico | 2,694315 | 1,06739 | 1 | 5 | 2,491088 | 1,026298 | 1 | 5 | 2,49532 | 1,049016 | 1 | 5 |
social | 3,2344 | 0,929626 | 1 | 5 | 3,282357 | 0,904317 | 1 | 5 | 3,46608 | 0,909918 | 1 | 5 |
empreendedor | 2,718108 | 0,999581 | 1 | 5 | 2,941659 | 0,963805 | 1 | 5 | 3,020642 | 0,985319 | 1 | 5 |
convencional | 2,739529 | 1,040427 | 1 | 5 | 2,809122 | 0,962505 | 1 | 5 | 2,832864 | 0,970305 | 1 | 5 |
bully_vitima | 0,611979 | 1,240191 | 0 | 6 | 0,683336 | 1,172983 | 0 | 6 | 0,482749 | 1,021349 | 0 | 6 |
bully_intimidador | 0,124305 | 0,329954 | 0 | 1 | 0,121643 | 0,326888 | 0 | 1 | 0,081397 | 0,273457 | 0 | 1 |
indiciplina | 0,556389 | 0,758908 | 0 | 3 | 0,554957 | 0,820065 | 0 | 3 | 0,331397 | 0,653357 | 0 | 3 |
viol_geral | 1,246526 | 1,878065 | 0 | 10 | 1,339896 | 1,764157 | 0 | 10 | 0,880702 | 1,497592 | 0 | 10 |
viol_escola | 6,727176 | 2,901765 | 4 | 16 | 7,116463 | 2,778149 | 4 | 16 | 6,442791 | 2,534005 | 4 | 16 |
viol_casa | 5,746659 | 2,767277 | 4 | 16 | 5,694783 | 2,671635 | 4 | 16 | 5,397987 | 2,423441 | 4 | 16 |
pc_info | 0,085599 | 0,977654 | −2,21649 | 2,185345 | −0,01555 | 0,997573 | −2,21649 | 2,185345 | 0,006289 | 0,996282 | −2,21649 | 2,185345 |
pc_parpais | 0,65422 | 0,849302 | −2,32688 | 2,465022 | 0,023378 | 0,920364 -2,32688 | 2,465022 | −0,36993 | 0,974472 -2,32688 | 2,465022 |
Nota. Lição=aluno recebe lição de casa; faz lição=aluno faz lição de casa; ensino pai=grau de escolaridade do pai; ensino mãe=grau de escolaridade da mãe; trabalho pai=status ocupacional do pai; trabalho mãe=status ocupacional da mãe; renda fam=renda familiar; nivSaeb_lp=desempenho em língua portuguesa; nivSaeb_mat=desempenho em matemática; realista=interesse tipo realista; investigativo=interesse tipo investigativo; artístico=interesse tipo artístico; social=interesse tipo social; empreendedor=interesse tipo empreendedor; convencional=interesse tipo convencional; bully_vitima=foi vítima de bullying; bully_intimidador=exerceu bullying; indiciplina=tem atos de indisciplina na escola; viol_geral=composto de violência (bully_vitima, bully_intimidador, indiciplina); viol_escola=violência na escola; viol_casa=violência doméstica; pc_info=acesso da família à fontes de informação; pc_parpais=participação dos pais em atividades escolares
Em seguida as variáveis selecionadas foram submetidas à análise de rede pelo método nodewise regression. A Figura 1 descreve os modelos para cada um dos três anos investigados. Nelas é possível perceber que as variáveis são representadas por nodos ou vértices e as relações entre os nodos são representadas por linhas ou arestas que variam de cor, indicando a direção (verde=positiva, vermelha=negativa, cinza=interação para variáveis categóricas), e na espessura, indicando a força ou magnitude da associação. Na borda de cada nodo ou vértice há um gráfico indicando (em cinza) a porção da sua variância que pode ser explicada pelos nodos adjacentes. As matrizes contendo os valores das dependências condicionais (correlações parciais) entre as variáveis estão disponíveis em material complementar. É possível perceber que as variáveis mais proximais, portanto mais explicativas do desfecho, mantêm-se estáveis entre os grupos. A variável nível de satisfação com a escola possuiu efeito pequeno, de 0,21, 0,18 e 0,10, respectivamente, nos grupos de quinto, nono e terceiro anos. Já a variável período (turno) apresentou efeito pequeno apenas nos grupos de quinto ano (0,17) e nono ano (0,19). A variável nível em matemática (saeb_mat) apresentou poder explicativo de baixa magnitude nos grupos nono e terceiro ano, com pesos de 0,10 e 0,15, respectivamente. Por fim, a variável renda familiar (se23) apresentou efeito pequeno apenas para o grupo do quinto ano (0,10). As matrizes adjacentes aos grafos, contendo os valores de todas as correlações parciais, estão disponíveis no material suplementar. O conjunto de variáveis foi mais eficiente na predição do desfecho para o quinto ano do ensino fundamental, apresentando acurácia de 0,68. Nos demais modelos a capacidade preditiva foi menor, sendo os valores de acurácia de 0,58 e 0,59 para os grupos de nono do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio, respectivamente.
Nota. e_EF=evasão do ensino fundamental; e_tM=evasao ao ensino meaio; empr_r=interesse tipo empreendedor; ens_mae=nível educacional da mãe; info_pais=acesso a diferentes tipos de informação; lic_casa=estudante recebe lição de casa; mat=desempenho em matemática; par_pais=participação dos pais na escola; período=período em aue estuda (manhã, tarde ou noite); ren_fam=renda familiar; sat_esc=satdsfação dos pais com a escola; sex=sexo; viol=violencia (escolar + doméstica); sit_mãe=situação ocupacional da mãe; sit_pai=situação ocupacional pai
Discussão
O presente estudo buscou identificar variáveis escolares, familiares e individuais relacionadas à evasão escolar de estudantes do ensino fundamental e médio. Em relação às variáveis da escola, foi possível observar que o período em que os participantes estudavam (manhã, tarde ou noite) foi um preditor da evasão escolar. Mais especificamente, estudar pela manhã contribuiu para que os estudantes permanecessem na escola. É possível inferir que indivíduos que estudam no turno da manhã tenham menor probabilidade de desempenhar um trabalho a turno integral, o que é um fator protetivo quando se considera o risco de evasão escolar. De acordo com a literatura, estudantes que assumem uma carga horária de trabalho superior a 20 horas semanais concomitante aos estudos, especialmente em famílias com background vulnerável, tendem a ter um baixo rendimento escolar e maior possibilidade de evasão ( Macedo, 2004 ; Monteiro et al., 2021 ).
Além disso, a variável renda familiar também esteve associada à motivação para o abandono escolar. No presente estudo ela teve um efeito pequeno para o quinto ano, diferentemente do que foi observado para o nono do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio. Esse resultado sugere que para as crianças maiores e adolescentes, a necessidade do trabalho devido às dificuldades financeiras da família pode ser recorrente, levando à escolha do estudo noturno para conciliar escola com o trabalho. De acordo com Machado e Gonzaga (2007) , a renda familiar tem efeito negativo na probabilidade de a criança/adolescente apresentar uma defasagem idade-série, o que pode culminar na possibilidade de evasão escolar para as famílias de mais baixa renda.
Complementarmente, segundo Lopes (2017) , a evasão dos estudantes de ensino médio que estudam à noite diz respeito a problemas dentro e fora da escola. Na percepção dos alunos, os problemas externos podem envolver questões como trabalho e gravidez precoce, enquanto os internos estão relacionados à forma como as escolas funcionam, incluindo currículo, métodos de ensino e infraestrutura, além das dificuldades enfrentadas pelos professores em seu trabalho. Já para na perspectiva dos professores, a principal causa é a necessidade de os alunos trabalharem.
Em consonância com a literatura, os achados do presente estudo evidenciaram que a satisfação dos pais com a escola foi um dos principais preditores da evasão escolar para estudantes de quinto e nono ano do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio. Contudo, as variáveis analisadas não permitiram identificar quais os preditores da satisfação. É possível inferir que ela esteja relacionada a fatores como a disponibilidade de escolas de horário integral, que proporcionam tranquilidade aos pais e garantem alimentação para as crianças. Outra possibilidade é que, em situações de violência, os pais desenvolvam uma visão positiva e sintam-se aliviados ao saber que seus filhos estão na escola ( Maurício, 2006 ). Além destes, outros fatores podem influenciar a satisfação dos pais com a escola, incluindo a comunicação eficaz com os professores, a qualidade do ensino e o uso de métodos inovadores, e a percepção de um ambiente escolar positivo e saudável ( Paccaud et al., 2021 ). Ainda no que tange aos pais, o presente estudo permitiu identificar relações positivas entre a satisfação com a escola e sua participação. A esse respeito, a literatura internacional indica a presença de associações positivas com satisfação com a escola quando os pais não trabalham em tempo integral, têm altos níveis de crenças de autoeficácia e quando vivem juntos, o que lhes permite compartilhar responsabilidades e preocupações com a escola. Por outro lado, a baixa satisfação escolar dos pais está correlacionada com um nível educacional mais alto, pertencer a uma minoria e ter um filho com necessidades educacionais especiais ou que sofre bullying na escola. Ainda, a recordação dos pais de sua própria experiência escolar é considerada um preditor de satisfação ou insatisfação com a escola ( Paccaud et al., 2021 ).
Segundo dados do PISA, apenas 50,2% dos estudantes de 15 anos no Brasil afirmam que seus pais se interessam pelas atividades escolares. Quando o nível socioeconômico é considerado, uma discrepância se torna evidente, pois 63% dos estudantes de famílias de maior nível socioeconômico relatam a participação ativa de seus pais, enquanto apenas 46% dos estudantes de famílias de menor nível socioeconômico têm a mesma percepção. Essa diferença no engajamento dos pais na educação de seus filhos está relacionada a fatores como a disponibilidade, que muitas vezes é comprometida por outras responsabilidades profissionais e familiares. Infelizmente, esses fatores acabam afastando os pais do acompanhamento ativo da educação de seus filhos, o que compromete seu desempenho. É possível observar uma diferença significativa de quase dois anos de estudos entre os alunos cujos pais eram mais presentes (414,08 pontos) e aqueles cujos pais eram menos participativos (357,18 pontos) (Observatório da Educação Unibanco, 2022).
Nesse sentido, é importante destacar que a colaboração eficaz entre famílias e escolas é fundamental para o desenvolvimento saudável e o sucesso educacional de crianças e adolescentes. Atualmente existe um amplo consenso de que escola e família devem compartilhar responsabilidades, uma vez que ambos são centrais para a socialização e o aprendizado das crianças. Além disso, essa colaboração comprovadamente influencia o desempenho acadêmico, a motivação e o bem-estar dos alunos ( Paccaud et al., 2021 ).
A colaboração família-escola pode estar associada à relação encontrada entre o pior desempenho em matemática e a evasão escolar entre os alunos do nono ano do ensino fundamental e terceiro ano do ensino médio em nosso estudo. Segundo a literatura, os arranjos familiares têm pouca influência sobre o desempenho médio em matemática dos alunos das escolas públicas. Os estudantes que vivem em lares biparentais apresentam resultados ligeiramente melhores em comparação com aqueles que estão em lares monoparentais, mas esse efeito é pequeno. No entanto, fatores individuais e escolares, além do arranjo familiar, têm impacto significativo no desempenho. Características como a escolaridade dos pais, o hábito de leitura, a assistência com o dever de casa, a frequência às aulas e a dedicação dos alunos aos estudos são mais relevantes para as notas em matemática. Além disso, características da escola, como a taxa de participação na Prova Brasil e a localização, também influenciam o desempenho ( Lima et al., 2021 ).
Entre os achados do presente estudo, também, foi possível observar uma relação negativa do desempenho em matemática com a violência escolar. Esse resultado tem sido observado pela literatura, que aponta que comportamentos agressivos podem causar problemas de ordem emocional, além de interferir na prática pedagógica, resultando em dificuldades de aprendizagem, nos diferentes níveis de ensino do país ( Chagas et al., 2021 ). A exemplo disso, um estudo realizado na região sul do país demonstrou que o aumento de 1 ponto percentual nos indicadores de violência escolar é capaz de reduzir em 11 pontos a nota Saeb em matemática dos estudantes ( Becker & Oliveira, 2023 ).
Por fim, no tocante às variáveis individuais, os resultados deste estudo evidenciaram que os interesses profissionais não contribuíram de forma direta para explicar a evasão escolar dos estudantes. Embora tenha sido possível observar que o interesse por atividades empreendedoras integra o modelo que explica a evasão dos estudantes do terceiro ano do Ensino Médio, ele assume uma posição distal com relação ao desfecho analisado. Uma interpretação possível para esse achado é que, ao influenciar o envolvimento dos estudantes em atividades vocacionais, os interesses contribuam para a permanência escolar, como indica a literatura ( Sousa, 2021 ), mesmo que não tenham impacto direto sobre a evasão.
Considerações finais
Como é possível observar, os resultados do presente estudo apresentam informações relevantes sobre a evasão em escolas do sudeste brasileiro, as quais têm importantes implicações para a prática. Primeiramente, destaca-se a necessidade de reconhecer que a educação e qualificação de crianças e adolescentes estão intrinsecamente ligadas ao ambiente familiar e ocupacional dos pais, especialmente quando se trata dos mais jovens. Fortalecer a relação entre família e escola, destacando a necessidade de a gestão escolar se aproximar dos pais para promover uma compreensão mais profunda da importância da educação e do espaço escolar é uma ação premente. Exemplos de ações positivas, como o “Dia da Família na Escola”, promovido pelo Colégio Estadual São José, em Jaraguá-GO ( Instituto Unibanco, 2023 ), demonstram como a participação ativa dos pais pode criar um ambiente mais acolhedor e propício à aprendizagem. Além disso, desenvolver políticas de apoio, especialmente às mães para que possam equilibrar trabalho e educação dos filhos são ações com o potencial de contribuir para a prevenção da evasão escolar, principalmente em famílias de baixa renda.
Futuros estudos podem ampliar as contribuições para a teoria e a prática ao observar e endereçar algumas limitações desta investigação. A primeira delas diz respeito às variáveis que levam à satisfação e à participação dos pais nas atividades escolares, as quais não puderam ser explicadas pelas variáveis analisadas em nosso estudo. Ainda, aprofundar as informações acerca da atuação e das características dos professores pode proporcionar insights significativos sobre a variável de resultado, bem como aspectos relacionados a ela, tais quais a disciplina de matemática. Por fim, estudos sobre evasão que contemplem outros contextos socioeconômicos e culturais podem fornecer informações relevantes para que este problema seja endereçado de forma mais efetiva pelas escolas, comunidade escolar e pelo poder público.