Introdução
Com a entrada no Ensino Superior, o estudante universitário, anteriormente habituado ao Ensino Médio, se depara com um ambiente diferente daquele ao qual estava acostumado até então. A relação com o corpo docente acontece de forma menos tutelar, sem o acompanhamento educacional mais aproximado como era comum em etapas acadêmicas anteriores. Além disso, é exigido desses estudantes maior capacidade de autorregulação da aprendizagem, em turmas com composições mais variadas e com conteúdos mais complexos a serem aprendidos (Zoltowski & Teixeira, 2020). Essas novas demandas podem provocar uma sensação de sobrecarga sobre os estudantes, de modo que a autorregulação se torna uma necessidade para o manejo do estresse (Fuente et al., 2020). Tais mudanças são acompanhadas de grandes expectativas por parte dos recém-ingressados, não apenas a respeito da vida profissional, mas também sobre a nova rotina de estudos que está por vir, por exigir maior grau de autonomia e por demandar novas relações interpessoais com os pares (Bernardelli et al., 2022; Dotta et al., 2018).
Diante disso, é necessário discernir quais são as dimensões mais importantes para promover a adaptação a esta nova etapa da vida acadêmica, isto é, quais elementos têm maior peso no rendimento acadêmico e no processo de integração psicossocial (Tinto, 1996; Yildirim et al., 2021). Estes processos de adaptação podem ser acompanhados de múltiplos dificultadores, como o nível de exigência, relacionamentos interpessoais difíceis, falta de rede de apoio, características individuais, falta de fornecimento de informações institucionais, diferenças culturais (no caso de estudantes imigrantes) entre outros (Sahão & Kienen, 2021; Ferreira & Borges, 2022), que não raro trazem consigo ansiedade e sofrimento psíquico (Dotta et al., 2018; Pereira et al., 2019). Ramos et al. (2019) indicam o quanto é necessário ajustamento às demandas acadêmicas, que todavia exigem o desenvolvimento de determinadas habilidades de autorregulação emocional. O fomento dessas habilidades e o subsequente aprimoramento na capacidade de cumprir com as exigências da rotina universitária, acrescentam eles, contribui com a diminuição da evasão escolar e promove melhoria no bem-estar dos estudantes.
Nesse contexto, autores sinalizam que a intensidade e a frequência com que o estudante enfrenta eventos ansiogênicos podem impactar negativamente na qualidade de suas vivências na universidade (Tee et al., 2022). O aumento da frequência de eventos desta ordem pode levar a dificuldades de adaptação e ao insucesso acadêmico. Isso é adicionalmente agravado pela ausência de um repertório de habilidades apropriadas para lidar com tais desafios: a falta de domínio de estratégias para lidar com a ansiedade e para promover uma organização efetiva do tempo frente aos desafios da vida acadêmica são fatores que podem contribuir ainda mais para o desenvolvimento de sintomas de ansiedade (Jardim et al., 2020; Ramos et al., 2019; Noel, et al., 2023).
Por ansiedade pode-se entender a experiência emocional que se dá diante da antecipação de um perigo, cuja fonte pode ser conhecida ou não, marcada por apreensão, tensão ou inquietação, o que está relacionado à gênese de doenças psicossomáticas e que podem agravar ou desencadear outras doenças devido aos impactos emocionais (Bernardelli et al., 2022). A depender do contexto, certos indivíduos e grupos na sociedade podem estar sob um risco significativamente maior de problemas de saúde mental, dada a associação do desenvolvimento de transtornos mentais com o estresse e sobrecarga crônicos (World Health Organization[WHO], 2021).
Considerando esse cenário, estudantes universitários estão propícios ao surgimento da sintomatologia associada à depressão e à ansiedade e apresentam mais problemas emocionais do que a população geral (Jardim et al., 2020; Bernardelli et al., 2022; Rith-Najarian et al., 2019). Entre as possíveis fontes de ansiedade nessa população estão: desafios na socialização com pares (Araújo et al., 2016); lidar com autoridades tais como professores, funcionários, gestores e outros membros da instituição (Leão et al., 2018; Sahão & Kienen, 2021); ter que falar em público, como para apresentar trabalhos ou fazer perguntas, caracterizando a exposição oral (Angélico & Bauth, 2020; Gallego, et al., 2020); a iminência de testes e provas (Andrade & Pires, 2020; Silva et al., 2018; Mousa, et al., 2020) e outros fatores, tais como problemas financeiros (Ambiel & Barros, 2018) e o possível distanciamento da família (Vizzotto et al., 2017; Moreno, 2021; Alshammari et al., 2023).
Entre os elementos de grande importância na vida universitária e, portanto, com alto potencial ansiogênico, a socialização entre pares se faz particularmente significativa. Por meio dela são criadas redes de apoio, aprende-se informações novas sobre o curso e sobre o funcionamento da instituição, facilita-se a formação para grupos de estudo para trabalhos (Araújo et al., 2016; Norazlan et al., 2020), entre outros benefícios. Outrossim, a experiência de boas interações sociais com pares é o fator mais importante para promover crenças positivas de autoeficácia no ensino superior — sendo a satisfação com o curso escolhido altamente dependente do êxito nesta área (Santos et al., 2019). Muitos estudantes, entretanto, passam por dificuldades para se relacionar com seus pares, que, por vezes, podem ser explicadas pelo receio que têm de serem mal-recebidos por seus colegas (Franco, 2016; Casanova et al., 2020). A ansiedade perante a socialização com os pares tem efeitos para além da formação de laços, prejudicando não apenas a comunicação, mas também o nível de engajamento com o curso e dificultando a interação com professores (Archbell & Coplan, 2022).
Esta última também é um ponto crítico. A interação com professores pode ser interpretada positivamente quando os docentes se mostram abertos para a interação com os alunos, como quando se disponibilizam para receber sugestões e tirar dúvidas. Por outro lado, quando essa relação é construída de forma combativa ou não-receptiva, pode haver fomento da ansiedade e impacto negativo na saúde mental dos estudantes (Sahão & Kienen, 2021; Pereira et al., 2019; Leão et al., 2018). Além disso, situações avaliativas como provas, testes e apresentações orais são fontes de ansiedade, devido não apenas ao julgamento do professor, mas também ao dos pares (Angélico & Bauth, 2020; Merz & Wolf, 2015).
Além do receio do julgamento do professor, outros fatores são responsáveis pelo desenvolvimento de sintomas ansiogênicos por universitários quando diante de tarefas que exijam que falem em público, como em uma apresentação oral. Com o aumento do traço de ansiedade, o nível de autoavaliação negativa do indivíduo tende a ser maior. Entre as preocupações que causam ansiedade nos estudantes durante apresentações orais constam elementos tais como o medo do julgamento alheio, incertezas acerca do tópico sendo apresentado, receio de falhar, o sentimento de não estar devidamente preparado e a percepção de sintomas físicos oriundos da ansiedade (Grieve et al., 2021; Pina-Oliveira & Puggina, 2020). A timidez, por sua vez, bem como a experiência de bloqueio (ou “branco”) na fala dos estudantes em contextos de exposição oral, são fenômenos característicos de indivíduos que apresentam tais níveis elevados de autoavaliação negativa, algo sintomático de índices mais elevados de ansiedade (Grillo et al., 2019).
A timidez também abre portas para outros fatores ansiogênicos. Estudantes tímidos demonstram maior dificuldade em iniciar conversas e até mesmo evitam situações sociais na universidade, o que dificulta a formação de novos laços sociais (Kirch & Bartilotti, 2018), além de se mostrarem mais vulneráveis e terem menores níveis de bem-estar subjetivo (Satici, 2019). Inserir-se em novos grupos sociais é uma das necessidades adaptativas que vêm com a entrada no ensino superior (Vizzotto et al., 2017), e a não formação de tais vínculos pode colocar em perigo a permanência no curso. O isolamento é um dos fatores que contribuem para a evasão acadêmica, uma vez que pode promover um sentimento de não pertencimento ao curso e minar a esperança e perseverança dos estudantes diante dos obstáculos da vida acadêmica, culminando, enfim, na evasão da instituição de ensino superior (Tinto, 1996; Krainski, 2014; Yildirim et al., 2021).
Ademais, entre as fontes de ansiedade às quais estão submetidos os alunos, além das de ordem social ou relacionadas ao desempenho, estão as próprias expectativas que estes criam sobre si mesmos. A passagem pela universidade está associada com a escolha da profissão, o que pode remeter a preocupações a respeito do mercado de trabalho, da sua própria competência e de como essa escolha de formação pode influenciar o seu futuro, o que leva os estudantes a ansiedade (Andrade & Pires, 2020; Silva et al., 2018; Belle, et al., 2021). A cobrança oriunda de terceiros (Silva et al., 2018) e a pressão socioeconômica (Ambiel & Barros, 2018; Potter, Jayne & Britt, 2020) podem se somar a este sofrimento.
Dados estes desafios que se somam às dificuldades de ingresso no mercado de trabalho e aos desafios da vida acadêmica, faz-se necessário buscar formas de promover maior adaptação dos estudantes de graduação ao Ensino Superior. Uma dessas formas é a organização de oficinas, a fim de fomentar o desenvolvimento de habilidades importantes para enfrentar os desafios da vida universitária. Oficinas voltadas para universitários já se mostraram eficazes para o desenvolvimento de habilidades referentes a apresentações orais em contextos avaliativos (Dias et al., 2017) e à gestão do tempo (Soares et al., 2023), assim como para auxiliar no enfrentamento do estresse e da ansiedade (Ramos et al., 2019).
Tendo em vista os resultados positivos encontrados por meio de intervenções observadas em literatura (e.g., Dias et al.,2017; Ramos et al., 2019), o presente estudo foi concebido a partir da realização de duas oficinas com o objetivo de oferecer recursos aos participantes para lidar melhor com a ansiedade, ou mesmo reduzi-la, frente a situações potencialmente ansiogênicas da vida universitária. Nas oficinas apresentadas, foram desenvolvidos os temas socialização entre pares, lidar com autoridades, exposição oral, ansiedade pré-prova, e outros fatores ansiogênicos, tais como distanciamento da família, dúvidas a respeito do curso, pressões externas e de cunho socioeconômico.
A eficácia de tais oficinas foi verificada em outro estudo, fazendo uso de métodos estatísticos quantitativos no qual foram reveladas diferenças individuais nos participantes que, em sua maioria, obtiveram melhoras significativas no pós-teste, comparativamente ao pré-teste (Jardim et al., 2021). Entretanto, não é possível, em um estudo de natureza quantitativa, identificar o processo de mudança qualitativa que poderia ter ocorrido nas concepções dos participantes sobre os desafios que vêm com a ansiedade ao se apropriarem das técnicas, instruções e discussões que foram abordadas durante o processo.
Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi identificar as concepções de estudantes a respeito das situações acadêmicas consideradas ansiogênicas e as estratégias que utilizam para lidar com estas, a partir dos dados obtidos nas oficinas aplicadas. Pretende-se alcançar tal feito por meio de uma análise qualitativa de natureza exploratória, auxiliada por métodos computacionais (CAQDAS - Computer Aided Qualitative Data Analysis Software).
Método
Trata-se de um estudo descritivo de natureza quali-quantitativa (Soares et al., 2022).
Participantes
Participaram das oficinas 17 estudantes universitários, com idade média de 26,94 anos (DP=11,09). A amostra foi composta de 82,4% mulheres e 17,6% homens, sendo 88,2% de universidades públicas e 11,8% de universidades privadas. Os participantes foram recrutados a partir de duas oficinas sobre como lidar com a ansiedade no ambiente acadêmico. Em sua maioria, eram estudantes do curso de Psicologia (52,9%), seguido dos cursos de Enfermagem (23,5%), Ciências Sociais (11,7%), Bacharelado em Ciência e Tecnologia (5,8%) e Licenciatura em Artes Visuais (5,8%). Dentre eles, 17,6% eram da classe social B1, 35,3% da B2, 29,4% da C1, 11,7% da C2 e 5,8% da D. O critério de inclusão era ter matrícula ativa no ensino superior. O critério de exclusão foi a não participação em pelo menos 80% do total das sessões das oficinas realizadas no estudo e estar matriculado em curso de nível superior em formato ensino à distância. A Tabela 1 fornece descrições mais detalhadas de cada participante.
Tabela 1 Características dos Participantes da Oficina
Participante | Idade | Sexo | Curso | Universidade |
---|---|---|---|---|
1 | 31 | Feminino | Enfermagem | Pública |
2 | 20 | Feminino | Psicologia | Pública |
3 | 22 | Feminino | Enfermagem | Pública |
4 | 26 | Masculino | Psicologia | Pública |
5 | 54 | Masculino | Psicologia | Pública |
6 | 20 | Feminino | Enfermagem | Pública |
7 | 19 | Feminino | Psicologia | Pública |
8 | 37 | Feminino | Psicologia | Pública |
9 | 20 | Feminino | Psicologia | Pública |
10 | 25 | Feminino | Psicologia | Pública |
11 | 18 | Feminino | Ciências sociais | Pública |
12 | 19 | Feminino | Psicologia | Privada |
13 | 22 | Feminino | Enfermagem | Pública |
14 | 31 | Feminino | Psicologia | Privada |
15 | 20 | Feminino | Ciências Sociais | Pública |
16 | 52 | Feminino | Artes Visuais | Pública |
17 | 22 | Masculino | Bacharelado em Ciência e Tecnologia | Pública |
Procedimentos éticos
A pesquisa foi encaminhada e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAAE 51533621.2.0000.5282). Todos os participantes concordaram com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo informados dos possíveis riscos e desconfortos, do sigilo e do não recebimento de benefícios e pagamento, segundo a orientação da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisas envolvendo seres humanos. Todos os participantes autorizaram a gravação das sessões das oficinas e a posterior transcrição de suas falas, sendo informados da garantia do anonimato. Foram explicitados de maneira clara os objetivos da pesquisa e possíveis riscos envolvidos, como possível desconforto psicológico, sendo oferecido acolhimento psicológico em caso de necessidade. O acolhimento seria oferecido pelos condutores da oficina graduados em Psicologia, em momento posterior às sessões. Foi informado que a participação na pesquisa não era obrigatória e a autorização poderia ser retirada a qualquer momento, sem quaisquer consequências adversas.
Procedimentos de coleta de dados
O material foi coletado a partir das falas dos participantes nas oficinas, que foram transcritas para a formação do corpus textual. As oficinas foram realizadas em formato online por meio de uma plataforma do Google. Ambas se deram no contexto da pandemia por COVID19 e foram idênticas em seu conteúdo. As duas oficinas foram tratadas como um grupo único. As oficinas foram realizadas em julho de 2020 e em março de 2021 em formato online. Os procedimentos de coleta de dados foram os mesmos para os participantes de ambas as oficinas. Para a análise dos dados, as duas oficinas foram tratadas como um grupo único.
Cada sessão da oficina foi direcionada a tópicos específicos, selecionados a partir da revisão da literatura acerca do tema ansiedade no contexto acadêmico: 1) Socialização entre pares: a socialização entre colegas como fator ansiogênico; 2) Lidar com autoridades: a dificuldade na interação com professores, funcionários ou figuras de autoridade; 3) Exposição oral: a ansiedade ao falar em público, seja em apresentações, avaliações ou para tirar dúvidas em sala de aula; 4) Ansiedade ante exames: a preocupação com a realização de exames e a ansiedade antes, durante, ou depois da realização de atividades avaliativas e 5) Outros fatores: foram abordados temas menos comuns na literatura mas potencialmente ansiogênicos, como dúvidas em relação ao curso, o distanciamento da família, questões socioeconômicas ou pressões externas.
As oficinas foram compostas por cinco encontros, que tiveram duração média de 2 horas cada um. A estruturação dos encontros se deu a partir de uma estrutura pré-definida composta por psicoeducação, rodas de conversa e atividades práticas. Durante a primeira destas, realizava-se exposição teórica referente ao tema da sessão. As rodas de conversa tinham como objetivo abrir espaço para a troca de experiências e discussão entre os participantes sobre o tema. Por sua vez, as atividades práticas foram contempladas com atividades vivenciais, simulação de situações potencialmente ansiogênicas e/ou compartilhamento de situação já vividas pelos participantes.
Análise de dados
A condição socioeconômica foi avaliada de acordo com o Critério de Classificação Econômica do Brasil (CCEB), desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2018). Para a realização de uma análise qualitativa das interações optou-se pela utilização de uma análise de conteúdo com o suporte do software IRAMUTEQ (versão 0.7). O programa é gratuito, se ancora no software R e permite diferentes formas de análises estatísticas sobre corpus textuais; para esta pesquisa decidiu-se pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD), que classifica o corpus em diferentes classes, a partir do agrupamento de palavras mais frequentes em cada segmento de texto (ST). Entre as vantagens no processo de análise dos dados por meio do software, pode se enumerar: 1) o auxílio na organização e separação de informações; 2) a agilidade no processo operacional da análise, principalmente quando se tem que lidar com grandes volumes de dados; 3) o aumento na eficiência do processo e a facilidade na localização dos segmentos de texto; 4) agilidade no processo de codificação, principalmente se comparado ao realizado manualmente (Monteiro et al, 2021; Soares et al, 2022).
Resultados
O corpus analisado se formou a partir de 17 textos que correspondem ao agrupamento individual das falas de cada participante. A quantidade de palavras foi de 13.690 ocorrências, das quais 2.182 são radicais diferentes encontrados no texto, que foram separadas entre 380 segmentos de texto (ST) com 87,11% de aproveitamento, sendo geradas sete classes (ver Figura 1).

Nota. Os símbolos F e X² representam, respectivamente, a frequência total da palavra no texto em questão e a estatística Qui-Quadrado. Esta última verifica se a frequência desta palavra é estatisticamente significativa por meio da comparação da ocorrência desta palavra nesta e em outras classes. Em todos os casos exibidos acima, p < 0,001.
Figura 1 Dendograma das Classes e Superclasses Resultantes da Classificação Hierárquica Descendente
As sete classes formadas são originadas de seis superclasses (ou categorias) distintas: a primeira (da esquerda para a direita e de baixo para cima) é formada pela união da classe 4 “Situações ansiogênicas nas avaliações” e da classe 3 “Métodos de lidar com ansiedade em situações de avaliação” e é intitulada “Ansiedade nas avaliações”. Esta categoria engloba tanto situações que provocam ansiedade, quanto os meios pelos quais os estudantes lidam com esta, e une-se à classe 6 “Habilidades assertivas em diversas situações acadêmicas” para formar a superclasse “Ansiedade em relação ao desempenho”. Nesta, há demonstrações de situações ansiogênicas ligadas às avaliações (escrita, oral e prática), mas também às estratégias que os participantes utilizam habitualmente ou que aprenderam durante as sessões das oficinas.
Outra superclasse, intitulada “Resiliência diante de situações ansiogênicas”, é formada pela união das classes 2 “Motivação para participação na oficina” e classe 1 “Ansiedade para lidar com pressões internas e externas”. Nela se encontram frases que representam tanto o reconhecimento de situações que provocam ansiedade como estratégias adotadas pelos estudantes para lidar com elas. Esta categoria, unida à classe 5 “Ansiedade para socializar com pares e autoridades”, forma a superclasse nomeada de “Ansiedade nas relações acadêmicas interpessoais”, em que os participantes abordam não apenas os incômodos quanto à socialização, mas também os recursos que utilizam para lidar com eles.
As superclasses “Ansiedade em relação ao desempenho” e “Ansiedade nas relações acadêmicas interpessoais” se unem, formando a categoria “Dificuldades e estratégias diante de situações ansiogênicas”. Neste grupo encontram-se as maiores dificuldades (de uma forma geral) relatadas pelos participantes e os modos utilizados para lidar com elas. Esta mesma superclasse se une à classe 7 “Interações com autoridades” e dá origem à categoria “Interações a partir da intervenção”. Nesta, a mais abrangente de todas, encontram-se elementos trazidos pelos participantes que englobam o conteúdo abordado na oficina de modo geral.
A classe 4, chamada de “Situações ansiogênicas nas avaliações”, representou 10,9% dos ST. Esta classe apresenta as diversas situações de avaliação que provocam ansiedade segundo os participantes:
“Todo final de período, quando eu tenho que apresentar trabalhos, eu passo por essa experiência de ficar nervoso, e tento focar em algum amigo, ou alguém que me passa segurança, e, também, costumo fazer exercícios de respiração.” (P4)
“Fiquei ansiosa na primeira prova prática da faculdade, de vacinação. E olha que eu já tinha vacinado uma pessoa, na prova era no boneco.” (P6)
A classe 3, intitulada “Métodos de lidar com ansiedade em situações de avaliação”, refere-se a 23,9% dos ST. Nela estão presentes as diversas formas de lidar com a ansiedade em situações de avaliações:
“Eu ficava preocupada com as provas, me esforçava e a ação que tinha de efeito rebote era estudar bastante, e Graças a Deus eu tirava nove, então, quando você vê o resultado alcançado, você meio que relaxa.” (P1)
“Eu sempre percebi que sempre que eu fazia respirações profundas antes melhorava bastante, então é uma coisa que eu costumo fazer, às vezes quando eu estou estudando, escrevendo, quando dá aquela ansiedade que vem, eu faço essas respirações que me ajuda bastante.” (P1)
A classe 6, denominada “Habilidades assertivas em diversas situações acadêmicas”, corresponde a 12,4% dos ST, composta pelos comportamentos assertivos nas diversas situações no contexto universitário que os participantes compartilharam. Nela os estudantes relatam os resultados obtidos ao pôr em prática algumas estratégias mencionadas em sessões anteriores:
“Claro que rola ansiedade, rola, mas pelo menos eu sei que se eu não tirar a nota que eu estava querendo, eu sei que eu lutei e fiz por onde, eu me coloquei à disposição.” (P1)
“Eu não sou lá muito conhecida por ser calma, paciente e delicada com as palavras então, ontem mesmo eu parei, refleti, pensei muito, usei aquela parte da primeira aula sobre falar com habilidade sobre as coisas e deu bem certo.” (P3)
A classe 5, chamada de “Ansiedade para socializar com pares e autoridades”, equivale a 11,2% dos ST. Nela são relatadas situações que os participantes consideraram ansiogênicas e que envolveram socialização e interação dos estudantes com colegas e com figuras de autoridade (como professores):
“Não conhecia ninguém, e fiquei super nervosa, mas ao menos consegui arranjar um grupinho legal, e o período que estou mais ansiosa é agora, no meio da faculdade, devido ao período emergencial.” (P11)
“Não diria que é mais fácil lidar com autoridades durante a quarentena, mas com certeza é mais confortável, dá para planejar as falas bem melhor por texto.” (P17)
A classe 2, nomeada como “Motivação para participação na oficina”, configura 9,4% dos ST. Nela os participantes relatam os motivos que os levaram a participar da oficina, entre os quais predominam o desejo de aprender formas de lidar com a própria ansiedade no ambiente acadêmico e em situações relacionadas:
“Busquei a oficina pois sou extremamente ansiosa, em todos os sentidos, e percebi isso mais ainda na faculdade, pois o professor passa um trabalho para dois meses e eu faço no dia seguinte, e choro e sofro muito pela minha ansiedade.” (P13)
“Busquei a oficina pois desde o começo deste quadrimestre, tenho percebido que meu sono está péssimo, e o motivo tem sido: sexta tenho de entregar um trabalho, domingo um relatório e resolver um problema em casa, enfim, estou ficando cada vez mais ansioso.” (P17)
A classe 1, chamada de “Ansiedade para lidar com pressões internas e externas”, equivale a 16,5% dos ST. Ela é composta por relatos acerca das pressões oriundas de interações com familiares, professores e de vivências acadêmicas, assim como das pressões internas, relacionadas às próprias expectativas quanto ao futuro:
“Fiquei dois anos na Federal e estava fora do que eu queria, como profissional, dentro dos meus objetivos.” (P1)
“Nos primeiros períodos eu me preocupei muito em ter notas boas para mostrar para os meus pais, mostrar que não estava gastando o dinheiro deles à toa.” (P17)
A classe 7, chamada de “Interações com autoridades”, corresponde a 15,3% dos ST. Nela encontramos primordialmente os resultados das atividades, realizadas durante sessões da oficina, que exploram as diversas interações com os professores:
“Acho que a melhor coisa que pode acontecer em uma revisão de nota é ganhar o ponto da questão e na revisão o professor ainda ver um outro erro e ainda ganhar mais ponto.” (P2)
“Na aula de um professor carrasco, se a gente tem que fazer uma pergunta, acho que a pior coisa que poderia acontecer é ele humilhar a sua dúvida. Tipo, falar que a sua dúvida é muito simples. Que não precisa ser respondida. Acho que além disso seria ele te marcar a aula inteira.” (P11)
Os resultados exibem de um modo geral as fontes de ansiedade que são comuns aos estudantes universitários. Paralelamente, figuram no discurso dos participantes as estratégias adotadas para lidar com ansiedade mesmo antes da participação na oficina. Dito isso, vê-se também que a participação na oficina foi positiva, uma vez que relatam o uso de técnicas introduzidas ao longo das sessões.
Discussão
Este estudo teve como objetivo identificar a concepção de estudantes a respeito das situações acadêmicas consideradas ansiogênicas e as estratégias que utilizam para lidar com estas. Observando-se os resultados, verificou-se a formação de sete classes divididas em seis superclasses. A mais ampla, “Interações a partir da intervenção”, é representativa dos elementos trazidos pelos participantes e, também, do que foi elaborado por eles a partir de práticas psicoeducativas durante as oficinas. A superclasse “Dificuldades e estratégias diante de situações ansiogênicas” trata ao mesmo tempo de situações identificadas causadoras de ansiedade e seus métodos de enfrentamento, como técnicas aprendidas durante a intervenção ou anteriormente utilizadas por eles.
A partir da superclasse “Dificuldades e estratégias diante de situações ansiogênicas” e suas ramificações, obtém-se a representação das informações expostas pelos participantes. Nota-se que essa superclasse se forma a partir da junção das superclasses “Ansiedade em relação ao desempenho” e “Ansiedade nas relações acadêmicas interpessoais”. Com isso, ressalta-se a relevância dessa subdivisão ao se considerar que, na literatura, a ansiedade em relação ao desempenho e às interações sociais têm sido descritas como fator significativo na experiência universitária. Araújo et al. (2016), por exemplo, ao relatarem dificuldades vivenciadas pelos universitários, evidenciam que muitos sofrem por anteciparem as dificuldades que possivelmente serão enfrentadas — e que nem sempre se concretizam.
Uma das razões para o sofrimento psíquico dos estudantes é a ansiedade diante de interações interpessoais. Este fato é representado pela superclasse “Ansiedade nas relações acadêmicas interpessoais”, um campo que merece cuidado e atenção. A promoção de situações e experiências que possibilitem melhores relacionamentos interpessoais no contexto universitário tem importância notável, uma vez que boas interações com colegas fomentam a produção de crenças positivas de autoeficácia e, consequentemente, melhor adaptação acadêmica (Santos et al., 2019). Por outro lado, quando a interação com os colegas não acontece da maneira adequada, é possível que o sentimento de não pertencimento sirva até mesmo como um fator de risco para a evasão (Yildirim et al., 2021). De forma análoga, interações com professores são descritas como experiências positivas quando estes se mostram mais abertos a receber sugestões e a tirar dúvidas (Sahão & Kienen, 2021), mas quando a relação com os docentes é distante ou conflituosa, os alunos tendem a se sentir mais ansiosos e a enfrentar prejuízos na saúde mental (Pereira et al., 2019; Leão et al., 2018).
Ainda no que se refere ao tema das interações interpessoais, observa-se que da superclasse anteriormente mencionada foram originadas classes referentes à “Ansiedade para socializar com os pares”, “Ansiedade para lidar com pressões externas e internas” (como as de ordem familiar e social, por exemplo) e a “Motivação para a participação na oficina”. A relação entre esses resultados é concordante com os achados de Dias et al. (2017). Em um estudo que tratava de um treinamento de habilidades expositivas em contexto avaliativo, estes autores afirmam que os participantes relatam tais situações como ansiogênicas: sentem medo de responder perguntas ou não apresentar um bom desempenho ao se expor em sala de aula, diante de colegas e professores. Essa preocupação não apenas com os professores, mas também com colegas, ressalta a preocupação dos estudantes a respeito de como serão enxergados em contexto de socialização e em seus momentos de performance (Angélico & Bauth, 2020; Merz & Wolf, 2015).
No que tange a performance, a superclasse “Ansiedade em relação ao desempenho”, por sua vez, originou as classes referentes a “Situações ansiogênicas nas avaliações”, “Métodos para lidar com as situações de avaliação” e “Habilidades assertivas em situações acadêmicas”. Pode-se com isso observar a importância que a aquisição de habilidades assertivas pode ter para proporcionar um desempenho e experiências interpessoais que articulem melhor as demandas cognitivas, emocionais e comportamentais do estudante (Bernardelli et al., 2022; Dotta et al., 2018), abarcando não só situações acadêmicas relacionais, mas também representando um componente importante para lidar com situações avaliativas difíceis. Finalmente, nota-se que a classe “Ansiedade nas avaliações” é formada a partir das classes representativas não só das situações ansiogênicas em si, mas também de uma classe que apresenta métodos de lidar com a ansiedade em situações de avaliação, sinalizando novamente o interesse por parte dos discentes em desenvolver um repertório que os possibilite a lidar melhor com a ansiedade no contexto acadêmico.
Considerações Finais
Este estudo buscou identificar as concepções de estudantes a respeito das situações acadêmicas consideradas ansiogênicas e as estratégias que utilizam para lidar com estas, a partir dos dados obtidos nas oficinas aplicadas. Pôde-se observar a prevalência de situações ansiogênicas relacionadas ao desempenho frente tanto às relações interpessoais, quanto às avaliações. Entretanto, também se notou o compartilhamento de técnicas que contribuem para um melhor enfrentamento dessas situações. No que tange a ansiedade diante de interações sociais, a preocupação se reflete na interação com os colegas e com as autoridades. No entanto, foi apontada maior facilidade para lidar com estas últimas no formato online, o que se pôde perceber devido ao contexto da pandemia do COVID-19, visto que a mediação pelas plataformas digitais permite que os alunos planejem melhor e mais tranquilamente a forma como hão de se comunicar com pessoas em posição mais alta na hierarquia acadêmica.
Além disso, foi possível identificar não só quais elementos e contextos são causadores de ansiedade, mas também perceber o efeito da aplicação de técnicas e habilidades no decorrer da intervenção. Ao emergirem classes referentes a métodos e estratégias para lidar com a ansiedade, pode-se entender que os resultados também sinalizam a importância da comunicação entre os próprios discentes como meio de enfrentamento de situações ansiogênicas, seja devido ao apoio social, seja devido ao compartilhamento de técnicas entre si. Mais do que isso, é possível afirmar que os estudantes sentem necessidade de maior acesso a ambientes que proporcionem aprendizados e trocas deste tipo de informação no contexto da universidade.
Como principais limitações do estudo, é possível citar a participação majoritária de cursos específicos como Psicologia e Enfermagem e a realização de toda a intervenção em formato online, o que pode possibilitar maior ou menor participação, a depender das características individuais do sujeito como níveis de extroversão e timidez. A ausência de interação presencial pode embarreirar a percepção por parte dos condutores da oficina acerca do quanto os participantes estão interessados ou compreendendo os conteúdos oferecidos, visto que as expressões faciais e corporais podem oferecer importantes sinalizadores do envolvimento dos ouvintes. A oficina foi também conduzida durante a pandemia do COVID-19, o que criou um cenário de interação menos comum, dado que os períodos letivos foram todos a distância. Em contexto online, diferente do presencial, não há como assegurar a presença durante toda a sessão de todas as pessoas que ingressam à sala de reunião. Por fim, o uso da Classificação Hierárquica Descendente como método de análise tem suas limitações, entre as quais consta a ausência de codificação com base na teoria. Enquanto outros softwares CAQDAS auxiliam no processo de análise por viabilizar a classificação de trechos do corpus segundo certas categorias teóricas, sendo totalmente qualitativos, a análise feita pelo IRAMUTEQ é puramente estatística, pautando-se em padrões de frequência e co-ocorrência, sendo a interpretação qualitativa das categorias produzidas realizada a posteriori pelo pesquisador.
Em síntese, estimula-se que intervenções adicionais sejam realizadas com estudantes universitários de outros cursos e períodos, de modo que os resultados obtidos possam viabilizar outras intervenções pertinentes. Por fim, ressalta-se a importância não apenas da investigação de quais fatores contribuem ou dificultam a vivência acadêmica saudável e produtiva, mas também da própria interação entre estudantes tanto para o compartilhamento de estratégias para lidar com os desafios em comum com os quais eles lidam, quanto para o estabelecimento de redes de apoio.