A Associação Brasileira de Orientação Profissional e de Carreira (ABRAOPC) tem se preocupado, desde sua origem, em 1993, com a criação de diretrizes para qualificação profissional no campo da Orientação Profissional e de Carreira (OPC), por meio de diferentes iniciativas. Por exemplo, a Revista científica da Associação, que circulou entre 1997 e 1999, editou um número especial sobre a temática em 1999 (Revista da ABOP N.3 V.12). O fascículo foi composto por artigos sobre formação do orientador, em geral ou especificamente em algum curso de Psicologia; sobre disciplinas da graduação; formação continuada; teoria na prática da orientação profissional; desafios e novos paradigmas para a oferta de serviços e a formação; estágios e supervisão; relações entre a Orientação Vocacional e a Psicoterapia.
Em todos os congressos bianuais da ABRAOPC, muitos cursos e atividades são ofertados visando à difusão do conhecimento e de boas práticas. Além disso, a Associação publica semestralmente, desde 2003, os fascículos da Revista Brasileira de Orientação Profissional (RBOP), publica livros e oferta webinars nos mais variados temas de cobertura da área, visando à difusão do conhecimento e à educação permanente dos profissionais da carreira. Em nível de pós-graduação, pesquisadores de diferentes Programas de Pós-Graduação em Psicologia, do Brasil e de Portugal, se reúnem desde 2016 no Grupo de Trabalho (GT) - Carreiras: informação, orientação e aconselhamento, no âmbito da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). Uma agenda de formação de pesquisadores, de atividades científicas, de publicações e de realização de eventos é definida a cada dois anos. Assim, a formação em nível de graduação e de pós-graduação é foco de atenção dos especialistas em carreira.
Além das iniciativas da ABRAOPC, investigações nacionais sobre a formação e o desenvolvimento de competências para a orientação profissional e de carreira têm sido realizadas (Ambiel et al., 2022; Antunes, 2010; Antunes et al., 2009; Barros & Ambiel, 2020; Barros et al., 2019; Lassance et al., 2007; Melo-Silva, Lassance, et al., 2023; Silva, et al., 2014). Abordando as competências internacionais para orientadores, Talavera et al. (2004) conduziram uma investigação desenvolvida no âmbito da Internacional Association for Educational and Vocacional Guidance (IAEVG), com amostra de diversos países. No contexto brasileiro, Diretrizes Nacionais para a Formação em Orientação Profissional e de Carreira foram apresentadas por Lassance et al. (2007), estimulando debates e a realização de novas pesquisas, sintetizadas a seguir.
Antunes et al. (2009) levaram a cabo um estudo com 63 orientadores profissionais brasileiros, com base na autoavaliação e relevância das competências centrais e competências especializadas de Talavera et al. (2004). Os resultados mostraram que 70% dos participantes consideraram relevantes quase todas as competências, exceto desenvolvimento da capacitação comunitária. Em síntese, em todas as competências, o nível de relevância indicado está acima do nível de eficácia no treinamento recebido, o que remete à questão da qualidade da formação do profissional de OPC no país, sugerindo pistas para investigação e formação de profissionais. Em outro estudo, Antunes (2010) investigou a formação do orientador profissional em termos de qualificação e indicadores de competências, na perspectiva de formadores (n = 11) e de profissionais da área (n = 11). Os resultados apontaram para a necessidade de aprimorar os saberes teórico-técnicos e indicadores de competências mais valorizados na formação do orientador profissional, tanto por profissionais quanto por formadores. A partir desse estudo, a necessidade coletiva apontada no cotidiano dos profissionais resultou na publicação de um compêndio em dois volumes (Ribeiro & Melo-Silva, 2011a, 2011b), visando subsidiar a formação teórica no território nacional. Por sua vez, o estudo conduzido por Silva et al. (2014) analisou a autoeficácia de orientadores profissionais brasileiros para atuar no aconselhamento de carreira. A maioria da amostra era mulher, formada em Psicologia, residentes nas regiões sudeste e sul do país. Foi utilizada a Escala de Autoeficácia no Aconselhamento de Carreira (CCSES) que avalia o nível de confiança em quatro domínios. Os resultados mostraram que os profissionais se sentiam menos confiantes para desempenhar funções do aconselhamento multicultural quando comparado com os demais domínios do aconselhamento de carreira.
Avançando nas publicações, Barros et al. (2019) realizaram um estudo visando analisar e comparar os indicadores de formação teórica e prática associados às competências dos profissionais em função de variáveis de formação e desempenho profissional. Participaram 74 orientadores profissionais, majoritariamente mulheres, da região sudeste e sul do país, graduados em
Psicologia. Os autores argumentam que as práticas estavam se expandindo para contextos distintos, embora os adolescentes, historicamente privilegiados pela área, ainda apareceram como o principal público-alvo das intervenções. Os orientadores profissionais mencionaram atendimentos nas modalidades online e coaching de carreira, com o uso de uma diversidade de instrumentos e técnicas disponíveis. Em relação às competências teóricas e práticas, os orientadores profissionais ligados ao contexto da pesquisa e que frequentam os congressos apresentaram melhores indicadores. Conclui-se que a formação continuada é um dos fatores que mais qualifica o profissional.
É possível afirmar que grande parcela dos profissionais que atuam no campo da OPC, no Brasil, são pessoas graduadas em Psicologia (Barros & Ambiel, 2020; Barros et al., 2019). Sobre a formação em Psicologia na área da OPC, o estudo realizado por Ambiel et al. (2022), sobre as ementas dos cursos de graduação, indicou diminuição da carga horária dedicada às disciplinas de OPC e prevalência de temáticas introdutórias. Com base nos resultados, os autores problematizam o nível de habilidades teóricas e práticas desenvolvidas pelos futuros profissionais da orientação de carreira e a necessidade de articulação para a formação dos profissionais que atuam na área.
Com foco nas competências profissionais para atuar no contexto da educação superior, Melo-Silva, Lassance, et al. (2023) apresentam uma proposta de competências profissionais para atuar em serviços de carreira universitários. As autoras propuseram um conjunto de competências desejáveis ou requeridas para uma atuação competente dos profissionais que trabalham nos serviços de carreira direcionados às demandas dos estudantes universitários, considerando a multiplicidade de serviços de carreira e funções. A proposta se inspira no modelo NICE, apresentado posteriormente, com as devidas adequações ao cenário nacional.
Diante do exposto, é notável o crescente interesse da Diretoria da ABRAOPC, de seus associados e de pesquisadores da área pelo estudo sobre a formação e as competências profissionais para atuar no campo. Apesar do relevante histórico das ações realizadas, elas ainda são incipientes, especialmente na definição de um modelo de competências para oferta de serviços qualificados em OPC no contexto brasileiro, e para as iniciativas de formação profissional e certificação.
Competências
O termo competência está presente no universo acadêmico e profissional "associado a diferentes instâncias de compreensão: no nível da pessoa (a competência do indivíduo), das organizações (as core competences) e dos países (sistemas educacionais e formação de competências)" (Fleury & Fleury, 2004, p. 184). Como apontam Melo-Silva, Barbosa, et al. (2023, p. 85), "as competências se referem ao saber agir, mobilizar recursos, integrar conhecimentos complexos e múltiplos, capacidade de aprendizagem, de relacionamento interpessoal, responsabilidade e visão estratégica".
Na contemporaneidade destacam-se três tipos de competências: socioemocionais, cognitivas e técnicas ou profissionais, como aponta o Relatório do Banco Mundial (The World Bank, 2018). As competências socioemocionais estão relacionadas a comportamentos, atitudes e valores que o indivíduo expressa em qualquer momento, determinando a maneira como pode reagir em diversas situações, incluindo consciência de si mesmo, competências relacionais e conversacionais. As competências cognitivas se expressam em atividades diárias como prestar atenção, pensar e raciocinar, usualmente são desenvolvidas a partir do ensino fundamental e durante toda a vida acadêmica. Por sua vez, as competências técnicas são desenvolvidas em cursos de formação profissional e de educação permanente.
As competências profissionais ou técnicas, objeto deste estudo, "se referem ao conhecimento e à experiência, necessários para realizar uma tarefa. Podem ser bastante específicas e incluir o domínio de temas e de certos materiais ou tecnologias" (Ferraz et al., 2023, p. 31). Tais competências são desenvolvidas na educação profissional, em diferentes níveis (básico, médio, superior e tecnológico). Neste estudo, o foco é na educação superior e especializada, nível dos profissionais da OPC. Assim, destaca-se a necessidade de abordar conhecimentos específicos, cada vez mais complexos e desafiadores. Cabe destacar que, competência não se limita ao conhecimento acadêmico ou científico. Trata-se do conhecimento em sentido pleno, de valor, de sabedoria, de conhecimento relevante. A noção de competência, finalmente, fiel à sua raiz etimológica, caracteriza-se como capacidade de desempenhar junto com os outros, de se buscar coletivamente fins prefigurados, mantendo-se a integridade pessoal e a integração social (Machado, 2006). É nesse sentido que o conceito é utilizado neste estudo: uma busca coletiva de parâmetros para a formação e a atuação prática no domínio da OPC.
Para fins deste estudo, o termo OPC é utilizado para indicar o campo profissional que se dedica aos estudos e às intervenções de carreira (career). Já o termo "profissionais da carreira" será utilizado para se referir às pessoas que atuam na área oferecendo diferentes serviços e desempenhando múltiplas funções. Assim, considerando a diversidade de serviços e funções, típicas e especializadas, no campo da OPC, qualquer iniciativa para avaliar e sistematizar competências técnicas dos profissionais que atuam na área requer, a priori, reconhecer as características dos serviços de carreira e a natureza da função desempenhada (Hiebert & Neault, 2014).
Natureza dos serviços, funções típicas e tipologia dos perfis profissionais
Em resposta à complexidade do campo da OPC, a criação de propostas para a formação e a certificação dos orientadores profissionais e de carreira requer considerar a diversidade dos serviços de carreira e das funções desempenhadas pelos profissionais. Para fins deste estudo, o esquema de sistematização de competências para profissionais da carreira é inspirado no modelo da Rede de Trabalho para a Inovação da Orientação e Aconselhamento de Carreira na Europa 'Networking for Innovantion for Carreer Guidance and Counseling in Europe - NICE' (Schiersmann et al., 2016). O modelo NICE sistematiza o campo da OPC a partir de cinco tipos de serviços de carreira e funções típicas, bem como três tipos de perfis profissionais. A sistematização apresentada a seguir (Tabela 1), evidencia que são diversas as possibilidades de trabalho no campo da OPC. Para uma atuação profissional qualificada, é preciso reconhecer que existem múltiplas demandas de carreira e que, para atendê-las de forma adequada, é necessário desenvolver um conjunto de competências centrais e outras especializadas, a depender da natureza do serviço e do perfil do profissional.
Natureza dos Serviços e Funções típicas | |
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Natureza | Funções |
Aconselhamento de Carreira | Os profissionais da carreira, no exercício desta função, dedicam-se a oferecer orientação e aconselhamento de carreira. As funções típicas relacionam-se ao aconselhamento sobre temáticas associadas à construção de si e da carreira, tomada de decisão, resolução de problemas de carreira, empoderamento pessoal, entre outros. |
Educação para a Carreira | Estão inseridos no escopo das iniciativas de educação ao longo da vida. As funções típicas consistem em promover educação continuada em diferentes contextos formativos e fases da vida, instruindo e desenvolvendo pessoas para a gestão da carreira. |
Avaliação de Carreira e Informação | São serviços que podem ser oferecidos de forma especializada, mas também estão presentes em todos os demais serviços. Utilizam técnicas e fontes diversas. As funções típicas consistem em apoiar as pessoas e populações na obtenção de informações relevantes sobre si próprios (por exemplo, temas de vida, interesses e competências), mercado de trabalho, e opções educacionais ou profissionais, dependendo sempre das necessidades de informação. |
Intervenções Sociais e Políticas Públicas | Intervenções sociais de apoio aos trabalhadores nos processos de inserção e recolocação profissional, e de articulação e cooperação entre diferentes políticas e serviços públicos. Dedicam-se a temáticas associadas à promoção da cidadania, à mediação de conflitos, ao combate às opressões, à garantia de direitos, dentre outros. As funções típicas buscam apoiar indivíduos, organizações, comunidades e poder público nas iniciativas para tornar os diferentes sistemas sociais mais justos, inclusivos e sustentáveis. |
Gestão dos Serviços de Carreira | Refere-se à gestão dos serviços de carreira. As funções típicas consistem em criar as condições adequadas para o planejamento e a execução das intervenções, e avaliar os resultados alcançados e a qualidade dos serviços prestados. |
Tipologia dos perfis profissionais | |
Perfil Profissional | Definição |
Tutores e Mentores de Carreira (Career Advisors) | São profissionais com diferentes perfis de formação, que oferecem algum tipo de apoio para a gestão da carreira, para além de suas funções e tarefas primárias. Não são considerados orientadores profissionais e de carreira propriamente ditos; são fontes de informação acessíveis de apoio e encorajamento às questões de carreira. |
Orientadores Profissionais e de Carreira (Career Professionals) | São profissionais que executam as funções típicas dos vários serviços de carreira como parte prioritária de suas atribuições. A atuação como orientador profissional e de carreira pressupõe que o profissional possua conhecimentos especializados, atualizados e validados cientificamente e que consiga construir aliança de trabalho com os usuários dos serviços. |
Especialistas em Carreira (Career Especialists) | São profissionais especializados em um ou mais dos serviços de carreira. A atuação destes profissionais está relacionada, por exemplo, à gestão de serviços de carreira, à elaboração de políticas públicas ou à supervisão de outros profissionais que oferecem serviços de carreira. Especialistas de carreira também se dedicam à investigação científica e à formação profissional. Além da capacidade para atuar como orientadores profissionais e de carreira, os especialistas em carreira precisam ter legitimidade e reconhecimento acadêmico e profissional. |
Competências centrais e especializadas requeridas aos orientadores profissionais e de carreira
Atuar no campo da OPC requer investimentos constantes em formação. Desde a década de 1950, e especialmente a partir dos anos 2000, organizações internacionais e nacionais têm liderado iniciativas visando definir e sistematizar as competências necessárias para a atuação eficaz e qualificada dos profissionais de carreira, assim como gerar diretrizes que possam subsidiar políticas públicas para a formação e qualificação profissional. Essas ações são dirigidas tanto para ingressantes na área quanto para quem busca expandir suas possibilidades em áreas de especialização e para nortear a certificação em domínios especializados (Antunes, 2010; Antunes, et al., 2009; Hansen, 2006; Hiebert & Neault, 2014; Lassance et al., 2007; Melo-Silva et al., 2023; National Career Development Association [NCDA], 1997; Organisation for Economic Cooperation and Development [OCDE], 2004; Talavera et al., 2004).
Para fins deste estudo, utilizam-se as categorias propostas no modelo de Talavera et al. (2004), atualizadas por Hiebert e Neault (2014). O modelo diferencia um conjunto de competências centrais e dez tipos de competências especializadas requeridas aos profissionais que prestam serviços de carreira. Tais competências servem de parâmetro para diferentes países. A seguir se apresenta a definição conceitual de cada uma delas.
Competências Centrais. Indicam os conhecimentos, as habilidades e as atitudes necessárias a todos os profissionais que prestam serviços de carreira em todos os cenários e contextos de atuação.
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Competências Especializadas. Foram organizadas em dez categorias que refletem contextos e funções específicas, relacionadas a seguir.
2.1. Avaliação. Refere-se às competências para analisar as características e as necessidades dos indivíduos, grupos ou contextos para os quais o serviço de carreira é dirigido. Indica a capacidade para integrar e avaliar dados de inventários, testes, entrevistas, escalas e outras técnicas que medem capacidades, aptidões, barreiras, papéis de vida, interesses, personalidade, valores, atitudes, realizações educacionais e habilidades de um indivíduo/comunidade, bem como outras informações relevantes. Inclui ainda habilidades para comunicar aos clientes os resultados da avaliação e suas implicações.
2.2. Educação para a Carreira. Refere-se às competências para orientar as pessoas na seleção de cursos, na elaboração de planos educacionais, na superação de dificuldades de aprendizagem. Indica a capacidade para preparar as pessoas para cursos de ensino médio, ensino superior ou inserção no mercado de trabalho. É frequentemente realizada em grandes grupos e em contextos educativos.
2.3. Desenvolvimento de Carreira. Refere-se às competências que facilitam o domínio das tarefas de desenvolvimento de carreira e as capacidades para planejar e adaptar-se às transições ao longo da vida.
2.4. Aconselhamento. Refere-se às competências que facilitam a autorreflexão para esclarecer autoconceitos, identificar opções, tomar decisões e resolver dificuldades. É realizado individualmente ou com pequenos grupos.
2.5. Gestão da Informação. Refere-se às competências para coletar, organizar, manter e disseminar informações pertinentes a educação, capacitação, ocupações e oportunidades de emprego, a fim de preparar os clientes para o seu uso efetivo.
2.6. Consulta e Coordenação. Refere-se às competências que buscam prover informação, orientação e aconselhamento profissional aos pais, professores, administradores escolares e empregadores que desejem colaborar com o progresso educacional e o desenvolvimento da carreira de pessoas sob suas responsabilidades.
2.7. Pesquisa e Avaliação. Refere-se às competências de natureza científica para a investigação de questões relacionadas à orientação e ao aconselhamento, tais como processos de aprendizagem, comportamento vocacional e seu desenvolvimento, valores, entre outras. Indica também as competências para acessar e utilizar conhecimentos científicos e para se examinar a eficácia das intervenções.
2.8. Gestão de Programas/Serviços de Carreira. Refere-se às competências para planejar, implementar, supervisionar e avaliar intervenções direcionadas às necessidades da população-alvo.
2.9. Construção da capacidade da Comunidade. Refere-se às competências para encorajar a colaboração entre os membros de uma comunidade e para avaliar o capital humano e as suas necessidades, assim como desenvolver planos para satisfazer objetivos econômicos, sociais, educacionais e de emprego de grupos e comunidades.
2.10. Colocação. Refere-se às competências para apoiar indivíduos em seus esforços para obter posições ocupacionais, ensinando-lhes habilidades para procurar trabalho e criando oportunidades de emprego.
Em síntese, as competências centrais focalizam o conhecimento, as habilidades e as atitudes necessárias a todos os profissionais de carreira e são necessárias para atuação em todos os cenários e contextos. Já as competências especializadas dependem da natureza do serviço e das funções desempenhadas (Hiebert & Neault, 2014). Ciente da necessidade de atualizar as investigações no cenário brasileiro sobre competências para a oferta de OPC, este estudo objetivou analisar como os profissionais de carreira brasileiros autoavaliam seu desempenho em relação a um conjunto de competências centrais e especializadas, bem como percebem a relevância de cada competência para a sua prática profissional. Adicionalmente, o levantamento investigou a forma como os profissionais da carreira se definem em termos de sua atuação, além verificar possíveis diferenças entre os grupos em relação à autoavaliação e à percepção de relevância das competências.
Método
Participantes
O estudo contou com a participação de 74 profissionais que atuam na prestação de serviços de carreira no Brasil, sendo 59,5% (n = 44) como orientadores profissionais e de carreira, 20,3% (n = 15) especialistas de carreira e 20,3% (n = 15) como mentores de carreira. A maioria se autodeclarou como mulher (89,2%; n = 66) e a minoria como homem (10,8%; n = 8). Em relação à cor e/ou raça, houve predomínio de respondentes da cor branca (90,5%; n=67), seguidos daqueles autodeclarados como pardos (8,1%; n = 6) e pretos (1,4%; n = 1). Os participantes foram oriundos das cinco regiões do Brasil, a saber: Norte (2,7%; n = 2) Nordeste (13,5%; n = 10), Centro-Oeste (4,1%; n = 3), Sudeste (54,1%; n = 40) e Sul (25,7%; n = 19). A idade dos participantes variou entre 25 e 78 anos (M = 42,69; DP = 11,63).
Quanto ao perfil profissional, 83,8 % possuíam graduação em Psicologia (n = 62), sendo que também havia participantes com formação em Administração (5,4%; n = 4) e Pedagogia (2,7%; n =2). Pessoas formadas em Ciências Contábeis, Direito, Letras, Química, Geologia, Gestão de Marketing e Serviço Social também responderam ao levantamento, sendo registradas uma resposta para cada uma dessas formações. Em relação à titulação, 31 pessoas possuíam especialização completa (41,9%), seguido por doutorado completo (8,1%; n = 10), mestrado completo (12,2%; n = 9), mestrado incompleto (8,1%; n = 6), doutorado incompleto (8,1%; n = 6), especialização incompleta (6,8%; n = 5), superior completo (5,4%; n = 4) e pós-doutorado completo (4,1% n = 3).
Quanto ao tempo de atuação na área da Orientação Profissional e de Carreira, a média foi de 11,62 anos (DP = 10,56). A maioria das pessoas informou que possui formação profissional específica na área (87,8%; n = 65), com destaque para cursos de curta duração de 3 a 30 horas (32,5%; n = 24), cursos de atualização de 30 horas (14,9%; n = 11), cursos de aperfeiçoamento de 120 horas (23%; n = 17), mestrado com pesquisa na área (8,1% n = 6) e doutorado com pesquisa na área (21,6%; n = 16). Os profissionais atuavam em consultórios (39,2%; n = 29), escritórios de carreira (13,5%; n = 10), educação básica (13,5%; n = 10), ensino superior/graduação (12,2%; n = 9), organizações de trabalho/empresas (10,8%; n = 8), ensino superior/pós-graduação (4,1%; n = 3), organizações sociais (2,7%; n = 2) e serviços públicos (2,7%; n = 2). Quanto à natureza da instituição e a forma de trabalho, a maioria respondeu que atua na iniciativa privada (71,6%; n = 53) e de forma híbrida (48,6%; n = 36). Em menor frequência, houve respostas de atuação no setor público (12,2%; n = 9) e em organizações do terceiro setor (6,8%; n = 5), de forma remota (31,1%; n = 23) e presencial (20,3%; n = 15).
Instrumentos
Para atingir os objetivos do levantamento, foi elaborado um questionário estruturado em duas partes. Na primeira seção, o objetivo foi conhecer as características pessoais, educacionais e profissionais dos participantes. Para identificar o perfil de atuação profissional nas diferentes modalidades de serviços de carreira foi utilizado como referência o modelo NICE (Schiersmann et al., 2016).
A decisão pela utilização do modelo NICE considerou a parcimônia da estrutura proposta e, também, o fato de ter sido construído a partir das definições de competências utilizadas pela OCDE e referendada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) para fundamentar, dentre outras ações, as iniciativas de orientação de carreira para países pobres e emergentes (Hansen, 2006; OECD, 2004).
Na primeira parte do questionário, foi solicitado aos participantes que selecionassem uma categoria que melhor definisse o perfil da sua atuação profissional dentre três categorias: (a) Mentores de Carreira (Career Advisors); (b) Profissionais da Orientação Profissional e de Carreira (Career Professionals); e (c) Especialistas de Carreira (Career Specialists).
Na segunda seção, o intuito foi identificar a percepção dos prestadores de serviços de carreira sobre suas próprias competências, bem como a percepção da relevância delas para o bom desempenho nas diferentes funções e serviços de carreira. Essa parte do questionário foi estruturada seguindo as recomendações de Hiebert e Neault (2014) e o Modelo NICE (Schiersmann et al., 2016). O instrumento avalia as CC - Competências Centrais (13 itens) e as CE - Competências Especializadas, que abarcam 10 competências descritas a seguir. As especializadas são: CE1 - Avaliação (6 itens); CE2 - Educação para a Carreira (10 itens); CE3 - Desenvolvimento de Carreira (11 itens); CE4 - Aconselhamento (14 itens); CE5 - Gestão da Informação (9 itens); CE6 - Consulta e Coordenação (8 itens); CE7 - Pesquisa e Avaliação (7 itens); CE8 - Gestão de Programas/Serviços de Carreira (11 itens); CE9 - Construção da capacidade da Comunidade (6 itens); e CE10 - Colocação (8 itens). As opções de resposta foram organizadas em formato de escala Likert. Para autoavaliação, as opções foram: 1 - nada competente, 2 - minimamente competente, 3 - competente, 4 - muito competente, e 5 - excelente. Para percepção de relevância, as respostas foram: 1 - irrelevante, 2 - pouco relevante, 3 - relevante, 4 - muito relevante, e 5 - imprescindível.
Procedimentos de Coleta e Análise de Dados
Foram convidados a colaborar com esta pesquisa os participantes do XV Congresso Brasileiro de Orientação Profissional e de Carreira realizado em 2021 e os orientadores profissionais associados da ABRAOPC. O convite foi, inicialmente, enviado por e-mail para lista de associados e, a seguir, divulgado nas mídias da Associação e dos pesquisadores e colaboradores. A coleta de dados iniciou em setembro de 2021 e finalizou em março de 2022. Antes de iniciar o preenchimento do questionário, os participantes deram anuência por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), no qual constavam informações sobre os objetivos da pesquisa, a garantia da confidencialidade dos dados, assim como do caráter voluntário da participação. Foram tomados os cuidados éticos de acordo com a Resolução No. 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. A obtenção das respostas ocorreu de forma online por meio do preenchimento do questionário na plataforma Google forms.
Os dados foram analisados no software Statistical Package for the Social Sciences (IBM SPSS versão 23). A normalidade dos dados foi verificada por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov. Os índices de confiabilidade das competências foram analisados por meio do alfa de Cronbach. A comparação de médias foi realizada por meio do teste t de amostras em par com correlação de Pearson. O tamanho de efeito foi calculado por meio do d de Cohen, sendo que o valor do coeficiente foi interpretado a partir de Cohen (2013). As comparações de média para as categorias profissionais foram realizadas a partir da Análise de Variância One-Way. A homogeneidade da variância foi analisada a partir do teste de Levene, sendo que sua ausência foi corrigida por meio do teste de Welch. Os testes post hoc utilizados foram Tukey (para quando a homogeneidade foi acatada) e Games-Howell (quando a homogeneidade não foi acatada). O tamanho de efeito foi verificado a partir do eta-quadrado e os seus coeficientes interpretados com base em Cohen (2013). Foram realizados procedimentos de bootstrapping (1000 re-amostragens; 95% IC BCa) para se obter uma maior confiabilidade dos resultados, bem como para corrigir desvios de normalidade da distribuição da amostra e diferenças entre os tamanhos dos grupos e, também, para apresentar um intervalo de confiança de 95% para as diferenças entre as médias (Haukoos & Lewis, 2005). Os dados foram interpretados com base em Dancey e Reidy (2018).
Resultados
Inicialmente foram realizados testes de normalidade dos dados e os resultados indicaram a presença de distribuição normal para seis das 10 competências especializadas das autoavaliações de Desenvolvimento de Carreira (KS = 0,076; p 0,20), Aconselhamento (KS = 0,090; p = 0,20), Gestão da Informação (KS = 0,091; p = 0,20), Consultoria e Coordenação (KS = 0,092; p = 0,20), Gestão (KS = 0,081; p = 0,20) e Colocação (KS = 0,087; p = 0,20). A Tabela 2 apresenta um conjunto de estatísticas emparelhadas que mostram a correlação entre a autoavaliação e a percepção de relevância das competências, bem como os resultados da comparação entre as médias (considerando os pares de competências centrais e especializadas) e os índices de confiabilidade dos fatores.
Competências | a | n | Média | DP | r | t | d | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CC | Competências Centrais (A). | 0,90 | 74 | 4,13 | 0,54 | 0,70** | -5,991** | 0,54 |
Competências Centrais (R). | 0,93 | 74 | 4,41 | 0,50 | ||||
CE 1 | Avaliação (A). | 0,86 | 74 | 4,00 | 0,62 | 0,56** | -4,925** | 0,53 |
Avaliação (R). | 0,87 | 74 | 4,33 | 0,61 | ||||
CE 2 | Educação para a Carreira (A) | 0,92 | 74 | 3,75 | 0,79 | 0,53** | -4,529** | 0,51 |
Educação para a Carreira (R) | 0,90 | 74 | 4,12 | 0,64 | ||||
CE 3 | Desenvolvimento de Carreira (A) | 0,90 | 74 | 3,79 | 0,64 | 0,53** | -7,698** | 0,87 |
Desenvolvimento de Carreira (R) | 0,93 | 74 | 4,33 | 0,60 | ||||
CE 4 | Aconselhamento (A) | 0,92 | 74 | 3,88 | 0,65 | 0,62** | -4,687** | 0,47 |
Aconselhamento (R) | 0,92 | 74 | 4,18 | 0,61 | ||||
CE 5 | Gestão da Informação (A). | 0,86 | 74 | 3,58 | 0,69 | 0,50** | -5,310** | 0,61 |
Gestão da Informação (R) | 0,91 | 74 | 4,02 | 0,73 | ||||
CE 6 | Consultoria e Coordenação (A) | 0,88 | 74 | 3,73 | 0,72 | 0,60** | -5,029** | 0,53 |
Consultoria e Coordenação (R) | 0,92 | 74 | 4,11 | 0,71 | ||||
CE 7 | Investigação e Avaliação (A) | 0,94 | 74 | 3,60 | 1,00 | 0,56** | -5,354** | 0,59 |
Investigação e Avaliação (R) | 0,94 | 74 | 4,14 | 0,80 | ||||
CE 8 | Gestão de Serviços/Programas (A) | 0,92 | 74 | 3,67 | 0,81 | 0,57** | -5,750** | 0,61 |
Gestão de Serviços/Programas (R) | 0,95 | 74 | 4,16 | 0,78 | ||||
CE 9 | Capacidade da Comunidade (A) | 0,92 | 74 | 3,12 | 0,99 | 0,49** | -6,948** | 0,20 |
Capacidade da Comunidade (R) | 0,95 | 74 | 3,92 | 0,96 | ||||
CE 10 | Colocação (A) | 0,89 | 74 | 3,35 | 0,80 | 0,53** | -4,455** | 0,50 |
Colocação (R) | 0,92 | 74 | 3,76 | 0,83 |
Nota. CC = Competências Centrais; CE = Competências Especializadas; A= Autovavaliação; R = Relevância (R); **p<0,001; a = alfa de Cronbach
Como pode ser observado na Tabela 2, houve uma correlação positiva de magnitude forte entre percepção de relevância das competências centrais e a autoavaliação delas. A análise das médias, com tamanho de efeito moderado, mostrou que os profissionais avaliam tais competências como muito relevantes para atuar em todos os cenários e contextos da prestação de serviços de carreira, mas sentem-se menos competentes para tal. Em relação às competências especializadas, as correlações entre autoavaliação e percepção de relevância também foram positivas e de magnitudes moderadas. Além disso, houve diferenças significativas entre as médias que indicaram maior percepção de relevância do que o grau de capacidade desenvolvida para todas as competências especializadas. Os tamanhos de efeito para essas diferenças também foram moderados, com exceção da autoavaliação e relevância da competência de Desenvolvimento de Carreira na qual o efeito foi forte. Os índices de confiabilidade foram adequados para todas as competências analisadas. Na sequência foram realizadas comparações nas médias das competências centrais e especializadas em função do tipo de profissional (orientadores de carreira, mentores de carreira e especialistas em carreira). Os resultados estatisticamente significativos são apresentados na Tabela 3.
Competências | F (df) | Comparações múltiplas entre grupos | Diferença da média | Bootstrapping (95% IC BCa) | h2 | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Erro Sth. | Inferior | Superior | ||||||
Competências Centrais (A) ª | 3,71(2)* | Orientador | Especialista | -0,322* | 0,129 | -0,64 | -0,01 | 0,06 |
Mentor | 0,022 | 0,158 | -0,37 | 0,41 | ||||
Especialista | Mentor | 0,344 | 0,161 | -0,06 | 0,74 | |||
Competências Centrais (R) ª | 3,13(2)* | Orientador | Especialista | -0,240 | 0,111 | -0,51 | 0,03 | 0,04 |
Mentor | 0,068 | 0,161 | -0,33 | 0,47 | ||||
Especialista | Mentor | 0,308 | 0,158 | -0,09 | 0,71 | |||
Educação para carreira (A) ª | 4,04(2)* | Orientador | Especialista | -0,507* | 0,176 | -0,94 | -0,08 | 0,06 |
Mentor | -0,227 | 0,269 | -0,90 | 0,45 | ||||
Especialista | Mentor | 0,280 | 0,272 | -0,41 | 0,97 | |||
Desenvolvimento de carreira (A) ª | 5,01(2)* | Orientador | Especialista | -0,401* | 0,134 | -0,72 | -0,08 | 0,06 |
Mentor | -0,067 | 0,193 | -0,55 | 0,41 | ||||
Especialista | Mentor | 0,333 | 0,179 | -0,12 | 0,79 | |||
Aconselhamento (A) ª | 4,39(2)* | Orientador | Especialista | -0,401* | 0,135 | -0,72 | -0,08 | 0,06 |
Mentor | -0,215 | 0,196 | -0,70 | 0,27 | ||||
Especialista | Mentor | 0,186 | 0,180 | -0,27 | 0,64 | |||
Consultoria e coordenação (A) ª | 3,27(2)* | Orientador | Especialista | -0,380 | 0,163 | -0,77 | 0,01 | 0,04 |
Mentor | -0,047 | 0,194 | -0,52 | 0,43 | ||||
Especialista | Mentor | 0,380 | 0,163 | -0,01 | 0,77 | |||
Investigação e Avaliação (A) | 4,82(2)** | Orientador | Especialista | -0,860* | 0,285 | -1,54 | -0,18 | 0,12 |
Mentor | -0,022 | 0,285 | -0,70 | 0,66 | ||||
Especialista | Mentor | 0,860* | 0,285 | 0,18 | 10,54 | |||
Investigação e Avaliação (R) ª | 5,30(2)* | Orientador | Especialista | -0,532* | 0,174 | -0,96 | -0,11 | 0,07 |
Mentor | 0,077 | 0,279 | -0,63 | 0,78 | ||||
Especialista | Mentor | 0,532* | 0,174 | 0,11 | 0,96 | |||
Gestão de Serviços e Programas (A) ª | 3,70(2)* | Orientador | Especialista | -0,466* | 0,191 | -0,93 | 0,00 | 0,05 |
Mentor | 0,056 | 0,237 | -0,53 | 0,64 | ||||
Especialista | Mentor | 0,466* | 0,191 | 0,00 | 0,93 | |||
Gestão de Serviços e Programas (R) ª | 3,75(2)* | Orientador | Especialista | -0,356 | 0,172 | -0,78 | 0,06 | 0,07 |
Mentor | 0,304 | 0,267 | -0,37 | 0,98 | ||||
Especialista | Mentor | 0,356 | 0,172 | -0,06 | 0,78 |
Nota. A= autoavaliação; R = Relevância; a = Teste de Welsh e post hoc Games-Howell; F = ANOVA test; gl = graus de liberdade; IC BCa = Intervalo de Confiança Tendência Corrigida e Acelerada; h2 = eta-quadrado; *p < 0.05; **p < 0.001.
Em relação à autoavaliação das competências centrais, as comparações indicaram que especialistas de carreira apresentaram maiores médias (M = 4,39; DP = 0,36) quando comparados aos orientadores profissionais (M = 4,07; DP = 0,58) e aos mentores de carreira (M = 4,05; DP = 0,50). Resultado semelhante também foi encontrado para a relevância dada pelos profissionais para as competências centrais, uma vez que os especialistas endossaram mais (M = 4,62; DP = 0,29) do que os orientadores (M = 4,38; DP = 0,54) e mentores (M = 4,31; DP = 0,53). Em relação às competências especializadas, a maioria das diferenças foram encontradas para a autoavaliação, com exceção daquelas de Investigação e Avaliação e Gestão de Serviços e Programas, nas quais também foram identificadas diferenças para a relevância atribuída pelos profissionais. As informações descritivas das médias nas competências especializadas com diferenças estatísticas são apresentadas na Tabela 4.
Competências Especializadas | Perfis Profissionais | M | DP |
---|---|---|---|
Educação para carreira (A) | Orientadores profissionais e de carreira | 3,60 | 0,79 |
Mentores de carreira | 3,83 | 0,93 | |
Especialistas de carreira | 4,11 | 0,49 | |
Desenvolvimento de carreira (A) | Orientadores profissionais e de carreira | 3,69 | 0,71 |
Mentores de carreira | 3,76 | 0,21 | |
Especialistas de carreira | 4,09 | 0,30 | |
Aconselhamento (A) | Orientadores profissionais e de carreira | 3,75 | 0,72 |
Mentores de carreira | 3,97 | 0,63 | |
Especialistas de carreira | 4,15 | 0,30 | |
Consultoria e coordenação (A) | Orientadores profissionais e de carreira | 3,64 | 0,83 |
Mentores de carreira | 3,69 | 0,56 | |
Especialistas de carreira | 4,03 | 0,39 | |
Investigação e Avaliação (A) | Orientadores profissionais e de carreira | 3,43 | 1,04 |
Mentores de carreira | 3,45 | 0,81 | |
Especialistas de carreira | 4,29 | 0,76 | |
Investigação e Avaliação (R) | Mentores de carreira | 3,97 | 0,97 |
Orientadores profissionais e de carreira | 4,05 | 0,78 | |
Especialistas de carreira | 4,58 | 0,49 | |
Gestão de Serviços e Programas (A) | Mentores de carreira | 3,53 | 0,76 |
Orientadores profissionais e de carreira | 3,59 | 0,87 | |
Especialistas de carreira | 4,05 | 0,53 | |
Gestão de Serviços e Programas (R) | Mentores de carreira | 3,85 | 0,92 |
Orientadores profissionais e de carreira | 4,15 | 0,77 | |
Especialistas de carreira | 4,51 | 0,48 |
Nota. M = média; DP = desvio-padrão; A = autoavaliação; R = relevância
Os resultados indicam que os especialistas de carreira se percebem mais capazes e atribuem maior relevância em todas as competências especializadas com resultados significativos do que os demais perfis profissionais. De modo geral, os orientadores profissionais e de carreira são os que apresentam menor percepção de competência, com exceção para Gestão de Serviços e Programas, na qual os mentores de carreira apresentaram menores médias. Os tamanhos de efeito para todas as diferenças encontradas foram pequenos.
Discussão
A tarefa de se pensar competências para atuar profissionalmente na área da OPC deve considerar as demandas de cada contexto de atuação e o desempenho profissional esperado. Inicialmente, para embasar as discussões dos resultados, torna-se importante registrar as características étnico-raciais e socioprofissionais das pessoas que responderam ao levantamento. De modo geral, a amostra de profissionais de carreira foi composta, majoritariamente, por mulheres, brancas, das regiões sudeste e sul do Brasil.
As características étnico-racial e socioprofissional da amostra sinalizam um perfil recorrente em pesquisas com orientadores profissionais brasileiros (Antunes et al., 2009; Barros & Ambiel, 2020; Barros et al., 2019; Silva et al., 2014). Assim, o campo da OPC reflete a falta de representatividade de pessoas pardas, pretas, asiáticas e indígenas nos espaços da sociedade brasileira (Bento, 2022). Importante destacar que a diversidade de profissionais poderia favorecer um dos aspectos das Competências Centrais, no que se refere a demonstrar consciência e compreensão das diferenças culturais dos clientes para interagir efetivamente com todas as populações. Assim, ampliar a participação da diversidade racial e social é relevante também na área, quer seja de profissionais, quer seja de usuários dos serviços. Quanto à maior participação das regiões sudeste e sul, elas retratam a densidade populacional do país e o número maior de universidades. Todavia, é importante pensar em ações para maior disseminação da área no cenário brasileiro, de modo a atender as demandas específicas com base nas variáveis locais.
Ainda sobre o perfil da amostra, a maioria possui graduação em Psicologia, Administração e/ou Pedagogia e alguma formação profissional específica na área, predominantemente cursos de aprimoramento de curta duração. Contudo, nenhuma das pessoas respondeu ter especialização na área, o que de certo modo indica uma lacuna de possibilidades formativas. Quanto ao contexto de atuação, a maioria trabalha em consultórios e escritórios de carreira. Quanto à natureza da instituição e a forma de trabalho, a maioria respondeu que atua na iniciativa privada e de forma híbrida. Sobre essa característica, é importante ponderar que a coleta de dados aconteceu durante a pandemia do coronavírus e esse fato pode ter contribuído com tais resultados. Todavia, atendimentos online já foram relatados em pesquisas anteriores (Barros et al., 2019), o que parece refletir uma tendência comum da área nos últimos anos. A partir do ano de 2020, mudanças na morfologia e nos ambientes de trabalho se intensificaram após a crise sanitária decorrente da pandemia do vírus Sars-CoV-2. As atividades remotas mediadas por tecnologias que já existiam passaram a ser predominantes, trazendo consigo vários impactos na vida das pessoas que trabalham (Losekann & Mourão, 2020). O atendimento em OPC na modalidade híbrida está com consonância com a Competência Central - 13, que se refere a utilizar recursos tecnológicos e computacionais úteis para as intervenções de carreira
A análise das estatísticas emparelhadas mostrou que os profissionais da carreira brasileiros percebem como muito relevantes o conjunto das competências centrais. Quanto à percepção de relevância das competências especializadas, os resultados sugerem que os profissionais as consideram muito relevantes, com a exceção das competências para atuar na construção da capacidade comunitária e nos serviços de colocação que foram percebidas apenas como relevantes. Esse resultado pode ser decorrente da oferta de OPC com maior predomínio em contextos clínicos, com intervenção psicológica; ou em contextos educativos, com intervenções de professores e/ou psicólogos. Em ambientes protegidos, não se dá a devida atenção à construção da capacidade comunitária. Tal competência requer atenção dos formadores e dos fazedores de políticas públicas.
Interessante notar que este mesmo padrão de relação entre desempenho e percepção de relevância, bem como as competências mais e menos desenvolvidas, foi encontrado em pesquisa anterior realizada no Brasil. Antunes et al. (2009) também reportaram maior percepção de relevância das competências centrais e especializadas do que o nível de eficácia dos orientadores profissionais. Atuar com comunidades continua sendo uma competência percebida como pouco relevante e pouco desenvolvida pelos profissionais de carreira brasileiros, provavelmente porque inexistem oportunidades de trabalho (vagas) para o profissional da carreira em programas sociais. De certo modo, a manutenção deste comportamento ao longo do tempo pressupõe uma tendência, mas também sugere uma consciência por parte dos profissionais de carreira brasileiros de que é necessário investir no treinamento de competências centrais e específicas, independente do perfil profissional, sejam eles mentores, orientadores ou especialistas de carreira.
Ao analisar tais resultados, em conjunto com as características dos profissionais de carreira que responderam ao levantamento, são constatadas necessidades de aprimoramento teórico-metodológico. Uma vez que a maioria dos profissionais da carreira são formados em Psicologia, seria interessante incluir tais demandas de formação nas ementas da disciplina de OPC dos cursos de Psicologia (Ambiel et al., 2022), bem como ampliar a oferta de cursos de formação profissional com vistas a melhorar o domínio de aportes teóricos e no uso de recursos tecnológicos, uma vez que tais competências são centrais para atuar na maioria dos serviços e funções de carreira atualmente.
No que diz respeito às competências especializadas, os profissionais da carreira apresentaram melhores indicadores de desempenho nas competências de aconselhamento e desenvolvimento de carreira, de avaliação, e de consulta e coordenação. Constatou-se que as melhores autoavaliações de desempenho foram nas competências de aconselhamento individual para ajudar pessoas na construção de um projeto de vida, para construir uma relação empática e de respeito com o cliente e para manter relações de aconselhamento de forma eficaz. Já os menores indicadores de desempenho estiveram relacionados às competências para atuar em serviços e funções de colocação, de construção da capacidade comunitária, de aconselhamento de carreira para grupos vulneráveis e com atravessamentos de gênero e nas ações de gestão da informação e de educação para a carreira.
Os indicadores de desempenho dos três grupos de perfis profissionais (orientadores, especialistas e mentores) em relação às competências centrais mostram que especialistas de carreira indicaram maior relevância e melhor percepção de competência do que os demais perfis. Tal aspecto pode estar ligado ao fato de que este grupo tende a apresentar um maior nível de formação, centrando-se em temáticas específicas da área, subsidiando sua ação para o atendimento das questões de carreira e para atuação enquanto formadores de futuros profissionais que atuarão na área (Hiebert & Neault, 2014; Talavera et al., 2004). De tal maneira, a formação continuada pode favorecer tanto a percepção de importância atribuída ao desenvolvimento de competências gerais como melhorar o nível de autoeficácia para sua aplicação (Barros et al., 2019). Além disso, especialistas tendem a ter mais tempo de atuação na área, sendo que este aspecto é fundamental para experiências mais positivas nos diferentes domínios dos serviços de carreira (Silva et al., 2014).
Ao considerar as competências especializadas, observou-se que as diferenças em função do perfil profissional foram na mesma direção das competências centrais. Novamente, os especialistas de carreira foram os que apresentaram maiores médias tanto para a autoavaliação como para relevância nos resultados encontrados. Tal dado reforça os apontamentos sobre a relação entre formação, prática e o desenvolvimento de melhores competências para atuação profissional (Ferraz et al., 2023). Uma vez que especialistas de carreira são pessoas com legitimidade e reconhecimento técnico e acadêmico (Schiersmann et al., 2016), é possível que estes possam influenciar positivamente os demais profissionais da área servindo como modelos para o desenvolvimento de boas competências de aconselhamento, consultoria e coordenação, gestão de serviços, dentre outras.
Um achado que merece destaque nos resultados é em relação às competências especializadas dos orientadores profissionais. Apesar de serem a maior categoria presente na amostra e lidarem de maneira mais direta com o atendimento das demandas típicas dos serviços de carreira (Schiersmann et al., 2016), estes apresentaram as menores médias de autoavaliação nas competências para Educação para carreira, Desenvolvimento de carreira, Aconselhamento, Consultoria e Coordenação e Investigação e Avaliação. Uma possível explicação para este dado refere-se ao fato de que no Brasil há pouca formação específica para os interessados em trabalhar com OPC (Ambiel et al., 2022; Lassance et al., 2007). De tal maneira, a ausência de formação teórica sólida e experiência prática e/ou supervisionada de maneira sistematizada pode gerar um baixo senso de eficácia, ainda que eles realizem tais tarefas cotidianamente.
Por sua vez, mentores de carreira apresentaram as menores médias para a relevância de Investigação e Avaliação e para relevância e autoavaliação de Gestão de Serviços e Programas. Considerando a natureza da função dos mentores e tutores, tais dados mostram-se pertinentes. Mentores de carreira são profissionais que tendem a aconselhar ou apoiar outras pessoas muito mais com base nas suas experiências pessoais e laborais do que em aspectos teóricos-metodológicos (Schiersmann et al., 2016). De tal maneira, as menores médias apresentadas nas competências citadas podem ser pelo fato de que tais tarefas não costumam fazer parte da rotina desse grupo profissional.
Considerações Finais
Considerando que soluções individualizadas têm se mostrado ineficazes e incapazes de resolver os graves problemas do desemprego estrutural, da precarização das relações de trabalho, da pobreza e das desigualdades sociais no país (Ribeiro, 2020) é urgente a oferta de intervenções carreira por meio de iniciativas comunitárias e de políticas públicas setorizadas (Oliveira et al., 2021). Frente à diversidade de opressões enfrentadas por pessoas e comunidades subalternizadas no país, como por exemplo as indígenas, quilombolas, pessoas negras, trabalhadores informais, vítimas de exploração sexual, imigrantes, vítimas de trabalho análogo à escravidão, pessoas LGBTQIA+, moradores da periferia, trabalhadores rurais e grupos outros, impõe-se novas demandas de formação especializada. Nesse sentido, propostas de formação para orientadores profissionais e para especialistas de carreira devem incluir teorias críticas e epistemologias híbridas culturalmente sensíveis (Ribeiro, 2018). Para tal, o ambiente dos congressos e ações da ABRAOPC é apropriado ao debate, mas insuficiente, pois não alcança a quantidade e diversidades de cursos de graduação, de formação continuada e de educação permanente.
Os caminhos passam pela a formação continuada e a educação permanente dos profissionais da carreira brasileiros, haja vista que esta é uma das condições para o desenvolvimento de competências teóricas e práticas (Barros et al., 2019). Considera-se relevante incentivar a atualização de currículos acadêmicos, especialmente dos cursos de Psicologia, Administração e Pedagogia para oferecer formação teórica e prática inicial, visto que são estes os profissionais que tradicionalmente oferecem serviços de carreira no país. Caberia, também, às formações latto ou strictu sensu, o desenvolvimento de competências especializadas, como por exemplo: atuar como gestores de políticas públicas, para trabalhar com redes locais, nacionais e internacionais para orientação educacional e profissional e/ou para trabalhar com comunidades para desenvolver, implementar e avaliar planos de ação econômicos, sociais, educacionais e de emprego. Além disso, demandas de educação, orientação e aconselhamento para pessoas com atravessamentos de gênero e de grupos específicos como migrantes, grupos étnicos e populações de risco têm sido cada vez mais comuns e requerem formação especializada dos profissionais da carreira. Por fim, competências especializadas, nos domínios da gestão da informação e da educação para carreira também precisam ser aprimoradas.
Além da formação, há necessidade de políticas públicas de oferta de serviços, de forma universal. A existência de programas e serviços universais leva à demanda por preparação. Trata-se de uma via de mão dupla: oferta de serviços e profissionais preparados, uma não existe sem a outra. Há anos se fala na necessidade dos orientadores profissionais brasileiros expandirem seu escopo de atuação, dos consultórios particulares para intervenções em programas e serviços educacionais, sociais e no âmbito do trabalho, emprego e renda. Para tal é preciso existir o ambiente de trabalho para os profissionais da carreira. Nas políticas públicas contemporâneas, surgem espaços de trabalho. No âmbito da Educação, é com o componente curricular projeto de vida, previsto na Base Nacional Comum Curricular (BNCC)3. No âmbito da assistência social é por meio do Programa de Promoção do Acesso ao Mundo do Trabalho (Acessuas Trabalho)4. Nos dois contextos, a atuação é possível no trabalho direto com estudantes realizado por psicólogos, educadores, assistentes sociais, entre outros trabalhadores das ciências humanas e sociais, que atuam como orientadores, mentores e especialistas em carreira, como membro de equipes multidisciplinares e como consultores. Cumpre destacar, a relevância da atuação de profissionais da carreira no âmbito do trabalho, emprego e renda, um espaço a ser desenvolvido. Em especial em temas como: (a) políticas públicas de trabalho, emprego e renda; (b) política de trabalho para a juventude, (c) qualificação social e profissional, entre outros.
Sobre o alcance da pesquisa, algumas limitações podem ser consideradas, especialmente em relação ao perfil e ao número de participantes, apesar do esforço na divulgação da pesquisa. Embora a amostra não tenha sido calculada em termos de representatividade estatística no território brasileiro, visto que não há dados sobre o número de profissionais da carreira no Brasil, considera-se o número de participantes alcançado razoável, semelhante ao tamanho amostral de outros estudos nacionais.
Como pistas para futuras investigações, sugere-se novos estudos com número maior de participantes, em um intervalo de tempo menor para acompanhamento da evolução do perfil socioprofissional e das demandas de competências para orientação profissional e de carreira no Brasil. Como pistas para intervenção, os resultados dão indicativos de competências a serem desenvolvidas nos cursos de formação e atualização. No contexto mais amplo, sugere-se que o debate sobre competências desejáveis e requeridas seja inserido nos eventos da ABRAOPC, como rotina, e com perspectiva de elaboração de diretrizes para a formação e, a seguir, para iniciar o debate sobre a certificação dos profissionais da carreira brasileiros.