Embora haja um avanço das mulheres no mundo laboral em termos de redução da desigualdade de gênero (Carvalho & Viego, 2023), um informe recente da Organização Internacional do Trabalho – OIT (2023). revela dados globais de que 15% das mulheres em idade ativa não têm emprego, embora quisessem trabalhar, e dentre os homens este percentual é de 10,5%. E o mais grave é a conclusão de que essa diferença de gênero permaneceu quase inalterada por duas décadas (2005-2022). Ademais, a literatura discute um conjunto de desigualdades no mercado de trabalho, indicando que a inserção e a trajetória das mulheres são mais desafiadoras (Barros & Mourão, 2018; Duarte & Spinelli, 2019; Ellemers, 2018), e que esse caminho se torna ainda mais difícil quando as pessoas são pardas e pretas (Biroli & Miguel, 2015; Carvalhaes & Ribeiro, 2019; Collins, 2015; Díaz-Benítez & Mattos, 2019; Mourão et al., 2023).
Na área de saúde, as mulheres representam a maioria dos profissionais (70%), o que caracteriza o fenômeno crescente da feminização no setor (Matos et al., 2013). Em profissões como Psicologia e Enfermagem, elas sempre foram maioria (Cofen, 2021; CFP, 2021) e vêm também ganhando proeminência em áreas como Odontologia e Medicina (Campos et al., 2016; Costa et al., 2010; Machado et al., 2006; Soares et al., 2019). Aárea de saúde tem algumas especificidades como uma forte discussão sobre os aspectos éticos do exercício profissional ou a relação com o cuidar do outro, que muitas vezes é associada a um papel que socialmente “cabe às mulheres” (Barros & Mourão, 2018).
Para além das questões de gênero, há que se discutir também marcadores raciais e de etnias em termos da formação e do mercado de trabalho na área de saúde. O interesse pela discussão de igualdade racial e étnica tem crescido (Oliveira & Macedo, 2021); no entanto, os estudos contemplando tais aspectos ainda são muito menos frequentes do que as pesquisas de gênero e os dados mais escassos. O racismo provoca a desigualdade racial, que se manifesta em todas as estruturas do país, configurando o denominado racismo estrutural. Assim, nas esferas políticas, sociais, educacionais e econômicas, há estereótipos que favorecem as classes dominantes e que resultam em processos de restrições de pessoas negras no mercado de trabalho (Almeida, 2019; Daufemback & Hasselmann, 2021).
Quando há uma interseção dos marcadores sociais de gênero e raça, os indicadores ficam ainda mais graves. Nas cinco regiões brasileiras, as mulheres negras são as mais vulneráveis no mercado de trabalho e o grupo mais desfavorecido em termos de espaços de poder e posições de status, com sobrerrepresentação nas ocupações de menor prestígio e com rendimentos mais baixos, denunciando que gênero e raça hierarquizam as desigualdades sociais (Abreu, 2021).
Ademais, há que se considerar uma intersecção entre os preconceitos de gênero e raça. As mulheres negras são costumeiramente alvo de exclusões e preconceitos, tendo seus direitos no mercado invadidos pela cor de sua pele e pelo seu gênero. Muitas vezes, ocupam funções laborais exaustivas, com tarefas braçais e repetitivas, composta de longas horas de trabalho e baixa remuneração, com poucos exemplos de outras mulheres pretas em cargos de liderança nos níveis hierárquicos mais altos (Oliveira & Macedo, 2021). Elas também sofrem com a sexualização dos seus corpos e a política sexual para as mulheres negras e com as imagens de controle que giram em torno das mulheres negras como mammies e matriarcas, como fortemente denunciado no feminismo negro (Collins, 2019; Ribeiro, 2018).
Assim como ocorre com outros estereótipos, aqueles atribuídos a gênero ainda se mantêm vivos em nossa sociedade de um modo geral e refletidos no mercado de trabalho (Barros & Mourão, 2018; Ellemers, 2018; Fernandez, 2019; Vilela & Hanashiro, 2020). Eles vêm se tornando mais sutis, mas ainda são reforçados por palavras e expressões que possuem diferentes efeitos retóricos, por vezes perpetuando “pré-conceitos” acerca dos papéis sociais femininos e masculinos (Scott, 2012). Diante da constatação desses estereótipos e preconceitos, podemos formular uma hipótese de pesquisa de que as percepções das mulheres sobre satisfação no trabalho, sobre sua autoeficácia ou sobre sua realização e desenvolvimento profissional se diferencia da percepção masculina, com desigualdades ainda maiores em termos de cor/raça.
A satisfação no trabalho é um fenômeno complexo e de difícil definição, por se tratar de um estado subjetivo, podendo variar de pessoa para pessoa, de circunstância para circunstância e ao longo do tempo para a mesma pessoa. Para Locke (1969), um dos primeiros autores a pesquisar o tema, a satisfação no trabalho era considerada um estado emocional, em que a alegria seria associada à satisfação e o desprazer associado à insatisfação. Portanto, a satisfação no trabalho resultaria da avaliação que as pessoas fazem de diferentes elementos presentes em sua prática laboral, com um saldo de sensação positiva de bem-estar.
No que diz respeito ao gênero, historicamente há uma associação da satisfação no trabalho com o gênero feminino. Uma possível explicação para essa associação, pode estar no fato de as expectativas das mulheres em relação ao seu emprego ou à sua carreira serem menores que as dos homens (Clark, 1997). Em estudo específico com profissionais de saúde, encontramos esta mesma explicação, indicando que as expectativas femininas são mais baixas, o que faz com que as mulheres atinjam níveis de satisfação mais facilmente (Carrillo-Garcia et al., 2013).
Essa pressuposição encontra amparo na Psicologia Social, que compreende a satisfação como o resultado da comparação do que se espera de uma situação com o que se consegue adquirir dela; evidenciando o papel que a concretização das expectativas assume na satisfação no trabalho (Ferreira et al., 2020). Nesse ínterim, a concepção sobre satisfação no trabalho deixou de ser algo relacionado exclusivamente à emoção, passando a ser entendida como uma avaliação subjetiva que reúne aspectos cognitivos e afetivos em relação às suas atividades profissionais (Judge & Kammeyer-Mueller, 2012).
Ademais, a satisfação profissional está ligada às variáveis autoeficácia profissional, realização profissional dos trabalhadores e desenvolvimento profissional (Barbosa et al., 2016; Bordignon et al., 2015; Mourão & Monteiro, 2018; Souza & Mattos, 2020; Ribeiro et al., 2018). Observamos que a satisfação laboral também está relacionada a raça/cor. O persistente preconceito e discriminação que as pessoas pardas e/ou pretas sofrem, principalmente as do gênero feminino, pode contribuir para uma maior insatisfação neste grupo, sendo frequente procedimentos de exclusão nos processos de recrutamento e seleção (Santos et al., 2019).
Do ponto de vista teórico, também há uma associação entre a autoeficácia profissional, ou seja, às crenças que a pessoa tem acerca de sua própria capacidade (Bandura, 1999). Tal crença volta-se para a autopercepção de competências no contexto laboral, no sentido de a pessoa se perceber como capaz de cumprir satisfatoriamente as tarefas que lhe são designadas. Destarte, a autoeficácia enfatiza que os indivíduos são influenciados pelas próprias convicções e delineiam os objetivos que devem seguir para alcançar resultados positivos em suas tarefas (Bandura, 1999). Na medida em que a pessoa avalia que cumpre bem suas atividades e que atende às expectativas em relação ao seu desempenho no trabalho, ela amplia a sua autoeficácia e sua percepção de desenvolvimento profissional, favorecendo sua arreira (Mourão & Monteiro, 2018; Viana & Mourão, 2019; Teixeira et al., 2019).
Assim, quanto mais a pessoa acredita em sua autoeficácia, mais ela busca por autonomia profissional e maior a probabilidade de ser bem-sucedida em sua carreira, o que afeta também a percepção que a pessoa tem de seu desenvolvimento profissional (Viana & Mourão, 2019). Tal desenvolvimento diz respeito à aquisição e aperfeiçoamento de habilidades, conhecimentos e atitudes em decorrência de ações formais e informais de aprendizagem ao longo da trajetória profissional (Mourão & Monteiro, 2018). O modelo transocupacional de desenvolvimento profissional apresentado por Fernandes et al. (2019) mostra que profissionais de diferentes categorias ocupacionais apresentam elementos comuns em seu processo de desenvolvimento. Assim, contexto de trabalho, motivação, formação/aprendizagem, elementos relacionais e experiências vividas são componentes que podem afetar o desenvolvimento das pessoas ao longo de suas carreiras.
O modelo das autoras também mostra um processo temporal, indicando que a motivação e a formação/ aprendizagem tendem a exercer uma influência maior no início da carreira, enquanto as experiências vividas e os relacionamentos interpessoais afetam mais aqueles que já ultrapassaram essa fase inicial da vida profissional. O contexto de trabalho, contudo, teria igual influência nas diferentes etapas de desenvolvimento, funcionando como um elemento guarda-chuva no modelo transocupacional de desenvolvimento profissional (Fernandes et al., 2019).
A realização profissional, por sua vez, é entendida como o alcance pelo trabalhador de metas e resultados de tarefas bem desempenhadas e que recebem elogios e avaliações positivas. É um processo dinâmico composto de objetivos e metas que necessitam de esforços dos indivíduos para serem atingidos (Oliveira-Silva et al., 2019). Nessa lógica, a ideia de realização profissional remete a uma autoavaliação do próprio trabalhador acerca do grau de desenvolvimento do alcance de seus objetivos, ou seja, a realização profissional não ocorre apenas quando a pessoa já atingiu totalmente as suas metas. O fato de se perceber no caminho para atingi-las já pode configurar uma realização profissional (Oliveira-Silva et al., 2019). Além disso, a realização profissional está interligada a aspectos fundamentais de prazer e de sofrimento que o trabalhador sente no trabalho e, portanto, relacionada aos estudos da psicodinâmica do trabalho e das teorias que versam sobre valores humanos e organizacionais (Geremia & Scapini, 2020).
Nos três conceitos aqui apresentados – autoeficácia, desenvolvimento profissional, e realização profissional -o protagonismo do processo é conferido ao trabalhador, no sentido de que a mensuração desses fenômenos se dá pela percepção que a própria pessoa tem acerca de suas capacidades, do quanto ela evoluiu e de quão próxima está ou não de atingir seus objetivos e metas pessoais (Mourão & Monteiro, 2018; Oliveira et al., 2019; Teixeira et al., 2019). A despeito de haver estudos com comparações de gênero acerca dessas variáveis, não foram identificadas pesquisas voltadas para comparações de raça/cor, contemplando esses construtos e os profissionais da área de saúde. Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi comparar a satisfação no trabalho, a autoeficácia, o desenvolvimento e a realização profissional na área da saúde de mulheres e homens e de grupos raciais brancos e pretos/pardos. Tal estudo se justifica pela supremacia histórica de homens brancos como profissionais de Ensino Superior e pelos estereótipos e discriminações que limitam o desenvolvimento de mulheres, principalmente das pardas e pretas, caracterizando uma interseccionalidade nos comportamentos de preconceito.
Método
Participantes
A fim de que pudessem ser realizadas comparações por gênero (homens e mulheres) e por raça/cor (branca e parda/preta), foi definida previamente uma amostra de conveniência de, no mínimo, 400 participantes, tendo como critério de inclusão serem profissionais de saúde de nível superior. A pesquisa conseguiu englobar um total de 444 profissionais, oriundos de 17 estados brasileiros e do Distrito Federal, com maioria residente no Rio de Janeiro.
Foi aplicado um questionário sociodemográfico para caracterização da amostra, que permitiu identificar que a amostra contemplou 242 mulheres, 163 homens, e 30 pessoas do grupo não-binário, além de 9 pessoas que deixaram essa resposta em branco. Embora tenha sido feito um esforço para contemplar este último grupo, o quantitativo obtido não permitiu que fossem realizadas análises estatísticas com o necessário grau de confiabilidade. Por esse motivo, as comparações contemplaram exclusivamente participantes que se identificaram como gênero “masculino” ou “feminino”.
A pergunta sobre a cor era de autodeclaração com resposta aberta. As cores mencionadas pelos participantes foram: branca, parda, preta, amarela, caucasiana, morena, negra, moura, leucoderma e azul. As respostas foram classificadas por duas juízas seguindo o padrão de cores do IBGE (branca, amarela, parda e preta). Os resultados obtidos foram: 59% de cor branca, 19,6% de cor parda, 20,7% de cor preta e 0,5% de cor amarela. A pessoa que respondeu ser da cor “azul” ficou sem classificação de cor. Para fins de comparação, foram constituídos dois grupos: pessoas brancas e pessoas pardas/pretas, sendo desconsideradas das análises a categoria amarela por ter apenas dois participantes. Nesse sentido, após os agrupamentos, ficamos com uma categoria de pessoas pardas/pretas que corresponde a 41% da amostra. A variabilidade em termos de idade foi expressiva, com mínimo de 25 anos e máximo de 86 (M = 46,7; DP = 11,3).
A atuação profissional contemplou diferentes áreas, com predomínio da Odontologia (26,6%), seguida por Psicologia (14,4%), Medicina (13,7%), Enfermagem (13,3%), Fisioterapia (9,2%) e Nutrição (5,2%). O tempo de trabalho variou de 1 a 61 anos (M = 16,1; DP = 10,9). A renda mensal desses profissionais oscilou de R$ 1.000,00 a R$ 300.000,00 (M = R$ 15.562,70; DP = R$ 23.465,84), indicando elevada heterogeneidade nos rendimentos, cuja mediana foi R$ 8.500,00. Quase a metade da amostra (48,4%) era de profissionais autônomos, sendo que alguns participantes tinham mais de um vínculo de trabalho, tendo 45,9% que atuavam como celetistas, 14% como empresários e 11% como servidores públicos.
Instrumentos
Foram utilizadas quatro escalas, que permitem aplicação em conjunto ou separadamente, e que foram escolhidas pela fidedignidade e por ter evidências de validade com estudos em amostras brasileiras. Também foi aplicado um questionário sociodemográfico para a caracterização da amostra, com perguntas sobre sexo, idade, profissão, tempo de trabalho, remuneração mensal, tipo de vínculo de trabalho e estado em que reside.
A Escala de Autoeficácia Profissional contém 10 itens e é unifatorial (Teixeira et al., 2019), com fidedignidade mensurada pelo Alpha Cronbach de 0,83. Embora inicialmente planejada para aplicação em universitários, os itens da dimensão de autoeficácia profissional não fazem qualquer menção ao contexto académico e nem se restringem a ele. Seus itens foram respondidos por uma escala de concordância tipo Likert, de cinco pontos. Um exemplo de item: “Eu percebo que tenho qualidades pessoais importantes para exercer bem a minha profissão”.
A Escala de Satisfação no Trabalho – EST (Siqueira, 2008) foi adotada a partir de sua versão reduzida, composta por 15 itens e cinco dimensões (satisfação com os colegas, com o salário, com a chefia, com a natureza do trabalho e com as promoções). Os indicadores de confiabilidade da medida (Alpha de Cronbach) no estudo original variaram de 0,77 a 0,90. Um exemplo de item é: “No meu trabalho atual sinto-me... (totalmente satisfeito, satisfeito, nem satisfeito nem insatisfeito, insatisfeito ou totalmente insatisfeito) com o espírito de colaboração dos meus colegas de trabalho”.
A Escala de Realização Profissional – ERP (Oliveira-Silva et al., 2019) foi desenvolvida com duas partes distintas. Na primeira, os participantes foram convidados a avaliar 16 itens, com conteúdo de possíveis metas profissionais, divididos em quatro dimensões: autotranscedência, abertura à mudança, autopromoção e conservação. A consistência interna da escala original foi mensurada pelo Alpha de Cronbach, com índices que variaram de 0,72 a 0,93. Para cada item, os participantes responderam tanto à importância atribuída a cada meta, quanto às percepções de alcance, ambas com escalas tipo Likert de cinco pontos. Um exemplo de item foi: “Ter um trabalho que traga novidades constantes”. Também foi perguntado, em uma escala de um a cinco, qual era a avaliação global que a pessoa fazia do seu grau de realização profissional atual.
A Escala de Percepção Atual de Desenvolvimento Profissional – EPADP (Mourão et al., 2022) apresenta seis itens e estrutura unifatorial, com Alpha de Cronbach de 0,82. As respostas a esse instrumento foram atribuídas por meio de escala tipo Likert de concordância e cinco pontos. Um exemplo de item: “Tive um expressivo desenvolvimento profissional desde que comecei a trabalhar”.
Procedimentos de coleta de dados
O projeta de pesquisa foi previamente aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (CAEE: 50557221.6.0000.5282). O acesso aos profissionais de saúde que participaram do survey foi feito a partir de contatos pessoais, e também por meio de indicações de conselhos e associações profissionais, e divulgação em redes sociais como LinkedIn. Os participantes da pesquisa foram informados do objetivo da investigação e das regras de participação, e aqueles que concordaram em participar assinalaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE como condição para fazer parte da amostra. A coleta de dados foi realizada de forma individual e on-line, com questionários autoaplicados.
Procedimentos de análises de dados
Para o estudo quantitativo, as análises foram realizadas por meio do Jamovi 1.6.3., um software estatístico, de linguagem aberta e com interface gráfica, que permite fazer as análises inclusive as de tamanho do efeito. Para comparações das médias de Autoeficácia, Desenvolvimento Profissional e de Realização Profissional nas categorias de saúde pesquisadas e para a comparação de homens e mulheres foram utilizados testes t de Student para amostras independentes, com teste de Levene para a identificação do valor de t, nas situações em que a variância pode ou não ser presumida. Para os casos em que o teste t foi significativo (p < 0,05), foi realizada também a análise do d de Cohen para estimar o tamanho do efeito, assumindo como valor mínimo o parâmetro d > 0,20 (Espiríto-Santo & Daniel, 2017).
Resultados
A análises dos testes t de Student indicaram não haver diferenças significativas entre profissionais homens e mulheres de nível superior na área da saúde em termos dos escores médios de Realização Profissional, Autoeficácia, Satisfação no Trabalho e Desenvolvimento Profissional (Tabela 1). A única exceção ocorreu na dimensão da meta de Conservação da variável Realização Profissional em que os homens apresentaram tanto uma importância maior atribuída a esta meta, como também uma percepção maior de alcance. Isso indica que os profissionais de saúde do sexo masculino têm uma percepção bastante distinta sobre a meta de conservação quando comparados às profissionais de saúde do sexo feminino.
Variáveis | Grupo | n | M | Me | DP | EP | Testes t (p e d de Cohen) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Satisfação com Tarefa | Fem. | 214 | 4,00 | 4,00 | 0,85 | 0,06 | t = 0,53; p = 0,59 |
Masc. | 156 | 4,04 | 4,00 | 0,86 | 0,07 | ||
Satisfação com Salário | Fem. | 197 | 3,20 | 3,00 | 1,10 | 0,08 | t = 0,72; p = 0,47 |
Masc. | 138 | 3,29 | 3,00 | 1,13 | 0,10 | ||
Satisfação com Promoção | Fem. | 154 | 3,09 | 3,00 | 1,21 | 0,10 | t = 1,33; p = 0,18 |
Masc. | 101 | 2,88 | 3,00 | 1,26 | 0,13 | ||
Satisfação com Chefia | Fem. | 169 | 3,84 | 4,00 | 0,80 | 0,06 | t = 0,60; p = 0,55 |
Masc. | 116 | 3,90 | 4,00 | 0,87 | 0,08 | ||
Satisfação com Colegas | Fem. | 187 | 3,87 | 4,00 | 0,65 | 0,05 | t = 0,57; p = 0,57 |
Masc. | 130 | 3,92 | 4,00 | 0,69 | 0,06 | ||
Desenvolvimento Profissional | Fem. | 243 | 4,42 | 4,75 | 0,69 | 0,04 | t = 0,31; p = 0,76 |
Masc. | 167 | 4,40 | 4,75 | 0,69 | 0,05 | ||
Realização Prof. – Importância meta Conservação | Fem. | 243 | 3,93 | 4,00 | 0,97 | 0,06 | t = 3,96; p = 0,01; d =0,40 |
Masc. | 167 | 4,28 | 4,50 | 0,74 | 0,06 | ||
Realização Prof. – Alcance meta Conservação | Fem. | 243 | 3,86 | 4,00 | 0,94 | 0,06 | t = 3,71; p = 0,01; d = 0,37 |
Masc. | 167 | 4,19 | 4,00 | 0,79 | 0,06 | ||
Realização Prof. – Importância meta Autopromoção | Fem. | 243 | 4,62 | 5,00 | 0,57 | 0,04 | t= 0,51; p = 0,61 |
Masc. | 167 | 4,59 | 5,00 | 0,55 | 0,04 | ||
Realização Prof. – Alcance meta Autopromoção | Fem. | 243 | 4,45 | 4,75 | 0,66 | 0,04 | t = 0,33; p = 0,74 |
Masc. | 167 | 4,47 | 4,75 | 0,63 | 0,05 | ||
Realização Prof. – Importância meta Abertura de Mudança | Fem. | 243 | 3,75 | 3,75 | 0,87 | 0,06 | t = 1,70; p = 0,09 |
Masc. | 167 | 3,90 | 4,00 | 0,84 | 0,07 | ||
Realização Prof. – Alcance meta Abertura a Mudança | Fem. | 243 | 3,57 | 3,50 | 0,98 | 0,06 | t = 0,92; p = 0,36 |
Masc. | 167 | 3,66 | 3,75 | 1,03 | 0,08 | ||
Realização Prof. – Importância meta Autotranscendência | Fem. | 243 | 4,12 | 4,25 | 0,71 | 0,05 | t = 0,35; p = 0,73 |
Masc. | 167 | 4,10 | 4,00 | 0,70 | 0,05 | ||
Realização Prof. – Alcance meta Autotranscendência | Fem. | 243 | 3,74 | 3,75 | 0,79 | 0,05 | t = 0,51; p = 0,61 |
Masc. | 167 | 3,79 | 3,75 | 0,81 | 0,06 | ||
Autoeficácia | Fem. | 243 | 4,26 | 4,33 | 0,60 | 0,04 | t = 1,33; p = 0,18 |
Masc. | 167 | 4,34 | 4,33 | 0,58 | 0,04 | ||
Grau de satisfação com as metas | Fem. | 243 | 4,10 | 4,00 | 0,95 | 0,06 | t = 0,70; p = 049 |
Masc. | 167 | 4,17 | 4,00 | 0,88 | 0,07 | ||
Grau de Realização Prof.profissional | Fem. | 243 | 4,02 | 4,00 | 0,97 | 0,06 | t = 0,62; p = 0,53 |
Masc. | 167 | 4,08 | 4,00 | 0,91 | 0,07 | ||
Proximidade de alcance da meta profissional | Fem. | 130 | 3,42 | 3,00 | 0,96 | 0,08 | t = 0,85; p = 0,40 |
Masc. | 103 | 3,53 | 3,00 | 1,03 | 0,10 |
Nota. n = amostra; M = média; Me = mediana; DP = desvio-padrão; EP = erro padrão; Prof = profissional; Fem = feminino; Masc = masculino
Mas se as diferenças em termos de gênero foram praticamente inexistentes, o mesmo não ocorreu em relação às diferenças de cor/raça, estando os profissionais de saúde de nível superior pretos ou pardos com escores inferiores aos profissionais de cor branca em várias dimensões e construtos estudados (Tabela 2).
Variáveis | Grupo | n | M | Me | DP | EP | Testes t (p e d de Cohen) |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Satisfação com Tarefa | Branca | 234 | 4,01 | 4,00 | 0,86 | 0,06 | t = 0,30; p = 0,76 |
Parda/Preta | 168 | 4,03 | 4,00 | 0,84 | 0,07 | ||
Satisfação com Salário | Branca | 216 | 3,25 | 3,00 | 1,12 | 0,08 | t = 0,43; p = 0,67 |
Parda/Preta | 146 | 3,20 | 3,00 | 1,05 | 0,09 | ||
Satisfação com Promoção | Branca | 155 | 3,18 | 3,00 | 1,16 | 0,09 | t = 3,66; p = 0,01; d = 0,44 |
Parda/Preta | 124 | 2,65 | 2,17 | 1,25 | 0,11 | ||
Satisfação com Chefia | Branca | 174 | 3,96 | 4,00 | 0,77 | 0,06 | t =2,85; p = 0,01; d = 0,33 |
Parda/Preta | 138 | 3,69 | 4,00 | 0,86 | 0,07 | ||
Satisfação com Colegas | Branca | 201 | 3,93 | 4,00 | 0,65 | 0,05 | t = 2,50; p = 0,01; d = 0,21 |
Parda/Preta | 143 | 3,75 | 4,00 | 0,69 | 0,06 | ||
Desenvolvimento Profissional | Branca | 262 | 4,48 | 4,75 | 0,66 | 0,04 | t = 3,04; p = 0,01; d = 0,29 |
Parda/Preta | 179 | 4,27 | 4,25 | 0,75 | 0,06 | ||
Realização Prof. - Importância meta Conservação | Branca | 262 | 3,96 | 4,00 | 0,95 | 0,06 | t = 3,44; p = 0,01; d = 0,33 |
Parda/Preta | 179 | 4,25 | 4,50 | 0,74 | 0,06 | ||
Realização Prof. - Alcance meta Conservação | Branca | 262 | 3,93 | 4,00 | 0,91 | 0,06 | t = 2,21; p = 0,03; d = 0,21 |
Parda/Preta | 179 | 4,11 | 4,00 | 0,82 | 0,06 | ||
Realização Prof. - Importância meta Autopromoção | Branca | 262 | 4,57 | 5,00 | 0,61 | 0,04 | t = 0,80; p = 0,42 |
Parda/Preta | 179 | 4,62 | 5,00 | 0,51 | 0,04 | ||
Realização Prof. - Alcance meta Autopromoção | Branca | 262 | 4,46 | 4,75 | 0,65 | 0,04 | t = 0,39; p = 0,70 |
Parda/Preta | 179 | 4,43 | 4,75 | 0,64 | 0,05 | ||
Realização Prof. - Importância meta Abertura de Mudança | Branca | 262 | 3,83 | 3,75 | 0,87 | 0,05 | t = 1,90; p = 0,06 |
Parda/Preta | 179 | 3,67 | 3,50 | 0,88 | 0,07 | ||
Realização Prof. - Alcance meta Abertura a Mudança | Branca | 262 | 3,66 | 3,75 | 0,94 | 0,06 | t = 2,79; p = 0,01; d = 0,21 |
Parda/Preta | 179 | 3,39 | 3,25 | 1,08 | 0,08 | ||
Realização Prof. - Importância meta Autotranscendência | Branca | 262 | 4,09 | 4,00 | 0,73 | 0,04 | t = 0,50; p = 0,62 |
Parda/Preta | 179 | 4,06 | 4,00 | 0,68 | 0,05 | ||
Realização Prof. - Alcance meta Autotranscendência | Branca | 262 | 3,77 | 3,75 | 0,77 | 0,05 | t = 1,17; p = 0,24 |
Parda/Preta | 179 | 3,68 | 3,50 | 0,84 | 0,06 | ||
Autoeficácia | Branca | 262 | 4,34 | 4,33 | 0,56 | 0,03 | t = 3,31; p = 0,01; d = 0,32 |
Parda/Preta | 179 | 4,15 | 4,00 | 0,61 | 0,05 | ||
Grau de satisfação com as metas | Branca | 262 | 4,16 | 4,00 | 0,90 | 0,06 | t = 1,17; p = 0,24 |
Parda/Preta | 179 | 4,06 | 4,00 | 0,94 | 0,07 | ||
Grau de Realização Prof.profissional | Branca | 262 | 4,14 | 4,00 | 0,89 | 0,05 | t = 2,45; p = 0,02; d =0,24 |
Parda/Preta | 179 | 3,92 | 4,00 | 0,99 | 0,07 | ||
Proximidade de alcance da meta profissional | Branca | 141 | 3,55 | 4,00 | 1,02 | 0,09 | t = 1,81; p = 0,07; d =0,23 |
Parda/Preta | 113 | 3,33 | 3,00 | 0,95 | 0,09 |
Nota. n = amostra; M = média; Me = mediana; DP = desvio-padrão; EP = erro padrão; Prof = profissional
Na satisfação com o trabalho, por exemplo, além das diferenças significativas, observamos um efeito expressivo na satisfação com promoção, sendo os escores médios dos profissionais de cor branca superiores aos escores médios dos profissionais de cor parda ou preta. Os resultados para a satisfação com a chefia caminharam na mesma direção, com diferenças significativas entre os grupos e escores mais altos para as pessoas brancas do que para as pessoas pardas ou pretas. Por fim, a satisfação com os colegas também foi estatisticamente distinta, mais uma vez com resultados favoráveis às pessoas brancas em detrimento das pessoas pardas ou pretas.
Foram encontradas diferenças significativas também entre os escores médios de desenvolvimento profissional, com um efeito também expressivo, tendo os profissionais de cor branca percebido mais desenvolvimento do que os de cor parda ou preta. Ademais, os resultados para a realização profissional apresentaram diferenças nas dimensões de metas de conservação e abertura à mudança.
No caso da meta de conservação, as pessoas brancas apresentaram um escore médio mais baixo para a importância desse tipo de meta do que as pessoas pardas ou pretas, o que resultou em uma diferença significativa entre os grupos pesquisados. A percepção de alcance da meta de conservação também teve diferença estatisticamente distinta entre os grupos, com escores mais baixos para as pessoas brancas do que para as pardas ou pretas. Por fim, no que diz respeito à percepção de alcance da meta de abertura a mudança, observamos que o grupo de profissionais de cor branca apresentou médias mais elevadas do que o grupo de profissionais de cor parda ou preta, indicando diferenças significativas entre os grupos e com um tamanho de efeito digno de nota.
Também foram encontradas diferenças significativas em relação à autoeficácia e ao grau de realização profissional global. No primeiro caso, o grupo de profissionais de saúde de cor branca apresentou escores médios mais elevados do que o grupo de profissionais de cor parda ou preta. No segundo caso – grau de realização profissional global – o grupo de pessoas brancas também apresentou média mais alta do que o grupo de pessoas pardas e pretas, ainda que com uma diferença um pouco menor do que a que foi verificada para a variável de autoeficácia.
Assim, a Tabela 1 detalhou os resultados obtidos na comparação dos grupos de acordo com o gênero e, a Tabela 2 a comparação de acordo com a cor/raça. Uma vez apresentados esses resultados e as diferenças existentes entre os grupos, tais achados serão discutidos na próxima seção, à luz do referencial teórico previamente apresentado.
Discussão
O objetivo deste estudo foi comparar a satisfação no trabalho, a autoeficácia, o desenvolvimento e a realização profissional na área da saúde de mulheres e homens e de grupos raciais brancos e pretos/pardos. A literatura discute a desigualdade de gênero e de raça/cor no mercado de trabalho, com sinalizações de que a inserção e a trajetória das mulheres são mais difíceis do que dos homens (Barros & Mourão, 2018; Ellemers, 2018), e que há uma intersecção com cor/raça, que privilegia as pessoas brancas (Biroli & Miguel, 2015; Carvalhaes & Ribeiro, 2019; Collins, 2015; Díaz-Benítez & Mattos, 2019).
O survey realizado neste estudo não revela diferenças expressivas de gênero nas avaliações de satisfação no trabalho, desenvolvimento profissional ou realização profissional de homens e mulheres que atuam como profissionais de saúde de nível superior. Possivelmente, isso decorre inclusive da feminização das profissões de saúde, incluindo áreas como Odontologia e Medicina que, no passado, foram quase que exclusivas do público masculino (Campos et al., 2016; Costa et al., 2010; Matos et al., 2013; Soares et al., 2019). Algumas dessas profissões – como a Psicologia e a Enfermagem – são consideradas, inclusive, como profissões femininas, devido ao elevado contingente de mulheres nessas áreas (COFEN, 2021; CFP, 2021).
Assim, a satisfação no trabalho não teve escores médios com diferença significativa em relação ao gênero feminino ou masculino. Vale considerar que, o estudo de Carrillo-Garcia et al. (2013) pontua que as mulheres são mais suscetíveis a maior satisfação no trabalho em função de possuírem menores expectativas em relação à carreira. Da mesma forma, não foram encontradas diferenças nas percepções de desenvolvimento profissional entre os homens e as mulheres que participaram do estudo. As únicas diferenças de gênero encontradas dizem respeito à realização profissional, especificamente no que concerne à percepção de importância e de alcance da meta de conservação. Nesse caso, os homens apresentaram escores mais elevados do que as mulheres.
A meta de conservação diz respeito a uma manutenção do status quo, com a busca de realização de trabalhos que sejam prazerosos e que atendam às expectativas que a sociedade tem da pessoa, evitando frustrá-las, e atuando em um ambiente de trabalho com hierarquia clara, com manutenção do padrão e da tradição das atividades no cotidiano de trabalho (Oliveira-Silva et al., 2019). Nesse sentido, os profissionais de saúde do sexo masculino não só valorizam mais as metas de conservação (escores de importância), mas também consideram que atingem mais essas metas (escores de alcance). Os resultados apontam, portanto, que os homens são mais suscetíveis a atender às expectativas que a sociedade tem deles como profissionais do que as mulheres, o que pode estar associado aos estereótipos de homem como o provedor das famílias (Duarte & Spinelli, 2019; Medeiros & Campos, 2020). Os estereótipos de que lugar de mulher é em casa, cuidando dos filhos e das tarefas domésticas, também podem explicar esses resultados, uma vez que elas costumam receber salários mais baixos e estarem mais sobrecarregadas (Barros & Mourão, 2018; Biroli & Miguel, 2015).
Mas se, se por um lado, há poucas diferenças em relação ao gênero entre os profissionais de saúde; por outro, em relação à cor/raça foram encontradas diferenças bastante expressivas. Assim, os resultados desta pesquisa confirmam o que estudos do feminismo negro já apontavam: o fator raça antecede o fator gênero no que se refere a discriminações e desigualdades (Collins, 2019; Ribeiro, 2018). Constatamos, então, que esta também é a situação do grupo de profissionais de saúde de nível superior. A esse respeito cabe o registro de que, apesar do aumento da presença de pessoas pardas e pretas nos cursos de graduação, o percentual dessa população com Ensino Superior ainda é muito desigual (Mourão et al., 2023).
Observamos que a satisfação com a promoção, a satisfação com a chefia e a satisfação com os colegas apresentam uma diferença significativa em favor dos profissionais de cor branca. Esses achados confirmam que o preconceito estrutural em nossa sociedade pode afetar diversos desses fatores no grupo de pessoas pardas ou pretas (Almeida, 2019). Pessoas pardas ou pretas enfrentam discriminação racial e uma desigualdade em relação a oportunidades de estudos, além de um incentivo familiar muitas vezes reduzido pelo descrédito de que é possível para essas pessoas ocuparem determinadas posições, além de limitações à integração e ao desenvolvimento deste grupo no ambiente de trabalho (Collins, 2015; Oliveira & Macedo, 2021).
Um ponto interessante a ser observado diz respeito às metas de conservação, cujos escores foram mais elevados para as pessoas pardas/pretas do que para as pessoas brancas. Nesse sentido, o primeiro grupo teria mais intenção de manter os padrões e tradições no mundo do trabalho do que as pessoas brancas. Uma possível explicação para este fato pode estar no grupo pesquisado que compreende profissionais de nível superior que atuam na área da saúde. Portanto, as pessoas pardas/pretas desse grupo conseguiram uma posição social e profissional que as diferencia, o que pode explicar suas metas de conservação em termos de realização profissional.
Essa possível explicação seria reforçada pelos resultados relativos ao alcance da meta de abertura à mudança, em que o grupo de profissionais de cor branca apresenta média significativamente mais elevada do que o grupo de profissionais de cor parda/preta. Isso pode sinalizar que as pessoas que percorreram um caminho mais difícil para chegar à atual posição profissional valorizem menos o alcance da meta de abertura a mudança. Isso pode estar associado, por exemplo, ao fato de grupos de pessoas brancas serem mais valorizadas e receberem mais elogios e avaliações positivas do que grupos de pessoas pardas/pretas (Santos & Silva, 2019; Vilela & Hanashiro, 2020). Isso também pode explicar a menor satisfação desse último grupo com a chefia, com os colegas ou com o sistema de promoção em suas organizações de trabalho.
No que concerne ao desenvolvimento profissional e ao grau de realização profissional, este estudo também apontou para discrepâncias raciais, com escores médios mais altos para os profissionais de cor branca do que para os profissionais de cor parda/preta, em ambas as variáveis. O mesmo pode ser dito em relação à autoeficácia, pois os/as participantes da pesquisa de cor parda ou preta apresentaram níveis mais baixos do que os/as participantes de cor branca. Em decorrência, o grupo de profissionais de saúde de cor parda/preta têm uma crença mais baixa acerca de sua própria capacidade profissional, o que denuncia um efeito deletério do racismo estrutural (Almeida, 2019; Collins, 2019; Ribeiro, 2018).
Portanto, em seu conjunto, os achados deste estudo permitem concluir que existe no mercado da área de profissionais de saúde com nível superior uma significativa diferença entre os trabalhadores em relação à cor/raça, sendo que os resultados favorecem as pessoas de cor branca, em detrimento das pessoas pardas/pretas, corroborando a literatura sobre o tema preconceito e discriminação racial (Almeida, 2019; Collins, 2019; Ribeiro, 2018; Souza & Mattos, 2020).
Concluímos, portanto, que embora os estereótipos de gênero ainda estejam presentes, os estereótipos de raça/cor, que caracterizam o racismo estrutural, são ainda mais presentes e fortes que os estereótipos de gênero, pelo menos quando se compara homens e mulheres profissionais de saúde. Como resultado, há uma restrição da participação de pessoas pardas e pretas no mercado de trabalho, limitando sua ascensão profissional, independentemente do grau de conhecimento, habilidades ou da formação dessas pessoas (Almeida, 2019; Duarte & Spinelli, 2019).
Considerações Finais
Os resultados deste estudo apresentam contribuições relevantes, pois denunciam um racismo estrutural, que por vezes ainda é negado em nosso país. Cumpre o registro de que, em nenhum momento da pesquisa, houve qualquer pergunta sobre preconceito de gênero ou preconceito racial. A estratégia metodológica foi a de aplicar as escalas indistintamente para pessoas de diferentes perfis e analisar os resultados a partir da comparação de grupos. Essa é uma informação relevante porque deixa evidente que as diferenças obtidas nos escores de satisfação no trabalho, autoeficácia, desenvolvimento e realização profissional não derivam de um possível viés de perguntas sobre estereótipos ou preconceitos. A aplicação dos instrumentos de coleta de dados e a abordagem da pesquisa mencionava tão somente um estudo sobre o desenvolvimento profissional e a satisfação no trabalho de profissionais de saúde. Nesse sentido, os resultados obtidos oferecem uma contribuição consistente ao apontar as desigualdades ainda presentes em nossa sociedade, mesmo quando consideramos profissionais de nível superior na área de saúde.
Apesar dessa contribuição, o estudo também apresenta limitações. Uma delas foi o tamanho da amostra que não permitiu uma análise por categoria profissional. Outra limitação foi não ter conseguido uma amostra suficiente para as análises de profissionais de saúde que se classificam como não-binários, o que levou a uma análise dos estereótipos de gênero contemplando apenas homens e mulheres. Além disso, também seria importante que a amostra contemplasse outras etnias, para que o estudo pudesse se estender para além das questões de cor/raça.
Estudos futuros podem ampliar tais amostras e contemplar profissionais de outras áreas. Ademais, também seria importante que outros estudos incluíssem outras variáveis como a conciliação trabalho-família, a aspiração à liderança, os propulsores do desenvolvimento profissional, a construção de redes profissionais, que possivelmente variam em função do gênero, da raça/cor e da etnia. Por fim, também seria recomendável a realização de estudos de abordagem qualitativa, que permitissem um aprofundamento dos resultados quantitativos, considerando as trajetórias dos profissionais de saúde a partir dos marcadores sociais.