Apesar de ser considerada uma transição esperada e desejada, a saída da universidade para o mundo trabalho é considerada um momento gerador de diferentes sensações e sentimentos (Oliveira et al., 2013; Remor et al., 2022). Finalizar esta etapa educacional da vida, representada pela conclusão do ensino superior, desperta a sensação de dever cumprido e de superação de desafios. Porém, a perspectiva de iniciar uma vida laboral, atuar profissionalmente e atender as exigências do mundo do trabalho nem sempre gera expectativas positivas (Peixoto et al., 2020; Rodrigues & Oliveira 2023), principalmente diante de um contexto econômico caracterizado por alta competitividade e escassez de postos de trabalho. Sentimentos de insegurança, ansiedade, medo e falta de preparo são comuns, mas nem sempre afetam as pessoas da mesma forma.
O momento em que as transições acontecem, os impactos que causam na rotina e a percepção sobre os recursos de que o indivíduo dispõe para enfrentá-las são alguns dos elementos que afetam a forma de lidar com a transição (Anderson et al., 2021). Independente da maneira como cada egresso encara sua transição para o trabalho, as expectativas daqueles que finalizam o ensino superior e se prepararam para dar início a uma carreira são bem parecidas. Geralmente, a busca pelo diploma de graduação vem acrescida de desejos e perspectivas de aquisição e manutenção de um emprego na área de formação, e pela construção de uma carreira na área escolhida (Veriguine et al., 2010). Tudo isso atrelado, de preferência, a retornos financeiros que garantam a sobrevivência e promovam uma melhor qualidade de vida. À medida que essas expectativas vão sendo atendidas, aumenta a percepção de uma transição bem-sucedida, gerando um sentimento de sucesso na transição.
Em alguns estudos, as expressões ‘sucesso na carreira’ e ‘sucesso na transição’ se confundem. Os autores alternam o uso dessas expressões como se tratando do mesmo fenômeno, entretanto, cabe uma distinção teórica desses dois momentos (Oliveira et al., 2013). Adotar uma concepção de transição enquanto um processo dilatado ao longo do tempo e que se desenvolve gradualmente desde a entrada na vida acadêmica até o ajustamento às exigências do mundo do trabalho (Lent et al., 1999; Vieira & Coimbra, 2006; Vieira et al., 2011; Vieira, 2012), não significa dizer que esse é um processo que se estende até o final da vida laboral do indivíduo, o que seria o caso do conceito de carreira. A transição do ensino superior para o mundo do trabalho é um processo que tem início, meio e fim, e pode ser considerado como uma etapa dentro de um processo maior que é o desenvolvimento da carreira ao longo da vida (Rodrigues & Oliveira 2023).
A duração da transição varia de acordo com planos profissionais individuais e depende das experiências de trabalho, da construção de uma identidade profissional e do sentimento de estar plenamente adaptado às exigências do mundo do trabalho (Oliveira, 2014). Pesquisas sobre a transição universidade-trabalho geralmente são realizadas com formandos, finalistas, recém-formados e/ou egressos (Carneiro & Sampaio, 2016; Remor et al., 2022; Vieira, 2012). Ou seja, a população pesquisada se encontra delimitada dentro de um espaço-tempo específico que se desenvolve ao redor do tempo (ou momento) da graduação.
O sucesso na transição universidade-trabalho vem sendo estudado numa perspectiva multidimensional (Vieira & Coimbra, 2006; Oliveira et al., 2013; Oliveira, 2014; Rodrigues & Oliveira, 2023), identificando duas dimensões que ajudam a compreender e avaliar o fenômeno: uma objetiva e outra subjetiva. A perspectiva objetiva de sucesso está relacionada ao alcance de resultados profissionais que atendam às expectativas sociais (salário; segurança no emprego; vínculo empregatício). Enquanto a dimensão subjetiva tem relação com a avaliação que cada egresso faz das próprias conquistas e o quanto se sente confiante em relação ao futuro na sua carreira (satisfação com o trabalho e a profissão; adaptabilidade; valorização; reconhecimento).
A partir da compreensão de que a vivência das transições depende da forma como o indivíduo percebe os impactos em sua vida (Anderson et al., 2021) e da identificação de diferentes percepções dos indicadores de sucesso (Oliveira, 2014), tornou-se fundamental pesquisar o sucesso na transição a partir da própria percepção do egresso, em lugar de inferir sucesso única e exclusivamente a partir do levantamento de dados quantitativos referentes a cargos que estão ocupando, faixas salariais ou promoções na carreira. Assim, é possível afirmar que o sucesso pode ter diferentes representações para cada indivíduo e que as percepções de sucesso podem ser afetadas tanto por variáveis pessoais quanto por variáveis contextuais (Masdonati et al., 2022; Okumoto et al., 2022).
O contexto acadêmico se caracteriza pela diversidade (faixa etária, etnia, orientação sexual, condições financeiras), principalmente em instituições públicas, onde indivíduos oriundos de diferentes contextos socioeconômicos e culturais, e com diferentes conjuntos de valores e visões de mundo compartilham os mesmos espaços durante os anos de formação profissional (Casanova et al, 2021). Diversidade esta que foi ampliada, significativamente, com a adoção das políticas afirmativas, ao facilitar o acesso ao ensino superior de pessoas pertencentes a minorias e advindas de classes econômicas menos favorecidas, ao mesmo tempo em que gerou uma diferenciação entre os grupos no que se refere à forma de ingresso à universidade (Ribeiro et al., 2019). A Lei de Cotas, n° 12.711/2012 (Brasil, 2012), possibilitou a entrada na universidade de pessoas de baixa renda, negros, indígenas e pessoas com deficiência por meio da reserva de vagas, tornando o ambiente acadêmico cada vez mais diversificado.
Estudantes que ingressam na universidade por meio do sistema de cotas geralmente o fazem por pertencerem a grupos menos favorecidos da sociedade em termos de renda, qualidade de ensino, oportunidades de trabalho, o que pressupõe uma percepção diferenciada sobre o mundo do trabalho em relação a estudantes não cotistas. Assim como as diferenças entre os grupos afetam a forma como cada um deles vivencia o meio acadêmico e interage com os diversos atores sociais que compõem o ambiente acadêmico (Ribeiro et al., 2017), elas também podem influenciar as percepções de sucesso na transição dos egressos de cada grupo, ao sair da universidade e dar início à sua carreira profissional.
Pesquisar as percepções dos egressos sobre aspectos da trajetória acadêmica, formação profissional, preparo para o mercado, e sobre sentimentos relativos à inserção no mundo do trabalho fornecem dados importantes para que as instituições educacionais possam avaliar e criar programas de acompanhamento dos estudantes com foco no desenvolvimento de carreira (Andriola, 2014; Silva et al., 2017). Afinal de contas, as exigências da vida laboral estão muito além de aquisição de conhecimentos teóricos e instrumentais para o exercício de uma profissão (Marques et al., 2021). Para alunos cotistas, a realidade é ainda mais complexa (Silva et al., 2020), incluindo as dificuldades de interação social (Santos, 2013), a falta de estrutura da universidade para receber este aluno (Peixoto et al., 2016), e os desafios do processo de adaptação acadêmica (Monteiro & Soares, 2018).
O presente estudo teve como objetivo avaliar o sucesso na transição universidade-trabalho a partir das percepções de egressos do ensino superior de uma instituição pública federal, buscando identificar possíveis preditores do sucesso associados à formação e à vivência da transição. Além disso, buscou-se verificar diferenças e semelhanças nas percepções de egressos cotistas e não cotistas quanto ao sucesso na transição e aos seus preditores.
Método
Procedimento de Coleta e Considerações Éticas
Os dados utilizados neste estudo fazem parte de uma pesquisa mais ampla realizada pela universidade como parte de seu processo de avaliação institucional. Pesquisas que utilizam bancos de dados secundários, cujas informações são agregadas, sem possibilidade de identificação individual não precisam ser registradas, nem avaliadas pelo Comitê de Ética em Pesquisa e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CEP/CONEP, Resolução n.° 510/2016, art. 1º, parágrafo único, inciso V).
O questionário foi enviado para 3.600 egressos, que tinham entre três e quatro anos de formados no momento da coleta de dados (concluintes de 2016 e 2017). Desse total, foram obtidas 710 respostas válidas (19,1%). A coleta ocorreu entre os meses de maio e junho de 2020, início da pandemia de COVID-19, o que pode ter impactado na quantidade de respondentes.
Participantes
Participaram do presente estudo 710 egressos dos cursos de graduação de uma universidade pública federal na região nordeste do Brasil. A amostra se caracteriza em sua maioria por pessoas do sexo feminino (62,4%) com idade entre 23 e 75 anos (M = 29,5 e DP = 5,7). Em relação ao estado civil a maioria se declarou solteiro (70,4%; n = 500) e sem filhos (88,7%; n = 628). No tocante à etnia predominam autodeclarados pardos (44,6%; n = 317), seguidos de brancos (28,3%; n = 201).
Instrumentos
O questionário utilizado na coleta foi dividido em três partes: 1. seis questões identificando os dados sociodemográficos; 2. três questões sobre formação acadêmica; 3. cinco questões avaliando as percepções sobre a transição universidade-trabalho, sendo a quinta questão composta pelos 22 itens da Escala de Sucesso na Transição Universidade-Trabalho (ESTUT).
No tocante à formação, as questões avaliaram: a disponibilidade de tempo que o egresso teve para dedicar-se ao curso (1 = trabalhei durante todo o curso a 4 = dediquei-me completamente ao curso); como considera que a formação o preparou para o mercado de trabalho (1 = muito mal a 4 = muito bem); e como se sentia em relação à profissão escolhida (1 = insatisfeito a 4 = muito satisfeito). A transição universidade-trabalho foi avaliada a partir de quatro questões: em qual momento do curso você começou a se preocupar com a transição (1 = desde o início do curso a 4 = nunca representou uma preocupação para mim); como está sendo para você lidar com a transição (1 = muito difícil a 4 = muito fácil); como você avalia o apoio que recebeu de colegas, amigos, professores e amigos no seu processo de transição (1 = recebi muito apoio a 3 = não me apoiaram); e como você avalia o mercado de trabalho na sua área (1 = muito ruim a 6 = muito bom).
Para avaliar o sucesso na transição foi utilizada a Escala de Sucesso na Transição Universidade-Trabalho (Oliveira et al. 2016), composta de 22 itens e quatro fatores: Remuneração e Independência Financeira (07 itens; α = 0,92), correspondendo à dimensão objetiva do sucesso; Inserção e Satisfação Profissional (05 itens; α = 0,89); Confiança no Futuro de Carreira (05 itens; α = 0,92); e, Adaptação ao Trabalho (05 itens; α = 0,83) que se relacionam à dimensão subjetiva/pessoal. As opções de resposta seguem uma escala Likert de 5 pontos, que vai de discordo totalmente a concordo totalmente.
Procedimentos de Análise
Foram realizadas análises estatísticas descritivas (frequências, médias, desvio padrão) e análises estatísticas inferenciais, utilizando o software SPSS versão 20. Em função das variáveis estudadas não terem apresentado distribuição normal, foi utilizado o teste de Mann-Whitney para comparar os resultados entre os grupos de cotistas e não cotistas. Para avaliar a magnitude da diferença entre grupos, o tamanho de efeito (r) (Field, 2009) foi calculado e interpretado a partir dos pontos de corte de Cohen (1988). Para investigar o poder preditivo das variáveis relacionadas à formação e transição na percepção de sucesso na transição, foi realizada uma regressão linear múltipla com método stepwise, buscando encontrar o subconjunto de variáveis explicativas com maior poder preditivo (Field, 2009).
Resultados e Discussão
Para responder aos objetivos dessa pesquisa, a análise foi dividia em três passos. Inicialmente estão expostas as análises referentes às percepções dos egressos quanto à formação, seguidas das percepções quanto à transição, comparando as médias entre os grupos de cotistas e não cotistas. Por fim, são apresentadas as análises em relação ao sucesso na transição, avaliando as percepções dos egressos de cada grupo (cotistas e não cotistas) e identificando possíveis preditores.
A comparação entre resultados de estudantes cotistas e não cotistas favorece a discussão sobre o papel do sistema de cotas na redução das desigualdades. Democratizar o acesso à universidade não garante a diminuição das diferenças impostas pelo contexto, apesar de ser verificada uma evolução no desempenho dos cotistas após a entrada na universidade (Galvão et al., 2023). O público-alvo das ações afirmativas são minorias, com histórias pessoais, sociais e educacionais bem diferentes dos estudantes não cotistas. Os resultados apresentados proporcionam uma avaliação sobre a percepção que cada grupo tem sobre o seu processo, podendo haver ou não diferenças, a depender da variável avaliada.
Relação dos egressos com sua formação
Estudos que buscam investigar os antecedentes de uma transição bem-sucedida ressaltam o papel das experiências vividas na graduação (Peixoto et el., 2020). O tempo dedicado ao curso pode impactar no desempenho e, consequentemente, no sentimento de segurança para enfrentar o mundo do trabalho. Ao considerar que obteve formação profissional de qualidade, capaz de prepará-lo para assumir funções e atividades no exercício da profissão, o egresso pode enfrentar as dificuldades impostas pelo mundo de trabalho de forma mais segura e otimista (Sousa & Gonçalves, 2016). Além disso, estudantes satisfeitos apresentam maior bem-estar psicológico e tendem a relativizar as dificuldades (Bardagi et al., 2003), o que contribui no enfrentamento da transição e para a percepção de sucesso.
As médias relativas a quanto o egresso trabalhou durante o curso indicam que nem sempre foi possível dedicar-se exclusivamente à formação (Tabela 1). A média dos egressos cotistas é menor que a dos não cotistas, indicando que dedicaram menos tempo ao curso em função do trabalho, o que reforça a desigualdade social entre os grupos. Estudantes de baixa renda, vindos de grupos minoritários, geralmente, precisam ter uma renda ainda durante a graduação, não podendo dedicar-se exclusivamente aos estudos. Além das atividades e disciplinas obrigatórias, os alunos são convocados constantemente a assumir e desenvolver atividades complementares e extracurriculares que possuem um papel fundamental na sua formação profissional (Santos Filho & Jacinto, 2021).
Indicadores | Tipo de ingresso | M | DP | Média do Rank | U | r |
---|---|---|---|---|---|---|
Disponibilidade de tempo durante o curso | Cotistas | 2,71 | 0,45 | 325,74 | 48451,000* | 0,11 |
Não cotistas | 2,97 | 0,86 | 369,85 | |||
Formação preparou para o mercado | Cotistas | 2,85 | 0,80 | 398,00 | - 45506,000* | 0,16 |
Não cotistas | 2,60 | 0,82 | 335,00 | |||
Como se sente em relação profissão escolhida | Cotistas | 2,7 | 0,81 | 349,09 | - 53844,500 | 0,02 |
Não cotistas | 2,8 | 0,87 | 358,59 |
Nota. Cotistas N = 231; Não cotistas N = 479 ; DP = desvio padrão;
*p < ,05; r = tamanho de efeito
As atividades complementares, especialmente aquelas que proporcionam a prática da profissão, tornam os egressos mais bem preparados para a entrada no mercado de trabalho (Marques et al., 2021; Peixoto et al., 2020; Santos Filho & Jacinto, 2021; Vieira et al., 2011;). O envolvimento nestas atividades requer tempo disponível e tendem a tornar o estudante mais seguro, aumentando a crença em sua capacidade de atuar profissionalmente, desenvolvendo, assim, a sua autoeficácia para inserção profissional. Além disso, o engajamento em atividades relacionadas ao desenvolvimento da carreira durante a graduação surge como um bom preditor de sucesso na transição (Okumoto et al., 2022)
A percepção de sucesso na transição também pode ser afetada pela forma como o egresso avalia a sua formação. Quanto a tê-los preparado para o trabalho, no geral, as médias apontam para uma avaliação positiva, sendo que os cotistas tendem a avaliar melhor a formação em relação aos não cotistas. É importante considerar que estudantes oriundos de classes sociais menos favorecidas possuem lacunas de aprendizagem devido à baixa qualidade na formação básica (Silva, et al., 2020; Valadas & Fragoso, 2022), o que pode favorecer uma avaliação mais positiva diante da qualidade da formação ofertada pelo ensino superior público.
Essas diferenças podem estar relacionadas também ao significado que cada grupo atribui à possibilidade de ter acesso ao ensino superior, de concluir uma graduação e de obter um título. Para o estudante cotista, principalmente para aqueles de baixa renda e advindos de escolas com baixa qualidade de ensino, poder ingressar, realizar e concluir uma graduação significa a possibilidade de mobilidade social, melhoria da qualidade de vida e contribuição na renda familiar (Ribeiro et al., 2017; Silva et al., 2020).
Em relação à escolha da profissão, as médias apontam para a satisfação dos egressos em relação à profissão escolhida, o que pode indicar identificação e ajustamento à área de formação, promovendo bem-estar e comprometimento (Bardagi et al., 2006). A satisfação com a profissão pode representar um bom recurso psicológico para enfrentar os desafios da transição (Anderson et al., 2021).
Em síntese, os resultados sugerem que trabalhar durante a graduação é uma realidade bastante comum, sendo ainda mais comum para estudantes cotistas, pois nem sempre é possível aguardar a conclusão do curso para buscar uma colocação no mercado e uma renda que garanta a subsistência. Mesmo diante desta realidade, os estudantes consideram que a formação prepara para o trabalho, em especial os cotistas, e estar satisfeito com a escolha profissional surge como um diferencial no enfrentamento das dificuldades relacionadas à formação, para ambos os grupos.
Percepção dos egressos quanto à transição
A percepção de sucesso também pode ser influenciada pela forma como a transição foi ou está sendo vivenciada. A avaliação do mercado na área de formação, o apoio social recebido, o nível de dificuldade encontrado na transição e o momento em que começou a se preocupar com a saída da universidade são fatores que podem impactar na forma como a transição é percebida (Tabela 2). As médias relativas ao início das preocupações com a transição indicam que a maioria dos egressos começou a se preocupar a partir da metade do curso. Alguns aspectos podem ser considerados em relação a esse resultado: a adaptação do estudante recém-chegado ao ensino superior, a estrutura rígida das grades curriculares da maioria dos cursos e a compreensão do estudante sobre o papel das atividades extracurriculares na preparação para o trabalho (Marques et al., 2021; Santos Filho & Jacinto, 2021), que geralmente requer ações de orientação e planejamento de carreira (Oliveira-Silva, 2021).
Indicadores | Tipo de ingresso | M | DP | Média do Rank | U | r |
---|---|---|---|---|---|---|
Quando começou a se preocupar com a transição | Cotistas | 2,20 | 0,92 | 359,45 | 54411,000 | 0,01 |
Não cotistas | 2,17 | 0,88 | 353,59 | |||
Apoio dos colegas | Cotistas | 1,82 | 0,71 | 373,20 | 51004,500 | 0,07 |
Não cotistas | 1,72 | 0,70 | 346,20 | |||
Apoio dos professores | Cotistas | 2,15 | 0,74 | 367,69 | 52046,500 | 0,05 |
Não cotistas | 2,08 | 0,71 | 348,11 | |||
Apoio da família | Cotistas | 1,36 | 0,57 | 381,49 | 49089,000** | 0,12 |
Não cotistas | 1,24 | 0,51 | 342,20 | |||
Apoio dos amigos | Cotistas | 1,56 | 0,64 | 395,92 | 45987,00** | 0,16 |
Não cotistas | 1,36 | 0,56 | 336,01 | |||
Como avalia o mercado de trabalho na área, de um modo geral. | Cotistas | 2,82 | 1,31 | 338,76 | 51456,500 | 0,06 |
Não cotistas | 2,99 | 1,35 | 363,58 | |||
Como está sendo (/como foi) lidar com a saída da universidade e entrada no mercado de trabalho | Cotistas | 1,97 | 0,85 | 328,39 | 49061,500* | 0,10 |
Não cotistas | 2,15 | 0,86 | 368,58 |
Nota. Cotistas N = 231; Não cotistas N = 479 ; DP = desvio padrão;
*p < ,05;
**p < ,001; r = tamanho de efeito
Estudos sugerem que os calouros levam algum tempo para se sentirem adaptados às novas exigências do ambiente universitário (Faria & Almeida, 2020; Monteiro & Soares, 2023; Nery et al., 2023). É provável que apenas após esta adaptação comecem a surgir as preocupações com a inserção no mundo do trabalho, pelo menos para a maioria dos estudantes. Além disso, as grades dos cursos de graduação iniciam, geralmente, com conhecimentos mais gerais e teóricos, sendo que disciplinas com carga horária prática e atividades de estágio extracurriculares só surgem entre a metade e o final do curso (Marques et al., 2021).
As atividades práticas sinalizam para os estudantes a necessidade de desenvolver competências profissionais e despertam as reflexões sobre estarem ou não preparados para atuar profissionalmente (Marques et al., 2021; Remor et al., 2022; Santos Filho & Jacinto, 2021; Vieira et al., 2011). Os estudantes tendem a investir mais tempo em atividades voltadas ao desenvolvimento de carreira ao chegarem ao último ano da graduação (Kim et al., 2014). Os mais engajados com a carreira tendem a aumentar o engajamento após a graduação, o que impacta na percepção de sucesso na transição (Okumoto et al., 2022).
O apoio recebido de pessoas próximas desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da crença em si mesmo e no encorajamento para lidar com situações desafiadoras. Estudos demonstram a importância do apoio social na vida das pessoas, principalmente no enfrentamento das dificuldades inerentes a processos de mudança ao longo da vida (Faria & Almeida, 2020; Lacerda et al., 2021). Relacionamentos íntimos, unidades familiares, redes de amigos e colegas, instituições e comunidades contribuem para a mobilização de recursos psicológicos de enfrentamento das transições (Anderson et al., 2021; Nery et al., 2023).
Em relação às fontes de apoio para a transição, na percepção da maioria dos egressos o apoio recebido de professores é pouco ou nenhum (quanto maior a média, menor o apoio). Em questões relacionadas a trabalho e escola, as fontes formais de apoio, como os chefes e os professores, são percebidas como mais relevantes que a família (Nery et al., 2023; Remor et al. 2022). No presente estudo, no entanto, a família surge como protagonista do apoio social no processo de transição, a diferença entre as médias indica que egressos não cotistas recebem mais apoio que cotistas, ainda assim ambos os grupos ressaltam o papel representativo da família neste processo.
Os amigos também surgem com um papel importante no que se refere ao apoio social, sendo que a diferença entre médias aponta para um maior apoio recebido dos amigos pelos não cotistas. Os colegas de curso ou colegas na universidade também são percebidos como uma fonte de apoio social importante para a transição.
Lidar com a saída da universidade e entrada no mercado de trabalho, para a maioria dos egressos pesquisados, está sendo mais difícil do que fácil. Considerando as diferenças entre as médias encontradas, verificou-se que a experiência da transição está sendo ainda mais difícil para os cotistas. A forma como cada indivíduo percebe o seu processo impacta diretamente na avaliação que ele faz dos recursos que possui para lidar com a transição (Anderson et al., 2021).
A avaliação do mercado de trabalho na área de formação feita pelos egressos se caracteriza como razoável, mas tendendo a ruim. Ou seja, a forma como avaliam o mercado na sua área não parece otimista, o que pode impactar na percepção de sucesso na transição. Uma justificativa para essa percepção pode ter relação com o momento da coleta, realizada na metade do primeiro ano da pandemia do Covid-19, entre maio e junho de 2020, um contexto marcado por uma crise econômica, que refletiu na oferta de emprego. O clima de insegurança e falta de perspectiva gerados pela pandemia podem ter afetado a forma como os egressos avaliam suas possibilidades de consolidação na profissão escolhida, apesar de estarem satisfeitos com suas escolhas.
Em síntese, os dados relativos à transição demostram que as preocupações com esta etapa surgem do meio para o final do curso e que o apoio social possui um papel fundamental neste momento. O baixo apoio por parte dos professores é um dado a ser ressaltado, visto que são importantes fontes de persuasão verbal, atuando como fonte para o desenvolvimento da autoeficácia, um recurso psicológico que facilita as transições (Faria & Almeida, 2020; Garcia et al., 2020; Remor et al., 2022). Os egressos consideram difícil lidar com a transição, o que pode estar relacionado à forma negativa como avaliam o mercado de trabalho na área de formação, impactando na percepção de sucesso na transição.
Sucesso na transição e seus antecedentes
Essa seção busca identificar possíveis preditores de sucesso dentre os aspectos avaliados nas seções acima. Para tanto, inicialmente serão apresentadas as percepções de sucesso na transição dos egressos da amostra, referentes à aplicação da Escala de Sucesso na Transição Universidade-Trabalho (ESTUT). Em seguida, os resultados das análises de regressão linear múltipla por indicador de sucesso da escala.
Como é possível observar na Tabela 3, as médias referentes aos indicadores da ESTUT encontram-se, em sua maioria, acima do ponto médio, o que demonstra uma percepção positiva de sucesso na transição, no geral, sendo que as maiores médias se referem ao fator Adaptação ao Trabalho (AT), e as menores ao fator Remuneração e Independência Financeira (RIF). Esses dados sugerem que a adaptação ao mundo do trabalho foi percebida como mais fácil de ser alcançada do que a independência financeira. Essa adaptação ao trabalho pode ser resultado de vivências anteriores, considerando as experiências de trabalho ao longo da graduação.
Fatores | Tipo de ingresso | M | DP | Média do Rank | U | r |
---|---|---|---|---|---|---|
Inserção e Satisfação Profissional (ISP) | Cotistas | 3,26 | 1,18 | 323,48 | 47928,5* | 0,11 |
Não cotistas | 3,52 | 1,17 | 370,94 | |||
Confiança no Futuro de Carreira (CFC) | Cotistas | 3,29 | 1,04 | 332,04 | 49906,0* | 0,08 |
Não cotistas | 3,45 | 1,08 | 366,81 | |||
Adaptação ao Trabalho (AT) | Cotistas Não cotistas |
3,58 3,83 |
0,96 0,94 |
314,40 375,32 |
45830** | 0,14 |
Remuneração e Independência Financeira (RIF) | Cotistas | 2,93 | 1,16 | 329,29 | 49269,5* | 0,09 |
Não cotistas | 3,16 | 1,19 | 368,14 |
Nota. Cotistas N = 231; Não cotistas N = 479 ; DP = desvio padrão;
*p < ,05;
**p < ,001; r = tamanho de efeito
Os indicadores Inserção e Satisfação Profissional (ISP) e Confiança no Futuro de Carreira (CFC) também apresentaram médias relativamente mais altas, em comparação com o RIF. Esses resultados remetem às dimensões descritas no instrumento, os fatores CFC, AT e ISP estão relacionados à dimensão subjetiva/pessoal de sucesso, enquanto o fator RIF se refere à dimensão objetiva/social. Ou seja, há uma maior percepção de sucesso subjetivo que de sucesso objetivo. Ao avaliar a percepção de sucesso na transição foram encontradas diferenças significativas entre as médias de cotistas e não cotistas para todos os indicadores, sendo que estudantes não cotistas possuem médias maiores que os cotistas. Mesmo em relação à dimensão objetiva (RIF) que apresenta médias menores em ambos os grupos, para estudantes cotistas esta percepção é ainda mais negativa.
Em síntese, apesar dos egressos ainda não se sentirem bem-sucedidos em relação à remuneração e retorno financeiro, encontram-se confiantes em relação ao futuro de carreira, e satisfeitos com a inserção profissional. O tempo de formado (entre dois e três anos) parece ter gerado um sentimento de adaptação às exigências do mundo do trabalho, bem como as experiências profissionais vividas no de correr desse período. A superação dos medos e incertezas em relação à atuação profissional e a consolidação da identidade profissional surgem como indicadores de sucesso na transição, mesmo antes que a tão sonhada independência financeira seja alcançada, o que aumenta a confiança no futuro da carreira (Oliveira, 2014; Remor et al., 2022).
Com o objetivo de compreender como aspectos das vivências acadêmicas abordadas no presente trabalho podem influenciar na percepção dos egressos, buscou-se verificar o quanto a forma como os egressos avaliam sua formação e sua transição preveem o sucesso na transição (Tabela 4). Para tanto, foram realizadas análises de regressão linear múltipla, tomando como variáveis independentes: disponibilidade de tempo; satisfação com a profissão; preocupação com a transição; como está lidando com a transição; como acha que a formação preparou para a transição; apoio recebido de colegas, professores, amigos e família; e, avaliação do mercado de trabalho em sua área. As variáveis dependentes foram os quatro indicadores de sucesso na transição: Inserção e Satisfação profissional; Confiança no Futuro de Carreira; e Adaptação ao Trabalho; e, Remuneração e Independência Financeira.
Variável | Componentes | Modelo 1 | Modelo 2 | Modelo 3 | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
β | SE | β | SE | β | SE | ||
Como você se sente em relação à profissão escolhida? | 0,66 | 0,04 | 0,52 | 0,04 | - | - | |
Inserção e Satisfação profissional (ISP) | Como está sendo (/como foi) para você lidar com a saída da universidade e entrada no mercado de trabalho? | 0,29 | 0,04 | - | - | ||
R2 | 0,43 | 0,50 | - | - | |||
∆R2 | 0,07 | - | - | ||||
Como você se sente em relação à profissão escolhida? | 0,63 | 0,04 | 0,51 | - | - | ||
Confiança no Futuro de Carreira (CFC) | Como você avalia o mercado de trabalho na sua área, de um modo geral? | 0,26 | - | - | |||
R2 | 0,39 | 0,45 | - | - | |||
∆R2 | 0,05 | - | - | ||||
Como você se sente em relação à profissão escolhida? | 0,50 | 0,04 | 0,36 | 0,04 | - | - | |
Adaptação ao Trabalho (AT) | Como está sendo (/como foi) para você lidar com a saída da universidade e entrada no mercado de trabalho? | 0,29 | 0,04 | - | - | ||
R2 | 0,25 | 0,32 | - | - | |||
∆R2 | 0,06 | - | - | ||||
Como está sendo (/como foi) para você lidar com a saída da universidade e entrada no mercado de trabalho? | 0,53 | 0,04 | 0,36 | 0,05 | 0,29 | 0,05 | |
Remuneração e Independência Financeira (RIF) | Como você se sente em relação à profissão escolhida? | 0,34 | 0,05 | 0,27 | 0,05 | ||
Como você avalia o mercado de trabalho na sua área, de um modo geral? | 0,23 | 0,03 | |||||
R2 | 0,28 | 0,36 | 0,40 | ||||
∆R2 | 0,09 | 0,04 |
Nota. N = 710; p < .001
Os principais preditores de Inserção e Satisfação Profissional, que juntos explicam 50% da variação do fator, foram: sentir-se satisfeito em relação à escolha da profissão e a forma como o egresso avalia seu enfrentamento do processo de transição. Sentir-se satisfeito com a profissão surge também com maior poder explicativo da Confiança no Futuro de Carreira, seguido, neste caso, pela forma como o egresso avalia o mercado de trabalho em sua área, explicando 45% do fator.
Os preditores que aparecem com maior poder explicativo para Adaptação ao Trabalho são os mesmo que surgiram para Inserção e Satisfação Profissional, porém com valores diferentes. Sentir-se satisfeito com a profissão aparece mais uma vez com maior poder explicativo, seguida da variável como está sendo lidar com a transição e explicam 32% do fator. Em relação à Remuneração e Independência Financeira, três variáveis apresentaram resultado significativo, sendo capazes de explicar 40% da variância do indicador. São elas: como está sendo lidar com a transição; satisfação com a profissão; e como avalia o mercado em sua área.
Os resultados das análises de regressão indicam que dentre todas as variáveis independentes utilizadas no modelo, três possuem melhor poder explicativo para o fenômeno sucesso na transição: satisfação com a profissão escolhida; o grau de dificuldade para lidar com a transição; e a avaliação que o egresso faz do mercado de trabalho na sua área de formação. O sentimento em relação à escolha da profissão apresentou mais poder explicativo para os fatores da dimensão subjetiva/pessoal de sucesso. Ou seja, sentir-se satisfeito com a escolha profissional é um fator fundamental para perceber-se bem-sucedido na transição para o trabalho. Esse dado remete à importância do suporte oferecido aos jovens desde o momento do desenvolvimento de seus interesses, antes da entrada no ensino superior e fortalece a necessidade de programas de acompanhamento e suporte ao estudante da graduação na construção de seu plano de carreira dentro da profissão escolhida (Reis & Diehl, 2017). Em estudo realizado por Oliveira et al. (2013) sobre as expectativas dos formandos em relação ao sucesso na transição, dentre os indicadores subjetivos de sucesso foram encontrados congruência nas escolhas vocacionais, satisfação com o trabalho e satisfação com o percurso.
O único fator da dimensão objetiva, Remuneração e Independência Financeira, que apresentou menores médias, teve como preditor com maior poder explicativo o modo como os egressos estão lidando com a transição. Este dado também é coerente, pois a maioria dos egressos avalia que está sendo difícil lidar com a transição, ao mesmo tempo que ainda não se percebem bem-sucedidos em relação aos retornos financeiros. Atuar na área com boa remuneração e a conquista da independência financeira surge como indicadores de sucesso, como apontado na pesquisa de Oliveira (2014). Porém, os cotistas sentem mais dificuldade na transição e se percebem com menor sucesso que não cotistas, no que se refere a esse fator, o que pode indicar que por virem de classes menos privilegiadas e pertencerem a minorias raciais, esses egressos ainda enfrentem as desigualdades estruturais da sociedade, relativas a classe social, gênero, raça, etnia (Valadas & Fragoso, 2022).
Em síntese, os resultados encontrados reafirmam a importância de avaliar sucesso a partir de diferentes perspectivas, evitando a tendência a considerar alguém bem-sucedido única e exclusivamente com base em bens materiais, recursos financeiros e cargos alcançados. A satisfação com a escolha profissional surge como protagonista na percepção de sucesso na transição, reforçando a importância dos programas de orientação vocacional e planejamento de carreira antes e durante o ensino superior (Oliveira-Silva, 2021). Além disso, a forma como cada indivíduo avalia o mercado em sua área e como cada um se percebe em termos de condições de enfrentamento da transição também impacta na percepção de sucesso na transição.
Considerações Finais
Este estudo avaliou a transição universidade-trabalho entre egressos de uma instituição federal, focando em preditores de sucesso e diferenças entre cotistas e não cotistas. A maioria dos egressos está se adaptando ao mercado de trabalho, sentindo-se confiantes e satisfeitos profissionalmente, mas ainda enfrentam desafios em remuneração e independência financeira, possivelmente devido à crise econômica e desemprego no país. Cotistas percebem esses desafios de maneira mais intensa, especialmente em relação à remuneração.
Os resultados sugerem a necessidade de programas de acompanhamento para ingressantes e planejamento de carreira durante o curso. Além disso, ressaltam a importância do apoio dos professores na transição para o mercado de trabalho. A satisfação com a profissão escolhida emergiu como um preditor chave de sucesso na transição, destacando a relevância do amadurecimento vocacional e da construção de projetos de carreira.
O estudo apresenta limitações, como a falta de especificação do curso dos egressos e o desequilíbrio percentual entre cotistas e não cotistas na amostra. Para pesquisas futuras, recomenda-se investigar a percepção de sucesso na transição entre egressos com e sem orientação profissional, e entre aqueles que trabalharam durante o curso e os que se dedicaram exclusivamente às atividades acadêmicas.