INTRODUÇÃO
A entrada no ensino superior é um período de importantes mudanças pessoais para o estudante universitário, permeado por uma série de desafios singulares como morar longe da família e amigos, o aumento de atribuições e responsabilidades, a necessidade do desenvolvimento de uma postura proativa e autônoma, a construção de novas relações sociais, entre outros (Souza, Lourenço & Santos, 2016). Todas essas situações que a inserção no contexto universitário propicia podem se configurar como experiências ambíguas, caracterizando-se como processos construtivos ou adoecedores, neste último caso, com potencial para comprometer as esferas educativa, social e psicoemocional na vivência universitária (Castro, 2017).
Na esfera psicoemocional, o estudante pode se encontrar vulnerável na medida em que vivencia a necessidade de conciliação de atividades da formação universitária com aquelas de cunho pessoal, muitas vezes, gerando um cenário de sobrecarga Tal condição pode resultar em experiências estressoras e contribuir para o surgimento do sofrimento mental (Rozeira, Cruz-Neto, Faria Coelho & Vargas, 2018) como a frequente manifestação de sintomas de ansiedade, estresse e humor deprimido (Sahão & Kienen, 2018).
Considerando que o sofrimento mental influencia negativamente a qualidade de vida (Galvão et al., 2021) e o desenvolvimento acadêmico do estudante universitário (Gaiotto et al., 2021) , podendo inclusive, comprometer o seu desenvolvimento cognitivo, pessoal e profissional torna-se imperativo conhecer as necessidades de saúde mental dos estudantes (Gaiotto et al., 2021) e intervir atempadamente com o intuito de promover boa saúde mental e mitigar os efeitos patologizantes decorrentes da vasta gama de fatores acadêmicos estressogênicos, que podem atuar negativamente na saúde mental deste grupo populacional (Ariño & Bardagi, 2018).
Muitos sofrimentos mentais podem ser mais bem acolhidos e acompanhados, evitando-se assim a manifestação e/ou a intensificação de sintomas de sofrimento mental, se profissionais de saúde olharem para esses fenômenos a partir de uma perspectiva mais integral, ampliada e de promoção da saúde mental (Bittencourt, Marques & Barroso, 2018).
A promoção da saúde mental trata-se de um conceito amplo e que envolve a construção de ações que respondam às necessidades em saúde mental de uma população, com objetivo de fortalecer os seus processos de saúde e bem-estar eliminando as desigualdades em saúde por meio do empoderamento, colaboração e participação dos sujeitos aumentando suas capacidades e habilidades de gerir situações geradoras de sofrimento (Singh, Kumar & Kupta, 2022).
No que tange à promoção da saúde mental direcionadas para estudantes universitários, há o reconhecimento da necessidade da adoção de estratégias e intervenções que os auxiliem a manejar salutarmente os estressores específicos do ambiente acadêmico com potencial de conduzir a quadros psicopatológicos ou de sofrimento mental (Rozeira et al., 2018). Evidências apontam que intervenções precoces de promoção da saúde mental podem melhorar a qualidade de vida (Kajitani, Higashijima, Kaneko, Matsushita, Fukumori & Kim, 2020) e mitigar o sofrimento mental em estudantes universitários (Harris, Maher & Wentworth, 2022) principalmente porque tais intervenções, em geral, favorecem o bem-estar e vivências mais positivas no ambiente educacional, fatores que são reconhecidos como passíveis de modificação (Graner & Ramos-Cerqueira, 2019).
Entretanto, ademais do reconhecimento da importância da implementação de ações de promoção da saúde no ambiente universitário, reconhece-se, também, que se trata de uma temática complexa e que precisa ser mais bem explorada e discutida na literatura (Ferreira, Brito & Santos, 2018), principalmente nas especificidades do contexto da saúde mental. Neste segmento, até onde é de conhecimento dos autores, foi encontrado apenas um estudo de revisão que abordou as intervenções de promoção à saúde mental em universitários, todavia, este estudo deu ênfase apenas às práticas grupais de promoção à saúde mental, deixando lacunas sobre outras possíveis intervenções, principalmente aqueles de cunho individual, que poderiam beneficiar estudantes universitários (Souza, Favarin & ScorsoliniComin, 2021).
Assim, conjectura-se necessário a realização de uma revisão de escopo sobre essa temática, principalmente por este tipo de revisão tratar-se de um recurso metodológico sistematizado bastante útil para investigação de temáticas complexas e pouco exploradas, permitindo desvelar e analisar lacunas existentes na literatura (Peters et al., 2020). O objetivo deste estudo é mapear as evidências sobre intervenções de promoção da saúde mental em universitários a fim de identificar e caracterizar os estudos existentes e, assim, compreender o estado atual das evidências disponíveis sobre a temática.
1. MÉTODO
Trata-se de uma revisão de escopo desenvolvida com base na abordagem metodológica proposta para revisões de escopo do Joanna Briggs Institute (JBI) (Peters et al., 2020). e recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic reviews and MetaAnalyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) (Tricco et al., 2018). A revisão de escopo possibilita disponibilizar uma visão mais geral sobre o tema investigado sem, obrigatoriamente, avaliar a qualidade dos estudos (Lockwood, Santos & Pap, 2020).
Para definição da questão de pesquisa foi utilizada a estrutura mnemônica PCC (População, Conceito e Contexto), elaborando-se a seguinte pergunta: Quais as intervenções disponíveis na literatura para a promoção da saúde mental de universitários? Estabelecendose, desta forma, População (P): estudantes universitários em qualquer nível de formação; Conceito (C): intervenções e; Contexto (C): empregadas no âmbito da promoção da saúde mental. O objetivo do estudo, também, foi alinhado com essas definições.
Para a definição da estratégia de buscas, realizou-se sondagem genérica preliminar para mapeamento dos principais descritores e sinônimos frequentemente utilizados em estudos sobre promoção da saúde mental em universitários. Foram escolhidas duas bases de dados para esta etapa devido, principalmente, sua ampla cobertura de periódicos na área de saúde mental (SCOPUS), bem como, disponibilidade de estudos publicados originalmente em português ou espanhol (LILACS). Todos os descritores e/ou palavras-chave recuperados foram agrupados para formar uma estratégia de busca mais abrangente e uma nova sondagem, utilizando esta estratégia ampliada, foi realizada nas bases de dados SCOPUS e LILACS, acrescentando-se buscas na Pubmed/ Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (Medline), Web of Science, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), PsycInfo da American Psychological Association e nos repositórios de literatura cinzenta Open Access Thesis and Dissertations (OATD) e Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (BDTDCAPES). As estratégias de busca finais e o número de materiais recuperados estão presentes na Tabela 1.
Base de dados | Estratégias de busca final adotada | Materiais recuperados |
---|---|---|
SCOPUS |
((“intervention” OR “program” OR “training” OR “software” OR “educational technology” ) AND ( “mental health promotion”) AND ( “undergraduate student” OR “college student” OR “university student” )) ((“intervention” OR “program” OR “training” OR “software” OR “educational technology”) AND (“mental health promotion”) AND (“undergraduate student” OR “college student” OR “university student”)) |
89 |
LILACS |
((“intervención” OR “programa” OR “capacitación” OR “tecnología educativa”) AND (“promoción de la salud mental”) AND (“estudiantes universitarios”)) ((“intervenção” OR “programa” OR “treinamento” OR “tecnologia educacional”) AND (“promoção de saúde mental”) AND (“universitários”)) |
04 |
PsycInfo | ((“intervention” OR “program” OR “training” OR “software” OR “educational technology” ) AND ( “mental health promotion” ) AND (“undergraduate student” OR “college student” OR “university student”)) | 07 |
Web of Science | ((“intervention” OR “program” OR “training” OR “software” OR “educational technology”) AND (“mental health promotion”) AND (“undergraduate student” OR “college student” OR “university student”)) | 09 |
Pubmed/ Medline | ((“intervention” OR “program” OR “training” OR “software” OR “educational technology”) AND (“mental health promotion”) AND (“undergraduate student” OR “college student” OR “university student”)) | 01 |
CINAHL | ((“intervention” OR “program” OR “training” OR “software” OR “educational technology”) AND (“mental health promotion” ) AND (“undergraduate student” OR “college student” OR “university student”)) | 17 |
BDTD-CAPES | ((“intervenção” OR “programa” OR “treinamento” OR “tecnologia educacional”) AND (“promoção de saúde mental”) AND (“universitários”)) | 00 |
OATD | ((“intervention” OR “program” OR “training” OR “software” OR “educational technology”) AND (“mental health promotion”) AND (“undergraduate student” OR “college student” OR “university student”)) | 02 |
Fonte: Elaboração dos autores (2024).
Por fim, foi realizada a busca manual na lista de referências dos artigos recuperados com a finalidade de localizar algum estudo de interesse que não tenha sido recuperado a partir das bases de dados revisadas.
Em relação aos critérios de elegibilidade, consideraram-se artigos, teses ou dissertações que tenham avaliado intervenções que abordaram a promoção da saúde mental de universitários, não sendo estabelecidas restrições temporais ou geográficas para seleção dos estudos. Foram incluídos materiais publicados em português, inglês ou espanhol. Foram excluídos artigos teóricos que apenas refletiam sobre promoção de saúde mental em universitários, estudos que abordavam a prevenção da saúde mental, e estudos que não apresentaram dados originais (livros, estudos de casos, relatos de experiências ou resenhas) pelo potencial de gerar informações incompletas e imprecisas sobre as intervenções realizadas.
As etapas de buscas, seleção de evidências, bem como, o processo de extração de dados foi realizado inicialmente entre junho e julho de 2022, e atualizado entre abril e maio de 2024.Todas essas etapas foram realizadas por dois revisores atuando de maneira independente, e posteriormente comparadas. A seleção de estudos encontrados seguiu estratégia de duas etapas, verificando-se, primeiramente, a elegibilidade inicial a partir da leitura de títulos e resumos e, posteriormente, a elegibilidade confirmada a partir da leitura do texto integral. As discordâncias, em quaisquer etapas, foram tratadas por consenso entre os revisores principais. O gerenciamento das referências foi realizado por meio do software EndNote X7®. O processo de busca e seleção de estudos seguiu as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and MetaAnalyses (PRISMA) (Figura 1).
Foram recuperadas 129 publicações provenientes das seguintes bases: SCOPUS (n = 89), LILACS (n = 04), PsycInfo (n = 07), Web of Sciences (n = 09), PubMed/Medline (n = 01) e CINAHL (n = 17) e OATD (n = 02). Com a aplicação dos critérios de elegibilidade inicial foram excluídos artigos duplicados (n = 02) e que não passaram na triagem de títulos e resumos (n = 64). Foram selecionadas 34 publicações para leitura do texto integral. Deste subtotal, três artigos foram excluídos por tratarem-se de protocolos de estudo, nove por não ser possível recuperar o texto para leitura integral, um por ser teste piloto de outro artigo já selecionado, um por abordar a temática de prevenção, um por ser artigo reflexivo sobre promoção da saúde mental. Por fim, foram selecionados 19 materiais para inclusão nesta revisão.
Os dados extraídos foram compilados em planilhas do software Microsoft Excel™ e incluíram as principais características bibliográficas e metodológicas dos estudos selecionados (autor(es), ano de publicação, título, periódico, tipo de publicação e país) bem como, características referentes às intervenções de promoção da saúde mental de estudantes (objetivo, teoria abordada e seu autor, período e curso de graduação que o universitário estava inserido, tipo de material utilizado na intervenção [material digital, impresso, entre outros], tamanho amostral, tempo de exposição a intervenção e forma de aplicação da intervenção).
Os dados foram analisados de maneira quantitativa apresentando-se as frequências absoluta e relativa de ocorrência das principais características compiladas. Em relação à apresentação dos resultados, nesta revisão de escopo eles foram apresentados em forma de quadro sintético e em formato descritivo conforme orientações do protocolo PRISMA – extensão para revisão de escopo (Tricco et al., 2018). Além disso, produziu-se uma síntese narrativa das características bibliográficas e metodológicas dos estudos selecionados, bem como, das intervenções encontradas para promoção da saúde mental de estudantes, visando descrever o mapeamento de evidências encontradas acerca deste panorama.
2. RESULTADOS
Foram incluídos nesta revisão de escopo 19 materiais bibliográficos, todos caracterizados como artigos originais. Em relação ao ano de publicação, apesar do mais antigo datar de 2012, a maioria proporção de materiais foi publicada após o ano de 2020 (73,6%). Os estudos localizados foram oriundos de sete países distintos, sendo a China o país mais prolífico sobre a temática, responsável por 26,3% dos artigos recuperados (Tabela 2).
Autor | Tipo de Publicação | Ano | País |
---|---|---|---|
Moshi et al. | Artigo | 2012 | Irã |
Mak et al. | Artigo | 2015 | China |
Mak et al. | Artigo | 2017 | China |
Bendtsen et al. | Artigo | 2020 | Suécia |
Roig et al. | Artigo | 2020 | Irlanda |
Lee et al. | Artigo | 2020 | Coréia do Sul |
Reis et al. | Artigo | 2020 | Austrália |
Viskovich et al. | Artigo | 2021 | Austrália |
Ahorsu et al. | Artigo | 2021 | China |
Gui et al. | Artigo | 2021 | China |
Cerutti et al. | Artigo | 2021 | Itália |
Herbert et al. | Artigo | 2022 | Índia |
Gil et al. | Artigo | 2022 | Coréia do Sul |
Küchl et al. | Artigo | 2022 | Alemanha |
Silva et al. | Artigo | 2023 | Brasil |
Viskovich et al. | Artigo | 2023 | Austrália |
Szeto et al. | Artigo | 2023 | Canadá |
Gao et al. | Artigo | 2024 | China |
Till et al. | Artigo | 2024 | Áustria |
Fonte: Elaboração dos autores (2024).
Em relação ao tamanho amostral (dados não tabulados) observou-se uma variação de 37 a 1255 participantes por estudo, sendo que 73,6% destes recrutaram amostras menores que 350 participantes (Moshi, Amiri & Khosravan, 2012; Mak, Chan, Cheung, Lin & Ngai, 2015; Roig et al., 2020; Lee & Lee, 2020; Ahorsu et al., 2021; Cerutti et al., 2021; Gui, 2021; Herbert & Manjula, 2022; Gil & Kim, 2022; Küchler et al., 2022; Viskovich, Fowler & Pakehnham, 2023; Gao et al., 2024; Till, Hofhans & Niederkrotenthaler, 2024), enquanto os demais apresentaram amostras acima de 650 participantes (Mak, Chio, Chan, Lui & Wull, 2017; Bendtsen, Müssener, Linderoth & Thomas, 2020; Reis, Mortimer, Rutherford, Sperandei & Saheb, 2022; Viskovich, Pakenham & Fowler, 2021; Szeto, Henderson, Lindsay Knaak & Dobson, 2023). Sobre características dos estudantes inclusos, a maior parte dos estudos (57,8%) recrutou amostras heterogêneas compostas por estudantes de diferentes tipos de formação e inseridos em diferentes momentos formativos. Apenas seis estudos foram homogêneos neste quesito. O primeiro recrutou apenas estudantes do segundo semestre de duas faculdades de Medicina (Moshi, Amiri & Khosravan, 2012); o segundo, estudantes do segundo ano de um curso de Engenharia Arquitetônica (Herbert & Manjula, 2022); o terceiro, estudantes que procuraram o serviço psicológico universitário (Cerutti et al., 2021); o quarto, estudantes de enfermagem (Silva et al., 2023); o quinto, atletas universitários (Gao et al., 2024); e o sexto, estudantes de medicina (Till, Hofhans & Niederkrotenthaler, 2024).
Alguns dos estudos (21%) trouxeram outros participantes juntamente com os universitários incluindo, por exemplo, familiares dos universitários (Gil & Kim, 2022), funcionários das instituições de ensino (Mak et al., 2015), funcionários e parceiros da indústria de um evento de saúde mental (Reis et al., 2022), e jovens trabalhadores (Mak et al., 2017).
A respeito das intervenções, mesmo todos os estudos tendo sido operacionalizados na perspectiva da promoção da saúde mental, o direcionamento das intervenções foi diverso. Alguns autores buscaram promover saúde mental propondo intervenções com potencial para aumentar características psicoemocionais positivas e protetivas como o bem-estar subjetivo (Mak et al., 2015; Roig et al., 2020; Mak et al., 2017; Reis et al., 2022), resiliência (Roig et al., 2020; Herbert & Manjula, 2022; Szeto et al., 2023), autoestima (Moshi, Amiri & Khosravan, 2012; Lee & Lee, 2020; Ahorsu et al., 2021; Herbert & Manjula, 2022), emoções positiva (Herbert & Manjula, 2022), conscientização sobre a saúde mental (Ahorsu et al., 2021), relações interpessoais (Lee & Lee, 2020), atenção plena (Küchler et al., 2022; Viskovich et al., 2023; Gao et al., 2024), estratégias de aceitação e comprometimento (Viskovich et al., 2023) e por fim, formação de rede de apoio durante a pandemia da Covid-19 (Silva et al., 2023). Outros interveriam buscando mitigar desfechos de sofrimento mental como ansiedade (Mak et al., 2015; Herbert & Manjula, 2022; Bendtsen et al., 2020; Cerutti et al., 2021; Gao et al., 2024), depressão (Mak et al., 2015; Lee & Lee, 2020; Bendtsen et al., 2020; Cerutti et al., 2021), estresse (Mak et al., 2015; Herbert & Manjula, 2022; Till, Hofhans & Niederkrotenthaler, 2024) e emoções negativas (Herbert & Manjula, 2022).
Também se encontrou grande variabilidade em relação ao formato dos materiais utilizados nas intervenções (dados não tabulados), bem como na duração das intervenções testadas. Sobre o primeiro aspecto os estudos compilados apresentaram desde materiais digitais compostos por textos, vídeos e cartilhas a materiais como aplicativo para celular e oficinas. Um deles trouxe como proposta o incentivo a corrida entre os participantes (Gui et al., 2021), enquanto outro analisou as atividades propostas em um evento nominado de “Dia Universitário da Saúde Mental”, composto por atividades de recreações terapêuticas, arte terapia, demonstrações de culinárias de alimentos saudáveis e música ao vivo (Reis et al., 2022). Um dos estudos não descreveu com clareza o material utilizado na intervenção, mas tratava-se de um programa educativo-participativo baseado na autoestima e crença no controle da saúde (Moshi, Amiri & Khosravan, 2012).
Em relação ao tempo de exposição dos participantes às intervenções, 73,6% dos estudos tiveram uma duração variando de um a três meses (Mak et al., 2015; Roig et al., 2020; Lee & Lee, 2020; Gui, 2021; Cerutti et al., 2021; Herbert & Manjula, 2022; Gil & Kim, 2022; Mak et al., 2017; Bendtsen et al., 2020; Viskovich, Pakenham & Fowler, 2021; Küchler et al., 2022; Silva et al., 2023; Viskovich et al., 2023; Szeto et al., 2023; Gao et al., 2024). Somente um estudo teve o tempo de duração superior, no caso, durou dois anos (Moshi, Amiri & Khosravan, 2012). Os estudos com menores tempo de duração, duraram respectivamente 6,5 horas (Ahorsu et al., 2021), um dia (Reis et al., 2022) e 90 minutos (Till, Hofhans & Niederkrotenthaler, 2024).
Sobre as teorias abordadas, destaca-se que a maioria dos autores (63%) não apresentou uma teoria ou modelo teórico na sua fundamentação teórica. Entre aqueles que utilizaram, a mais frequente foi a abordagem teórica da Psicologia Positiva (Roig et al., 2020; Bendtsen et al., 2020), seguida da Teoria Comportamental (Mak et al., 2015), Teoria Cognitiva Comportamental (Lee & Lee, 2020) e Modelo de Fator de Proteção da Resiliência (Herbert & Manjula, 2022).
Em relação aos resultados encontrados, a maioria dos estudos (94,7%) incluídos apresentaram resultados satisfatórios com as intervenções propostas, mesmo com a indicação final de realização de novos estudos para fortalecer/corroborar os achados (Ahorsu et al., 2021; Herbert & Manjula, 2022; Viskovich, Pakenham & Fowler, 2021) e do destaque de limitações metodológicas na operacionalização da investigação. Apenas um estudo (Gao et al., 2024) não observou nenhuma redução significativa na ansiedade, o que pode estar relacionado a disponibilidade de tempo para prática da intervenção proposta.
Sobre as limitações (dados não tabulados) os autores apontaram a dificuldade de manter a taxa de retenção da amostra (Bendtsen et al., 2020), amostra com representação desigual (Viskovich, Pakenham & Fowler, 2021), amostra pequena (Roig et al., 2020; Herbert & Manjula, 2022; Gil & Kim, 2022), ausência de grupo controle (Ahorsu et al., 2021), falta de homogeneidade entre os grupos experimental e controle (Lee & Lee, 2020); estudos de curto prazo (Küchler et al., 2022; Till, Hofhans & Niederkrotenthaler, 2024) e enfrentando a pandemia de Covid-19 que pode ter se intensificado a vulnerabilidade emocional dos participantes e até mesmo impactos exercidos na motivação para participar da intervenção (Silva et al., 2023).
3. DISCUSSÃO
Esta revisão de escopo identificou as evidências disponíveis sobre intervenções para a promoção da saúde mental em universitários, tendo-se observado grande variabilidade entre os estudos das características das intervenções propostas.
Identificou-se que a temática vem sendo trabalhada de forma lenta e gradual no decorrer da última década, com um crescente aumento de publicações apenas nos dois últimos anos, o que pode ser um demonstrativo da incipiência do assunto e de que ainda há muito a se explorar quando se trata de intervir em ações de promoção da saúde mental de universitários, principalmente em países das Américas e África, que não tiveram estudos contemplados nesta revisão. Um dos motivos para tal expansão recente do conhecimento pode se relacionar à pandemia de Covid-19 que ampliou o diálogo sobre saúde mental, tornou mais aceitável sua discussão e desvelou a necessidade de promover saúde mental, sobretudo, no contexto acadêmico (Harris, Maher & Wentworth, 2022).
Em relação à heterogeneidade amostral encontrada, com estudantes de diferentes cursos, inseridos em diferentes momentos formativos e inclusão de outros participantes que não eram universitários, este fato torna difícil afirmar se a intervenção testada apresentou resultados benéficos específicos para a população universitária. Diferentemente dos estudos observacionais, estudos de intervenção visam obter amostras homogêneas de participantes que não necessariamente precisam ser representativas da população alvo (Martínez-Mesa et al., 2016). Amostras homogêneas tendem a garantir a permutabilidade dos sujeitos, o que é uma característica altamente desejada em estudos de intervenção. Isso quer dizer que se os participantes randomizados nos grupos controle e experimental fossem permutados entre si, o efeito observado da intervenção seria o mesmo independentemente do grupo aos quais os sujeitos foram alocados (Hernán & Robins et al., 2020).
Ainda sobre a heterogeneidade amostral, chama a atenção o recrutamento de amostras de estudantes desconsiderando as peculiaridades de cada momento que o universitário transiciona em sua formação: ingresso, intermédio e conclusão. Evidências apontam que as transições dentro de uma jornada formativa universitária expõem os estudantes a diferentes intensidades de cargas estressogênicas e, portanto, a flutuações na vulnerabilidade ao sofrimento mental (Carvalho et al., 2015; Conley et al., 2015; Cage et al., 2021). Assim, quando se restringe a amostra para determinado período do percurso universitário é possível propor estratégias intervencionistas mais específicas e concernentes para aquele determinado grupo, considerando quais os fatores de risco específicos daquele momento formativo.
Em relação aos construtos alvos das intervenções propostas, apesar de vários estudos ainda enfatizarem desfechos de sofrimento mental, possivelmente, inspirados por vertentes biomédicas hegemônicas para o entendimento do processo saúde-doença mental, houve um número considerável de estudos que destacou características positivas e socioemocionais como potencialmente promotoras de saúde mental. Essa atuação centrada em habilidades socioemocionais é interessante, pois mostra um avanço de estudos que fortalecem aspectos que parecem ter um futuro promissor dentro das práticas em saúde mental, principalmente, quando se considera que a combinação de aprendizagem acadêmica e socioemocional é um pré-requisito para uma educação realmente efetiva (Raptis & Spanaki, 2017).
Quanto à operacionalização das intervenções, a maioria dos autores realizaram práticas utilizando-se de recursos, materiais e/ou tecnologias digitais. Há uma série de vantagens no emprego de intervenções com uso de recursos digitais destacando-se, sobretudo, a possibilidade de expansão do número de atividades que podem ser conduzidas pelo pesquisador ou realizadas pelos participantes devido a versatilidade da tecnologia (WHO, 2019). Além disso, intervenções digitais podem fornecer maior flexibilidade aos participantes e, quando não requerem, acompanhamento presencial possibilitam um recrutamento maior de sujeitos amostrais, como visto em dois estudos aqui elencados (Mak et al., 2017; Viskovich, Pakenham & Fowler, 2021), o que muitas vezes é inviável em intervenções presenciais. Ademais a estas vantagens, importante considerar que, como todas as intervenções dos estudos compilados tiveram resultados satisfatórios, pode-se concluir que, pelo menos no âmbito desta revisão, tanto o material digital quanto o presencial apresentaram benefícios na promoção da saúde mental dos estudantes.
O tempo de duração da intervenção variou de seis horas e meia a dois anos. A maioria dos autores trouxeram intervenções com duração de um a três meses, independente de ser presencial ou digital. Com destaque para um dos estudos (Reis et al, 2022), que teve a duração de um dia de forma presencial. O estudo com a intervenção de menor tempo (Ahorsu et al., 2021) ofereceu atividades presenciais com vídeo, livreto e a prática de yoga, justificando assim sua menor duração. A intervenção com duração de dois anos de acompanhamento não trouxe de forma clara no artigo como se deu o processo (Moshi, Amiri & Khosravan, 2012).
Quando se trata da elaboração de uma intervenção fundamentada em uma teoria específica, a maioria dos estudos não apresentou esse embasamento. Nestes casos, os autores apresentaram como justificativa para a proposta interventiva a alta vulnerabilidade ao adoecimento/sofrimento mental dos universitários e a necessidade de se promover saúde mental nesse contexto. Tal argumentação apesar de correta não parece suficiente, uma vez que, considera-se que intervenções baseadas em algum arcabouço teórico validado podem propiciar não só fundamentação estruturada para ação, como também possibilidade de apontar pistas e caminhos para outras experiências, transcendendo a mera observação e registro de fenômenos (Michie et al., 2018).
Em relação aos resultados esperados, todos os estudos incluídos nesta revisão apresentaram resultados satisfatórios com as intervenções propostas, ou seja, todas foram consideradas promotoras de saúde mental e representaram ganhos importantes relativos à saúde mental dos estudantes. Evidencia-se, portanto, a importância de se investir em mais pesquisas que promovam o avanço da temática e divulgar os resultados destes estudos com intervenções efetivas para que sejam replicados e testados em outros contextos universitários, principalmente, quando se considera o aumento dos casos de sofrimento mental nesta população.
Importante destacar que esta revisão não é isenta de limitações. Apesar do uso de uma estratégia de buscas considerada abrangente e da inclusão de várias bases de dados da área da saúde, existe a possibilidade de algum material significativo ter sido omitido, haja vista, a restrição de inclusão de estudos publicados apenas em inglês, português ou espanhol. Através desta revisão foi possível apontar o estado atual das evidências disponíveis sobre a promoção da saúde mental de universitários com foco a tentar diminuir as lacunas existentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com esta revisão pode-se observar que ainda há escassez de estudos que abordem as intervenções para a promoção da saúde mental de universitários. Foi possível observar estudos que apresentam intervenções com características distintas, desde o construto avaliado, instrumento utilizado, tamanho da amostra e tempo de exposição. Evidencia-se que a maioria deles não apresentou uma teoria na sua fundamentação teórica, o que traria maior rigor na construção da intervenção.
Além disso, a maioria dos estudos não considerou o período em que o universitário se encontrava, tornando necessário mais pesquisas para determinar quais tipos de intervenções melhor se adequa aos universitários de determinado período, tendo em vista o contexto vivido por ele, a fim de otimizar os seus efeitos e explorar o potencial dessas intervenções. Com isso, nota-se a necessidade de se elaborar novas propostas de intervenções de promoção para a saúde mental de universitários, com o objetivo mitigar lacunas existentes e abordadas nesta revisão.