INTRODUÇÃO
As práticas baseadas em Mindfulness têm atraído cada vez mais o interesse científico durante as últimas décadas. Pela gama notável de recursos disponíveis relacionados a essa prática para o público em geral, a incorporação do Mindfulness em intervenções clínicas inspirou uma onda de atividade científica e acadêmica sobre o tema (Wielgosz et al., 2019).
Segundo Tortella et al. (2021), Mindfulness pode ser descrito como um processo sem julgamento, que usa atenção plena ao que está ocorrendo no presente, o mais abertamente possível. Essa prática também é considerada um estado de consciência sem julgamento, centrado no aqui e no agora, que pode ser cultivado por meio do uso voluntário e específico da atenção, sendo empregada de um modo não reativo, o mais despretensiosamente possível (Kabat-Zinn, 2020; Shapiro & Walsh, 2017).
Inicialmente, o Mindfulness era usado apenas em contexto religioso e/ou espiritual, distante do universo da ciência, passando a interessar à comunidade científica na medida em que os efeitos fisiológicos advindos do seu exercício revelaram impactos positivos sobre a saúde humana (Reis, 2014). Essa prática, então, passou a ser investigada, e descobertas psicológicas e neurocientíficas apontam que as intervenções baseadas em Mindfulness desenvolvem maior autorregulação, autoconsciência e regulação das emoções, assim como redução do estresse (Tortella et al., 2021).
A prática do mindfulness, uma vez introduzida no mundo ocidental, propiciou a observação de sua atuação sobre regiões específicas do sistema nervoso central, recrutando funções cognitivas diversas, como atenção, percepção, autorregulação, automonitoramento, controle inibitório e memória, dentre outras, que contribuem para o desenvolvimento e a melhoria de outras funções e capacidades relacionadas. Assim, pesquisadores justificaram teoricamente a integração de práticas de Mindfulness ao tratamento de uma série de sintomas clínicos e a práticas terapêuticas (Michalak et al., 2019; Vollestad et al., 2012).
Estudos sugerem que a associação entre Mindfulness e estados de saúde psicológica pode ser atribuída ao fato de que a atenção plena reflete processos cognitivos de ordem superior, ligados ao funcionamento executivo, bem como a outros processos comportamentais e emocionais (Dai et al., 2022; Pleman et al., 2019; Sakki et al., 2022). Diante disso, pode-se reconhecer que as características cognitivas e metacognitivas são elementos-chave da experiência de atenção plena, reconhecendo o Mindfulness como eliciado e cultivado por um esforço combinado entre funções executivas (FEs) e atenção (Geronimi et al., 2020).
Essas funções mentais, chamadas executivas, são habilidades relacionadas à capacidade das pessoas de empenharem-se em comportamentos orientados a objetivos, ou seja, à realização de ações voluntárias, independentes, autônomas, auto-organizadas e direcionadas para metas específicas.
Em outras palavras, as FEs orientam e gerenciam funções mentais, emocionais e comportamentais (Dias & Diniz, 2020). Esse mecanismo de controle regula a dinâmica da cognição humana, cumprindo um papel importante em autorregulação, desempenho acadêmico, expertise esportiva e outras atividades do dia a dia (Laureys et al., 2022).
Embora não haja um consenso na literatura sobre o que seriam as FEs, pode-se defini-las, de forma geral, como um conjunto de processos relativamente independentes que se relacionam entre si por meio de uma estrutura hierárquica ou paralela (Łoś et al., 2020). As FEs são responsáveis por subdomínios específicos que compõem uma coleção de funções regulatórias e incluem a capacidade de iniciar um comportamento, inibir ações ou estímulos concorrentes, selecionar metas de tarefas relevantes, planejar e organizar um meio para resolver problemas complexos, mudar as estratégias de resolução de problemas de forma flexível, além de monitorar e avaliar o comportamento (Diamond, 2020).
Sabe-se que as FEs se desenvolvem desde a primeira infância até a adolescência ou idade adulta jovem e que, durante esse período inicial, amadurecem e tornam-se mais eficientes, tendo papel primordial e grande impacto na vida social, afetiva e intelectual desde a infância até a idade adulta (Diamond, 2020). Entretanto, pouco se sabe sobre os processos cognitivos subjacentes ao Mindfulness nessas funções.
Na literatura, encontra-se a revisão realizada por Mak et al. (2017), intitulada Efficacy of Mindfulness-Based Interventions for Attention and Executive Function in Children and Adolescents-a Systematic Review, que contemplou artigos publicados entre 1972 e 2016, com o objetivo de avaliar a eficácia de intervenções em Mindfulness na atenção e nas FEs de crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico.
Nesse estudo, os autores concluíram que a avaliação da atenção plena em crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico torna a interpretação dos resultados desafiadora, uma vez que não estava claro se as intervenções testadas melhoraram suficientemente a atenção, como é geralmente medido em pesquisas e na prática clínica. Argumentam, ainda, sobre a heterogeneidade nos tipos de intervenções baseadas em mindfulness, que pode explicar a falta de clareza nos resultados dos estudos selecionados (Mak et al., 2017).
A partir desses resultados, especifica-se aqui a proposta de dar continuidade à investigação acerca das intervenções em Mindfulness nesses grupos por meio de uma revisão sistemática, com o objetivo de rastrear, na literatura, estudos empíricos que apresentem resultados acerca da eficácia dessas intervenções no que concerne ao aprimoramento das FEs de crianças e adolescentes com desenvolvimento típico. Parte-se da seguinte indagação: intervenções baseadas em Mindfulness são eficazes para o aprimoramento das FEs de crianças e adolescentes?
Examinando os resultados do Mindfulness nas FEs em estudos publicados a partir do ano de 2017, pretende-se contribuir para ampliar o conhecimento acerca do tema. O objetivo é trazer perspectivas e achados atualizados da literatura científica acerca das intervenções em Mindfulness e sua capacidade de aprimoramento das FEs, as quais são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo, acadêmico e social dos indivíduos.
MÉTODO
Esta revisão acompanha as diretrizes da declaração Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA) para revisões sistemáticas (Page et al., 2021), seguindo um protocolo registrado para garantir transparência e rigor na metodologia. O protocolo para este estudo foi registrado na Open Science Framework (OSF), podendo ser acessado em [https://doi.org/10.17605/OSF.IO/ATQPX].
Elegibilidade do estudo
Inicialmente, para a realização da questão norteadora da pesquisa, foi utilizada a estratégia PICOT, que representa o acrônimo population (população), intervention (intervenção), comparison (comparação), outcome (desfecho) e time (tempo). Segundo Lira e Rocha (2019), a estratégia PICOT compõe os critérios ideais para a construção de uma estratégia de busca para a recuperação da informação de pesquisas que utilizaram ensaios clínicos como método.
Dessa forma, foi elaborada a questão norteadora para a revisão sistemática, utilizando a estratégia PICOT, conforme descrito na Tabela 1.
Acrônimo | Definição | Descrição |
---|---|---|
P | População | Crianças e adolescentes com desenvolvimento típico |
I | Intervenção | Intervenções baseadas em Mindfulness |
C | Controle/comparação | Grupos passivos e com intervenções educativas |
O | Outcomes/resultados | Capacidade de aprimoramento das FEs |
T | Tempo | Efeitos em curto e longo prazo após intervenções com Mindfulness |
Nota. Tabela com critérios ideais para a construção da estratégia de busca. Fonte: Tabela elaborada pelos autores.
Foram incluídos estudos que têm como amostra crianças ou adolescentes com desenvolvimento típico; com investigação das FEs como desfecho principal; que utilizem Mindfulness como intervenção; ensaios clínicos; em inglês, português e espanhol. Foram excluídos estudos teóricos, protocolos, literatura cinza, artigos não disponíveis na íntegra e publicações fora do recorte temporal de 2017 a 2022.
Fontes de informação
Uma busca sistemática da literatura foi realizada nas bases de dados Web of Science, PsycNet, Scopus, CINAHL e Medline. Todas as bases foram acessadas por meio do login institucional da Universidade Federal do Delta do Parnaíba, via plataforma Periódicos CAPES, no website https://www.periodicos.capes.gov.br/.
Em todas as bases foram utilizados os seguintes descritores: “mindfulness”, “executive functions”, “interventions”, “adolescent”, “children” e “randomized controlled trials”, tanto de forma isolada como cruzados, na combinação de palavras com os operadores booleanos AND e OR. Nas bases de dados, aplicaram-se filtros para idioma em inglês, ano de publicação, tipo de estudo e idade dos participantes. Salienta-se, também, que a busca foi realizada de maneira distinta em cada base de dados, seguindo o modelo de busca individual presente em cada base.
Seleção dos estudos
Após a finalização da busca, o gerenciamento, a organização e a unificação das referências foram feitas por meio do software Rayyan (Ouzzani et al., 2016). Uma vez que as referências foram obtidas nas bases de dados, todos os estudos encontrados tiveram seus metadados exportados para o Rayyan, para compilação dos artigos, identificação de duplicatas e exclusão de estudos que não atendessem aos critérios de elegibilidade, assim como para leitura na íntegra pelos pesquisadores envolvidos nesta revisão sistemática.
A seleção foi realizada por dois pesquisadores independentes (KS e LS), e as discrepâncias encontradas na inclusão e na exclusão foram resolvidas por meio da análise de um terceiro avaliador (R), reduzindo, assim, o risco de erros e a influência de viés de uma única pessoa.
Risco de viés
A análise do risco de viés foi realizada por dois avaliadores, a partir do programa RevMan Web, desenvolvido pela Cochrane, que usa a escala Risk of Bias 2.0 (RoB 2.0), com resultados individuais para cada domínio avaliado nos estudos incluídos, a saber: (1) viés no processo de randomização, (2) desvios das intervenções pretendidas, (3) viés devido a dados ausentes, (4) viés na aferição dos desfechos e (5) viés no relato dos desfechos. Cada estudo pode receber três classificações, a saber: “Baixo risco de viés”; “Risco incerto de viés”; e “Alto risco de viés”.
Avaliação de qualidade
O processo de avaliação da qualidade dos estudos foi realizado por dois juízes, manualmente, sendo utilizado o coeficiente kappa (K) de Cohen para analisar o nível de concordância entre os juízes na seleção dos estudos (Cohen, 1960; Tang et al., 2015), considerando-se a tabela proposta por Landis e Koch (1977), para interpretar o valor (K).
Análise dos resultados
Após a extração, foi realizada análise descritiva da amostra de estudos encontrada, visando organizar os dados dos estudos selecionados. Os dados foram agrupados em tabelas, permitindo a especificação de itens como participantes, idade, tamanho amostral, treinamento em Mindfulness e treinamento aplicado ao grupo-controle, número de sessões e duração. Além disso, os resultados de cada estudo randomizado controlado analisado foram incluídos nessa avaliação.
RESULTADOS
Um total de 769 estudos foi localizado e importado para a plataforma Rayyan, onde 227 duplicatas foram detectadas e removidas, restando 542 referências que foram analisadas pelos títulos e resumos. Essa análise possibilitou a exclusão de 522 referências, pois não respondiam aos critérios preestabelecidos de elegibilidade, e também foram excluídos: (1) estudos de revisões com e sem metanálises; (2) artigos não disponíveis na íntegra; (3) amostra de crianças e adolescentes de desenvolvimento atípico. Assim, restaram 20 referências para análise na íntegra.
A partir da leitura completa desses 20 textos, foram removidas 12 referências; 1 por conter adultos em sua amostra, 2 com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico, 1 por se tratar de um protocolo de estudo, 2 projetos que objetivavam avaliar a viabilidade de diferentes intervenções que se diferem do mindfulness, 1 publicação não disponível na íntegra e 5 estudos que não tinham a análise das FEs como desfecho. Para comporem esta revisão, restaram 8 estudos, com período de publicação de 2018 a 2022.
Os 8 estudos foram lidos na íntegra por três avaliadores independentes e, em seguida, foi medida a concordância entre eles por meio de uma medida quantitativa de confiabilidade corrigida pela frequência com que os avaliadores podem concordar por acaso, por meio do coeficiente Kappa, simbolizado pela letra grega minúscula κ e criado pelo estatístico Cohen (1960). A Tabela 2 proporciona os índices e concordância para cada valor de Kappa, segundo Landis e Koch (1977).
Estatística Kappa | Interpretação |
---|---|
<0.2 | Concordância ruim |
0.2 - 0.4 | Concordância Justa |
0.4 - 0.6 | Concordância Moderada |
0.6-0.8 | Boa Concordância |
0.8-1 | Concordância muito boa |
Nota. Tabela com os índices e concordância para cada valor de Kappa. Fonte: Adaptada e traduzida de Landis e Koch (1977).
Feita a equação a partir do processo de elegibilidade, levando em consideração a Tabela 2, o resultado do Kappa nessa revisão foi de κ = 0,61, demonstrando que houve uma boa concordância entre os autores. Ao final da análise dos autores, 8 referências foram finalmente incluídas. A seguir, o diagrama de fluxo do PRISMA (Figura 1) detalha todo o processo de identificação, triagem e conclusão realizado nesta revisão.
Na extração dos dados foi construída tabelas (3) contendo as principais informações dos estudos incluídos. Essas informações permitem a comparabilidade das variáveis entre os estudos que podem afetar a presença ou a magnitude do efeito da intervenção. Além disso, auxiliam na interpretação crítica e na validação da aplicabilidade dos resultados.
Autor (es) e ano | Título | Amostra | Instrumentos | Mindfulness | Controle | Resultado/ Conclusão |
---|---|---|---|---|---|---|
Zelazo, et al., 2018 |
Mindfulness Plus Reflection Training: Effects on Executive Function in Early Childhood |
Amostra de 218 crianças pré- escolares, com média de idade de 4,7 anos, de duas escolas, uma em Houston, Texas, e outra em Washington, D.C. |
Tarefa Head-toesknees-shoulders (Da Cabeça aos pés, joelhos e ombros); Batendo Peg; Escala de funções executivas de Minnesota (MEFS); Subteste de identificação de letras-palavras de Woodcock- Johnson III (WJ-III); Escala de Teoria da Mente; Children’s Behavior Questionnaire (CBQ); Child Behavior Rating Scale (CBRS); Stanford-Binet Early 5; |
Intervenção Mindfulness + reflexão: 30 sessões em pequenos grupos (8-12 crianças) (24 minutos cada; diariamente, por 6 semanas). |
Alfabetização: 30 sessões em pequenos grupos (8-12 crianças) (24 minutos cada; diariamente, por 6 semanas). As crianças do grupo Business as Usual (BAU) permaneceram na sala de aula e se envolveram em atividades e exercícios regulares. |
Todos os grupos mostraram melhora nas habilidades de FEs durante o período de 5 meses do estudo, tendo as crianças do grupo Mindfulness + Reflexão no topo da classe. |
Lawler, et al., 2019 | A Preliminary, Randomized- Controlled Trial of Mindfulness and Game-Based Executive Function Trainings to Promote Self-Regulation in InternationallyAdopted Children |
96 crianças adotadas internacionalmente com idades entre 6 e 10 anos. |
Tarefa de flanqueador de cores (FEs); Tarefa de atraso em estrela (medir o atraso da gratificação); Tarefa de brinquedos Dinky (controle inibitório, controle com esforço e atraso na gratificação); Tarefa GNG (regulação emocional e função executiva); Questionário de Forças e dificuldades (SDQ). |
Currículo que envolvia práticas de Mindfulness e relaxamento adaptadas para crianças. 12 sessões em grupo com duração de 1 hora. |
Grupo-controle passivo (sem tratamento, apenas pré e pós-teste). |
Comparado com o grupo-controle, o grupo de intervenção em Mindfulness melhorou o atraso da gratificação, o controle inibitório e a atenção seletiva. Não houve efeito de nenhuma das intervenções na regulação emocional, porém seus resultados demonstraram que as intervenções baseadas em Mindfulness são promissoras para melhorar a autorregulação em diferentes domínios. |
Bauer, et al., 2020 |
Mindfulness training preserves sustained attention and resting state anticorrelation between default- mode network and dorsolateral prefrontal cortex: A randomized controlled trial. |
31 alunos com média de idade de 11,76 anos, cursando o 6º ano de uma escola pública. |
Escalas de Inteligência Abreviadas de Wechsler para o QI (WASI); Avaliação da lateralidade. |
Intervenções baseadas em Mindfulness com foco na respiração, pensamentos e preocupações. Com sessões durante 8 semanas, 4 vezes na semana, com duração de 45 minutos. |
8 semanas, durante as quais os alunos se encontraram 4 vezes por semana para aulas de 45 minutos e receberam treinamento de codificação, durante o qual aprenderam sobre codificação de computador. |
Ao examinar o impacto do treinamento de Mindfulness em crianças, com relação a capacidade de codificação, controle ativo na atenção sustentada e conectividade cerebral funcional em associação a um estado de repouso, descobriram que, após as intervenções, as crianças do grupo de Mindfulness preservaram seu desempenho de atenção sustentada. |
Lam e Seiden, (2020). |
Effects of a Brief Mindfulness Curriculum on Selfreported Executive Functioning and Emotion Regulation in Hong Kong Adolescents |
115 jovens de uma escola pública de Hong Kong com idades média de 12,4 anos. | Versões chinesas do Youth SelfReport (YSR); Inventário de Função Executiva versão autorrelato (BRIEF -SR); Escala DERS (Regulação emocional). |
Aprendendo a respirar (N = 53), consistindo em 6 sessões de 70 minutos, 1 vez por mês, durante 5 meses. |
IInstrução como de costume (N = 62) durante a aula de religião/estudos sociais. |
Para as FEs, o grupo de intervenção em Mindfulness apresentou ligeira melhora no pós-teste, enquanto o grupocontrole relatou problemas crescentes. |
Lassander, et al, 2020 | The Effects of School-based Mindfulness Intervention on Executive Functioning in a Cluster Randomized Controlled Trial |
Participaram do estudo 131 alunos com idades entre 12 e 15 anos. | Subteste Memória de Trabalho do WISC-IV; A inibição da resposta foi medida com um teste do NEPSY-II; A flexibilidade cognitiva e o processamento foram avaliados com o teste Trail Making do D-KEFS (Delis- Kaplan Executive Function System). |
Currículo de intervenção baseado em mindfulness, além de sessões holísticas com apresentações psicoeducativas relacionadas ao bem-estar, durante 9 semanas, com duração de 45 minutos. |
Treino de relaxamento por 9 semanas, durante horário escolar normal. O programa consistia em sessões semanais em grupo de 45 minutos de duração (grupo de 20 a 25 alunos) na escola e 1 a 15 minutos de práticas diárias em casa. |
|
Sifredi, et al.,2021 | TThe efect of a mindfulness based intervention on executive, behavioural and socio emotional competencies in very preterm young adolescents |
56 jovens adolescentes, com idades entre 10 e 14 anos, nascidos antes das 32 semanas gestacionais. |
IInventário de Avaliação do Comportamento da Função Executiva - versão dos pais (BRIEF); Questionário de Força e Dificuldades - versão dos pais (SDQ), e Teste NEPSY-II. |
Intervenções baseadas em Mindfulness durante 8 semanas com duração de 90 minutos, além de convite para participar diariamente em casa. |
Grupo de espera | Os dados desse estudo mostraram um efeito benéfico do Mindfulness nas FEs comportamentais e socioemocionais em jovens adolescentes que nasceram prematuros, assim como o aumento das FEs também foi observado em tarefas computadorizadas com maior velocidade de processamento após o mindfulness. |
Milaré, et al. (2021). |
Mindfulness-Based Versus Story Reading Intervention in Public Elementary Schools: Effects on Executive Functions and Emotional Health |
207 crianças de 2 escolas públicas, com idades entre 8 e 9 anos. |
Questionário Sociodemográfico; CSS - Escala de Estresse Infantil; CDI - Inventário de Depressão Infantil; MASC - Escala Multidimensional de Ansiedade para Crianças; CPANS - Cronograma de Efeitos Positivos e Negativos para Crianças; FDT - Teste de cinco dígitos. |
Os alunos da escola 1 foram submetidos ao currículo adaptado K5 (MS) das Mindful Schools (2014), que consiste em 16 práticas de Mindfulness durante 8 semanas (2 vezes por semana). |
Os alunos da escola 2 tiveram a Intervenção de Leitura de Histórias - 16 histórias em 8 semanas (2 vezes por semana). |
Os alunos do grupo que recebeu intervenção em Mindfulness apresentaram efeitos mais amplos nas FEs, enquanto os alunos do grupo-controle mostraram uma tendência à redução dos sintomas de afeto negativo e depressão. |
Vekety, Logemann e Takacs (2022). |
Mindfulness Practice with a Brain-Sensing Device Improved Cognitive Functioning of Elementary School Children: An Exploratory Pilot Study |
31 crianças com idades entre 8 e 10 anos. | Teste de seta tipo Stroop de localizaçãodireção; Teste de corações e flores; Tarefa de sinal de parada adaptada (SST); Teste de Trilha (TMT). |
Intervenções baseadas em Mindfulness com feedback de EEG com duração de 8 sessões (4 semanas) sobre as FEs. |
Grupo-controle passivo (sem tratamento, apenas pré e pósteste). |
As descobertas desse estudo fornecem algumas evidências preliminares para a prática de Mindfulness apoiada por tecnologia, incorporada na prática cotidiana nas escolas, para capacitar as crianças a praticar a regulação de sua própria atenção sem a ajuda de um adulto. |
Resultados da avaliação de risco de viés dos estudos
Os 8 estudos rastreados foram analisados quanto ao risco viés (Figuras 2 e 3), sendo identificados 2 estudos com um baixo risco de viés para todos os itens (Bauer et al., 2020; Lassander et al., 2020), enquanto 2 estudos apresentam um alto risco de viés de seleção (Milaré et al., 2021; Vekety et al., 2022), nos itens “geração de sequência aleatória” e “ocultação de alocação”.
Salienta-se que o estudo de Vekety et al. (2022) apresenta, ainda, alto risco em “ocultação da avaliação de resultados”, referente ao viés de detecção, e, assim como o estudo de Milaré et al. (2021), também contém um item não aplicável para análise, deixando a avaliação de viés incerta.
Já os estudos de Lam e Seiden (2020), Lawler et al. (2019), Sifredi et al. (2021) e Zelazo et al. (2018) apresentam preocupações em alguns itens, como viés de seleção, viés de desempenho, viés de detecção e viés de atrito, evidenciando que 50% dos estudos incluídos nesta revisão apresentam incertezas, pela falta de informações suficientes para serem julgados como tendo alto ou baixo risco de viés.
DISCUSSÃO
A presente revisão sistemática teve o objetivo de responder à questão “Intervenções baseadas em Mindfulness são eficazes para aprimoramento das funções executivas de crianças e adolescentes?” a partir de ensaios clínicos publicados nos últimos 5 anos. De modo geral, os 8 estudos selecionados demonstraram desfechos eficazes quanto aos efeitos da prática do Mindfulness no aprimoramento das FEs de crianças e adolescentes.
Dentre os estudos analisados, o de Zelazo et al. (2018) dá destaque à prática de Mindfulness com crianças em idade pré-escolar, apontando que, na primeira infância, as crianças apresentam um desenvolvimento mais rápido das FEs. Os autores perceberam um efeito linear altamente significativo do tempo, indicando que a maioria das crianças que participaram do programa de Mindfulness apresentaram sinais de mudança positiva, particularmente quando medidos 4 semanas após o final da intervenção de 6 semanas. Sinaliza-se que o grupo que recebeu intervenção em Mindfulness superou significativamente o grupo-controle, uma vez que os resultados indicaram aprimoramento e direcionamento das habilidades referentes a FEs, melhorando a prontidão escolar nas crianças.
Resultado similar é apresentado por Bauer et al. (2020) em ensaio realizado com alunos do 6º ano, o qual levanta a possibilidade de que a atenção plena promove a maturação dos circuitos neurais associados à atividade cognitiva, sinalizando que o treinamento de Mindfulness pode ser visto como um fator tanto para melhor desempenho acadêmico como para proteção contra efeitos neurocognitivos e comportamentais do estresse em crianças e adolescentes. Bauer et al. (2020) também destacam que programas baseados em Mindfulness apresentaram resultados nas experiências diárias. Seus efeitos vão além do momento da sua prática, preservando o desempenho cognitivo e a atenção sustentada, o que tem implicações para a saúde mental e as práticas educativas.
Ainda sobre Mindfulness no ambiente escolar, Lam e Seiden (2020), Milaré et al. (2021) e Vekety et al. (2022) sugerem que esses programas cumprem uma função preventiva durante o estágio de transição acadêmica, promovendo resiliência e bem-estar entre os alunos. Tais estudos demonstraram que é viável a implementação da prática de programas de Mindfulness no ambiente escolar, visto que se constatou a aceitabilidade dos alunos, assim como no estudo de Lawler et al. (2019). Além de melhorias significativas na autorregularão, na inibição de resposta, no processamento cognitivo e na flexibilidade cognitiva, os participantes que recebem Mindfulness continuam a melhorar essas habilidades no decorrer de até 6 meses após as intervenções.
As FEs são essenciais para o processo de aprendizagem em sala de aula. Nesse sentido, investigar intervenções que possam contribuir para a melhora das habilidades envolvidas é imprescindível. Quach et al. (2016) verificaram que a habilidade de memória de trabalho das FEs não obteve melhoras após a intervenção com Mindfulness em adolescentes de uma escola pública, trazendo evidências que divergem da literatura mais recente. Lassander et al. (2020), em sua pesquisa com alunos entre 12 e 15 anos, perceberam que tanto os efeitos da intervenção com Mindfulness como o controle ativo baseado em relaxamento apresentaram resultados positivos em todos os domínios das FEs.
Sifredi et al. (2021) se distinguem, uma vez que a amostra de estudos incluídos em sua revisão compreende jovens de 10 a 14 anos nascidos prematuramente. Os autores destacam que práticas de Mindfulness demostram ser uma ferramenta valiosa na prevenção e/ou redução de consequências prejudiciais da prematuridade em adolescentes, especialmente no que diz respeito a dificuldades executivas, comportamentais e socioemocionais. Com relação à mudança comportamental e melhor desempenho nas competências executivas, Bauer et al. (2020) e Lassander et al. (2020) corroboram fortemente as descobertas de Sifredi et al. (2021), expandindo os resultados também para crianças e adolescentes que não nasceram prematuramente.
Os resultados em jovens que nasceram prematuros também revelaram efeitos mais específicos nas habilidades metacognitivas associados à prática de mindfulness, refletindo no aumento do processamento de informações, particularmente surpreendentes para inibição e memória de trabalho e nos subdomínios de habilidades das FEs (Sifredi et al., 2021). Destaca-se que esses jovens, mesmo nascendo antes das 32 semanas gestacionais, tiveram um desenvolvimento cognitivo saudável.
Um dos estudos incluídos na presente revisão aplicou programa de Mindfulness em crianças e adolescentes adotados internacionalmente, com idades entre 6 e 10 anos. Lawler et al. (2019), partindo da hipótese de que esse grupo pode exibir déficits de desenvolvimento persistentes e atrasos na autorregulação, usaram treinamentos baseados em Mindfulness e FEs, obtendo melhoras no atraso da gratificação, no controle inibitório e na atenção seletiva. Entretanto, não houve efeito na regulação emocional; mesmo assim, as intervenções de atenção plena se apresentam promissoras para o aprimoramento da autorregulação em crianças.
É importante evidenciar que Lawler et al. (2019), assim como Lam e Seiden, (2020); Milaré et al. (2021) e Vekety et al. (2022), sugerem que as escolas devem considerar qual aspecto da autorregulação elas acreditam ser mais crucial para o sucesso escolar e trabalhar esse aspecto, escolhendo a melhor intervenção baseada em Mindfulness para as particularidades dos seus alunos, adaptando-a para tornar eficazes os possíveis resultados. As características individuais dos alunos apresentam-se como variáveis de confusão que podem influenciar nos resultados; dessa forma, é necessário que os pesquisadores ou profissionais que aplicam Mindfulness atentem-se para as idiossincrasias dos participantes.
Ainda de acordo com Lam e Seiden (2020), reforçando as investigações de Bauer et al. (2020), a infância e a adolescência são etapas do desenvolvimento humano cuja vulnerabilidade ao estresse pode ser exacerbada durante transições acadêmicas e sociais. Assim, os autores apontam a importância do treinamento de habilidades socioemocionais nessas etapas. Em seus resultados, Lam e Seiden (2020) demonstraram que uma intervenção baseada em Mindfulness com foco na respiração diafragmática teve função essencialmente preventiva em jovens com idade média de 12,4 anos, promovendo a resiliência entre aqueles que aprenderam as habilidades.
As descobertas de Lam e Seiden (2020) fornecem suporte para os benefícios do treinamento baseado em Mindfulness com foco na respiração diafragmática como um modelo multinível para intervenção em contextos educativos, apresentando melhora nas habilidades sociais e emocionais, bem como na resiliência emocional e comportamental. Lawler et al. (2019) corroboram esse estudo e complementam com as evidências apresentadas ao terem identificado um aumento nos percentuais de desempenho acadêmico em sua própria amostra.
Milaré et al. (2021) discutem a importância da implementação desses protocolos nas escolas brasileiras para ampliar também o desenvolvimento socioemocional. Em seus resultados, nota-se que a aplicação de uma intervenção baseada em Mindfulness desencadeou melhoras em habilidades cognitivas como atenção automática e velocidade de processamento (leitura e contagem), bem como na atenção controlada e na atenção executiva (escolha, mudança, flexibilidade e inibição). As intervenções em Mindfulness são recomendadas no ambiente acadêmico por serem, em sua maioria, aplicadas em um tempo relativamente curto, não atrapalhando o currículo acadêmico dos alunos.
Ademais, a pesquisa realizada por Vekety et al. (2022) sinalizou implicações importantes no processo de aprendizagem de crianças a partir dos treinamentos em mindfulness. Os autores mediram a atividade cerebral em crianças com idades entre 9 e 10 anos enquanto recebiam treino em Mindfulness somado ao neurofeedback com eletroencefalograma (EEG) e perceberam mecanismos neurais e desempenho cognitivo associados a essa prática, detectando mudanças significativas na inibição, no processamento de informações e na atividade cerebral em estado de repouso (alfa e teta) em comparação ao grupo-controle, que nesse estudo foi passivo.
Esse estudo, assim como os já mencionados, demonstra potencial melhora das FEs após as intervenções baseadas em mindfulness, sendo citados principalmente protocolos para redução de estresse e consciência respiratória (Bauer et al., 2020; Lam & Seiden, 2020). Evidências de efeitos positivos no processo de aprendizagem autorregulada e desempenho acadêmico de crianças e adolescentes também foram identificadas, reafirmando a relação entre os domínios das FEs, Mindfulness e os desfechos citados (Lassander et al., 2020; Vekety et al., 2022).
É importante destacar que os estudos rastreados não trazem uma padronização dos instrumentos utilizados no préteste e no pós-teste, dos protocolos de intervenção em mindfulness, do número de sessões ou do tamanho amostral. Embora não haja um padrão, todos os estudos demonstraram em seus resultados, embora preliminares, a eficácia das intervenções baseadas em Mindfulness nas FEs de crianças e adolescentes típicos.
Algumas limitações podem ser apontadas na presente revisão. Os estudos rastreados não apresentaram medidas de sumarização padronizadas; dessa forma, não foram realizadas análises quantitativas. Além disso, os autores desta revisão não buscaram realizar conversões de valores por considerar que, após tal processo, poderiam ocorrer imprecisões nessas padronizações. Os estudos rastreados, apesar de demonstrarem forte validade interna (baixo risco de viés), apresentam inconsistências de validade externa, fato que pode ser observado por meio dos diferentes protocolos utilizados.
Esta revisão também não considerou análises adicionais, por entender-se que os diferentes protocolos utilizados e o manejo das intervenções de Mindfulness resultariam em uma análise de muitos subgrupos e, em alguns casos, haveria estudos que não se encaixariam em nenhum subgrupo, o que limitaria os achados de uma análise de sensibilidade. Em razão de os estudos terem sido analisados de forma geral, mesmo sendo identificadas diferenças de procedimentos, as considerações desta revisão estão sujeitas às consequências do viés de agregação.
Estudos futuros a respeito da eficácia de intervenções baseadas em Mindfulness sobre as FEs de crianças e adolescentes são necessários na busca de mais evidências empíricas sobre o efeito dessas intervenções nas FEs em diferentes idades e contextos. O aprimoramento de protocolos para condições específicas, assim como a especificação de quais componentes das FEs uma determinada intervenção de Mindfulness busca melhorar, são necessários para que seja possível observar-se efeitos significativos, considerando a variabilidade e as diferenças individuais dos participantes dessas intervenções.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente revisão identificou que as intervenções baseadas em Mindfulness podem melhorar o funcionamento executivo, o desempenho acadêmico, a autorregulação, a regulação comportamental e a memória de trabalho de crianças e adolescentes, promovendo resiliência e bem-estar. Os estudos apresentaram como desfecho principal a melhora do desempenho no ambiente escolar, no qual as intervenções com Mindfulness aprimoram a autorregulação e as FEs.
Dessa forma, podemos considerar, com base nos estudos citados nesta revisão, que as intervenções baseadas em Mindfulness podem ser especialmente relevantes no manejo de crianças e adolescentes, já que os mecanismos neuropsicológicos do Mindfulness podem aprimorar as FEs, promovendo mudanças positivas. Nesse sentido, espera-se que os resultados encontrados encorajem mais estudos sobre esses efeitos do mindfulness, não só nas FEs, mas também em outros aspectos referentes à saúde mental.