A ansiedade é um tema cada vez mais presente na atualidade, assim como a observação de sua incidência na população geral, em especial após o panorama pandêmico. A Organização Mundial da Saúde estima que a prevalência global de ansiedade aumentou em 25% entre 2020 e 2021, de acordo com um dossiê científico divulgado em março de 2022 (Organização das Nações Unidas [ONU], 2022). No Brasil, dados preliminares de uma pesquisa do Ministério da Saúde (Fundação Oswaldo Cruz [Fiocruz], 2020) mostraram que 86,5% dos participantes apresentavam ansiedade, com níveis diversos de gravidade. Esse foi o resultado preliminar da análise de 17.491 indivíduos, com média de idade igual a 38,3 anos, variando entre 18 e 92 anos, em estudo realizado pelo órgão federal.
Porém, antes mesmo do cenário pandêmico, estudos identificavam a alta prevalência de transtornos de ansiedade. Mangolini et al. (2019) realizaram uma revisão de literatura com buscas nas bases de dados PubMed, LILACS e Google Acadêmico, de 2007 a 2017, com os descritores “epidemiologia”, “transtornos de ansiedade”, “prevalência” e “Brasil”. O objetivo era identificar a frequência, os fatores determinantes e o uso de serviços de saúde disponíveis para o tratamento dos transtornos de ansiedade no País. Os resultados revelaram uma prevalência-ano desses transtornos de até 19,9% em algumas regiões do Brasil. Os autores constataram que os estudos avaliados, em sua maioria, comentavam a importância da implementação de serviços públicos abrangentes que pudessem fornecer uma rede de apoio para as necessidades da população.
Dada sua alta prevalência, a ansiedade é a segunda principal causa de incapacitação entre os transtornos mentais, ficando atrás apenas dos quadros depressivos, segundo Santomauro et al. (2021). De acordo com esses autores, em comparação com todas as doenças físicas e mentais nos últimos 25 anos, os transtornos de ansiedade se mantiveram estáveis, variando entre a 17ª e a 18ª posição nos países de renda elevada. No Brasil, considerado país emergente de renda média, o perfil epidemiológico tende a se assemelhar ao dos países desenvolvidos. No entanto, apesar dos números alarmantes, ainda se sabe pouco sobre os fatores determinantes e o impacto social da ansiedade.
Não há quem já não tenha se percebido ansioso em algum momento. A ansiedade pode ser considerada uma resposta adaptativa, já que promove um estado de alerta diante de situações amedrontadoras, perigosas ou percebidas como ameaçadoras, por exemplo. A quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM-5; American Psychiatric Association [APA], 2014) define: “Os transtornos de ansiedade incluem transtornos que compartilham características de medo e ansiedade excessivos e perturbações comportamentais relacionados. Medo é a resposta emocional a ameaça iminente real ou percebida, enquanto ansiedade é a antecipação de ameaça futura” (p.189). Ainda segundo o DSM-5, a maioria dos transtornos de ansiedade ocorre com mais frequência em indivíduos do sexo feminino do que nos do masculino (proporção de aproximadamente 2:1). Muitos transtornos de ansiedade se desenvolvem na infância e tendem a persistir se não forem tratados.
A ansiedade é caracterizada por um estado de apreensão e excitação, e, até certo ponto, pode ser considerada saudável (Carvalho et al., 2019). Segundo Clark e Beck (2014), a ansiedade é uma emoção voltada para o futuro que, a partir da identificação de eventos possivelmente ameaçadores, pode dar início a alguns sintomas físicos (taquicardia, falta de ar, dor no peito ou tensão muscular), cognitivos (medo de perder o controle, de ser incapaz de enfrentar a situação, de dano físico ou de morte, baixa concentração ou perda de objetividade), comportamentais (evitação de situações de ameaça, fuga, busca de segurança, imobilidade ou dificuldade para falar) ou emocionais (sentir-se nervoso, tenso, assustado ou impaciente). Quando esses sintomas passam a interferir na vida do indivíduo, trazendo prejuízos para a realização de suas atividades cotidianas, essa ansiedade é caracterizada, portanto, como um transtorno de ansiedade.
O impacto da ansiedade patológica na vida de um indivíduo mostra-se um desafio para a ciência, tanto em termos de diagnóstico como de tratamento (Baptista et al., 2020). Para a avaliação dos sintomas e a realização/confirmação do diagnóstico de ansiedade, várias medidas foram desenvolvidas, principalmente de autorrelato (Clark & Beck, 2012). Avanços têm sido realizados na avaliação da ansiedade, e uma medida mais recente, a Escala Cognitiva de Ansiedade (ECOGA), enfatiza os aspectos cognitivos específicos dos transtornos de ansiedade. A ECOGA é um instrumento baseado no modelo cognitivo de Beck e mostra-se útil para avaliar e tratar os sintomas cognitivos de pacientes no contexto clínico e/ou hospitalar (Baptista et al., 2020).
O tratamento da ansiedade envolve diferentes profissionais, entre eles médicos e psicólogos, e é realizado com intervenções farmacológicas, não farmacológicas e/ou mistas. Também se observam desafios com relação ao tratamento da ansiedade, já que as intervenções farmacológicas geralmente prescrevem o uso de ansiolíticos, em especial benzodiazepínicos (Andrade et al., 2020). Estudos recentes, como o de Diogo et al. (2023), apontam para a necessidade de investimentos em outras formas de tratamento da ansiedade para diminuir o uso desses medicamentos, os quais podem gerar dependência grave.
Uma forma combinada ou alternativa de tratamento inclui o uso das intervenções não farmacológicas (INFs), que tem sido cada vez mais incentivado para evitar o abuso de substâncias, reduzir efeitos colaterais de medicamentos e diminuir custos financeiros de tratamentos. Segundo Pinheiro (2019), as INFs são frequentemente implementadas porque complementam as medidas farmacológicas, reduzindo a necessidade de medicação. Além disso, promovem conforto e bem-estar ao paciente, pelo controle da ansiedade.
As INFs consistem na aplicação de técnicas ou procedimentos de prevenção ou tratamento, sem uso de medicamentos, podendo ser divididas em diferentes categorias: (a) psicológicas (cognitivas ou comportamentais), como distração, imaginação guiada, hipnose, realidade virtual; (b) física, como massagem corporal; (c) ambiental, como o uso da sala de indução; (d) social, permitindo a presença de apoio social/de alguma pessoa; e (e) suporte emocional, em que se enquadram o reiki, o toque terapêutico e a escuta ativa (Manyande et al., 2015).
Dentre as INFs psicológicas, destacam-se as técnicas imagéticas. Segundo Holmes e Mathews (2010), as técnicas imagéticas têm sido utilizadas cada vez mais em abordagens psicoterapêuticas e o número de estudos sobre imagens mentais tem aumentado, seja verificando sua eficácia como aplicação terapêutica, seja analisando-as como parte de pensamentos intrusivos em populações clínicas.
Intervenções como a imaginação guiada são descritas por Beck et al. (2005) desde a década de 1980, o que era chamado de “substituir imagem” e consistia em sugerir ao paciente que pensasse na substituição de uma imagem espontânea angustiante por uma imagem agradável. A aplicação dessa técnica se dá por meio de relaxamento e de visualização.
Para Muller et al. (2009), a intervenção mediante técnicas de relaxamento e de visualização em psicologia da saúde tem auxiliado no tratamento de doenças, ampliando a compreensão do processo saúde-doença. Para as autoras, as imagens de cura visualizadas tendem a estimular o sistema imunológico e trazem bem-estar, o que auxilia o paciente a comportar-se ativamente na recuperação da sua saúde e em seu processo psicoterapêutico.
Tendo em vista que o transtorno de ansiedade é considerado um problema de saúde pública, há uma necessidade científica de se conhecer e desenvolver melhores formas de tratá-lo. Ademais, as formas não farmacológicas de tratamento podem contribuir para a redução do uso de medicamentos com potencial de induzir dependência/adição. Assim, o objetivo deste estudo de revisão sistemática de literatura foi identificar evidências de que o uso de imaginação guiada como intervenção não farmacológica contribui para a redução de níveis de ansiedade em pessoas adultas.
MÉTODO
Esta revisão sistemática baseou-se em parâmetros do protocolo PRISMA - Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (Liberati et al., 2009), tendo sido realizada entre os meses de dezembro de 2022 e janeiro de 2023. A questão norteadora deste estudo foi: o uso de imaginação guiada contribui para a redução da ansiedade em pessoas adultas?
Considerando o movimento da prática baseada em evidências (Goodheart et al., 2006), este estudo utilizou a estratégia PICO para a construção da pergunta de pesquisa e a busca bibliográfica, conforme a Tabela 1.
Tabela 1 A estratégia PICO.
Acrônimo | Definição | Descrição |
---|---|---|
P | Paciente ou Problema | adultos com ansiedade ou em contextos ansiogênicos |
I | Intervenção | intervenção terapêutica com uso de imaginação guiada ou de relaxamento com imagem guiada |
C | Controle ou Comparação | nenhuma intervenção, outra intervenção não farmacológica ou cuidados de rotina |
O | Outcomes (desfechos) | redução do nível de ansiedade após a intervenção |
Foi realizada uma busca por estudos empíricos nas bases de dados SciELO, SCOPUS e PsycINFO, em artigos revisados por pares. Os descritores utilizados em português foram “ansiedade AND intervenção AND (imaginação guiada OR relaxamento com imagem guiada)”, e seus correspondentes em inglês foram “anxiety AND intervention AND (guided imagery OR relaxation with guided image)”. Apesar de a pesquisa ter sido feita em português e em inglês, não foi aplicado filtro de idioma. Restringiu-se a busca a título e resumo do artigo para os anos de 2018 até 2022 (cinco anos).
Os critérios de elegibilidade incluíram artigos empíricos com população de adultos, com relato de intervenção específica de imaginação guiada, mesmo que associada a outras técnicas. Foram excluídos artigos de revisão de literatura, revisão sistemática, metanálise, teses, dissertações, livros e capítulos de livro. Outros critérios de exclusão foram: artigos sem acesso livre, artigos duplicados, bem como os que não apresentavam em seus resumos informações suficientes para análise dos critérios de elegibilidade.
Inicialmente, foi realizada a busca nas bases de dados, com os referidos descritores. A partir dos resultados encontrados, foram aplicados os critérios de exclusão para aqueles artigos que, já no título, se mostraram irrelevantes ou inadequados. Os artigos que não puderam ser avaliados pelo título foram analisados pelo resumo. Essa triagem levou à seleção de registros que continham informações relevantes, conforme os critérios de inclusão. Em seguida, foram analisados, na íntegra, todos os artigos que preenchiam os critérios de inclusão.
RESULTADOS
O total de resultados da busca nas três bases de dados foi de 740 publicações. A Figura 1 mostra o processo de triagem e seleção que levou à escolha final de 12 artigos.
A Tabela 2 apresenta informações dos 12 artigos selecionados. Os artigos estão em ordem alfabética, com seus respectivos anos de publicação, informações sobre país de origem, delineamentos, objetivos, populações estudadas e resultados principais.
Tabela 2 Síntese das informações dos artigos selecionados.
Autores, país de origem e delineamento | Objetivo | Participantes, grupos e intervenções | Síntese dos resultados |
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Acar& Aygin (2019).Turquia. Estudo experimental prospectivo randomizado controlado. |
Determinar os efeitos da imaginação guiada aplicada no perioperatório sobre náusea, satisfação e ansiedade. | Adultos em perioperatório (n=60). Gl (n=30): imaginação guiada 1 vez no pré-operatório e 5 vezes no pós-operatório (1 x no 1o dia, 2x no 2o e no 3o dias). GC (n=30): tratamento padrão e cuidados de enfermagem. |
Diferença estatisticamente significativa na pontuação no ASSQ (24a, 48a e 72a horas) (p=0,05). O escore do ASSQ do GC, nas 24a e 48a horas foi significativamente maior do que o do Gl (p=0,009). |
Afshar et al. (2018). Irã. Ensaio controlado randomizado. |
Investigar os efeitos da imaginação guiada na ansiedade estado e traço e na qualidade do sono de pacientes em hemodiálise. | Pacientes adultos em hemodiálise (n=70). Gl (n=35): imaginação guiada, 6 vezes por semana, por 4 semanas GC (n=35): cuidados de rotina. |
Gl apresentou resultado significativamente inferior em ansiedade no pós-teste, comparado com o GC, tanto ansiedade-traço quanto ansiedade-estado (p<0,001). |
Aghakhani et al. (2022). Irã. Ensaio controlado randomizado simples-cego. |
Determinar o efeito da imaginação guiada na qualidade e gravidade da dor e da ansiedade relacionada à dor em situação de troca de curativos em pacientes queimados. | Pacientes adultos queimados (n=70). Gl (n=35): 4 sessões de imaginação guiada, por 4 dias consecutivos. GC (n=35): cuidados de rotina. |
Redução significativa da ansiedade relacionada à dor no Gl comparada ao GC (p<0,001). |
Alhawatme et al. (2022). Jordânia. Estudo com 3 grupos, randomizado, simples-cego. |
Examinar os efeitos diferenciais do relaxamento muscular progressivo [PMR] e da imaginação guiada sobre os sintomas físicos e emocionais em estudantes de enfermagem em seu treinamento clínico inicial. | Estudantes de enfermagem (n=150). Gl 1 (n=50): relaxamento muscular progressivo. Gl 2 (n=50): imaginação guiada. GC (n=50): controle. |
Diferença significativa entre os 3 grupos (p<0,001). Imaginação guiada reduziu significativamente os sintomas de ansiedade, mais do que o PMR (p=0,004). |
Beizaee et al. (2018). Irã, Reino Unido e Noruega. Ensaio clínico quaserandomizado controlado. |
Investigar o efeito da imaginação guiada na ansiedade, depressão e sinais vitais em pacientes em hemodiálise. | Pacientes adultos em hemodiálise (n=80). Gl (n=40): imaginação guiada 3 vezes por semana, por 4 semanas. GC (n=40): cuidados de rotina. |
Nível de ansiedade foi significativamente menor no Gl em comparação ao GC (p=0,03). |
Cole et al. (2021). Estados Unidos. Estudo quase experimental com 3 medições (linha de base, 24 horas e 48 horas). |
Avaliar a intervenção de imaginação guiada para alterar os escores de dor, de ansiedade e de uso de analgesia opióide entre adultos hospitalizados em um ambiente de cuidados intensivos. | Pacientes adultos internados com diferentes condições clínicas (n=36). Gl (n=36): imaginação guiada, 2 vezes por dia. |
As médias das três medidas (linha de base, 24a hora e 48a hora) mostraram redução estatisticamente significativa da ansiedade. Verificaram-se diferenças significativas (p < 0,001) para as medidas de ansiedade (segunda e terceira medidas). |
Felix et al. (2018). Brasil. Ensaio clínico randomizado triplo-cego. |
Avaliar o efeito do relaxamento com imaginação guiada sobre a ansiedade-estado e os níveis de cortisol no pre-operatorio imediato em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. | Pacientes submetidos à cirurgia bariátrica por videolaparoscopia (n=24). GE (n=12): sessão de imaginação guiada associada a relaxamento. GC (n=12): tratamento padrão. |
Redução estatisticamente significativa dos escores de ansiedade-estado (p<0,005) após a intervenção. |
Lu et al. (2022). Taiwan. Estudo controlado randomizado com medidas pré e pós intervenção. |
Avaliar os efeitos da meditação com imagens guiadas na melhora da ansiedade, da qualidade do sono e alívio da dor pós-operatória em pacientes após cirurgia de colecistectomia laparoscópica. | Pacientes em pós-operatório de cirurgia de colecistectomia laparoscópica (n=68). Gl (n=34): meditação com imagens guiadas. GC (n=34): cuidados habituais. |
Diferença estatisticamente significativa para ansiedade (p=0,01) com redução no Gl e melhora da qualidade do sono. |
Maghaminejad et al. (2020). Irã. Estudo controlado randomizado. |
Investigar os efeitos da imaginação guiada na ansiedade de teste entre alunos do 1o ano de enfermagem. | Estudantes de enfermagem com ansiedade em situações de prova (n=40). Gl (n=20): imaginação guiada, 30 min, 1x ao dia, por 1 semana. GC (n=20): nenhuma intervenção. |
Não houve diferença estatisticamente significativa na pontuação média pré-teste, mas na média pós-teste os resultados do Gl foram significativamente menores que o GC (p=0,05).GI reduziu ansiedade (p=0,003), comparando pré e pós-teste. |
Nguyen & Brymer (2018). Austrália e Reino Unido. Delineamento intra-sujeito. |
Investigar a eficácia da imaginação guiada baseada na natureza na redução da ansiedade. | Pacientes adultos (n=48). Gl A (n=23): iniciou com imaginação guiada com base na natureza, seguida de imagens urbanas. Gl B (n=25): iniciou com imaginação guiada com imagens urbanas e depois da natureza. |
Escores de ansiedade pós intervenção foram significativamente mais baixos em ambos os tipos de intervenção (p<0,001). Para Gl A, a redução do escore foi maior do que no Gl B, com significância estatística (p=0,026). |
Parizad et al. (2021). Irã. Ensaio clínico controlado randomizado, paralelo e simples-cego. |
Determinar o efeito da imaginação guiada na ansiedade, dor muscular e sinais vitais em pacientes com Covid-19. | Pacientes com Covid-19 hospitalizados (η=1 10). Gl (n=55): 10 sessões de treinamento em imaginação guiada, 5 dias consecutivos, duas vezes/dia. GC (n=55): cuidados de rotina. |
As pontuações médias de ansiedadeestado e ansiedade-traço diferiram significativamente no Gl após a intervenção (p<0,001). Não houve diferença significativa para o GC nas duas medições (p=0,629). |
Sanadgol et al. (2020). Irã. Estudo quase-experimental, pré e pós-teste. |
Determinar o efeito da imaginação guiada na ansiedade relacionada à morte entre enfermeiras de UTI. | Enfermeiras de UTI (n=50). Gl (n=25): imaginação guiada por meio de educação teórica e prática. GC (n=25): nenhuma intervenção. |
Após um mês de imaginação guiada, o escore médio de ansiedade relacionada à morte diminuiu significativamente no Gl (p=0,01). Não houve diferença significativa no GC nas duas medições (p>0,05). |
Nota. GI (grupo intervenção); GC (grupo controle); GE (grupo experimental); ASSQ (Anxiety Specific to Surgery Questionnaire).
Quanto aos anos de publicação, nota-se que quatro dos 12 artigos selecionados foram publicados no ano de 2018, enquanto apenas um artigo com essa temática foi identificado no ano seguinte. Foram encontrados dois artigos publicados em 2020, dois em 2021 e três em 2022.
Os 12 artigos foram redigidos em língua inglesa, apesar de um deles ser um estudo realizado no Brasil (Felix et al., 2018). Destaca-se que cinco dos 12 estudos foram realizados no Irã (Afshar et al., 2018; Aghakhani et al., 2022; Maghaminejad et al., 2020; Parizad et al., 2021; Sanadgol et al., 2020), e um estudo foi realizado por autores desse país em parceria com autores do Reino Unido e da Noruega (Beizaee et al., 2018). Dentre os demais estudos, um foi realizado nos Estados Unidos (Cole, 2021).
Com relação ao delineamento, identificou-se que oito estudos foram randomizados controlados (Acar & Aygin, 2019; Afshar et al., 2018; Aghakhani et al., 2022; Alhawatmeh et al., 2022; Felix et al., 2018; Lu et al., 2022; Maghaminejad et al., 2020; Parizad et al., 2021), sendo dois deles simples-cegos (Aghakhani et al., 2022; Alhawatmeh et al., 2022), um paralelo simples-cego (Parizad et al., 2021) e um triplo-cego (Felix et al., 2018). Quatro estudos não tiveram o critério de randomização da amostra (Beizaee et al., 2018; Cole, 2021; Nguyen & Brymer, 2018; Sanadgol et al., 2020), sendo que um deles não teve grupo-controle (Cole, 2021).
No que se refere aos objetivos, três estudos visaram observar os efeitos da imaginação guiada apenas sobre a ansiedade (Maghaminejad et al., 2020; Nguyen & Brymer, 2018; Sanadgol et al., 2020). Os demais estudos avaliaram os efeitos da intervenção sobre ansiedade e sobre outras condições, como dor, sono, depressão, sinais vitais, náusea ou níveis de cortisol. É importante salientar que, na síntese dos resultados apresentada na Tabela 2, foram valorizadas as informações referentes à ansiedade, alvo da presente revisão.
As amostras estudadas foram diversificadas, sendo que três pesquisas avaliaram participantes que estavam em pré, peri ou pós-operatório de cirurgias diversas (Acar & Aygin, 2019; Felix et al., 2018; Lu et al., 2022); dois artigos incluíram pacientes em hemodiálise (Afshar, 2018; Beizaee et al., 2018); um artigo estudou participantes queimados (Aghakhani et al., 2022); e três deles incluíram estudantes de enfermagem ou de outros cursos, bem como profissionais de enfermagem (Alhawatmeh et al., 2022; Maghaminejad et al., 2020; Sanadgol et al., 2020). Os demais artigos incluíram outros tipos de população (Cole, 2021; Nguyen & Brymer, 2018; Parizad et al., 2021).
Todos os artigos apresentaram resultados com uma resposta afirmativa para a questão norteadora do presente estudo, a saber: o uso de imaginação guiada contribui para a redução da ansiedade em pessoas adultas? Os 12 artigos apontaram uma redução significativa dos escores de ansiedade nos grupos-intervenção, em comparação aos grupos-controle, ou, nos casos de medidas antes e depois da intervenção, sem grupo-controle.
Merecem destaque os dois artigos que avaliaram ansiedade-traço e ansiedade-estado. No estudo de Felix et al. (2018), os escores de ansiedade-estado do grupo-intervenção foram significativamente menores que os do grupo-controle (p<0,005). Parizard et al. (2021) encontraram significância estatística nas diferenças dos escores de ansiedade-traço e de ansiedade-estado, sendo menores no grupo-intervenção do que no grupo-controle (p<0,001), indicando efeitos positivos da técnica aplicada.
Os resultados de três outras pesquisas merecem ser destacados. Alhawatmeh et al. (2022) compararam os resultados de dois grupos-intervenção (um com imaginação guiada e outro com relaxamento muscular progressivo), além do grupo-controle. Os autores observaram que a redução de ansiedade no grupo de imaginação guiada foi maior do que no grupo de relaxamento muscular progressivo (p<0,001). O estudo de Cole (2021) mostrou que, em duas medidas pós-intervenção de curto prazo (24 e 48 horas), houve escores menores de ansiedade para o grupo-intervenção nos dois momentos (p<0,001).
Nguyen e Brymer (2018) compararam dois grupos de imaginação guiada: um deles começava com imagens de natureza seguidas de imagens urbanas, e o segundo grupo fazia a intervenção com a ordem inversa. Os escores de ansiedade pós-intervenção foram significativamente mais baixos em ambos os tipos de intervenção comparados com a linha de base (p<0,001), mas a redução do escore de ansiedade foi maior para o grupo que iniciava com imagens da natureza (p=0,026).
Sobre os procedimentos, oito estudos utilizaram unicamente imaginação guiada como intervenção (Acar & Aygin, 2019; Afshar et al., 2018; Aghakhani et al., 2022; Beizaee et al., 2018; Cole, 2021; Maghaminejad et al., 2020; Parizad et al., 2021; Sanadgol et al., 2020). Um artigo comparou imaginação guiada e relaxamento muscular progressivo (Alhawatmeh et al., 2022); um deles utilizou relaxamento com imagem guiada (Felix et al., 2018); e outro lançou mão de meditação com imagem guiada (Lu et al., 2022).
Estratégias de intervenção e instrumento de avaliação de ansiedade
A Tabela 3 apresenta informações sobre as estratégias de intervenção e o tipo de instrumento para avaliação do nível de ansiedade usados em cada artigo. Com relação às estratégias, todos os estudos realizaram a intervenção com áudio gravado (CD ou MP3), com duração que variava de 15 a 40 minutos. Cinco estudos fizeram a intervenção em grupo, enquanto outros sete aplicaram intervenções individuais.
Tabela 3 Procedimentos de intervenção e instrumentos de avaliação usados nos estudos.
Autores | Procedimentos de intervenção e instrumentos para avaliação de ansiedade |
---|---|
Acar & Aygin (2019) | - IG por meio de CD de áudio, com fone de ouvido, em grupo, 40 min de duração, com 3 etapas: (1) definição e educação de relaxamento e técnicas de relaxamento (2) instrução de relaxamento vocal (3) música relaxante. - Anxiety Specific to Surgery Questionnaire (ASSQ) - Questionário de ansiedade específica para cirurgia. |
Afshar et al. (2018) | - IG por meio de CD de áudio, com fone de ouvido, pela manhã e à noite. 25 min de duração. - Inventário de Ansiedade Estado-Traço de Spielberger. |
Aghakhani et. al. (2022) | - IG por meio de CD de áudio, com fone de ouvido. 4 sessões com 10 min de duração. - Burn Specific Pain Anxiety Scale (BSPAS), escala sobre ansiedade e dor, específica para queimadura. |
Alhawatmeh et al. (2022) | - IG por meio de áudio gravado, em grupos de 10 pessoas. 5 sessões semanais, de 30 min de duração cada. - Depression, Anxiety and Stress Scale - 21 (DASS-21). |
Beizaee et al. (2018) | - IG por meio de áudio gravado, com fone de ouvido, 30 min antes da hemodiálise. Áudio com sons de natureza e instrução de relaxamento. 3x por semana. - Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão - HADS. |
Cole (2021) | - Áudio em MP3 de 30 minutos, com fone de ouvido, de manhã e à noite. - Escala de Ansiedade de Beck. |
Felix et al. (2018) |
- IG por meio de áudio gravado, 20 min de duração, nas primeiras 24 horas pós-cirurgia. - Inventário de Ansiedade Traço-Estado de Spielberger. |
Lu et al. (2022) |
- CD de áudio gravado, 15-20 min de duração, com IG e meditação, assistência musical e treino de relaxamento. - Escala de Ansiedade de Beck. |
Maghaminejad et al. (2020) | - CD de áudio, com fone de ouvido, em grupo. 10 min de relaxamento e treino de respiração, 10 min de imagem mental de cena bonita e pacífica e 10 min focando em pontos fortes e habilidade pessoais. - Inventário de Ansiedade de Teste (TAI). |
Nguyen & Brymer (2018) | - CD de áudio, para ambos os grupos. Uma sessão de IG baseada na natureza e uma sessão de IG baseada em imagens não-natureza, com ordem diferente. - Inventário de Ansiedade Traço-Estado de Spielberger. |
Parizad et al. (2021) | - 10 sessões de treinamento de IG, com CD de áudio, com duração de 25 min. Sessões individuais, realizadas com o paciente no leito, com equipamentos de proteção individual. - Inventário de Ansiedade Traço-Estado de Spielberger. |
Sanadgol et al. (2020) | - Intervenção em grupos de 5 membros, 90 min de duração. Explicações teóricas sobre IG e prática. - Escala Templer de ansiedade de morte. |
Nota. IG (imaginação guiada); GI (grupo intervenção); GC (grupo controle).
Quanto aos instrumentos, alguns estudos utilizaram testes específicos para as comorbidades da população avaliada, como o Anxiety Specific to Surgery Questionnaire (ASSQ), questionário de ansiedade específica relacionada a cirurgias; o Burn Specific Pain Anxiety Scale (BSPAS), voltado para pacientes queimados; o Inventário de Ansiedade de Teste (TAI), para situações de avaliação; e a Escala Templer de Ansiedade de Morte. O Inventário de Ansiedade Traço-Estado de Spielberger foi utilizado para avaliar ansiedade em quatro dos estudos (Afshar et al., 2018; Felix et al., 2018; Nguyen & Brymer, 2018; Parizad et al., 2021); a Escala de Ansiedade de Beck foi usada em dois estudos (Cole, 2021; Lu et al., 2022); e a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), em um estudo (Beizaee et al., 2018). Uma pesquisa usou a Depression, Anxiety and Stress Scale - 21 (Alhawatmeh et al., 2022).
DISCUSSÃO
A partir da análise dos resultados, pode-se observar uma reduzida produção científica nos últimos cinco anos, considerando as bases consultadas, sobre a técnica de imaginação guiada e seus efeitos sobre a ansiedade, não obstante os inegáveis resultados positivos dessa forma de intervenção evidenciados na presente revisão. Apenas um dos estudos selecionados foi realizado no Brasil, sendo publicado em inglês, enquanto observou-se maior produção de pesquisadores iranianos, aspecto que merece ser mais bem analisado oportunamente.
Dos 12 estudos, a maioria (n=8) utilizou desenho experimental, randomizado e controlado, considerado mais apropriado e confiável para investigar se os efeitos verificados decorreram da intervenção realizada. Ainda quanto ao delineamento, dos 12 artigos, um não teve grupo-controle (Cole, 2021), provavelmente pelas condições da amostra, que consistiu em pacientes adultos internados, com diferentes condições clínicas, em ambiente de terapia intensiva. O objetivo de oferecer eventuais benefícios da técnica para todos aqueles que poderiam usufruir de suas vantagens parece ter prevalecido no método.
Outro aspecto digno de nota, quanto ao delineamento, foi a não referência a avaliações de seguimento (follow-up). Acar e Aygin (2019) realizaram um trabalho prospectivo, mas de curto prazo, com medidas variando entre 24, 48 e 72 horas. As amostras dos estudos, vivenciando situações pontuais, e mesmo emergenciais, com intervenções de curto prazo, podem justificar a ausência de avaliações de seguimento nas pesquisas selecionadas. O estudo de Sanadgol et al. (2020), que avaliou o efeito da imaginação guiada sobre ansiedade de morte em enfermeiras de unidades de terapia intensiva (UTI), parece apresentar condições para um possível follow-up. No estudo sobre ansiedade de teste (Maghaminejad et al., 2020), também seria interessante um follow-up, para ver se os efeitos da intervenção seriam mantidos em médio ou longo prazo.
É importante observar que a intervenção com imaginação guiada mostrou resultados positivos em diferentes populações, com tipos variados de comorbidade e em contextos diversos de avaliação. Os resultados apontaram redução estatisticamente significativa da ansiedade, mas também afetaram de forma positiva a qualidade do sono, a percepção de dor, os escores de depressão, os sinais vitais, as reações de náusea e o nível de cortisol, ainda que esses efeitos não tenham sido alvo da presente revisão, pois foram valorizados os resultados no que tange à ansiedade.
Tanto ansiedade-estado quanto ansiedade-traço foram sensíveis às intervenções com imaginação guiada, resultado que merece destaque. A primeira modalidade tende a apresentar sintomas passíveis de resoluções rápidas, com técnicas mais breves, devido às características situacionais. A ansiedade-traço, por sua vez, mostra-se mais estrutural, exigindo intervenções mais longas e com aporte de outras técnicas.
Quando a imaginação guiada foi comparada a outras abordagens não farmacológicas (relaxamento muscular progressivo, meditação, relaxamento comum), apresentou efeitos mais evidentes sobre a ansiedade (Alhawatmeh et al., 2022; Felix et al., 2018; Lu et al., 2022), o que fala a seu favor.
Todas as intervenções utilizaram gravação de áudio em CD ou MP3, o que pode ter vantagens e desvantagens. As vantagens são que a gravação garante que a intervenção será administrada exatamente da mesma forma para todos os participantes e pode ser escutada com fone de ouvido sem incomodar pessoas à volta, entre outras. O aspecto negativo é que não há espaço para eventual interação com o participante ao longo da intervenção, o que poderia ser rico, por permitir o manejo de emoções que surgissem durante a intervenção ou de resistência à técnica.
Considerando que a imaginação guiada é uma intervenção de baixo ou de nenhum custo, de duração breve, sua aplicação de forma ampla é factível. Cole (2021) ressaltou que essa técnica é de fácil implementação, podendo ser incorporada ao cuidado do paciente para reduzir ansiedade e, potencialmente, para redução do uso de analgésicos opioides, aspecto que pode ser muito útil em ambientes de serviços de saúde, em especial os hospitalares.
A presente revisão teve o mérito de revelar os efeitos da técnica de imagem guiada em populações diversas e em contextos diferentes, com base em 12 artigos selecionados sobre o tema. Uma limitação do presente artigo refere-se à não aplicação do protocolo PRISMA na íntegra. À guisa de exemplo, não foi feita uma análise para identificar potenciais vieses dos estudos selecionados. Em estudos futuros de revisão, sugere-se ampliar as bases de dados, bem como o período de publicação, visando alcançar mais artigos sobre a técnica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a intervenção com imaginação guiada, seja em contexto hospitalar ou não hospitalar, constitui uma forma eficiente de redução dos níveis de ansiedade, conforme os estudos dessa revisão sistemática revelaram. A imaginação guiada é uma intervenção não farmacológica que, pela relevância dos resultados, pode ser considerada no tratamento de diferentes comorbidades e em diferentes situações, em complemento, ou não, ao tratamento medicamentoso.