O processo da Reforma Psiquiátrica no Brasil se destaca com os movimentos populares da década de 1970 que reinvidicavam reformulações do sistema público de saúde. Nesse mesmo período, graves denúncias surgiram acerca do modelo de cuidado ofertado, do sucateamento dos equipamentos de assistência hospitalar e da falta de humanização no tratamento. Impulsionados por ideologias sociais e políticas, profissionais da saúde mental, usuários e familiares modificaram significativamente o contexto e o tratamento dos pacientes psiquiátricos em todo o território nacional (Amarante & Nunes, 2018).
Com base nos movimentos de desistitucionalização e de mudanças do paradigma psiquiátrico que ocorreram na Europa e nos Estados Unidos, juntamente à Reforma Sanitária Brasileira, nos anos 1980, líderes políticos também colocaram em pauta no Congresso Nacional propostas de um novo modelo de saúde e de saúde mental. Com a promulgação da Nova Constituição Federal de 1988, foi possível a criação e a implementação do Sistema Único de Saúde (SUS). Anos depois, novas lesgilações e portarias foram criadas para a proteção e a garantia da dignidade de pessoas que necessitavam de tratamento psiquiátrico (Figueiredo, 2019).
O cuidado em saúde mental passou a incluir no tratamento o acolhimento, o atendimento humanizado e a atenção à saúde integral em serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS). A eficácia e a efetividade do modelo hospitalocêntrico foram questionadas e, gradativamente, ele passou a não operar como principal dispositivo de saúde mental. Entre as novas diretrizes das políticas públicas de saúde mental, o cuidado do paciente em sofrimento psíquico passou a ser ofertado e realizado em todos os níveis de atenção à saúde, sendo os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) sua principal referência (Moll et al., 2020).
A internação psiquiátrica em leitos especializados no hospital geral passou a ser considerada a última instância ao paciente em situação de crise, sendo necessária essa modalidade em casos de descompensação do quadro psiquiátrico, apresentação de alteração ou episódio de crises e quando outros métodos extra-hospitalares não demonstrarem sucesso na estabilização dos sintomas agudos (Bragé et al., 2020). Quando indicada a internação psiquiátrica, o paciente é encaminhado para os serviços de saúde mental de referência.
Diante da exigência da internação, reações iniciais de recusa, dificuldades em aceitar os cuidados ofertados, inquietação e ansiedade são comumente observados nas admissões hospitalares. Entre os diagnósticos de enfermagem identificados após avaliação da equipe, foi observada a presença de sintomas elevados de ansiedade na evolução das doenças (Moll et al., 2020).
A presença de sintomas de transtornos de ansiedade pode se tornar um preditor para uma piora da percepção e avaliação de outros sintomas físicos e, assim, pode haver prejuízo na manutenção ou na intensificação das queixas. Pode-se compreender a ansiedade como uma interpretação irracional de perigo de uma determinada situação, uma visão superestimada de si, dos outros e do futuro. Desse modo, diante um estressor, o modo de ameaça é ativado e reações negativas podem ser observadas. Indivíduos com sintomas ansiosos em geral sobrevalorizam sua avaliação de situações e subestimam suas capacidades individuais para lidar com as adversidades, gerando aumento dos sintomas (Reyes & Fermann, 2017; Takeshima et al., 2021).
Pesquisas evidenciam as contribuições das terapias cognitivo-comportamentais (TCC) na redução de sintomas ansiosos e depressivos, em diferentes modalidades (individual e em grupo). A análise de revisão sistemática e metanálise sinalizam os resultados das intervenções de TCC na manutenção da melhora e na remissão dos sintomas mesmo após o período de um ano depois do tratamento (van Dis et al., 2020).
Desenvolvida por Aaron T. Beck em meados dos anos 1960, a TCC buscou legitimar uma corrente psicológica com base no modelo psicopatológico, a partir da elaboração de uma terapia estruturada, diretiva, focada no presente e de curta duração (Beck, 2013; Tighe et al., 2018). A TCC têm como premissa ser educativa, colaborativa e pautada na modificação dos pensamentos e comportamentos.
Ainda nesse contexto, as terapias cognitivas contextuais, chamadas de “terapias de terceira onda”, corroboram propostas de intervenções e protocolos de tratamento para diferentes transtornos psiquiátricos graves. Entre eles, destacam-se a terapia cognitiva baseada em mindfulness (MBCT), a terapia de aceitação e compromisso (ACT) e a terapia comportamental dialética (DBT), abordagens baseadas em evidências, com resultados significativos (Tighe et al., 2018).
O ensaio randomizado de Méndez-Bustos et al. (2019) com pacientes com ideação suicida e que tinham histórico de tentativas prévias, aponta evidências favoráveis e significativas para redução de pensamentos negativos com uso da DBT, seguida da TCC. Focando mais especificamente em pacientes com episódios de tentativa de suicídio, outra análise relevante é avaliação clínica dos fatores de risco. Determinados grupos de pessoas podem apresentar fatores predisponentes e precipitantes que aumentam a vulnerabilidade para episódios de tentativa de suicídio, como: internação psiquiátrica pregressa, presença de transtorno mental e outros fatores associados à saúde-doença (Méndez-Bustos et al., 2019). Entre outros diagnósticos psiquiátricos, destaca-se o transtorno da personalidade borderline (TPB), no qual há o predomínio de instabilidade, desregulações emocional e comportamental.
Ainda neste mesmo contexto os autores Khosravi & Hassani (2022) ressaltam que as intervenções cognitivo-comportamentais com foco na resolução de problemas e regulação emocional mostraram-se significativas na melhora do humor, na resposta de menor frequência dos pensamentos negativos e comportamentos suicidas entre pacientes.
INTERNAÇÃO NAS ENFERMARIAS PSIQUIÁTRICAS EM HOSPITAL GERALEASPECTOS EMOCIONAIS
Em decorrência dos movimentos civis, políticos, sociais e ideológicos que ocorriam nas décadas de 1970 e 1980 no País é que a busca do direito fundamental à saúde passou a ser o centro de debates (Santos & Passos, 2022). Ao mesmo tempo, foram surgindo inovações no campo das políticas públicas de saúde, avanços e retrocessos na área da saúde mental foram sendo incorporados às discussões, assim como o sucateamento dos equipamentos de assistência, o baixo investimento do setor público para adoção de outras medidas e estratégias de melhorias na prática assistencial ofertada ao paciente em serviços substitutivos (Bragé et al., 2020; Nunes et al., 2019).
O acolhimento ao usuário em seu território passou a ter papel importante no cuidado centrado no paciente, pautado no respeito à singularidade e à subjetividade e compartilhado por toda a equipe multidisciplinar (Bragé et al., 2020). Dessa forma, com as mudanças nas diretrizes, a internação psiquiátrica passou a ocorrer somente em situação de crise e tem critérios definidos por leis, regulamentos e portarias. Nesse contexto, é fundamental que as intervenções agora utilizadas sejam planejadas de acordo com as demandas de cada sujeito, levando em consideração também a compreensão biopsicossocial. A implementação desse cuidado foi formalizado com a elaboração do Projeto Terapêutico Singular (PTS), o qual identifica o diagnóstico do paciente, as estratégias de ação e metas que serão desevolvidas no decorrer do tratamento e a divisão de responsabilidades por parte da equipe de cuidados (Baptista et al., 2020).
Diante de uma internação em situação de crise, o paciente vivencia elevados sintomas de ansiedade que tendem a permanecer ao longo da hospitalização, dependendo da abordagem utilizada nos momentos iniciais e durante todo o tratamento. A TCC dispõe de amplas técnicas que promovem a reestruturação cognitiva e a resolução de problemas, assim, o terapeuta auxilia o paciente a examinar evidências alternativas para suas cognições disfuncionais (Beck, 2022).
Desse modo, o objetivo deste estudo é avaliar o impacto de um protocolo de intervenção cognitivo-comportamental para redução de sintomas de ansiedade em pacientes admitidos em uma enfermaria de urgência e emergência psiquiátrica. Entre os objetivos específicos estão: caracterizar o perfil sociodemográfico e clínico dos participantes, elaborar um protoloco de intervenção para o acompanhamento psicológico em enfermaria de psiquiatria e verificar o impacto da intervenção antes e após a aplicação do protocolo.
MÉTODO
Trata-se de uma pesquisa quase-experimental com grupo único (pré e pós-intervenção), realizada em um serviço de urgência e emergência psiquiátrica localizado no município de Barretos, interior do Estado de São Paulo.
PARTICIPANTES
Participaram 10 pacientes, com diagnóstico de depressão e transtornos da personalidade, internados em enfermaria de psiquiatria de um hospital geral. Os critérios de inclusão foram pessoas de 20 a 65 anos com diagnóstico psiquiátrico principal confirmado no momento da admissão hospitalar. Entre os critérios de exclusão estão: reinternação no período da pesquisa; alta antes da avaliação final; indivíduos curatelados; e pacientes em condições que poderiam comprometer as respostas aos questionários (transtornos mentais crônicos, déficits intelectuais e/ou transtornos neurológicos). A Figura 1 apresenta o fluxograma dos participantes.
INSTRUMENTOS
A pesquisa utilizou como método de avaliação um questionário de identificação sociodemográfico e três instrumentos: um para avaliação de sintomas de ansiedade e depressão, um para triagem de transtornos mentais e um para avaliar o estado geral de saúde mental.
Questionário sociodemográfico: elaborado para este estudo a fim de registrar as informações dos participantes e identificar o perfil clínico da amostra (idade, sexo, hipótese diagnóstica, tempo de doença, formas de enfrentamento, tratamentos e internações prévias).
Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS): compreende duas subescalas para avaliação de sintomas de ansiedade e depressão, com sete questões para cada construto. É amplamente utilizada como ferramenta de rastreio de sintomas de humor no ambiente hospitalar. Trata-se de uma escala tipo Likert, de autoaplicação, e seu resultado varia entre 0 a 21 pontos, tendo como ponto de corte 8 para cada uma das subescalas (Wu et al., 2021).
Self Reporting Questionnaire (SRQ-20): sua versão em português consiste em uma adaptação de 20 itens, aos quais é preciso assinalar sim ou não para cada afirmação, sendo 16 itens para sintomas de perturbações emocionais e quatro para sintomas físicos. Considerado um questionário objetivo, seu ponto de corte é 7 e 8, é utilizado como instrumento de triagem para transtornos mentais na atenção primária (Silveira et al., 2021).
Questionário de Saúde Geral de Goldberg (QSG): utilizado para avaliação da saúde mental de participantes psiquiátricos não psicóticos, é autoaplicável, composto por 60 questões em sua versão original. Visa mensurar o bemestar psicológico e seus resultados são divididos em cinco categorias de análise: estresse psíquico; desejo de morte; falta de desconfiança no desempenho; distúrbios do sono e distúrbios psicossomáticos. A partir dos resultados é possível identificar casos de sofrimento psíquico, traçar estratégias e ações de promoção e cuidado da saúde (Gouveia et al., 2012; Pasquali et al., 1994; Rosa et al., 2023).
PROCEDIMENTOS
A presente pesquisa foi submetida à apreciação e à aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital de Câncer de Barretos (HCB), seguindo a Resolução nº 510, de 7 de abril de 2016, sob parecer nº 5.341.526, aprovado em 9 de abril de 2022 (CAAE: 56073321.6.0000.5437). Os participantes convidados assinaram, em duas vias, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi aplicado um protocolo individual de seis sessões, desenvolvido para este estudo e fundamentado nas técnicas da TCC (Tabela 1). Os encontros tiveram duração média de 35 minutos, ocorreram durante a internação psiquiátrica e seguiram uma ordem padronizada: avaliação inicial com o questionário de dados sociodemográficos e aplicação da HADS, do SRQ-20 e do QSG.
Tabela 1 Protocolo de intervenção cognitivo-comportamental.
SESSÃO | DESCRIÇÃO |
---|---|
1ª | Explicação dos objetivos, realização da triagem psicológica e aplicação dos inventários. |
2ª | Psicoeducação do modelo cognitivo e modelo cognitivo da ansiedade e treino de respiração diafragmática. |
3ª | Psicoeducação dos pensamentos automáticos e Registro de Pensamentos Disfuncionais. Exercício de relaxamento. |
4ª | Resolução de problemas. Exercício de relaxamento. |
5ª | Inventário de Vantagem versus Desvantagem. Exercício de Relaxamento. |
6ª | Feedback das sessões, revisão de ganhos terapêuticos e reaplicação do inventário de sintomas de ansiedade e depressão (HADS). |
PROTOCOLO DE INTERVENÇÃO COGNITIVO-COMPORTAMENTAL
O protocolo desenvolvido considerou a abordagem cognitivo-comportamental desenvolvida por Aaron Beck como referência, bem como o modelo cognitivo de compreensão da ansiedade e, ainda, exercícios de relaxamento para redução de sintomas de ansiedade (Reyes & Fermann, 2017). Ensaios clínicos recentes demonstram o papel das intervenções das terapias cognitivas contextuais, em especial a ACT, e evidenciam seus resultados para o tratamento da ansiedade, da depressão e de outros transtornos psiquiátricos. Destacase, aqui, sua capacidade de diminuir o aprisionamento dos pensamentos e emoções e a evitação experiencial frequentemente observada nos pacientes (Tighe et al., 2018).
Nesse sentido, são satisfatórios os resultados obtidos com o uso de instrumentos para regulação emocional na redução de pensamentos negativos e atitudes suicidas. Dessa forma, tanto a TCC quanto a DBT consolidam-se como ferramentas úteis para ganhos terapêuticos em curto prazo (Méndez-Bustos et al., 2019).
Os componentes terapêuticos utilizados neste protocolo seguem os princípios fundamentais que envolvem a reestruturação cognitiva e a resolução de problemas, considerados pilares da TCC. As técnicas e ferramentas utilizadas serão descritas a seguir.
Psicoeducação: tem como objetivo desenvolver e ampliar o conhecimento do paciente acerca do modelo de psicoterapia cognitivo-comportamental, aumentar sua percepção sobre os procedimentos que serão realizados, bem como fornecer informações técnicas a respeito de sinais e sintomas de uma doença. A psicoeducação foi uma das ferramentas utilizadas em um estudo de revisão sistemática e metanálise cujos resultados evidenciaram a redução dos sintomas de ansiedade em diferentes transtornos de ansiedade (van Dis et al., 2020). Trata-se de uma importante estratégia na saúde pública, visando a promoção, prevenção e reabilitação do indivíduo.
Psicoeducação sobre o modelo cognitivo da ansiedade: inclui educar o paciente sobre os componentes envolvidos no ciclo de manutenção da ansiedade, identificar, em conjunto, situações que podem ser eliciadores dessa emoção e ensinar estratégias para enfrentamento de situações temidas (Santos et al., 2017).
Treino de respiração diafragmática: a prática de exercícios de relaxamento amplia a consciência de si, com atenção à respiração e às sensações corporais, e, como consequência, há diminuição de sintomas fisiológicos. Com o objetivo de reduzir a ansiedade, a atividade pode ser adaptada e inserida em diferentes modalidades e contextos de aplicação (Freitas et al., 2018).
Registro de pensamentos disfuncionais (RPD): recurso comumente utilizado nas sessões, auxilia terapeuta e paciente na avaliação dos pensamentos apresentados. O RPD consiste em distinguir pensamentos, emoções e reações comportamentais, de modo a observar possíveis distorções e padrões comportamentais desadaptativos (Beck, 2022).
Resolução de problemas: o processo terapêutico auxilia o paciente na identificação de situações que impactam sua qualidade de vida e prejudicam seu funcionamento harmônico. Entre os princípios da TCC, a prática de reconhecer e compreender as dificuldades auxiliar o paciente a elaborar estratégias de resolução de problemas (Costa et al., 2023).
Inventário vantagem versus desvantagem: consiste na análise de vantagens versus desvantagens em manter um pensamento ou comportamento. É útil para processar os custos e os benefícios de uma situação ou crença e avaliar previamente os efeitos da tomada de decisão.
Revisão de ganhos terapêuticos e feedback das sessões: trata-se de evidenciar os resultados que o paciente identificou durante o acompanhamento terapêutico, sugerida como uma “lista de méritos”. O feedback é um componente da estrutura final das sessões de terapia que visa fortalecer a aliança terapêutica e assegurar a compreensão do trabalho realizado (Beck, 2022).
RESULTADOS
A coleta de informações foi realizada no período de setembro a dezembro de 2022, os dados foram registrados na plataforma REDCap 11.1.16 (Harris et al., 2009) e analisados com o programa IBM SPSS 27.0 para Windows.
As variáveis categóricas foram quantificadas por frequências e analisadas por medidas de tendência central (média, mediana); para as variáveis quantitativas, foi utilizado um modelo de dispersão (desvio padrão, mínimo e máximo). Para avaliar o efeito da intervenção, utilizou-se o teste T de Student pareado e o teste de Wilcoxon, com um nível de significância p ≤ 0,05 (5%).
A amostra foi composta por 10 participantes, cuja idade mínima foi de 22 anos e máxima de 64 anos completos na internação (39 ± 14,44 anos); 70% (n = 7) eram mulheres, 60% (n = 6) tinham fillhos, 60% (n = 6) se declararam brancas e 50% (n = 5), solteiras. Quanto a escolaridade e renda familiar, 50% (n = 5) dos participantes concluíram o ensino médio e a maioria tinha renda familiar entre dois a três salários míninos (Tabela 2).
Tabela 2 Dados sociodemográficos.
Gênero | M | F | ||||||||||
N | % | N | % | |||||||||
3 | 30 | 7 | 70 | |||||||||
Filhos | Sim | Não | ||||||||||
N | % | N | % | |||||||||
6 | 60 | 4 | 40 | |||||||||
Etnia | Branco | Negro | Pardo | |||||||||
N | % | N | % | N | % | |||||||
6 | 60 | 1 | 10 | 3 | 30 | |||||||
Estado Civil | Casado | Solteiro | Divorciado | União Estável | ||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |||||
2 | 20 | 5 | 50 | 2 | 20 | 1 | 10 | |||||
Ren da familiar | 0 a 1 salário | 2 a 3 salários | 4 a 5 salários | Superior a 6 | ||||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | |||||
1 | 10 | 7 | 70 | 1 | 10 | 1 | 10 | |||||
Escolaridade | Fundamental incompleto | Médio incompleto | Médio completo | Superior incompleto | Superior completo | |||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |||
2 | 20 | 1 | 10 | 5 | 50 | 1 | 10 | 1 | 10 | |||
Religião | Católica | Evangélica | Espírita | Umbanda | Sem religião | Outra | ||||||
N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | N | % | |
1 | 10 | 5 | 50 | 1 | 10 | 1 | 10 | 1 | 10 | 1 | 10 |
M: masculino; F: feminino.
Quanto à especificidade do diagnóstico, 60% (n = 6) dos participantes tiveram como diagnóstico TPB e os demais foram classificados da seguinte forma: um diagnóstico de transtorno depressivo moderado (CID-10 – F32.1); um de transtorno depressivo recorrente (CID-10 – F.33); um de transtorno depressivo recorrente com episódio atual grande sem sintomas psicóticos (CID-10 – F.33.2); e um de transtorno da personalidade (CID-10 – F60). Todos os participantes demonstraram ciência e compreensão sobre o motivo da internação.
RESULTADOS DOS INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO
A avaliação dos sintomas de ansiedade e depressão, antes e após a intervenção, mostrou diferenças estatisticamente significantes, conforme apresentado na Tabela 3.
Tabela 3 Resultados do questionário da avaliação de sintomas de ansiedade e depressão.
Ansiedade | Avaliação Inicial | Avaliação Final | Valor p | ||
Média | DP | Média | DP | 0.001 | |
15.5 | 3.37 | 6.5 | 5.13 | ||
Depressão | Avaliação Inicial | Avaliação Final | Valor p | ||
Média | DP | Média | DP | 0.008 | |
11 | 4.55 | 6.1 | 2.51 |
Todos os participantes pontuaram acima da nota de corte para o SRQ-20, ou seja, 100% (n = 10) evidenciaram sofrimento psíquico em cada um dos fatores medidos pelo instrumento. Ao analisar o escore dos sintomas somáticos e a relação entre gêneros, não foi identificada significância estatística em nenhum dos sintomas deste fator.
Na avaliação do estado geral de saúde (QSG), identificou-se que, tanto no gênero feminino quanto no masculino, os escores estavam acima da mediana esperada em todos os fatores, denotando dificuldades psiquiátricas, conforme as Figuras 2 e 3. Os itens do questionário são agrupados em cinco categorias: 1) estresse psíquico: sentimentos de irritabilidade, inquietação, impaciência e sobrecarga; 2) desejo de morte: mensura a desesperança, pensamentos de inutilidade e ideia de acabar com a própria vida; 3) falta de confiança na capacidade de desempenho (autoeficácia): avalia a percepção de desempenhar tarefas corriqueiras com êxito; 4) distúrbios do sono: identifica dificuldades e problemas com insônia ou qualidade do sono; e 5) distúrbios psicossomáticos: sintomatologia física. Há, ainda, outra categoria, considerada mais ampla da avaliação, que descreve a saúde mental geral (Pasquali et al., 1994).
Observa-se que mulheres apresentaram escores mais altos do que os homens em todos os fatores, com exceção da segunda categoria (desejo de morte), como apresentado na Figura 2. A Figura 3 apresenta os resultados dos fatores do QSG em relação ao gênero masculino e evidencia média abaixo da nota de corte em três fatores: desconfiança no próprio desempenho, distúrbios psicossomáticos e distúrbios do sono.
DISCUSSÃO
Este estudo teve como objetivo avaliar o impacto do protocolo de intervenção cognitivo-comportamental na redução de sintomas ansiosos em pacientes internados em enfermaria de psiquiatria. A análise de um estudo de coorte prospectivo realizado por Rocha et al. (2021) trouxe índices do aumento de internações psiquiátricas em hospital geral e a diminuição progressiva das internações em hospitais especializados. O estudo analisou internações psiquiátricas que ocorreram entre 2000 a 2014. A pesquisa de Bragé et al. (2020) sinaliza maior número de internações entre o gênero feminino em um hospital geral e predomínio do diagnóstico de depressão na amostra avaliada (46,4%). Estudo de revisão sistemática e de metanálise realizado por Takeshima et al. (2021) encontrou como característica predominante dos pacientes internados ser do gênero feminino (65,5%), média de idade de 45,8 anos, diagnóstico de transtorno de ansiedade e comorbidades, entre elas transtorno depressivo e transtorno da personalidade.
Os dados sociodemográficos consolidados nesta pesquisa levam em consideração o local de realização do estudo, sendo em uma enfermaria de um hospital geral filantrópico, pertencente a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e com alto índice de ocupação de vagas para leitos do Sistema Único de Saúde (SUS). Informações como composição familiar e ocupação ampliam também para uma discussão crítica e social. Em relação às características de renda familiar e escolaridade, um estudo exploratório realizado com pacientes internados em unidade psiquiátrica similar ao desta pesquisa apontou renda mensal de R$1.330,38 a R$1.654,58. Os internos, em sua maioria 48,6% (n = 18), não tinham o ensino fundamental completo (Calegaro et al., 2019).
Quanto ao diagnóstico, Méndez-Bustos et al. (2019), em revisão sistemática, identificaram diagnóstico de transtorno da personalidade borderline em 32,5% dos participantes. A pesquisa de Low et al. (2001), com 10 participantes, também apresentou transtornos da personalidade e, ainda, a presença de um segundo diagnóstico associado. Pacientes com transtornos da personalidade tendem a manter comportamentos impulsivos, identificados como fator de risco para tentativas de suicídio, quando comparados a pessoas com outros diagnósticos psiquiátricos (Calegaro et al., 2019).
Para Li et al. (2018), indivíduos com transtorno depressivo resistente também apresentam fator de risco para suicídio, principalmente devido ao humor em polo negativo; ao utilizar a TCC como estratégia de intervenção, observou-se a diminuição de tais sintomas. A análise da HADS mostrou redução dos sintomas ansiosos e depressivos após a aplicação do protocolo da pesquisa. Em um estudo de revisão sistemática os autores Takeshima et al. (2021) avaliaram técnicas cognitivo-comportamentais em relação à descontinuação do uso de benzodiazepínicos em longo prazo, demonstrando a efetividade das diferentes técnicas e melhora do humor.
Acerca do estado de saúde mental geral, o mesmo achado é identificado no próprio manual de aplicação do QSG, de Pasquali et al. (1994). Um estudo de revisão sistemática de Weber et al. (2022) buscou identificar na literatura científica a avaliação geral do bem-estar mental de pacientes psiquiátricos internados em instituições especializadas. Os resultados evidenciaram os impactos do ambiente físico, contudo, não foram conclusivos sobre a correlação com os sintomas de humor em transtornos específicos.
Ainda neste mesmo sentido, a avaliação dos sintomas iniciais, conduzida nesta pesquisa e realizados na triagem dos primeiros dias de internação, não abordou a estrutura física da enfermaria, a disposição das acomodações e o ambiente como fatores que poderiam interferir nos sintomas emocionais. Entretanto, nota-se a influência na percepção de bem-estar nos relatos dos pacientes durante a hospitalização.
Silveira et al. (2021) analisaram os sintomas do QSG separados por diagnóstico psiquiátrico – pacientes com transtorno da personalidade demonstraram resultados com médias mais altas quando comparados com a população do grupo clínico, o que denota maior insatisfação com o ambiente hospitalar. Esse perfil clínico de pacientes ainda apresenta percepção negativa de si e dos outros, autoestima e habilidades sociais diminuídas e déficit na interação social (Khosravi & Hassani, 2022).
Embora na avaliação o fator “desejo de morte” tenha sido maior nos homens, a diferença na amostra desta pesquisa é pequena para afirmar que o gênero masculino tem mais desejo de morte do que o gênero feminino. Entretanto, pesquisadores buscam avaliar melhor o manejo nas entrevistas com pacientes em risco de suicídio internados em serviços de emergência psiquiátrica. Dados referentes à taxa global de suicídio apontam que esse fênomeno é mais prevalente em indivíduos do gênero masculino. De acordo com as estimativas, há necessidade de intervenções para promoção da saúde, reforçando o pacto da Organização Mundial da Saúde (OMS) para redução do suicídio em todo o mundo até 2030 (World Health Organization [WHO], 2019).
Nenhuma medida foi utilizada para avaliação e mensuração dos pensamentos suicidas ou comportamento autolesivo (pré ou pós-intervenção). Entretanto, ao final das intervenções, os relatos evidenciaram menor frequência de pensamentos negativos e maior flexibilidade cognitiva. As intervenções utilizadas neste protocolo tiveram como intuito ampliar as estratégias de resolução de problemas e resgatar uma avaliação acerca de pensamentos e comportamentos desenvolvidos ao longo da vida, principalmente nas situações que antecederam a hospitalização.
Após análise das cognições, sugeria-se que o paciente apresentasse outras alternativas para um determinado problema, reforçando assim as estratégias de enfrentamento mais adaptativas e redução da incidência dos pensamentos suicidas nestes casos. Na literatura discute-se fragilidades que demonstram as intervenções específicas para a redução do suicídio como eficaz. Neste sentido mais outras variáveis precisam ser elencadas com maior atenção: o suporte intensivo adequado e o apoio médico ofertado (Méndez-Bustos et al., 2019).
Entre os transtornos psiquiátricos dos participantes admitidos na pesquisa, predominaram os diagnósticos de depressão, episódio depressivo moderado a grave e transtornos da personalidade (em todos os casos, os indivíduos apresentavam ideação suicida atual ou tentativa prévia à hospitalização). Foi evidenciado entre os pacientes desta amostra, dificuldades para pensar de forma mais realista sobre os eventos vivenciados, o que denota maior rigidez e presença de distorções cognitivas. Em geral, pessoas com instabilidade emocional apresentam autoestima e habilidades sociais diminuídas, marcadas por interação social com dificuldades (Khosravi & Hassani, 2022).
Assim, com uma visão negativa sobre si, sobre os outros e sobre o mundo, era comum que os pacientes indicassem a morte como uma forma de resolução de problemas difíceis. Ainda na amostra dos pacientes deste estudo foi observado a presença de comportamentos impulsivos, que aumentava a frequência de ações suicidas. Estudo correlaciona pacientes com desregulação emocionais são mais propensos ao uso de substâncias ao longo da vida e ainda às tentativas de suicídio. Tais atitudes podem surgir como esquiva de resolução de problemas complexos, o que confirma o déficit em habilidades emocionais (Khosravi & Hassani, 2022).
O protocolo desenvolvido incluiu abordagem de psicoeducação do modelo cognitivo desenvolvido por Aaron Beck, bem como do modelo cognitivo de compreensão da ansiedade e exercícios de relaxamento para redução de sintomas de ansiedade. As técnicas de respiração diafragmática e relaxamento demonstram efetividade na resposta fisiológica e cognitiva dos pacientes (Willhelm et al., 2015). São satisfatórios também os resultados do modelo cognitivo de psicoterapia para trabalhar a desregulação emocional e redução de atitudes suicidas. A TCC e a DBT consolidam-se como ferramentas úteis para resultados em curto prazo (Méndez- Bustos et al., 2019).
É importante salientar algumas limitações deste estudo, como o número pequeno de participantes, o número de sessões reduzidas (em virtude de as altas hospitalares poderem dificultar o término do protocolo), a prescrição de diferentes psicofármacos entre os pacientes e o tempo reduzido para conclusão da pesquisa. Outro ponto que merece destaque é que o estudo utilizou instrumentos validados para a população geral, que não contemplam uma avaliação fidedigna para o objetivo desta pesquisa. Assim, sugere-se o uso de medidas que contemplem pensamentos depressivos e alterações de humor em população de pacientes psiquiátricos. Mais pesquisas são necessárias, com um número maior de participantes, para que esse protocolo seja aplicado com maior segurança.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O protocolo de intervenção cognitivo-comportamental demonstrou impacto na redução de sintomas de ansiedade em pacientes psiquiátricos internados em serviço de urgência psiquiátrica de um hospital geral. Os participantes também evidenciaram diminuição estatisticamente significativa para os sintomas depressivos. Houve redução da inflexibilidade psicológica, observada na avaliação final, com identificação das dificuldades e problemas atuais, bem como reestruturação de pensamentos automáticos disfuncionais.
Os dados apontam como promissor o uso de intervenções estruturadas dirigidas a pessoas com transtornos mentais graves. Esses resultados demonstraram que o protocolo com intervenções cognitivo-comportamentais é uma ferramenta útil e necessária para a redução de sintomas ansiosos e depressivos em pacientes psiquiátricos hospitalizados. Recomenda-se que novas pesquisas busquem avaliar o seguimento desses pacientes longitudinalmente a fim de mensurar a generalização das estratégias aprendidas.