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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.20  Rio de Janeiro  2024  Epub 06-Dez-2024

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20240470 

RELATO DE PESQUISA | DOSSIÊ LATAM

Terapia comportamental integrativa para casal: análise de mudança clínica confiável

Integrative Behavioral Couple Therapy: reliable clinical change analysis

Terapia Integrativa Conductual de Pareja: análisis de cambios clínicos confiables

1UNISINOS, Pós-graduação em Psicologia, Porto Alegre, RS, Brasil


Destaques de impacto clínico

Analisar os processos de mudança referentes à adesão do terapeuta ao modelo, aos itens mais e menos característicos e às estruturas de interação, por meio de dois casos clínicos contrastantes de terapia de casal no modelo da Integrative Behavioral Couple Therapy (IBCT);

Avaliar e comparar dos processos entre dois casais, um com mudança clínica significativa positiva e outro com mudança clínica significativa negativa relacionando-os com aspectos dos casais, das terapeutas , da relação terapêutica e dos seus contextos, os quais podem repercutir nos diferentes desfechos do tratamento;

Observar a relevância de que, no intuito de aprimorar a prática clinica, os estudos sobre psicoterapias avaliem não somente casos de sucesso terapêutico, mas também os que tiveram desfechos negativos.

Palavras-chave: Casamento; Psicoterapia; Terapia de casal; IBCT.

RESUMO

A avaliação da efetividade dos processos psicoterápicos de casal ainda é escassa na literatura científica. Este estudo buscou avaliar três casais que realizaram a terapia comportamental integrativa para casal pelo período de um ano e meio, comparando dados pré e pós-intervenção no que se refere à satisfação conjugal, ao padrão de interação, à frequência e à aceitação de comportamentos positivos e negativos, além da adesão do terapeuta ao modelo proposto. Os dados foram coletados por instrumentos característicos da abordagem terapêutica. Análises estatísticas pelo método JT revelaram mudança clínica confiável em dois casos, um com melhora significativa e um com piora significativa. O terceiro caso não apresentou mudança clínica confiável estatisticamente na comparação pré e pós-teste. Discute-se semelhanças e diferenças nos três casos, para identificação de possíveis mecanismos mediadores e moderadores desses resultados.

Palavras-chave: Casamento; Psicoterapia; Terapia de casal; IBCT.

ABSTRACT

The evaluation of the effectiveness of couple psychotherapeutic processes is still scarce in the scientific literature. This study aimed to evaluate three couples who performed the Integrative Behavioral Couples Therapy for a period of one and a half years, with regard to marital satisfaction, interaction pattern, frequency and acceptance of positive and negative behaviors, comparing preand post-intervention data, as well as evaluating the therapists adherence to the proposed model. The data were collected by instruments characteristic of this therapeutic approach. Statistical analysis by the JT method revealed reliable clinical change in two cases, one with significant improvement and one with significant worsening. The third case did not present statistically a reliable clinical change in the preand post-test comparison. Similarities and differences in the three cases are discussed, to identify possible mediating mechanisms and moderators of these results.

Keywords: Marriage; Psychotherapy; Couples Therapy; IBCT.

RESUMEN

La evaluación de la efectividad de los procesos psicoterapéuticos de pareja es aún escasa en la literatura científica. Este estudio buscó evaluar a tres parejas que se sometieron a Terapia Conductual Integrativa de Pareja por un período de un año y medio, comparando datos previos y posteriores a la intervención en cuanto a satisfacción conyugal, patrón de interacción, frecuencia y aceptación de conductas positivas y negativas, además de la adherencia del terapeuta al modelo propuesto. Los datos fueron recolectados utilizando instrumentos propios del abordaje terapéutico. Los análisis estadísticos utilizando el método JT revelaron cambios clínicos confiables en dos casos, uno con una mejora significativa y otro con un empeoramiento significativo. El tercer caso no mostró cambios clínicos estadísticamente confiables en la comparación previa y posterior a la prueba. Se discuten similitudes y diferencias en los tres casos, para identificar posibles mecanismos mediadores y moderadores de estos resultados.

Palabras clave: Matrimonio; Psicoterapia; Terapia de Parejas; IBCT.

A terapia comportamental integrativa para casal (IBCT, do inglês Integrative Behavioral Couple Therapy), desenvolvida por Jacobson e Christensen (1998), é uma abordagem contextual que compreende o comportamento como moldado e mantido por eventos ambientais únicos, devendo ser compreendido no seu contexto (Azevedo et al., 2022; Christensen et al., 2020). A abordagem se concentra mais em aspectos emocionais e menos nas soluções ativas para resolução de problemas vivenciados pelo casal. Propõe que um cônjuge é o contexto do outro, sendo que as reações emocionais são tão problemáticas quanto o próprio problema conjugal. O trabalho é baseado nas contingências, promovendo a aprendizagem de padrões mais funcionais, validando as vulnerabilidades de cada um e prevendo melhores resultados em longo prazo, sendo que diversas investigações a corroboram como uma abordagem baseada em evidências (Bradbury & Bodenmann, 2020; Doss et al., 2022; Heidari et al., 2021; Lins, 2020).

O terapeuta se concentra em grandes temas. Entende que, diante do problema, o casal fica preso em padrões comportamentais polarizados, resultando em “armadilha mútua” (Christensen et al., 2020; Christensen & Glynn, 2019). Assim, a reatividade emocional impede respostas possíveis de soluções. Em uma análise funcional, os temas (como proximidade/distância) são considerados os antecedentes de comportamentos disfuncionais, os quais têm consequências na relação. Além disso, há forte interferência da história de aprendizagem de cada um (Heidari et al., 2021; Lins, 2021). A IBCT tenta alterar o contexto emocional e promover maior intimidade por meio da aceitação das diferenças e das emoções, bem como da mudança em relação aos fatores externos e padrões de interação problemáticos (Benson et al., 2018; Eldridge et al., 2022; Le et al., 2023).

No início do processo terapêutico, segue-se um protocolo específico composto por quatro sessões: a primeira com o casal, na qual contam a história do conflito e pontos fortes; a segunda e a terceira são individuais, nas quais cada cônjuge responde a questionários de avaliação conjugal e são exploradas vulnerabilidades emocionais oriundas da história de aprendizagem de cada um, as quais podem ser ativadas na relação; e, por fim, na quarta sessão, é dado um feedback para o casal sobre a formulação do caso e os objetivos terapêuticos (Christensen et al., 2020; Eldridge et al., 2022; Lins, 2021; Vazirnia et al., 2021).

Para a formulação do caso, é realizada uma avaliação da satisfação conjugal, do grau de comprometimento com a relação e da existência ou não de infidelidade e agressões (Christensen, 2009; Lins, 2020, 2021). Pode-se avaliar, ainda, o grau de aceitabilidade e frequência de comportamentos positivos e negativos dos parceiros (Christensen & Jacobson, 2009). Esse processo é feito por meio de uma análise funcional específica denominada formulação DEEP (em inglês, profunda), que inclui quatro variáveis: “D” - Diferenças que o casal apresenta em relação ao tema tratado, “E” - sensibilidades Emocionais, “E” - fatores Externos que interferem no tema e “P” - Padrão de comunicação (Benson et al., 2018; Christensen et al., 2020; Eldridge et al., 2022; Le et al., 2020; Lins, 2021).

Ao iniciar a terapia, o casal recebe o livro Diferenças reconciliáveis como recurso psicoeducativo adicional (Christensen et al., 2018). Para cada sessão, é utilizado um questionário semanal (Christensen et al., 2010; Christensen & Glynn, 2019) que avalia satisfação, existência ou não de comportamentos abusivos, descrição de interações positivas e negativas e de evento futuro que possa gerar estresse, a fim de auxiliar na escolha de intervenções terapêuticas e funcionar como uma proposta de agenda para cada sessão.

As estratégias terapêuticas são de aceitação e mudança (Christensen et al., 2020; Lins, 2019). As estratégias de aceitação propõem retroceder da luta para mudar o outro e afastar a ideia de que as diferenças são insuportáveis, sendo subdivididas em união empática (UE), distanciamento unificado (DU) e tolerância emocional (TE). A UE se refere a expressar a dor e a angústia sem acusação ao outro, propondo discriminar as emoções duras (secundárias) das brandas (primárias). Ao revelar a emoção branda, não há acusação e se pode acessar a vulnerabilidade do cônjuge, permitindo empatia e proximidade. Outra forma de UE é colocar o comportamento da pessoa em contato com sua história de aprendizagem, que elicia emoções reeditadas na relação conjugal (Barraca et al., 2021; Christensen et al., 2018, 2020). O DU é orientado a ajudar o casal a se distanciar de seus conflitos, por meio da tomada de perspectiva, uma análise intelectual do problema, descritiva. É ver o problema como algo que, metaforicamente, quer afastar o casal; por isso a ideia de unificar, visando que enfrentem juntos a dificuldade (Barraca et al., 2021; Christensen et al., 2018, 2020; Le et al., 2020). Podem ser utilizadas técnicas de atenção plena ou mindfulness que auxiliam na observação dos processos internos, sem julgamento (Azevedo et al., 2022). As estratégias de TE objetivam aumentar a habilidade de lidar com o problema, reduzindo a intensidade do conflito e o tempo de recuperação, com formas menos acusatórias de comunicação (Christensen et al., 2020; Lins, 2019). As estratégias de mudança são as já conhecidas da Traditional Behavioral Couple Therapy (TBCT): treinamento de habilidades de comunicação, de resolução de problemas e intercâmbio de comportamentos, que objetivam aumentar ou diminuir a frequência ou intensidade de comportamentos, melhorar a comunicação e aumentar a capacidade de se responsabilizar pelo próprio papel (Christensen & Glynn, 2019; Lins, 2019).

Em relação a investigações sobre terapia de casal, Address (2013) reforça a necessidade de as pesquisas melhorarem ao examinar as complexas interações relacionais que tipificam a psicoterapia, por exemplo, a aliança terapêutica e a técnica. As limitações deste tipo de investigação referem-se à grande complexidade entre a técnica e os componentes relacionais que são criados e interagem para a melhora ou não dos clientes. Observa-se que a avaliação da efetividade dos processos psicoterápicos de casal ainda é escassa na literatura científica. Assim, este estudo objetiva avaliar a efetividade da IBCT e a adesão do terapeuta ao modelo proposto. O processo foi realizado com três casais, comparando dados pré e pós-intervenção no que se refere à satisfação conjugal, ao padrão de interação, à frequência e à aceitação de comportamentos positivos e negativos.

MéTODO

A presente investigação se trata de um estudo de casos múltiplos por meio de comparação pré e pós-tratamento. Yin (2015) aponta uma ampla aplicabilidade para o estudo de caso, visto que oportuniza a investigação do processo terapêutico e do processo-resultado, podendo se referir a um caso ou a múltiplos casos, sendo útil para diversas modalidades de intervenção clínica. Os resultados deste estudo foram analisados por meio das análises estatísticas realizadas pelo método JT (Jacobson & Truax, 1991), o qual se apoia nos conceitos de relevância clínica e do índice de mudança confiável (Mata et al., 2018).

PARTICIPANTES

Participaram três casais heterossexuais, cisgêneros, de etnia branca, que realizaram terapia conjugal no setting natural.

CASAL 1

Maria (33 anos, relações públicas) e Pedro (35 anos, analista de sistemas) juntos há 10 anos e casados há sete, sem filhos. Ela ficava frustrada porque ele não vibrava com as coisas, nem mesmo com a formatura dele, que ela organizou. Tinham pouca intimidade sexual e havia um conflito sobre ter ou não filhos. A família de Pedro era composta pelos pais e dois irmãos. A irmã mais nova faleceu de câncer aos 15 anos. A partir dessa perda, a família nunca mais comemorou datas festivas. Na história de Maria, seus pais se separaram quando ela era pequena, o pai mentia muito e ela rompeu com ele. Após a separação, a mãe, provavelmente com algum transtorno mental, levava para casa muitos homens para se relacionar e não cuidava de Maria nem de seu irmão mais velho. Segundo eles, procuraram terapia por dificuldades de comunicação (não compreendiam as necessidades um do outro e se afastavam) e para auxiliar na decisão sobre ter filhos ou não.

CASAL 2

Paula (28 anos, farmacêutica) e Ricardo (31 anos, advogado) juntos há sete anos. Durante o namoro, Ricardo foi ficando mais tempo no apartamento de Paula e foram vivendo como casados. Paula se queixava de que Ricardo ainda tinha vida de solteiro, querendo sair com os amigos sem ela. Ele considerava importante sua privacidade. Discutiam sobre os gastos e sobre a interferência das famílias de origem. Ricardo não se sentia em casa no apartamento de Paula, ainda mais quando chegavam parentes dela. Foram se afastando sexualmente também. Para Paula, o maior problema era não ter uma relação oficial. A história da família de origem dela era de mulheres provedoras e dominadoras. Na história de Ricardo, sua mãe tentava saber tudo o que ele e seu pai faziam. Ricardo evitava falar, enquanto o pai não se posicionava. Houve uma separação do casal e Ricardo voltou a morar com os pais e, depois, com um amigo. Procuraram a terapia de casal para decidir se iriam retomar e manter a relação ou se separar definitivamente.

CASAL 3

Camila (35 anos, recepcionista) e Alex (35 anos, cabeleireiro) tiveram um namoro há 14 anos e se separaram. Ele tem uma filha de 11 anos de outro relacionamento. Reencontraram-se há seis meses e logo foram morar juntos. As brigas ocorriam principalmente por ciúme de Camila. Na história familiar de Alex, sua mãe o criou sozinha, pois o pai os abandonou, e a mãe brigava muito. Na história de Camila, os pais eram muito exigentes e críticos e ela tinha de provar a todo momento que era capaz. Sentia-se invalidada. Ela também teve um relacionamento anterior, no qual foi traída, situação que eliciou ciúme e desconfiança. Procuraram a terapia porque brigavam muito, ele saia de casa e ela ficava falando sozinha.

Também participaram do estudo três terapeutas: a terapeuta do casal 1 tinha, no momento da pesquisa, 35 anos de experiência clínica, especialização em psicoterapia da infância, em psicoterapia de casal e formação em terapias comportamentais contextuais. A terapeuta do casal 2 tinha seis anos de experiência clínica, especialização em terapia sistêmica e em terapias comportamentais contextuais. A terapeuta do casal 3 tinha 16 anos de experiência clínica, MBA em gestão empresarial, especialização em terapia sistêmica e em terapias comportamentais contextuais. Todas tiveram treinamento em IBCT com Andrew Christensen, criador da abordagem, e realizavam supervisão semanal.

Em relação aos juízes, todos tinham especialização em terapia de casal e também realizaram treinamento com o criador da IBCT.

INSTRUMENTOS

1) Ficha de dados sociodemográficos para caracterização dos participantes (idade, escolaridade, profissão, renda, presença de filhos, estado civil dos pais, anos de casamento e sexo); 2) Instrumentos de autorrelato do modelo IBCT: Couple Questionnaire (Christensen, 2009) - avalia a satisfação conjugal, usando um pequeno formulário com 4 itens do Índice de Satisfação Casal (CSI-4) (Funk & Rogge, 2007), a violência conjugal e o compromisso com o relacionamento. Ele é usado durante a fase inicial do tratamento para avaliar essas três áreas de funcionamento. A medida tem um alfa de 0,94, os escores variam de 0 a 21, com média de 16 e desvio padrão de 4,7, e as pontuações abaixo de 13,5 são consideradas em uma faixa que representa situação crítica; Frequency and Acceptability of Partner Behavior Inventory (FAPBI) (Christensen & Jacobson, 2009) - composto por 20 itens que avaliam a frequência de comportamentos positivos (por exemplo, ser fisicamente afetuoso) e negativos (por exemplo, ser verbalmente abusivo) apresentados pelos parceiros, e a aceitabilidade de cada comportamento. O alfa de Cronbach do instrumento foi 0,78; Problem Areas Questionnaire (Heavey et al., 1995) - avalia possíveis áreas da relação que, devido às dificuldades conjugais, possam estar gerando sofrimento, incluindo como o casal lida com finanças, parentalidade, demonstrações de afeto, relações sexuais, vida profissional, tarefas domésticas, confiança ou ciúmes, famílias de origem, tempo de lazer juntos, uso de substâncias psicoativas, crenças religiosas, temperamento, objetivos em comum e comportamento ou aparência apropriada. São 15 itens que o sujeito pontua seu nível de satisfação ou insatisfação em uma escala Likert de sete pontos, sendo que quanto maior a pontuação, mais insatisfeita a pessoa está; 3) Therapist Fidelity and Competence Ratings (Jacobson et al., 2000), que avalia a adesão do profissional à IBCT em cinco partes: a) habilidades gerais do terapeuta, como organizar a agenda da sessão, neutralidade, compreensão dos aspectos trazidos pelo casal, capacidade de escuta e empatia, grau de eficácia interpessoal e qualidade da aliança terapêutica; b) formulação DEEP; c) estratégias de intervenção e técnicas, como portar-se de forma coerente com a conceitualização do caso, utilização da estratégia ideal dado o estágio da terapia, estratégias e intervenção em torno da emoção, da cognição e da mudança de comportamento, tarefas de casa, reavaliação e término da terapia; d) considerações adicionais como problemas extras que possam ter surgido e como o terapeuta lidou com eles; e) classificações gerais e comentários sobre a sessão. Para cada item, o terapeuta é avaliado em uma escala de 0 (pobre) a 6 (excelente) pontos.

PROCEDIMENTOS éTICOS E PARA COLETA DE DADOS

A pesquisa seguiu a Resolução nº 510 (2016) do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNISINOS (parecer nº 1.873.399). Os participantes foram selecionados pela ordem de busca por atendimento em uma instituição de terapia de casal e tiveram sua identidade preservada. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), autorizando também a filmagem das sessões. Em relação a possíveis riscos, reforça-se que as terapeutas estavam capacitadas para os encaminhamentos necessários.

Todas as sessões foram gravadas para posterior avaliação por dois juízes independentes. Os instrumentos de autorrelato foram aplicados pré e pós-terapia, momento em que foi feita uma sessão com o casal para refletiram sobre o tratamento. Os casais 1 e 3 tiveram 40 atendimentos, e o casal 2 teve 20 sessões. Para avaliação da adesão do terapeuta à IBCT, as sessões gravadas foram submetidas à avaliação de dois juízes independentes, treinados na abordagem e cegos para os casos, os quais pontuaram cada sessão de acordo com o instrumento de avaliação do terapeuta IBCT.

ANáLISE DOS DADOS

Todos os dados dos instrumentos foram inseridos no banco de dados do SPSS versão 22.0, sendo comparados no pré e pós-teste por meio da análise do Índice de Mudança Confiável (RCI, do inglês Reliable Change Index) (Jacobson & Truax, 1991). O RCI foi calculado em um macro do Excel e foi utilizado o coeficiente de correlação intraclasse para ver a concordância entre os juízes, além da análise da significância clínica que se refere à redução de problemas ou à maximização de medidas de ajustamento (Del Prette & Del Prette, 2008). Os dados do instrumento que avalia a adesão do terapeuta foram inseridos no banco e feita a correlação entre os juízes, sendo obtidos índices de concordância acima de 0,85.

RESULTADOS

CASAL 1

O casal 1 não apresentou mudança clínica confiável na comparação pré e pós-teste (RCI = -1,54), tomando como parâmetro o questionário deles (Christensen, 2009). A pontuação do casal iniciou (7,5) e terminou (10,0) em um nível considerado clínico. Maria apresentou diminuição da satisfação e leve diminuição do grau de comprometimento com a relação, indicando que não se dispunha mais a fazer de tudo para melhorar a relação. Já para Pedro, o índice de satisfação aumentou significativamente (RCI = -4,30), alterando de 5 no início do tratamento para 12 no final, e seu grau de comprometimento se manteve (Figura 1).

Figura 1 Satisfação e comprometimento do casal 1. 

No que se refere às áreas problemáticas, para Maria, “Demonstrações de afeto” teve menor insatisfação (M = 5) ao final do tratamento do que no início (M = 6), e “Relações sexuais” teve maior insatisfação no final (M = 7) do que no início (M = 6). Pedro mostrou-se mais insatisfeito ao final do tratamento (M = 7) do que no início (M = 6) para “Filhos ou parentalidade” e menos insatisfeito (M = 6) do que no início (M = 7) para “Objetivos, metas, prioridades, grandes decisões na vida”. Em comum, o casal elegeu o tema “Mau humor/temperamento/emocionalidade”, sendo que o nível de insatisfação de Maria diminuiu (M = 4) em relação ao início (M = 6) e Pedro se manteve insatisfeito (M = 6).

Em relação à formulação DEEP, as diferenças são definidas pelo casal como “discordância sobre os temperamentos de cada um” (Maria se diz mais intensa e Pedro mais contido) e sobre “ter filhos ou não”. As questões emocionais apontam para a raiva como a emoção dura e o medo e a tristeza como emoções brandas. Os fatores externos que interferiam foram Maria estar terminando seu trabalho de conclusão de curso, o fato dela encontrar mensagens antigas de Pedro tentando marcar encontros com outra mulher, além de dificuldades financeiras. O padrão comportamental de Maria era criticar Pedro e brigar, enquanto o dele era se distanciar. No final, permaneceram as diferenças de temperamento, sendo Maria mais intensa, mas estavam lidando melhor e as brigas não duravam tanto. Em relação às questões emocionais, ambos trouxeram mais abertura para a emoção branda (tristeza). O fator estressor externo no final foi o processo seletivo de Maria para o mestrado. Em relação aos padrões comportamentais, ambos estavam percebendo e discriminando seus pensamentos e sentimentos, o que os fazia se comunicar de forma mais clara e com menos reatividade emocional. Maria percebeu suas questões pessoais e iniciou psicoterapia individual e Pedro passou a comunicar seus sentimentos com menos temor de retaliação.

Quanto à frequência dos comportamentos, Maria avaliou que, no início, os comportamentos positivos do Pedro estavam com frequência média e os negativos eram muito poucos - por exemplo, ele era crítico e não dava atenção. Para Pedro, os comportamentos positivos de Maria eram poucos (companheirismo dela), enquanto os negativos eram muitos, pois Pedro dizia que ela era crítica e mandona. No final, Maria reconheceu pouco aumento dos comportamentos positivos e negativos de Pedro. Este, por sua vez, pontuou grande aumento dos comportamentos positivos dela e diminuição expressiva dos negativos (Figura 2).

Figura 2 Frequência dos comportamentos de Maria e Pedro em relação ao parceiro. 

No que se refere à aceitabilidade, esta aumentou para Maria. Para Pedro, a aceitabilidade diminuiu um pouco no final (Figura 3).

Figura 3 Aceitabilidade dos comportamentos de Maria e Pedro em relação ao parceiro. 

Em relação aos pontos fortes que os mantêm unidos, no início falavam de cumplicidade e amor. No final, demonstraram que havia um sentimento de carinho, que tinham uma história de dez anos juntos e estavam conseguindo organizar a vida financeira.

Considerando a adesão da terapeuta 1 à IBCT, observa-se, conforme a Figura 4, que, na Parte I, suas habilidades gerais mostraram-se lineares. A Parte II aponta que, no início da terapia, foi realizada a formulação DEEP e dado feedback para o casal. A conceitualização foi retomada nas sessões 3 e 8. A Parte III refere que as estratégias de intervenção foram aplicadas de forma instável, com elevação nas sessões 3, 6 e 12, e diminuição nas sessões 4, 9 e 14. Nas tentativas de utilizar a UE, a terapeuta realizou um trabalho pouco habilidoso ao tentar eliciar as reações emocionais e revelar as emoções brandas. Em relação ao DU, pouco utilizou a tomada de decisão conjunta mais objetiva e consciente sobre os problemas do casal. Por exemplo, utilizou essa estratégia para trabalhar o tema “filhos”, sugerindo que o casal usasse uma técnica metafórica para visualizar quando esse tópico interferia na relação e pudessem conversar como uma equipe. A terapeuta aplicou de forma mais adequada estratégias de mudança ao observar a forma como os parceiros se tratavam na sessão e fora dela, fazendo role-playing, treinando a comunicação e a resolução de problemas. A Parte IV aponta que houve poucas considerações adicionais, basicamente o padrão de interação reativo. A Parte V demonstra que a terapeuta foi classificada como mediana na abordagem e o caso considerado de difícil manejo.

Figura 4 Adesão da terapeuta 1 à terapia comportamental integrativa para casal. 

CASAL 2

O casal 2 apresentou mudança clínica confiável na comparação pré e pós-teste (RCI = -2,46) do questionário do casal (Christensen, 2009). A pontuação iniciou em nível clínico (13,5) e terminou em nível não clínico (17,5). A satisfação aumentou significativamente para os dois (Paula: início = 14, final = 17, RCI = -2,46; Ricardo: início = 13, final = 17, RCI = -2,46), enquanto o comprometimento de Paula diminuiu e de Ricardo aumentou (Figura 5).

Figura 5 Satisfação e comprometimento do casal 2. 

Nas áreas problemáticas, Paula indicou “Demonstração de afeto”, dizendo-se levemente insatisfeita, sem alteração no final (M = 2); “Confiança ou ciúmes” e “Mau humor/temperamento/emocionalidade” tiveram menor insatisfação no final (M = 3), em comparação ao início (M = 5). Ricardo elegeu “Filhos ou parentalidade”, mantendo o nível de insatisfação (M = 2); sua insatisfação em “Relações sexuais” aumentou (M = 6) em relação ao início (M = 5) e “Lidar com sogros/pais/parentes” manteve-se com pontuação alta (M = 6).

Em relação à formulação DEEP, no início as diferenças eram sobre como lidar com as questões da vida; discordavam sobre um acompanhar as atividades de lazer do outro. Em relação à expressão do afeto, entendiam como essencial, porém a forma de demonstrar não estava satisfatória. As questões emocionais apontavam a raiva como emoção dura e a tristeza como emoção branda. Os fatores externos referiam-se à interferência das famílias de origem, o apartamento ser de Paula e Ricardo sair com amigos. Os padrões comportamentais revelaram que Paula o criticava e cobrava as coisas da casa (ordem, limpeza), enquanto, na realidade, estava chateada (sentia-se rejeitada); Ricardo ficava muito tempo no celular, enquanto, na realidade, estava chateado por se sentir cobrado. Quanto mais ela reclamava, mais ele se fechava, gerando distanciamento. No final da terapia, o casal noivou e as diferenças se mostravam na discordância sobre como celebrar a oficialização da relação: Paula queria fazer uma grande festa e Ricardo desejava investir no apartamento. Ainda discordavam sobre um acompanhar as atividades do outro, pois Ricardo expressava maior necessidade de ter momentos a sós com os amigos, enquanto Paula preferia fazer programas juntos. A interferência de fatores externos estava em torno da alta carga horária de trabalho dela e das amizades dele. No final do tratamento, os padrões comportamentais apontavam que Paula, quando identificava suas emoções e pensamentos, buscava fazer uma pausa antes de cobrar e criticar, compartilhando suas vulnerabilidades. Ricardo, quando se sentia cobrado, expressava seu sentimento com bom humor, também expressando suas vulnerabilidades. Observavam as emoções, faziam uma pausa para reflexão e conversavam sobre seus obstáculos internos, pois, ao falarem sobre o medo e sentirem-se escutados, isso gerou segurança e abertura.

Quanto à frequência dos comportamentos, no início Paula tinha uma percepção de alta frequência de comportamentos positivos de Ricardo e baixa de negativos. No final, ela pontuou um aumento extremamente significativo de comportamentos positivos e diminuição dos negativos. Para Ricardo, no início, os comportamentos positivos de Paula estavam em uma frequência mediana e os negativos quase inexistem. No final, teve um pequeno aumento na percepção de comportamentos positivos e negativos (Figura 6).

Figura 6 Frequência dos comportamentos de Paula e Ricardo em relação ao parceiro. 

Paula apresenta maior aceitabilidade dos comportamentos negativos do que positivos. Para Ricardo, a aceitabilidade era quase igual. No final, Paula manteve uma pontuação similar na aceitabilidade de comportamentos positivos e um aumento de aceitabilidade dos negativos. Em contrapartida, Ricardo reduziu a pontuação da aceitabilidade (Figura 7).

Figura 7 Aceitabilidade dos comportamentos de Paula e Ricardo em relação ao parceiro. 

Em relação aos pontos fortes, no início demonstravam abertura para o diálogo, diziam que se amavam e tinham intenção de se casar e constituir família. No final, demonstraram maior desejo de construir um futuro juntos e maior capacidade para o diálogo. O tratamento possibilitou que respeitassem as fronteiras da individualidade, havendo aumento da percepção e da validação das experiências emocionais individuais. Além disso, noivaram e transformaram o apartamento dela em lar de ambos, enxergando-se como a família um do outro.

Com relação à adesão da terapeuta 2 à IBCT, a Parte I revelou adequadas habilidades gerais, organizando a agenda da sessão, mantendo foco e postura neutra, captando os diferentes pontos de vista, com capacidade de escuta e empatia, além de boa qualidade da aliança terapêutica. A Parte II aponta que foi um adequado momento de formulação e devolução do caso. A Parte III revela que a terapeuta usa o DU de forma adequada. Para tal, empregou práticas de mindfulness, auxiliando o casal a discriminar seus processos internos, observar as consequências na relação e depois falarem entre si em busca de alternativas. Na maioria das sessões, a terapeuta auxiliava na reformulação de um conflito específico, validando a experiência de cada um e destacando as diferenças entre eles de maneira não culpabilizadora, por exemplo, ao abordar individualidade versus conjugalidade. Em relação à UE, a terapeuta os encorajou a validar os sentimentos do outro e discutir de onde vinham, com base apenas nas emoções do presente, em vez de tentar “resolver problemas”. Também foram empregadas estratégias de mudança, sendo o treino de habilidades de comunicação a mais usada. A Parte IV aponta que não houve consideração adicional. A Parte V indica uma terapeuta com ótima adesão ao modelo IBCT (Figura 8).

Figura 8 Adesão da terapeuta 2 à terapia comportamental integrativa para casal. 

CASAL 3

O casal 3 apresentou mudança clínica confiável na comparação pré e pós-teste (RCI = 3,07) do questionário do casal (Christensen, 2009), porém evidenciando significativo declínio. A pontuação inicial (12,0) foi superior à final (7,0). O nível de satisfação diminuiu significativamente para ambos (Camila: 12 para 8, RCI = 2,46; Alex 12 para 6, RCI = 3,69), enquanto o comprometimento de Camila diminuiu e o de Alex aumentou (Figura 9).

Figura 9 Satisfação e comprometimento do casal 3. 

No que se refere às áreas problemáticas, Camila elegeu “Carreira/decisões de emprego” com mesmo nível de insatisfação no início e no final (M = 6), indicando dificuldades em relação ao emprego dele (horários e clientes mulheres). Para Alex, uma das áreas era “Demonstrações de afeto”, com aumento significativo de insatisfação no final (M = 7) comparado ao início (M = 3). Para ambos, outras áreas problemáticas foram “Confiança ou ciúmes”, com nível de insatisfação médio para Camila do início ao fim (M = 4) e, para Alex, mais insatisfação no início (M = 6) do que no final (M = 5), além de “Mau humor/temperamento/emocionalidade”, com leve diminuição de Camila (M = 5, no início, e M = 4, no final) e leve aumento de Alex (M = 3, no início, e M = 4, no final).

No início, a formulação DEEP apresentou diferenças sobre os limites entre privacidade e compartilhamento, além de cada um querer as coisas do “seu próprio jeito”. As questões emocionais apontavam ciúmes e raiva (emoções duras) e medo e tristeza (emoções brandas). Os fatores externos que interferiam eram questões profissionais. Os padrões comportamentais de Camila eram falar e insistir em um assunto, enquanto os de Alex era brigar e se afastar. Discutiam com muita reatividade emocional. No final da terapia, a formulação DEEP apresentou que as diferenças continuavam em torno da discordância sobre a privacidade. As questões emocionais se mantinham com ciúme e raiva (duras) e medo e tristeza (brandas). Os fatores externos giraram em torno do nascimento da filha e de mudanças profissionais. Os padrões comportamentais se mantiveram os mesmos: ela insistindo na discussão e ele, se afastando.

Quanto à frequência de comportamentos, para Camila, no início da terapia, os positivos estavam acima da média (por exemplo, ser afetuoso e participar dos trabalhos domésticos) e os negativos referiam-se, principalmente, a não seguir os combinados. Para Alex, havia muitos comportamentos positivos (ser afetuosa e participar de momentos sociais) e alguns negativos (ser mandona e crítica). No final, para Camila e Alex, a frequência dos comportamentos positivos diminuiu muito. Quanto aos negativos, diminuíram pouco, relacionando-se, principalmente, a críticas, invasão de privacidade e controle (Figura 10).

Figura 10 Frequência dos comportamentos de Camila e Alex em relação ao parceiro. 

No início, a aceitabilidade de Camila para os comportamentos negativos era bem menor que a de Alex. No final, para ela, a aceitabilidade dos comportamentos positivos diminuiu e aumentou muito a dos negativos. Para Alex, a aceitabilidade dos comportamentos positivos diminuiu e aumentou a dos negativos (Figura 11).

Figura 11 Aceitabilidade dos comportamentos de Camila e Alex em relação ao parceiro. 

No início, os pontos fortes referiam-se à parceria e aos sonhos em comum. No final, estavam dividindo os cuidados com a filha, havendo mais controle do ciúme e, nas discussões, conseguiam falar normalmente após um dia de intervalo, porém, ainda tinham dificuldades no padrão de interação.

Considerando a adesão da terapeuta 3 à IBCT, a Parte I demonstra ótimas habilidades gerais, como organização da agenda, neutralidade, entendimento ao captar os pontos de vista e capacidade de escuta e empatia, especialmente nas sessões 4 e 13. A Parte II indica que foi realizada adequada formulação DEEP e feedback. A Parte III aponta estratégias de intervenção e técnicas acima da média. A técnica mais utilizada foi a de aceitação DU, ao promover uma tomada conjunta de consciência sobre os problemas do casal, por exemplo, sobre as consequências na relação quando se desregulam emocionalmente. A terapeuta também utilizou adequadamente estratégias de mudança, interrompendo interações agressivas por meio da metáfora da palavra de segurança (time out), buscando outra maneira de se comunicar. Ainda, foram utilizadas estratégias de regulação emocional da terapia comportamental dialética (DBT, do inglês Dialectical Behavior Therapy) (Linehan, 2018). A Parte IV aponta que não houve considerações adicionais. A Parte V indica que foi uma adequada terapeuta IBCT no contexto de sessões muito difíceis (Figura 12).

Figura 12 Adesão da terapeuta 3 à terapia comportamental integrativa para casal. 

DISCUSSãO

Retoma-se que o presente estudo visou avaliar a efetividade da IBCT e a adesão do terapeuta ao modelo proposto em três processos terapêuticos de casais, comparando dados pré e pós-intervenção no que se refere à satisfação conjugal, ao padrão de interação, à frequência e à aceitação de comportamentos positivos e negativos. A literatura indica que a IBCT é eficaz, incorporando contribuições das terapias contextuais, especialmente o conceito de aceitação (Bradbury & Bodenmann, 2020; Christensen & Glynn, 2019; Heidari et al., 2021; Lins, 1019), necessitando ser constantemente pesquisada. Este estudo avaliou a terapia de três casais em ambiente naturalístico e os resultados evidenciaram mudança clínica confiável em dois casos, um com melhora significativa e um com piora significativa, e ausência de mudança no terceiro, reforçando a necessidade de mais pesquisas que atestem a eficácia em diferentes contextos.

O casal 1 não apresentou mudança clínica significativa e buscou terapia para mudar seu padrão de comunicação e abordar a definição sobre ter filhos. Havia repercussão da história de aprendizagem (Christensen et al., 2018; Le et al., 2020), como o fato de Maria ter tido uma mãe com dificuldades de criá-la e Pedro sofrido a perda da irmã. Ela cobrava uma postura ativa de Pedro e ele fugia para o trabalho a fim de evitar conflito. As classes de respostas evidenciaram um padrão de proximidade versus distância: ela se sentia abandonada e tentava se aproximar com críticas, e ele se sentia cobrado e se afastava (Christensen et al., 2020; Christensen & Glynn, 2019). Quanto à aceitabilidade, observa-se leve aumento para Maria e leve diminuição para Pedro. Infere-se que Pedro passou a ter condutas mais desejadas por Maria, além de estar mais à vontade para pontuar o que não lhe agradava, passando a se posicionar mais diante das críticas dela. A aceitação dela aumentou, mas a satisfação diminuiu um pouco. Por sua vez, a satisfação de Pedro aumentou com mudança clínica significativa, percebendo-se que o casal teve resposta diferenciada ao tratamento e finalizou ainda em um nível clínico pela posição de Maria, indicando que cada cônjuge pode ser impactado de forma distinta (Christensen et al., 2020; Doss et al., 2022). No final, não houve mudança significativa no padrão de interação, apesar de ambos afirmarem que estavam mais cientes de seus processos internos.

A pontuação da terapeuta 1 foi mediana. Há duas hipóteses para esse funcionamento: a primeira refere-se à possível necessidade de maior treinamento na abordagem, visto que lidou melhor com estratégias já conhecidas (habilidades de comunicação e de resolução de problemas) e pouco empregou, por exemplo, a UE, que poderia ter auxiliado mais o casal a acessar a emoção branda e fazer conexões com suas histórias de aprendizagem (por exemplo, Maria observar seu medo da maternidade pela forma como foi criada e Pedro relacionar seu distanciamento emocional das coisas boas da vida devido à experiência de perda da irmã). A segunda hipótese refere-se à provável dificuldade de a terapeuta acessar essas emoções devido à alta reatividade emocional de Maria, que fazia a profissional recuar. O caso foi considerado de difícil manejo devido à alta reatividade emocional (Bradbury & Bodenmann, 2020; Linehan, 2018; Salivar et al., 2020). Observou-se boa qualidade na aliança terapêutica. Nem sempre foi utilizada a melhor estratégia global, especialmente considerando-se as estratégias específicas da IBCT (Benson et al., 2018; Christensen et al., 2018, 2020). Conclui-se que aspectos do casal e da terapeuta parecem ter contribuído para um desfecho sem mudança clínica significativa.

O casal 2 foi o que apresentou mudança clínica significativa, com melhora na qualidade conjugal. Eles iniciaram o atendimento a fim de definir a continuidade da relação, questionando a individualidade e a interferência da família de origem. Na história de Ricardo, ele sentia que sua mãe o controlava e, então, omitia aspectos de sua vida de Paula, para evitar novo controle. Por sua vez, Paula teve modelo de mulheres dominadoras e tentava reproduzi-lo. A armadilha mútua (Christensen et al., 2020; Christensen & Glynn, 2019) girava em torno de um padrão de controle versus responsabilidade: quanto mais ela cobrava, mais ele se omitia. Observa-se que a aceitabilidade de Paula em relação aos comportamentos negativos de Ricardo aumentou, o que sugere que ela passou a conviver melhor com suas diferenças. Já a aceitabilidade de Ricardo dos comportamentos negativos de Paula diminuiu, mas se manteve em um nível alto. Houve aumento significativo na satisfação de ambos, sendo os dados consistentes com componentes de mudança na psicoterapia (Christensen et al., 2020; Doss et al., 2022), uma vez que a IBCT sustenta que a aceitação e a mudança de comportamento andam juntas em um relacionamento (Christensen et al., 2020). No final do tratamento, o casal apresentou mudança no padrão de interação, cada um observando o que acontecia internamente e utilizando melhores habilidades de comunicação. Demonstravam maior intimidade/proximidade (Christensen et al, 2020) e a principal mudança foi a decisão de formalizarem a união. Aqui, relaciona-se a aceitação de ambos com a satisfação no relacionamento, fato que promove mudanças que conduzem à sensação de segurança e de intimidade (Rossman et al., 2022).

A terapeuta do casal 2 demonstrou ótima adesão ao modelo IBCT. Observou-se uma aliança terapêutica bem consolidada, sessões com foco específico, imparcialidade e um nível muito bom de acolhimento. Quanto às estratégias, a profissional utilizou o DU de forma adequada, semelhante aos achados de Mahgerefteh (2015), inclusive com práticas de mindfulness, auxiliando o casal a discriminar processos internos (Azevedo et al., 2022; Benson et al., 2018). Ela também os encorajou a validar os sentimentos um do outro e discutir de onde eles vinham. Como resultado, o casal ficou menos defensivo e pôde entender as emoções profundas por trás dos conflitos, o que parece ter contribuído para o desfecho obtido.

O casal 3, com piora clínica significativa, tinha Camila e Alex iniciando uma vida conjugal com pouco tempo de namoro e o trabalho dele eliciando ciúme nela. Na história de Alex, seu pai abandonou a família e a mãe o criou sozinha, com controle e muitas brigas. Isso o fazia se afastar de Camila para evitar conflitos. A história de Camila reporta à invalidação, além de ter a experiência de ser traída em relaciomaneto anterior, mobilizando desconfiança. Em uma análise funcional, as emoções em relação às suas histórias de aprendizagem eram reeditadas em classes de resposta típicas (Barraca et al., 2021; Christensen et al., 2018; Christensen & Glynn, 2019), configurando uma armadilha comportamental de perseguidor versus distanciador (Christensen et al., 2020). A aceitabilidade de Camila diminuiu em relação aos comportamentos positivos de Alex e aumentou a dos negativos. Na sua percepção, ele parou de ter comportamentos que ela valorizava, mas ela passou a tolerar e/ou aceitar algumas condutas ditas negativas. No final, ressalta-se a interferência do nascimento da filha do casal, durante o processo terapêutico, situação do ciclo vital que gera, por si só, uma crise (McGoldrick & Shibusawa, 2016). Essa situação intensificou o padrão de distanciamento já existente, principalmente pela dificuldade de regulação emocional. Camila teve depressão pós-parto e Alex se sentiu ainda mais abandonado.

A terapeuta 3 obteve pontuação alta como profissional da IBCT. Outro aspecto que interferiu foi o fato de passarem a trabalhar juntos, o que gerou mais instabilidade no casal, pois ela tinha ciúmes das clientes dele. Esse foi o caso de mais difícil manejo, devido à intensa desregulação emocional dos parceiros. Houve uma ótima aliança terapêutica e escolha adequada de estratégias dado o contexto e o estágio da terapia, observando-se excelente capacidade empática e imparcialidade. A técnica mais utilizada foi o DU, em conformidade com Mahgerefteh (2015), buscando promover a tomada conjunta de consciência sobre os problemas, além de estratégias de regulação emocional propostas pela DBT (Linehan, 2018). O trabalho terapêutico envolveu não somente uma abordagem específica, mas também a identificação do que seria mais efetivo (Serralta, 2016).

Em uma análise integrativa dos casos, verifica-se que o segundo (com melhora significativa) já tinha um nível de satisfação mais elevado no início do tratamento, enquanto os outros casais estavam mais desgastados, principalmente o caso que evoluiu negativamente, apresentando muita desregulação emocional. Para o casal 3, além da interferência de características individuais dos cônjuges (alta reatividade emocional), houve uma situação de ciclo vital que acarretou novas demandas emocionais. Quanto aos mecanismos de mudança, a ampliação da frequência e da aceitabilidade dos comportamentos do parceiro, associada à maior satisfação conjugal, teve como consequência a mudança desejada, vinda de forma natural, como ocorreu no casal 2, apresentando maior aceitação, intimidade emocional, melhorias na comunicação e mudança nos comportamentos-alvo. O contrário foi observado no casal 3, com diminuição da aceitabilidade e da satisfação, o que levou ao afastamento emocional, possivelmente contribuindo para os diferentes desfechos.

Em relação à adesão das profissinais à IBCT, observou-se diferenças: a terapeuta 1 teve uma avaliação mediana, a terapeuta 2 teve uma avaliação ótima e a terapeuta 3 obteve uma avaliação muito boa. A terapeuta 1 focou nas estratégias de mudança, tendo dificuldades para utilizar técnicas de aceitação. A principal estratégia utilizada tanto pela terapeuta 2 quanto pela terapeuta 3 foi o DU, técnica de aceitação que proporciona aos casais uma tomada de perspectiva, corroborando Mahgerefteh (2015). A terapeuta 2 empregou muitas práticas de mindfulness e a terapeuta 3 serviu-se de estratégias da DBT para trabalhar a regulação das emoções, reforçando achados de que terapeutas se utilizam de técnicas de outros modelos (Serralta, 2016). Outra possibilidade seria a terapeuta 3 ter utilizado mais estratégias de tolerância, como identificar algo positivo no comportamento, por exemplo, o fato de Alex se afastar poderia ser uma forma de evitar uma briga, ou cada um observar o impacto do próprio comportamento no outro, ou, ainda, explorar as contingências de autocuidado.

CONSIDERAçõES FINAIS

Conclui-se que houve aspectos do casal, da terapeuta e do contexto que parecem ter contribuído para os diferentes desfechos. No que se refere aos casais, houve marcadores da história de cada um dos membros e consequente reatividade emocional, aspectos que foram trabalhados pelas estratégias de aceitação, principalmente o DU, que possibilitou uma desfusão cognitiva e consequente escolha de uma nova conduta. Em relação às terapeutas, houve influência da adesão ao modelo terapêutico. Quanto ao contexto, mudanças podem impactar de forma negativa na relação conjugal, por exemplo, a gravidez do casal 3.

As limitações deste estudo se referem a não aplicação de medidas de dimensão individual. A satisfação conjugal e a diferença nas medidas iniciais dos casais, característica de estudos naturalísticos, foram as variáveis de controle. Outra possibilidade seria avaliar diretamente com os casais que não tiveram mudança clínica positiva quais aspectos não foram úteis, na sua percepção, referentes a fatores da terapia, do terapeuta e dos clientes, conforme propõem Eldridge et al. (2022). Os principais ganhos do estudo referem-se à proposta de investigar os processos de terapia de casal, os quais são escassos na literatura. Sugere-se que pesquisas futuras sobre os processos terapêuticos de casais ampliem a compreensão de fatores que possam contribuir para o sucesso das intervenções terapêuticas.

Outras informações relevantes:Este artigo foi submetido no GNPapers da RBTC código 470.

Fonte de financiamento:Nada consta.

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Recebido: 15 de Dezembro de 2023; Aceito: 04 de Junho de 2024

Correspondência: Mara Lins., E-mail: mara@cefipoa.com.br

Editora responsável:

Carmem Beatriz Neufeld

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