A aliança terapêutica (AT) caracteriza-se como um componente essencial da relação entre terapeuta e cliente. O conceito transteórico de Bordin (1979) a define como um processo de colaboração mútua em relação aos objetivos da terapia, às atividades necessárias para alcançar esses objetivos e o estabelecimento de um vínculo marcado por aceitação positiva incondicional, respeito, empatia e apreciação mútua. Tal definição vai ao encontro da concepção da aliança na terapia cognitivo-comportamental (TCC) (Kazantzis & Dobson, 2022).
A AT tem apresentado resultados semelhantes entre a terapia presencial e on-line (Singulane & Sartes, 2017). No entanto, algumas particularidades precisam ser consideradas: 1) problemas tecnológicos, como qualidade e estabilidade da conexão; 2) qualidade da relação terapêutica devido às limitações de comunicação não verbal; 3) sigilo, pela dificuldade de alguns pacientes em encontrar um espaço privativo para a consulta (Békés et al., 2021; Connolly et al., 2020).
A terapia on-line é uma alternativa eficaz para superar dificuldades de deslocamento, questões geográficas, baixos recursos financeiros e estigma enfrentado por usuários de substâncias (Chipps et al., 2022; Jemberie et al., 2020; Kruse et al., 2020; López-Pelayo et al., 2020; Opaleye et al., 2021). Estudos mostram que a terapia on-line para indivíduos com transtorno por uso de substâncias (TUS) tem resultados equivalentes à terapia presencial (Boumparis et al., 2017; de Beurs et al., 2023; Fu et al., 2020).
Meier et al. (2005) sugerem que, na terapia para TUS, fatores como prontidão para o tratamento e experiências prévias positivas podem ser mais determinantes para a adesão do que a AT. No contexto on-line, foram encontrados poucos estudos sobre a AT, mas uma pesquisa brasileira (Torres et al., 2022) indica resultados análogos aos presenciais quanto à adesão na psicoterapia on-line. Em contrapartida, Urbanoski et al. (2012) não verificaram correlação entre a AT e aspectos como resultados de tratamento e motivação. Assim, ressalta-se a necessidade de investigações mais aprofundadas sobre a AT no contexto on-line, especialmente em tratamentos para TUS.
Dada a importância da AT nos resultados psicoterapêuticos, torna-se imperativo estudar e implementar medidas para sua avaliação. O Working Alliance Inventory (WAI), desenvolvido por Horvath e Greenberg (1989) e baseado no conceito transteórico de Bordin (1979), mede a qualidade da AT em três subescalas: objetivos, tarefas e vínculo. Com versões para terapeuta, cliente e observador (Ribeiro et al., 2019), o WAI demonstrou bons índices de confiabilidade (α = 0,93; Horvarth & Greenberg, 1989). Desde a sua criação, foram feitas novas versões e adaptações transculturais, com análises psicométricas em diversos contextos (Paap et al., 2022). No entanto, os resultados sobre sua estrutura fatorial são divergentes: algumas análises confirmatórias sustentam a divisão em três fatores (Horvath & Greenberg, 1989), enquanto outras apontam para dois fatores, combinando objetivos e tarefas (Penedo et al., 2020; Ramos-Vera et al., 2023).
Penedo et al. (2020) validaram uma versão on-line do inventário (WAI-I), que mostrou boa validade (r = 0,29, p < 0,001 em relação ao Attitudes Towards Psychological On-line-Interventions Questionnaire [APOI]) e confiabilidade (α = 0,93), estruturando-se em dois fatores. Embora estudos indiquem que as propriedades psicométricas de questionários permanecem estáveis on-line (van Ballegooijen et al., 2016), a equivalência com a versão presencial só pode ser confirmada avaliando suas propriedades psicométricas nesse contexto.
No Brasil, as propriedades psicométricas do WAI foram avaliadas em dois estudos (Ribeiro et al., 2021; Serralta et al., 2020), mas nenhum deles abordou as versões terapeuta e cliente em contexto on-line. Ribeiro et al. (2021) adaptaram e validaram o WAI-Short Form-Observer (WAI-SR-O) para psicoterapia on-line no tratamento de transtorno por uso de álcool (TUA), encontrando boa consistência interna (α = 0,86). Serralta et al. (2020) validaram a adaptação brasileira da escala original (WAI) e reduzida (WAI-SR) do cliente para uso clínico presencial, com resultados satisfatórios (α = 0,93 para o WAI; α = 0,88 para o WAI-SR).
Observa-se que existem poucos estudos de validação do WAI no contexto on-line (Goldberg et al., 2022), sendo apenas um no Brasil, em sua versão para observadores (Ribeiro et al., 2021). Dessa forma, este estudo visa avaliar a validade e a confiabilidade da versão on-line do WAI para terapeuta (WAI-T) e cliente (WAI-C) em tratamento cognitivo-comportamental para TUA por videoconferência, focando na estrutura interna, relação entre dimensões de cada versão, e seu desempenho na avaliação da AT ao longo do processo terapêutico.
MÉTODO
Para este estudo, foram utilizados dados de uma amostra de brasileiros em psicoterapia on-line para tratar TUA. Os dados foram retirados do Programa Álcool e Saúde, um projeto guarda-chuva do Centro de Referência Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e outras Drogas do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFJF (nº 5.340.542, CNS Resolução n. 466 466 (2012). Trata-se de um ensaio clínico de braço único, com desenho longitudinal (pré, pós e seguimento), que tem como objetivo principal avaliar a efetividade de um protocolo de psicoterapia on-line para pessoas com TUA.
PARTICIPANTES
Para avaliar o WAI-C, foram incluídos 72 participantes do Programa Álcool e Saúde, com idade entre 18 e 65 anos, residentes no Brasil, que buscaram tratamento para problemas relacionados ao TUA, por meio de um cadastro (Google Forms) disponível nas redes sociais do programa entre agosto de 2020 e outubro de 2023. Para os propósitos deste estudo, foram excluídas pessoas com sintomas psiquiátricos mais graves.
Para avaliar o WAI-T, foram incluídos dados de 14 terapeutas que compunham a equipe do Programa Álcool e Saúde. Os terapeutas eram psicólogos discentes do mestrado e do doutorado do programa de pós-graduação (PPG) em psicologia ou alunos do último ano de graduação em psicologia da UFJF. Todos receberam treinamento para aplicação dos instrumentos, realização do protocolo de psicoterapia, além de supervisão clínica semanal por uma terapeuta com 20 anos de experiência.
INSTRUMENTOS
Foram utilizados como instrumentos da pesquisa:
1. Questionário de dados sociodemográficos: questionário estruturado, elaborado pelos pesquisadores, que coleta informações sobre idade, gênero, profissão, escolaridade, emprego e religião. Além disso, contém a Escala Socioeconômica proposta pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa ([ABEP], 2015) baseada no Critério Brasil 2015, bem como a avaliação do uso de internet, captando informações sobre dispositivos digitais, frequência de uso e grau de dificuldade.
2. Mini International Neuropsychiatric Interview, versão 7.0.2 (Harm Research Institute, 2016) - versão brasileira: entrevista diagnóstica padronizada breve (15-30 minutos de aplicação), compatível com os critérios propostos no Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais, 5ª edição (American Psychiatric Association [APA], 2013), que foi utilizada para avaliação do diagnóstico de dependência de álcool e de outros transtornos mentais.
3. Working Alliance Inventory (WAI) (Horvath & Greenberg, 1989): instrumento transteórico de AT. Foram utilizadas as versões cliente e terapeuta traduzidas para a língua portuguesa por Machado e Abreu (2012). As versões seguem a mesma estrutura, com frases direcionadas para terapeuta ou cliente. Cada uma contém 36 itens divididos em três subescalas - vínculo, tarefas e objetivos - com 12 questões cada, avaliadas em uma escala do tipo Likert de sete pontos. Os escores totais das escalas variam de 36 a 252, sendo que, quanto maior a pontuação, melhor a AT. Os escores das três subescalas variam de 12 a 84. Ambas as versões possuem 14 afirmativas negativas, isto é, contrárias ao construto de AT. Os seguintes itens correspondem a afirmativas negativas: 3, 9, 10, 12, 27, 34 (objetivos), 7, 11, 15, 31, 33 (tarefas), 1, 20 e 29 (vínculo). Esses itens são contabilizados de forma negativa para os escores finais. A descrição dos itens pode ser vista nas Tabelas 1 e 2 da seção Resultados, mais adiante.
Tabela 1 Distribuição de itens do WAI-T, respondido na 8ª sessão, por fator com suas cargas fatoriais.
Itens | Fator 1 | Fator 2 | Fator 3 |
---|---|---|---|
12. Tenho dúvidas acerca daquilo que tentamos conseguir com a terapia. (objetivos) | -0,853 | ||
16. Sinto que aquilo que fazemos em terapia ajudará o(a) meu(a) cliente a atingir as mudanças que deseja. (tarefas) | 0,817 | ||
6. O(a) meu(a) cliente e eu temos uma percepção comum acerca dos seus objetivos. (objetivos) | 0,802 | ||
10. O(a) meu(a) cliente e eu discordamos acerca dos objetivos destas sessões. (objetivos) | -0,800 | ||
2. O(a) meu(a) cliente e eu estamos de acordo acerca das coisas que são necessárias fazer em terapia para ajudar a melhorar a sua situação. (tarefas) | 0,751 | ||
3. Tenho algumas preocupações acerca do resultado destas sessões. (objetivos) | -0,746* | 0,434 | |
24. Estamos de acordo acerca daquilo em que é importante o(a) meu(a) cliente trabalhar. (tarefas) | 0,746 | ||
25. Como resultado destas sessões, torna-se mais claro para o(a) meu(a) cliente como será possível ele(a) mudar. (objetivos) | 0,688 | ||
22. O(a) meu(a) cliente e eu trabalhamos para alcançar objetivos que foram mutuamente acordados. (objetivos) | 0,678 | ||
32. Estabelecemos um bom entendimento quanto às mudanças que seriam boas para o(a) meu(a) cliente. (objetivos) | 0,678* | 0,344 | |
7. O(a) meu(a) cliente acha confuso o que estamos fazendo em terapia. (tarefas) | -0,671 | ||
21. Tenho confiança na minha capacidade de ajudar o(a) meu(a) cliente. (vínculo) | 0,642 | ||
11. Acredito que o tempo que passo com o(a) meu(a) cliente não é utilizado de modo eficaz. (tarefas) | -0,636 | ||
27. O(a) meu(a) cliente e eu temos ideias diferentes acerca de quais são os seus problemas. (objetivos) | -0,634 | ||
5. Sinto que compreendo realmente o(a) meu(a) cliente. (vínculo) | 0,596 | ||
31. O(a) meu(a) cliente está frustrado(a) com as coisas que eu peço para ele(a) fazer em terapia. (tarefas) | -0,492 | ||
1. Sinto-me desconfortável com o(a) meu(a) cliente. (vínculo) | -0,492 | ||
26. O(a) meu(a) cliente e eu confiamos um no outro. (vínculo) | 0,442 | ||
33. As coisas que fazemos em terapia não fazem muito sentido para o(a) meu(a) cliente. (tarefas) | -0,416 | ||
35. O(a) meu(a) cliente acredita que o modo como estamos trabalhando com o seu problema é correto. (tarefas) | 0,400* | 0,307 | |
34. O(a) meu(a) cliente não sabe o que esperar como resultado da terapia. (objetivos) | -0,397* | -0,357 | |
4. O(a) meu(a) cliente e eu temos confiança na utilidade das nossas atividades em terapia. (tarefas) | 0,407 | 0,410* | |
9. Sinto a necessidade de explicar a finalidade das nossas sessões. (objetivos) | -0,396 | 0,491* | |
36. Eu respeito o(a) meu(a) cliente mesmo quando faz coisas que eu não aprovo. (vínculo) | 0,809 | ||
18. Sou claro acerca do que espero que o(a) meu(a) cliente faça nestas sessões. (tarefas) | 0,658 | ||
19. O(a) meu(a) cliente e eu respeitamo-nos mutuamente. (vínculo) | 0,544 | ||
14. Os objetivos destas sessões são importantes para o(a) meu(a) cliente. (objetivos) | 0,509 | ||
30. O(a) meu(a) cliente e eu colaboramos na definição dos objetivos destas sessões. (objetivos) | 0,457* | 0,410 | |
29. Sinto que o(a) meu(a) cliente tem medo de que se disser ou fizer algo errado, eu deixe de trabalhar com ele(a). (vínculo) | -0,422 | ||
13. Sou claro e explícito acerca das responsabilidades do(a) meu(a) cliente na terapia. (tarefas) | 0,417* | 0,331 | |
23. Aprecio o(a) meu(a) cliente como pessoa. (vínculo) | 0,362 | 0,404* | |
28. A minha relação com o(a) meu(a) cliente é importante para ele(a). (vínculo) | 0,727 | ||
8. Acho que o(a) meu(a) cliente gosta de mim. (vínculo) | 0,601 | ||
17. Estou genuinamente preocupado com o bem-estar do(a) meu(a) cliente. (vínculo) | 0,418 |
Nota. Rotação oblimin.
*Item considerado na interpretação dos fatores.
Tabela 2 Distribuição de Itens do WAI-C, respondido na 8ª sessão, por fator com suas cargas fatoriais.
Item | Fator 1 | Fator 2 | Fator 3 | Fator 4 |
---|---|---|---|---|
35. Acredito que o modo como estamos trabalhando com meu problema é correto. (tarefas) | 0,961 | |||
25. Como resultado dessas sessões, torna-se mais claro para mim como será possível eu mudar. (objetivos) | 0,899 | |||
16. Sinto que aquilo que faço em terapia me ajudará a atingir as mudanças que desejo. (tarefas) | 0,867* | -0,325 | ||
32. Estabelecemos um bom entendimento quanto às mudanças que seriam boas para mim. (objetivos) | 0,850 | |||
21. Tenho confiança na capacidade de meu(a) terapeuta para me ajudar. (vínculo) | 0,713 | |||
30. O(a) meu(a) terapeuta e eu colaboramos na definição dos objetivos da minha terapia. (objetivos) | 0,710* | 0,397 | ||
22. O(a) meu(a) terapeuta e eu trabalhamos para alcançar objetivos que foram mutuamente acordados. (objetivos) | 0,655* | -0,378 | ||
28. A minha relação com o(a) meu(a) terapeuta é muito importante para mim. (vínculo) | 0,639 | |||
5. Eu e o(a) meu(a) terapeuta compreendemo-nos mutuamente. (vínculo) | 0,637 | |||
31. Estou frustrado(a) com as coisas que faço em terapia. (tarefas) | -0,538* | 0,430 | ||
26. O(a) meu(a) terapeuta e eu confiamos um no outro. (vínculo) | 0,534* | 0,405 | ||
24. Estamos de acordo acerca daquilo em que é importante eu trabalhar. (tarefas) | 0,524* | 0,375 | ||
4. O que eu faço na terapia permite-me ver o meu problema de novas formas. (tarefas) | 0,469* | -0,395 | ||
18. Está claro para mim o que o(a) meu(a) terapeuta quer que eu faça nas sessões. (tarefas) | 0,450 | |||
13. Está claro para mim quais as minhas responsabilidades na terapia. (tarefas) | 0,417 | |||
34. Não sei o que esperar como resultado da minha terapia. (objetivos) | -0,402 | 0,306 | ||
6. O(a) meu(a) terapeuta percebe, com clareza, quais são meus objetivos. (objetivos) | 0,449 | -0,471* | ||
14. Os objetivos dessas sessões são importantes para mim. (objetivos) | 0,399 | 0,657* | ||
10. Discordo do(a) meu(a) terapeuta acerca dos objetivos da terapia. (objetivos) | -0,319 | -0,488* | ||
17. Acredito que meu(a) terapeuta está genuinamente preocupado(a) com o meu bem-estar. (vínculo) | 0,737 | |||
19. O(a) meu(a) terapeuta e eu respeitamo-nos mutuamente. (vínculo) | 0,608 | -0,547 | ||
36. Sinto que o(a) meu(a) terapeuta se preocupa comigo mesmo quando faço coisas que não aprova. (vínculo) | 0,570 | |||
3. Estou preocupado(a) com o resultado destas sessões. (objetivos) | 0,354 | |||
15. Acho que o que eu e o(a) meu(a) terapeuta fazemos em terapia não está relacionado com as minhas preocupações. (tarefas) | -0,349 | 0,356* | ||
23. Sinto que o(a) meu(a) terapeuta me aprecia. (vínculo) | 0,345 | -0,386* | ||
29. Sinto que se eu disser ou fizer algo errado, o(a) meu(a) terapeuta deixará de trabalhar comigo. (vínculo) | 0,303 | 0,459* | ||
12. O(a) meu(a) terapeuta não percebe aquilo que tento conseguir com terapia. (objetivos) | 0,774 | |||
20. Sinto que o(a) meu(a) terapeuta não é totalmente honesto(a) acerca daquilo que sente em relação a mim. (vínculo) | 0,673 | |||
8. Acho que meu terapeuta gosta de mim. (vínculo) | -0,605* | 0,345 | ||
11. Acredito que o tempo que passo com o(a) meu(a) terapeuta não é utilizado de modo eficaz. (tarefas) | 0,530* | 0,356 | ||
33. As coisas que o(a) meu(a) terapeuta me pede para fazer não fazem sentido. (tarefas) | 0,323* | 0,320 | ||
7. Acho confuso o que estou fazendo em terapia. (tarefas) | 0,755 | |||
27. O(a) meu(a) terapeuta e eu temos ideias diferentes acerca de quais são meus problemas. (objetivos) | 0,547 |
Nota. Rotação oblimin.
*Item considerado na interpretação dos fatores.
4. Medidas de avaliação da quantidade de doses consumidas: foram elaboradas pelos pesquisadores deste estudo. Avaliam o número de dias que o indivíduo bebeu e número de doses consumidas por ocasião nos 30 dias anteriores à avaliação e o objetivo terapêutico.
PROCEDIMENTOS
RECRUTAMENTO E CADASTRO
Os participantes foram recrutados pelas redes sociais. Após a realização do cadastro (Google Forms) nas redes sociais do Programa Álcool e Saúde, o terapeuta que conduziu o tratamento realizou contato via telefone ou WhatsApp com o cliente, a fim de agendar a avaliação inicial. O contato entre terapeuta e cliente ocorreu apenas de forma virtual.
AVALIAçõES E TRATAMENTO
As sessões e avaliações foram conduzidas por videoconferência via Google Meet. O terapeuta usou um computador com câmera, enquanto o cliente escolheu o dispositivo de sua preferência. As avaliações foram feitas em formato de entrevista on-line. Na avaliação inicial, após explicação do projeto e garantia de confidencialidade, todos concordaram, virtualmente, com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram investigados transtornos psiquiátricos, incluindo TUA, objetivos terapêuticos, consumo de álcool nos 30 dias anteriores e dados sociodemográficos. Na segunda semana, houve uma sessão devolutiva dos dados e, na terceira, iniciou-se o processo terapêutico. A psicoterapia consistiu em 12 sessões semanais de uma hora, com base no Cognitive-Behavioral Coping Skills Therapy Manual, do Projeto Match (Kadden et al., 1995), adaptado para o Brasil por Gumier et al. (no prelo). O protocolo inclui sete sessões com temas predefinidos e 14 sessões eletivas, das quais quatro foram escolhidas conforme a necessidade do cliente. A última sessão focou no fechamento da terapia e feedback. O cliente poderia remarcar sessões na mesma semana; caso contrário, uma sessão eletiva era descontada. Duas ausências consecutivas ou três totais resultavam na interrupção do tratamento, com encaminhamento para outro tratamento ou retorno após seis meses. A avaliação final ocorreu na semana seguinte à 12ª sessão, e uma avaliação de seguimento foi feita três meses após o término. Ambas as sessões utilizaram os mesmos questionários da avaliação inicial, exceto os de dados sociodemográficos e objetivos terapêuticos.
AVALIAçãO DA ALIANçA TERAPêUTICA
Com o objetivo de obter medidas de AT no início, meio e fim do processo de tratamento, terapeuta e cliente responderam às versões correspondentes do WAI na 4ª, 8ª e 12ª sessões. Ao final delas, o cliente era informado sobre os objetivos da aplicação do questionário e recebia o link do Google Forms pelo chat da plataforma. O WAI foi respondido de forma autoaplicada e as respostas foram salvas automaticamente. Enquanto os clientes respondiam ao questionário, o terapeuta permanecia na chamada para esclarecimento de possíveis dúvidas. Nos casos em que os clientes tivessem dificuldades de leitura ou com o uso da tecnologia que impossibilitasse o autopreenchimento, era informado que outro membro da equipe de pesquisadores entraria em contato para a realização da aplicação. Nessas situações, era marcado um horário adicional e outro membro auxiliava o cliente com o preenchimento do instrumento. Em todos os casos, era informado ao cliente que o terapeuta dele não teria acesso às respostas, a fim de garantir a fidedignidade. Os dados foram inseridos no banco de dados de forma anônima e os terapeutas não tiveram acesso às respostas.
ANáLISES ESTATíSTICAS
A fim de avaliar as propriedades psicométricas relativas à estrutura interna do instrumento, foram conduzidas análises fatoriais exploratórias (AFE). Concernente aos parâmetros adotados para a realização das análises, foram utilizados a matriz de correlação de Pearson, o método de extração de mínimos quadrados ponderados, a análise paralela como critério de retenção fatorial e o método de rotação oblimin. Esses critérios foram utilizados por demonstrarem ser mais adequados para a condução de análises fatoriais em dados de natureza ordinal, à exceção da matriz de correlação de Pearson. Ainda que uma matriz policórica ou tetracórica se mostre mais adequada a esses tipos de variáveis, a literatura indica que uma amostra mínima de 300 observações se faz necessária para obter resultados confiáveis a partir de matrizes poli/tetracóricas (Rogers, 2022). Em virtude da quantidade de observações disponíveis, julgou-se mais produtivo e parcimonioso utilizar a matriz de Pearson. Para a manutenção dos itens no fator, foi considerada a carga fatorial de 0,30, ou maior, do item com o fator (Rogers, 2022).
Foram utilizados os dados das oitavas sessões para realizar a AFE do WAI-T e do WAI-C, uma vez que: (i) entende-se que os clientes já estavam mais familiarizados com o instrumento do que na primeira aplicação; e (ii) houve perda amostral na aplicação posterior, em função dos clientes que não alcançam a sessão final do protocolo.
Para análise de consistência interna, foi utilizado o Ômega de McDonald (ω). A escolha pelo coeficiente ω como medida de confiabilidade foi fundamentada no fato de que ele é mais adequado para variáveis ordinais e análise fatorial (Ravinder & Saraswathi, 2021). A fim de analisar as correlações entre os escores das subescalas, utilizou-se o rho de Spearman, uma vez que o teste de Shapiro-Wilk indicou a não normalidade dos dados, tanto para o WAI-C (0,117, p < 0,001) quanto para o WAI-T (0,303, p < 0,001). Ademais, análises descritivas também foram conduzidas.
RESULTADOS
CARACTERIZAçãO DA AMOSTRA
Participaram do estudo 72 indivíduos com diagnóstico de TUA, com idade média de 42 anos (± 10,74; min.: 19; máx.: 65); 52,8% eram homens (N = 38). Quanto ao grau de escolaridade, quase metade dos participantes tinha cursado ensino superior completo (48,6%); 21,4%, ensino médio completo ou superior incompleto; 5,7%, anos iniciais do ensino fundamental completo ou anos finais do ensino fundamental incompleto; e 4,3%, fundamental completo ou médio incompleto. No que se refere à escala socioeconômica, 48,5% dos participantes pertenciam à classe B; 28,6%, à classe C; 17,1%, à classe A; e 5,7%, às classes D e E. Sobre o padrão de consumo na avaliação inicial, o número médio de dias de consumo nos últimos 30 dias foi de 14,06 (± 9,34; min.: 0; máx.: 30) e o número médio de doses foi de 10,93 (± 8,83; min.: 0; máx.: 44). Sobre a adesão, 78,3% dos participantes terminaram o tratamento, sendo realizadas, em média, 10,45 sessões (± 2,47; min.: 1; máx.: 15).
DESEMPENHO DO WAI-T E DO WAI-C NA AVALIAçãO DA ALIANçA TERAPêUTICA NAS 4ª, 8ª E 12ª SESSõES
A Figura 1 apresenta a variação dos escores totais e das subescalas na avaliação da AT ao longo do processo terapêutico. Observa-se que o WAI-T e o WAI-C foram sensíveis para identificar, em média, o aumento da AT ao longo da terapia, conforme esperado teoricamente. A avaliação da AT foi maior entre os clientes do que entre os terapeutas.
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Figura 1 Variação dos escores totais e das subescalas na avaliação da AT ao longo do processo terapêutico.
Quanto ao escore total, o WAI-T identificou um aumento substancial, principalmente entre a 4ª e a 8ª sessão (217,39 ± 25,25 para 225,23 ± 20,41). O mesmo ocorreu com o WAI-C, que identificou um aumento relevante entre a 4ª e a 8ª sessão (226,46 ± 20,84 para 231,16 ± 18,27).
Nas subescalas do WAI-T, o maior aumento foi identificado entre a 4ª e a 8ª sessão das subescalas objetivos e vínculo (69,49 ± 10,84 para 72,94 ± 7,77; e 74,83 ± 7,89 para 76,03 ± 4,78, respectivamente). Na subescala tarefas, o aumento maior ocorreu entre a 8ª e a 12ª sessão (74,89 ± 6,89 para 77,03 ± 5,97). O mesmo ocorreu nas subescalas do WAI-C, com maior aumento entre 4ª e a 8ª sessão das subescalas objetivos e vínculo (73,69 ± 6,18 para 75,6 ± 7,41; e 76 ± 7,36 para 77,34 ± 5,97, respectivamente). A subescala tarefas também identificou maior aumento entre a 8ª e a 12ª sessão (78,43 ± 7,02 para 80,2 ± 6,73).
EVIDêNCIAS DE VALIDADE BASEADAS NA ESTRUTURA INTERNA
SENSIBILIDADE DOS ITENS
No WAI-T (as afirmativas podem ser vistas na Tabela 1), os itens que apresentaram menores medianas - todas iguais a 1 - foram 1 (IIQ = 1) e 20 (IIQ = 1) da subescala vínculo; 10 (IIQ = 1), 12 (IIQ = 1) e 34 (IIQ = 1) da subescala objetivos; e 11 (IIQ = 1), 31 (IIQ = 1) e 33 (IIQ = 1) da subescala tarefas. Todos esses itens têm polaridade negativa para o cálculo do escore total e suas subescalas. As maiores medianas - todas iguais a 7 - foram as dos itens 8 (IIQ = 1), 17 (IIQ = 0), 19 (IIQ = 0), 23 (IIQ = 1), 28 (IIQ = 1) e 36 (IIQ = 0) da escala vínculo; e 22 (IIQ = 1) da escala objetivos. Nenhum deles tem polaridade negativa para o cálculo do escore total e suas subescalas.
Já no WAI-C (as afirmativas podem ser vistas na Tabela 2), a mediana de todos os itens correspondeu ao valor mínimo - 1 - ou ao valor máximo - 7 -, exceto os itens 3, 4, 8 e 9. O item 3, que teve mediana 2 (IIQ = 3), pertence à subescala objetivos. O item 4, com mediana 6 (IIQ = 1), pertence à subescala tarefas. O item 8 obteve mediana 6 (IIQ = 2), e pertence à subescala vínculo. O item 9 obteve mediana 5 (IIQ = 6), e pertence à subescala objetivos. Os itens 3 e 9 têm polaridade negativa para o cálculo do escore total e suas subescalas.
CONSISTêNCIA INTERNA
A estimativa do ω - considerando os itens empregados na AFE final - foi de 0,94 para o WAI-T e de 0,92 para o WAI-C, indicando alto grau de consistência interna. Os itens que se correlacionaram negativamente com o escore total das escalas foram invertidos para condução da análise de confiabilidade.
ESTRUTURA FATORIAL
Foram conduzidas duas análises fatoriais para cada escala, considerando organizações distintas dos itens dos questionários. Os resultados expostos representam a caracterização final dos dados, na qual, respectivamente, os itens 15 e 20 do WAI-T e os itens 1, 2 e 9 do WAI-C foram removidos das análises finais, uma vez que suas cargas fatoriais na primeira AFE foram inferiores ao critério de 0,30 escolhido para inclusão nos fatores (Rogers, 2022).
O teste de esfericidade de Bartlett confirmou a homogeneidade das variâncias na amostra para ambas as escalas, com resultados significativos (X2 = 2080,77 para o WAI-T e X2 = 2351,65 para o WAI-C, p < 0,001 em ambos), validando a estrutura dos dados para análises subsequentes. Adicionalmente, o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) indicou os valores de 0,75 para o WAI-T e de 0,69 para o WAI-C, o que reflete adequações “boa” e “moderada”, respectivamente, para análise fatorial, sugerindo que uma proporção considerável da variância observada pode ser explicada por fatores latentes.
A Tabela 1 apresenta a AFE do WAI-T. A solução fatorial obtida deteve poder explicativo de 49,3% sobre a variância total. A AFE identificou três fatores com cargas fatoriais que variaram em módulo de 0,33 a 0,85. O primeiro fator obtido foi responsável por 30,5% da variância, composto por oito itens da subescala objetivos, nove da subescala tarefas e quatro da subescala vínculo do instrumento original. Os itens mais fortemente correlacionados referiam-se a objetivos (p. ex., itens 12 (r = -0,85), 6 (r = 0,80) e 10 (r = -0,80)) e tarefas (p. ex., itens 16 (r = 0,82), 2 (r = 0,75) e 24 (r = 0,75)). Os itens sobre vínculo tiveram correlações moderadas a fracas com o fator (p. ex., itens 21, 5, 1 e 26). A partir dessa formação, o fator 1 poderia ser interpretado como direcionado para a percepção e preocupações do terapeuta sobre sua capacidade de trabalho com o cliente, incluindo os dois primeiros itens sobre vínculo moderadamente correlacionados ao fator.
O segundo fator observado deteve três itens de cada uma das subescalas originais, e explicou 12% da variância, o que poderia ser interpretado como focado no respeito mútuo, na autenticidade e na colaboração na determinação dos objetivos. Por fim, o terceiro fator deteve 6,8% da explicação sobre a variância total, e foi composto por quatro itens da subescala vínculo, com cargas fatoriais moderadas a altas. Esse fator pode ser interpretado como direcionado ao relacionamento do terapeuta com o cliente.
A Tabela 2 apresenta a AFE do WAI-C. Na análise do WAI-C, o modelo obtido alcançou 55,7% de explicação da variância total. Em contraste, obteve quatro fatores, com cargas fatoriais que, em módulo, variaram entre 0,30 e 0,96. O primeiro fator explicou 25,6% da variância e carrega 14 itens, dos quais quatro pertencem originalmente à subescala objetivos, seis à subescala tarefas e quatro à subescala vínculo. Os itens mais fortemente correlacionados ao fator foram relacionados a tarefas (p. ex., itens 35 (r = 0,96) e 16 (r = 0,9)) e objetivos (p. ex., itens 25 (r = 0,90) e 32 (r = 0,85)). Correlações moderadas foram obtidas com itens sobre vínculo (p. ex., itens 21 (r = 0,71), 28 (r = 0,64) e 5 (r = 0,64), objetivos (p. ex., itens 30 (r = 0,71) e 22 (r = 0,65)) e tarefas (p. ex., item 24 (r = 0,52)). O fator 1 poderia ser interpretado como a percepção do cliente sobre como a colaboração com o terapeuta poderá auxiliá-lo no seu problema.
O fator 2 foi composto por quatro itens da subescala objetivos e três itens da subescala vínculo, explicando 12,5% da variância. Parte dos itens se correlacionam melhor com o fator 1. Entre os itens que tiveram correlações moderadas a fortes com o fator 2, podemos citar aqueles sobre vínculo (p. ex., itens 17 (r = 0,74), 19 (r = 0,61) e 36 (r = 0,57)), o que poderia ser interpretado como a avaliação positiva da relação entre terapeuta e cliente.
O fator 3 identificado explicou 9,5% da variância total, e carrega quatro itens da subescala vínculo, três itens da subescala tarefas e um item da subescala objetivos. A maioria dos itens se correlacionou melhor com os fatores 1 e 2. Os itens que obtiveram melhor carga fatorial eram sobre vínculo (p. ex., itens 12 (r = 0,77) e 20 (r = -0,60)) e tarefas (p. ex., item 11 (r = 0,53)), o que poderia ser interpretado como a avaliação negativa da relação entre terapeuta e cliente.
Por fim, o fator 4 carregou apenas dois itens, um sobre tarefas (item 7 (r = 0,75)) e outro sobre objetivos (item 27 (r = 0,55)), o que poderia ser interpretado como a percepção negativa do cliente sobre a forma como o terapeuta pode ajudá-lo em seus problemas. Outros itens relacionados a esse fator também obtiveram correlações maiores com outros fatores.
CORRELAçãO ENTRE OS ESCORES
A Tabela 3 apresenta a correlação entre os escores das subescalas e o escore geral do WAI-T. O escore tarefas e o escore total têm uma forte correlação positiva com um rho de Spearman de 0,91, p < 0,001. O escore vínculo mostra correlações de 0,72 e 0,62 com o escore total e o escore tarefas, respectivamente, ambos com p < 0,001. O escore objetivos destaca-se com as maiores correlações: 0,87 com o escore total e 0,82 com o escore tarefas, além de 0,56 com o escore vínculo, todos com p < 0,001, indicando correlações estatisticamente significativas entre todas as subescalas.
Tabela 3 orrelação de Spearman entre os escores das subescalas e o escore total do WAI-T.
Escores | Total | Tarefas | Vínculo | Objetivos |
---|---|---|---|---|
Total | 1 | |||
Tarefas | 0,906* | 1 | ||
Vínculo | 0,718* | 0,617* | 1 | |
Objetivos | 0,872* | 0,818* | 0,556* | 1 |
* p < 0,001.
A Tabela 4 evidencia as correlações entre os escores das subescalas do WAI-C. Os resultados mostram que o escore total tem uma correlação muito forte com o escore tarefas (rho = 0,87), escore vínculo (rho = 0,82), e escore objetivos (rho = 0,89), todos com p < 0,001. Além disso, é notável que o escore tarefas está moderadamente relacionado com o escore vínculo (rho = 0,63) e com o escore objetivos (rho = 0,77).
DISCUSSÃO
No presente estudo, a estrutura fatorial do WAI-T e do WAI-C foi analisada de maneira exploratória. Os instrumentos tenderam a formar fatores semelhantes aos encontrados nos estudos anteriores, como apontado na revisão sistemática realizada por Paap et al. (2022), sendo o primeiro fator formado por itens com altas cargas fatoriais sobre objetivos e tarefas e os demais sobre vínculo. No entanto, vale mencionar que alguns itens sobre vínculo se correlacionaram com o fator 1, enquanto itens sobre objetivos e tarefas foram correlacionados com os demais fatores. Portanto, a estrutura fatorial tridimensional proposta a partir da definição de AT de Bordin (1979), correspondente às subescalas de objetivos, tarefas e vínculo, não foi corroborada.
Ao desenvolver o WAI, Horvath e Greenberg (1989) já apontavam que as subescalas de objetivos e tarefas compartilhavam alto grau de covariância, o que gera impactos clínicos e estatísticos. Dessa forma, a estrutura fatorial do WAI é alvo de muitas controvérsias (Paap et al., 2022). Por exemplo, um estudo realizado por Andrusyna et al. (2001) teve como objetivo investigar a estrutura fatorial do instrumento, na versão reduzida do observador, na TCC presencial. Os resultados apontaram dois fatores independentes: 1) objetivos, tarefas e um item de confiança da subescala vínculo; e 2) os demais itens de vínculo. No contexto on-line, o estudo realizado por Herrero et al. (2020), que visou à adaptação do WAI para uso em uma terapia on-line autoguiada (WAI-TECH-SF), encontrou uma estrutura unidimensional, baseada em um conceito geral de aliança. Outro estudo, proposto por Penedo et al. (2020), que também propôs a adaptação do inventário para o contexto on-line, encontrou uma estrutura com dois fatores: 1) objetivos e tarefas; e 2) vínculo.
Neste artigo, o WAI-T e o WAI-C apresentaram correlações altas e significativas entre os escores das subescalas e o escore total, como esperado. Da mesma forma, as correlações foram altas entre os escores das subescalas, principalmente entre tarefas e objetivos, indicando pouca discriminação entre elas, mas sugerindo um traço latente comum. No Brasil, Serralta et al, (2020) também encontraram altas correlações entre as subescalas e o escore geral, nas versões de 36 e de 12 itens do WAI, compatíveis com o modelo tridimensional de objetivos, tarefas e vínculo. Outro estudo no Brasil sobre o WAI-SR-O na terapia por videoconferência mostrou correlações fortes e significativas entre a escala geral e as subescalas, com correlações moderadas entre as subescalas. As subescalas de objetivos e vínculo do WAI-SR-O tiveram correlações significativas, mas fracas, com o WAI-T geral, objetivos e tarefas, e as correlações entre o WAI-SR-O e o WAI-C não foram significativas (Ribeiro et al., 2021).
No presente estudo, buscou-se interpretar teoricamente a composição dos fatores a partir dos itens. O WAI-T encontrou três fatores: 1) preocupações do terapeuta sobre sua capacidade de auxiliar o cliente; 2) respeito, autenticidade e colaboração na determinação de objetivos; 3) relacionamento do terapeuta com o cliente. O WAI-C encontrou quatro fatores: 1) percepção do cliente sobre de que forma a colaboração com o terapeuta pode auxiliá-lo com seu problema; 2) relação positiva com o terapeuta; 3) relação negativa com o terapeuta; e 4) avaliação negativa do cliente sobre o potencial de ajuda do terapeuta. A partir dessa estrutura, é possível identificar elementos do escopo teórico de relação terapêutica típico da TCC, como colaboração e autenticidade. Além disso, é provável que alguns itens possam ser ambíguos tanto para clientes quanto para terapeutas - por exemplo “Tenho confiança na capacidade de meu(a) terapeuta para me ajudar”, que, originalmente, pertence à subescala vínculo e cuja ambiguidade pode estar relacionada ao pouco conhecimento sobre a teoria de AT, inclusive entre terapeutas (Ribeiro et al., 2021). Não obstante, as afirmativas em sentido teórico contrário ao construto de boa aliança podem gerar dúvidas.
Os dados mostraram alta consistência interna em ambos os instrumentos, indicando sua confiabilidade, alinhando-se a estudos anteriores sobre versões adaptadas que também encontraram valores superiores a 0,70 (Paap et al., 2022). Paap et al. (2022) revisaram sistematicamente as diferenças na estrutura fatorial do WAI e encontraram 10 estudos de boa qualidade metodológica que corroboram a estrutura de três fatores (objetivos, tarefas e vínculo); 11 estudos de boa qualidade metodológica que indicam uma estrutura de dois fatores (objetivos e tarefas no fator 1, vínculo no fator 2); e dois estudos que identificam uma estrutura unifatorial, agrupando objetivos, tarefas e vínculo em um único fator. Os autores ressaltam que, embora haja boa consistência interna (> 0,70), a evidência estrutural é geralmente baixa.
Tendo em vista os resultados apresentados, este estudo corrobora os problemas fatoriais já encontrados em outras versões do WAI e aponta que as subescalas de objetivos, tarefas e vínculos não estão bem discriminadas. A união dessas três análises sugere que, para o contexto on-line, especialmente em pesquisa, o WAI-T e o WAI-C sejam baseados principalmente no escore total, dado também apontado por Herrero et al. (2020). Logo, os escores das subdimensões devem ser utilizados com cautela, considerando as questões fatoriais mencionadas. No entanto, vale considerar que novas análises do WAI-T e do WAI-C no contexto on-line podem aprimorar o entendimento da estrutura fatorial.
Este estudo incluiu a avaliação da AT em três momentos diferentes da psicoterapia on-line. Os clientes tenderam a avaliá-la sistematicamente de forma mais alta que os terapeutas. Foi possível observar o efeito de teto na avaliação dos clientes, também observado nas versões avaliadas no contexto presencial (Araújo et al., 2017; Mahon et al., 2023). Isto é, os clientes tenderam a avaliar a aliança com escores próximos ao valor máximo (sete) da escala do tipo Likert. Esse efeito também foi identificado por Araújo et al. (2017) e Ribeiro et al. (2021).
O efeito de teto afeta a confiabilidade das respostas dos clientes, dificultando a distinção entre ATs fortes e fracas. A tendência dos clientes em avaliar positivamente a aliança pode estar ligada à desejabilidade social, apesar de terem sido informados que os terapeutas não veriam suas respostas e que isso não os prejudicaria. Além disso, o tratamento gratuito em um país com baixo acesso a cuidados especializados pode ter influenciado os clientes a darem escores mais altos. Ainda, é importante considerar que o WAI-C pode não capturar completamente a percepção dos clientes sobre a AT, mesmo on-line (Doran, 2014). Estudos sugerem que as escalas deveriam incluir componentes importantes para os clientes, como características e comportamento do terapeuta e o ambiente terapêutico (Flückiger et al., 2012). No contexto on-line, também é relevante considerar aspectos como a clareza das condições necessárias para a terapia (Cataldo et al., 2021).
Foi interessante observar que a subescala de objetivos recebeu pontuações mais baixas, tanto na versão do cliente quanto na do terapeuta. Em parte, pode-se atribuir esse resultado ao fato de os objetivos terem sido preestabelecidos a partir do protocolo, não sendo definidos de forma totalmente colaborativa. No entanto, as médias referentes à subescala de tarefas, comparando as aplicações do WAI-C na 4ª, 8ª e 12ª sessões, alcançaram os valores mais altos, demonstrando que as intervenções propostas estavam sendo trabalhadas de maneira coerente com o que o cliente esperava, o que pode ser concluído pela própria interpretação dos fatores. A colaboração entre cliente e terapeuta sobre tarefas e objetivos desempenha um papel central na concepção de AT aplicada à TCC (Kazantzis & Dobson, 2022). Nesse caso, a qualidade do vínculo pode ser muito mais uma consequência da mudança terapêutica do que a sua causa.
Algumas limitações deste estudo devem ser mencionadas. A primeira delas diz respeito ao pequeno tamanho amostral, que impacta e limita algumas das análises realizadas. Outro aspecto refere-se ao fato de que a medida foi avaliada em um tratamento breve para TUA por videoconferência, restringindo possíveis generalizações sobre como o instrumento pode se comportar em outros contextos (p. ex., outras modalidades de atendimento on-line). Além disso, a versão do cliente foi tanto autoaplicada quanto aplicada por outro profissional, que não o terapeuta, a depender do nível de dificuldade do indivíduo com a autoaplicação. No entanto, não foram feitas análises que comparassem as duas formas de aplicação a fim de investigar se essa questão pode, de alguma forma, ter impactado nas propriedades psicométricas do instrumento.
Para estudos futuros, sugere-se que seja avaliada a necessidade de adaptação de itens específicos para o contexto de videoconferência, uma vez que, no presente estudo, os itens do WAI foram apenas transcritos no Google Forms, sem uma adaptação prévia que incluísse elementos do contexto on-line. É preciso considerar que a tecnologia atua como um terceiro fator na relação entre cliente e terapeuta, tornando-a ainda mais complexa e demandando que as medidas para avaliação da aliança abarquem essa dimensão (Herrero et al., 2020; Penedo et al., 2020). Ainda assim, o instrumento demonstrou evidências de que se comporta de maneira adequada nessa modalidade. Sugere-se também que as pesquisas futuras avaliem a validade de critério por meio de estatísticas inferenciais para verificar se as diferenças de desempenho do WAI-T e do WAI-C na avaliação da AT ao longo do tratamento são estatisticamente significativas.
Apesar de a terapia on-line impor alguns desafios e particularidades no que tange à relação terapêutica (p. ex., parecer impessoal, não permitir satisfatoriamente a identificação de comportamentos não verbais, preocupações acerca da confidencialidade, etc.) (Connolly et al., 2020), os resultados apresentados demonstram ser possível estabelecer e avaliar a AT na terapia por videoconferência.
CONSIDERAçõES FINAIS
Considerando a escassez de instrumentos disponíveis para avaliação da AT no contexto on-line, os dados deste estudo são de extrema relevância e sugere que as versões digitais do WAI-C e do WAI-T, para avaliação da AT no contexto on-line, são promissoras no campo da pesquisa em psicoterapia on-line no Brasil. Ter instrumentos devidamente avaliados para o contexto on-line contribui para a qualidade das pesquisas clínicas realizadas no País e auxiliam, por consequência, a compreender melhor a dinâmica da AT nessa modalidade de atendimento.