INTRODUÇÃO
A síndrome de burnout é um fator de risco laboral que afeta a qualidade de vida, a saúde mental e coloca em risco a própria vida do indivíduo acometido (Saborío Morales & Hidalgo Murillo, 2015). Foi definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como “uma síndrome resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso” (Casa ONU Brasil, 2019) e incluída na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como um fenômeno ocupacional. Desde janeiro de 2022, a OMS passou a entender a síndrome não apenas como um estado psicológico, mas sim como uma doença do trabalho. De acordo com Maslach, Schaufeli e Leiter (2001), o fenômeno se constitui por três dimensões: exaustão emocional (falta de energia, sentimento de esgotamento emocional decorrentes de sobrecarga de trabalho); despersonalização (relacionamentos distantes e impessoais no ambiente laboral) e baixa realização profissional (autoavaliações negativas, insatisfação e sentimento de incompetência).
A síndrome de burnout em professores não está restrita apenas ao contexto brasileiro, sendo considerada uma epidemia mundial (Gupta & Rani, 2014). Todavia, cabe ressaltar que a categoria de docentes apresenta diferenças de acordo com o nível de ensino no qual este profissional se insere, implicando fatores de risco e vivências diferentes do fenômeno de acordo com o contexto cultural e com a modalidade de atuação profissional. Ao considerar os docentes do ensino superior, nota-se a presença de altas demandas qualitativas e quantitativas para adequação ao mercado cada vez mais competitivo que podem gerar conflitos entre valores pessoais e institucionais, perda da identidade docente, aumento de funções com sobrecarga de trabalho e percepção de que o docente não está correspondendo às expectativas sociais da sua função (Carlotto & Câmara, 2017; Khan, 2014).
Um estudo com professores universitários portugueses identificou que o estresse ocupacional foi capaz de predizer os níveis de exaustão emocional, despersonalização e realização pessoal (Gomes et al., 2013). Entre os profissionais que atuam no nível privado brasileiro, a falta de capacitação para lidar com as questões ocupacionais foi preditiva para os aspectos de ilusão com o trabalho; a insegurança diante da demissão explicou o surgimento de exaustão emocional e o conflito entre os valores pessoais e atividades realizadas teve maior poder explicativo para o sentimento de indolência (Dalagasperina & Monteiro, 2014). Assim, nota-se que o desenvolvimento da síndrome nos docentes pode ser decorrente de diversos aspectos, abarcando recursos internos e externos do sujeito, abrindo campo para exploração de outras variáveis que podem estar embricadas nesse processo, tal como a autoeficácia docente.
A autoeficácia docente é entendida como um julgamento voltado para o futuro em relação à percepção de capacidade para ensinar (Woolfolk Hoy & Burke Spero, 2005), correspondendo às crenças do professor na sua capacidade para influenciar positivamente a aprendizagem e o sucesso dos alunos (Denzine, Cooney, & McKenzie, 2005). As fontes de autoeficácia docente são as mesmas da autoeficácia geral proposta por Bandura (1986) – experiência pessoal, aprendizagem vicária, persuasão verbal e indicadores fisiológicos, todavia, contextualizando para o ambiente escolar, as percepções de autoeficácia são influenciadas por variáveis como a eficácia coletiva escolar, formação do professor e tempo de atuação na função (Casanova & Azzi, 2015; Iaochite & Azzi, 2012), bem como por questões estruturais como recursos materiais para exercer a função e quantidade de alunos por sala (Tschannen-Moran & Johnson, 2011). Assim, docentes com maior nível de autoeficácia tendem a apresentar maior satisfação com o trabalho e maior grau de entusiasmo para a atuação, resultando na autoeficácia como fator protetivo para a síndrome de burnout em docentes (Castelo & Luna, 2012).
Um estudo de Carlotto, Dias, Batista e Diehl (2015) com 982 professores de escolas públicas e privadas do Rio Grande do Sul constatou que a autoeficácia desempenhou um papel mediador entre a sobrecarga no trabalho e dimensões do burnout, agindo como um dos possíveis mecanismos de proteção ao adoecimento laboral dos docentes. De modo similar, Wang, Hall e Rahimi (2015), ao investigar um grupo de 523 professores canadenses, identificaram que aqueles com maiores níveis de autoeficácia tinham melhores níveis de saúde física e psicológica, maior percepção de satisfação com o trabalho e menos sintomas associados ao desgaste emocional. Ademais, encontram-se na literatura estudos que analisaram as relações entre os construtos (Ferreira, 2011; 2014; Ferreira & Azzi, 2010) e que dão indicativos de que as crenças de autoeficácia surgem como a variável que deve ser manejada para melhorar os níveis de satisfação e bem-estar e prevenir o desenvolvimento do burnout.
Frente ao exposto, nota-se a importância do desenvolvimento de estudos sobre burnout relacionando-as com a autoeficácia docente no contexto do ensino superior. Deste modo, o presente estudo teve como objetivo verificar a prevalência de burnout, investigar as relações entre crenças de autoeficácia docente e síndrome de burnout em professores universitários, bem como diferenciações em função de variáveis sociodemográficas e poder preditivo das crenças de autoeficácia para os sintomas do burnout. Investigações dessa natureza podem auxiliar no desenvolvimento de estratégias interventivas e preventivas para o manejo do burnout no contexto do ensino superior (Kourmousi & Alexopoulos, 2016) e promover o desenvolvimento pessoal, profissional e laboral dos docentes por meio de crenças de autoeficácia mais positivas (Padilla, Bonivento, & Suarez, 2017).
MÉTODO
PARTICIPANTES
Participaram desta pesquisa 356 docentes de ensino superior de instituições públicas (12,5%), privadas (73,3%) ou atuando em ambas (14,2%), sendo 54,1% do sexo masculino e predominantemente da faixa etária de 31 a 40 anos (43,4%). Quanto ao nível de escolaridade, a maior parte dos docentes declarou ter mestrado (45,6%), seguidos daqueles com especialização (23,1%), doutorado (21,4%), pós-doutorado (7,0%) e, em menor frequência, aqueles com apenas graduação (2,8%), formados nas áreas humanas (53,7%), exatas (17,2%) e biológicas (29,1%). No tocante ao tempo de atuação na docência, os participantes declararam atuar há até seis meses (2,0%), seis meses a um ano (2,2%), um a dois anos (5,6%), dois a cinco anos (21,3%), cinco a 10 anos (24,7%) e mais de 10 anos (44,1%).
INSTRUMENTOS
O Maslach Burnout Inventory – MBI (Maslach, 1986) – versão MBI-ED para professores, adaptado por Benevides-Pereira (2001) é um instrumento de autorrelato composto por 22 itens que avaliam sintomas da síndrome de burnout e que são respondidos em uma escala Likert de cinco pontos variando entre 1 (nunca) a 5 (todos os dias). Os itens dividem-se entre as dimensões exaustão emocional (nove itens), realização profissional (oito itens) e despersonalização (cinco itens). Para cada dimensão é atribuída uma pontuação “alta”, “média” ou “baixa” que, em conjunto, permite verificar o nível de burnout. Além disso, a síndrome pode ser classificada de acordo com os estágios de gravidade, como “fraco”, “moderado” e “severo”, com base no número de dimensões afetadas. Considera-se gravidade fraca ou em quadro inicial quando apenas uma dimensão é afetada, gravidade moderada quando são afetadas duas dimensões e gravidade severa quando as três dimensões são afetadas. Em estudo com uma amostra brasileira (Pepe-Nakamura, 2002), encontrou-se alfa de Cronbach de 0,82 para exaustão emocional, 0,77 para despersonalização e 0,76 para a realização profissional, demonstrando que a consistência interna das três dimensões do inventário é satisfatória.
A Escala de Autoeficácia do Professor (Polydoro, Winterstein, Azzi, Carmo, & Venditti Jr., 2004) é um instrumento composto por 24 itens respondidos em uma escala tipo Likert variando de 1 (pouco) a 6 (muito) com o objetivo de avaliar a percepção de autoeficácia para questões da docência. Os itens dividem-se em dois fatores: intencionalidade da ação do docente (14 itens) e eficácia no manejo de classe (10 itens). Para a classificação dos níveis de autoeficácia foram empregados os critérios de Rocha (2009), no qual as respostas com pontuação entre 1,0 e 2,9 são consideradas indicativas de baixa autoeficácia docente; aquelas entre 3,0 e 4,9, como indicativas de autoeficácia docente moderada; e aquelas entre 5,0 e 6,0, como resultados elevados de autoeficácia. A análise da consistência interna da escala geral foi de 0,93 e, para os fatores, os valores encontrados foram de 0,91 para intencionalidade da ação docente e de 0,81 para manejo de classe.
O Questionário Sociodemográfico foi composto por questões de caracterização da amostra e dividido entre dados pessoais (sexo, faixa etária etc.), profissionais (formação, atuação na docência, jornada de trabalho etc.) e de saúde e bem-estar (situação de saúde, atividades físicas, lazer etc.).
PROCEDIMENTOS
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Oeste Paulista (CAAE: 47576715.2.0000.5515). O protocolo foi elaborado na plataforma Google Forms contendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), questionário de identificação, MBI e Escala de Autoeficácia do Professor. O protocolo foi divulgado em redes sociais on-line e listas de e-mail de cursos de graduação e pós-graduação. Os participantes deveriam concordar com o TCLE para ter acesso aos instrumentos. O período de coleta foi de abril a agosto de 2016.
ANÁLISE DE DADOS
Os dados foram analisados por meio do software Statistical Package of Social Sciences, versão 23.0. Inicialmente foram realizadas estatísticas descritivas para caracterização da amostra e na sequência foram empregadas estatísticas inferenciais, sendo utilizado teste t e ANOVA com prova pos-hoc de Tukey para verificação de diferenças em função de variáveis sociodemográficas, correlação de Pearson entre os fatores dos instrumentos e análise de regressão linear com método enter. Para interpretação dos valores, foram utilizados os pressupostos de Dancey e Reidy (2015).
RESULTADOS
Inicialmente buscou-se identificar a incidência da síndrome de burnout na amostra de acordo com as dimensões exaustão emocional (EE), despersonalização (DP) e realização profissional (RP), bem como a gravidade da síndrome. Analisou-se, também, a classificação dos níveis de autoeficácia dos professores de acordo com os fatores intencionalidade da ação docente, manejo de classe e fator geral de autoeficácia. Os resultados podem ser visualizados na Tabela 1.
Instrumento | Dimensão | Classificação | n | % |
---|---|---|---|---|
Maslach Burnout Inventory (MBI) | Incidência de burnout | Presença | 148 | 41,6 |
Ausência | 208 | 58,4 | ||
Exaustão emocional | Baixa | 173 | 48,6 | |
Média | 93 | 26,1 | ||
Alta | 90 | 25,3 | ||
Despersonalização | Baixa | 246 | 69,1 | |
Média | 68 | 19,1 | ||
Alta | 42 | 11,8 | ||
Realização profissional | Baixa | 55 | 15,4 | |
Média | 124 | 34,8 | ||
Alta | 177 | 49,7 | ||
Gravidade de burnout | Fraco | 110 | 30,9 | |
Moderado | 37 | 10,4 | ||
Severo | 1 | 0,3 | ||
Escala de Autoeficácia do Professor | Intencionalidade da ação | Baixa | 8 | 2,3 |
Média | 166 | 48,4 | ||
Alta | 169 | 49,3 | ||
Manejo de classe | Baixa | 10 | 2,8 | |
Média | 196 | 55,1 | ||
Alta | 150 | 42,1 | ||
Autoeficácia geral | Baixa | 8 | 2,4 | |
Média | 179 | 53,4 | ||
Alta | 148 | 44,2 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nota: Vinte e um participantes não concluíram a escala de autoeficácia do professor e não foram incluídos na análise de intencionalidade da ação e autoeficácia geral.
Nota-se que quase metade da amostra atingiu critério de classificação para presença da síndrome. Em relação aos níveis de classificação por dimensão, foram observadas maiores frequências para os níveis baixo em EE e DP e alto em RP. Ao analisar a gravidade da doença, observa-se que em relação ao número de dimensões afetadas de acordo com os critérios (EE alta, DP alta ou RP baixa), 30,9% dos participantes apresentam-se atingidos em uma única dimensão (gravidade fraca), 10,4% afetados em duas dimensões (gravidade moderada) e 0,3% afetados em três dimensões (gravidade severa). Níveis baixos de EE ou DP não caracterizam a existência da doença, mas podem ser considerados como sinais de alerta para eventual surgimento. Em relação ao nível de autoeficácia, a maior parte da amostra apresentou pontuação média (53,4%), seguida de alta (44,2%) e baixa (2,4%).
Na sequência buscou-se analisar diferenças de médias nas dimensões de burnout e autoeficácia docente em função de variáveis sociodemográficas. Em relação à área de formação, tipo de instituição, tempo na docência, quantidade de aulas na semana e jornada diária, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. Por meio do teste t de Student, foram observadas em função do sexo dos participantes, sendo que mulheres apresentaram maiores médias que os homens nas dimensões EE (t(340)=5,474, p<0,04) e RP (t(331)=0,243, p<0,02) da escala de burnout. A idade diferenciou as médias dos participantes nos fatores de autoeficácia docente e a escolaridade na classificação de sintomas de burnout na dimensão realização profissional. Os resultados são apresentados na Tabela 2.
Dimensão/Variável | gl | F | p | Grupos | Subconjuntos | η2 |
---|---|---|---|---|---|---|
1 | ||||||
Intencionalidade da ação/Idade | 4 | 2,440 | 0,04 | 20 a 30 anos | 64,31 | 0,02 |
31 a 40 anos | 67,30 | |||||
41 a 50 anos | 68,05 | |||||
51 a 60 anos | 70,72 | |||||
61 ou mais | 72,17 | |||||
Manejo de classe/Idade | 4 | 2,98 | 0,02 | 20 a 30 anos | 44,85 | 0,03 |
31 a 40 anos | 46,91 | |||||
41 a 50 anos | 47,46 | |||||
61 ou mais | 49,17 | |||||
51 a 60 anos | 49,95 | |||||
Classificação de realização profissional/Escolaridade | 4 | 3,303 | 0,01 | Pós-doutorado | 29,00 | 0,02 |
Doutorado | 29,03 | |||||
Ensino Superior | 29,10 | |||||
Mestrado | 29,73 | |||||
Especialização | 31,71 |
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nota: η2 = eta quadrado parcial (tamanho de efeito).
Observa-se que, em relação à idade, os participantes se diferenciaram, ainda que sem formação de subconjuntos, sendo que, nos fatores intencionalidade da ação e eficácia no manejo de classe, os participantes com idades a partir de 51 anos obtiveram as maiores médias quando comparados com os participantes mais novos. Na comparação em função da escolaridade, os participantes com especialização obtiveram as maiores médias em realização profissional quando comparados com os demais. Considerando que, nesta dimensão, maiores pontuações implicam baixa realização, tal fato indica que os docentes com especialização apresentam maior classificação de risco para essa dimensão do burnout. Ressalta-se que o tamanho do efeito foi pequeno para todas as diferenças encontradas. Em seguida, buscou-se verificar as relações entre os construtos por meio de Correlação de Pearson, tal como apresentado na Tabela 3.
Dimensões de burnout | Intencionalidade de ação | Manejo de classe |
---|---|---|
Exaustão emocional | -0,33** | -0,39** |
Despersonalização | -0,46** | -0,50** |
Realização pessoal | 0,52** | 0,54** |
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Nota: **p>0,001
Todas as correlações entre as dimensões foram estatisticamente significativas, variando de magnitudes fracas a moderadas. No que concerne à direção da correlação, estas foram negativas entre as dimensões EE e DP com as duas dimensões de autoeficácia docente e positivas entre RP e intencionalidade da ação e eficácia no manejo de classe. Por fim, realizou-se uma análise de regressão linear tendo como variável dependente as dimensões de burnout e independente os fatores de autoeficácia docente, considerando que esta é identificada na literatura como preditora da síndrome de burnout. Os resultados são apresentados na Tabela 4.
Variável dependente | Modelo | β | t | Sig. |
---|---|---|---|---|
Exaustão emocional | Constante | 11,272 | 0,00 | |
Intencionalidade da ação docente | -0,11 | -1,054 | 0,29 | |
Eficácia no manejo de classe | -0,26 | -2,512 | 0,01 | |
R2 ajustado | 13,1% | |||
Despersonalização | Constante | 12,716 | 0,00 | |
Intencionalidade da ação docente | -0,24 | -2,501 | 0,01 | |
Eficácia no manejo de classe | -0,25 | -2,659 | 0,00 | |
R2 ajustado | 23,0% | |||
Realização pessoal | Constante | 2,582 | 0,01 | |
Intencionalidade da ação docente | 0,17 | 1,780 | 0,07 | |
Eficácia no manejo de classe | 0,38 | 3,975 | 0,00 | |
R2 ajustado | 29,4% |
Fonte: Elaborada pelos autores (2019).
Tal qual pode ser observado na Tabela 4, que apresenta os resultados das análises de regressão, ao menos um dos fatores de crenças de autoeficácia docente foi capaz de predizer os sintomas de burnout com significância estatística. Os coeficientes de determinação (R2 ajustado) explicaram de 13,1% (EE) a 29,4% (RP) da variabilidade. Apenas na dimensão DP os dois fatores de autoeficácia docente predisseram o sintoma de modo significativo estatisticamente.
DISCUSSÃO
De acordo com os resultados do estudo, 41,6% dos docentes do ensino superior pesquisados estão afetados pelo burnout. Tal dado reforça o alto índice da síndrome tanto na população geral (Gupta & Rani, 2014) como em grupos específicos como o de docentes (Carlotto & Câmara, 2017; Carlotto, 2014; Massa et al., 2016). Nesta direção, torna-se importante o desenvolvimento de estratégias preventivas para os profissionais docentes comumente submetidos às demandas excessivas de trabalho, perpassados por sentimentos de fracasso e de exaustão, que podem resultar em problemas psicológicos e físicos (Singh & Kumar, 2015).
Considerando as dimensões específicas ao burnout, entre os docentes investigados 25,3% apresentam-se com alta EE, 11,8% com alta DP e 15,4% com baixa RP. Esse conjunto de sintomas indica que os docentes podem estar distanciados de suas relações, insatisfeitos com o desempenho profissional e com baixa energia no enfrentamento de suas atividades (Lopes & Pontes, 2009). Outra informação relevante é sobre a gravidade dos sintomas (Cândido & Souza, 2017; Maslach, 1986), sendo que neste estudo a maior frequência foi encontrada para aqueles atingidos com uma única dimensão (30,9%) classificados com gravidade baixa, seguidos daqueles com duas dimensões afetadas (10,4%) de gravidade moderada e apenas um docente com três dimensões afetadas (0,3%) atingindo a classificação severa.
A identificação precoce tanto da presença de sintomas de burnout como da instalação da síndrome por meio da gravidade dos sintomas ajuda no desenvolvimento de ações para reduzir danos. De tal modo, seria de grande importância o desenvolvimento de serviços especializados para diagnóstico precoce de demandas dos docentes, bem como um serviço estruturado para manejo e intervenção. Aliado ao serviço em saúde mental, tornam-se fundamentais políticas de valorização profissional, de modo que o plano de carreira dos docentes, a rotina laboral e as relações estabelecidas em sala ou nas instituições sejam percebidos como aspectos motivadores que gerem maior satisfação laboral e, consequentemente, um dos menores motivos para que o adoecimento seja desencadeado (Carlotto & Câmara, 2017; Costa & Rocha, 2013).
De modo mais específico, verificou-se que docentes do sexo feminino apresentaram maiores médias de sintomas de burnout nas dimensões EE e RP, aspecto comum também em mulheres de outras categorias profissionais (Beschoner, Braun, Schönfeldt-Lecuona, Freudenmann, & Von Wietersheim, 2016; Schadenhofer, Kundi, Abrahamian, Stummer, & Kautzky‐Willer, 2018). Cabe ressaltar que mulheres, na população geral, são mais propensas ao sofrimento mental e adoecimento (Piccinelli & Wilkinson, 2000), evento que se replica também para trabalhadoras (Tostes, Albuquerque, Silva, & Petterle, 2018). Um fator social importante para este elemento pode ser o fato de mulheres exercerem múltiplas jornadas, tendo que dar conta das demandas laborais formais e serem sobrecarregadas pelo trabalho doméstico (Araújo & Carvalho, 2009).
Verifica-se ainda que a síndrome de burnout também é influenciada pelo grau de escolaridade, sendo que os docentes com menor titulação além da graduação apresentaram pontuações maiores em baixa realização profissional e havendo uma diminuição da classificação conforme aumenta o grau de escolaridade. Estes resultados corroboram os estudos de Carlotto e Palazzo (2006), ao relatar que o burnout ocorre quando determinados recursos pessoais são perdidos ou inadequados para lidar com as demandas que lhes são feitas no contexto do trabalho. Por outro lado, notou-se que a autoeficácia docente, seja para a eficácia do manejo de sala como para intencionalidade da ação, aumentou conforme a idade dos participantes também aumentava. Esse dado pode ocorrer em função de que, com o passar dos anos, há uma percepção mais realista da autoeficácia, diminuindo o efeito de subestimação da crença e com maior repertório de aprendizagem comportamental (Bandura, 1986).
Levando em consideração os apontamentos da literatura de que a autoeficácia pode atuar como fator protetivo para o desenvolvimento da síndrome de burnout (Carlotto, Dias, Batista, & Diehl, 2015; Wang et al., 2015), buscou-se analisar as relações entre os construtos e o papel preditivo das crenças de autoeficácia em relação aos sintomas de burnout. As correlações entre os construtos, ainda que com magnitude moderada, indicaram que quanto maior a crença na autoeficácia, seja para intencionalidade de ação ou para eficácia no manejo de classe, menores tendem a ser os sintomas de EE e DP. Ademais, maiores níveis de autoeficácia resultam em maiores pontuações em realização pessoal. Tais resultados sugerem que, na medida em que o professor acredita na sua capacidade de lidar com seus alunos, tem controle sobre a sala, favorece discussões críticas, motiva os alunos, estabelece rotina e tende a diminuir os sintomas como esgotamento emocional, endurecimento afetivo e insensibilidade.
A análise de regressão reforça esses achados ao indicar que ao menos um dos fatores de autoeficácia prediz a sintomatologia de burnout. A crença na eficácia no manejo de classe prediz significativamente, de modo negativo, o desenvolvimento da EE e DP e, positivamente, os níveis de RP. Já a crença na intencionalidade da ação docente teve poder preditivo apenas para os sintomas de despersonalização de modo negativo. Esses resultados corroboram os apontamentos de que a autoeficácia tem capacidade de prevenir o desenvolvimento do adoecimento decorrente de estresse laboral como o burnout (Carlotto et al., 2015; Wang et al., 2015).
Considerando os resultados encontrados nesta pesquisa, o desenvolvimento de intervenções de autoeficácia para docentes emerge como um aspecto capaz de proteger os professores da síndrome de burnout. Frente a isso, é importante que sejam desenvolvidas estratégias interventivas que permitam aos docentes terem melhores capacidades de enfrentamento do cotidiano da sala de aula e seus percalços (Dalcin, & Carlotto, 2018), além do investimento na valorização da carreira docente. Como apontado por Silva, Iaochite e Azzi (2010), bem como identificado neste estudo, a baixa autoeficácia percebida tende a aumentar a possibilidade da alta EE, da DP e a sensação de falta de RP. O desenvolvimento de crenças reais e positivas de autoeficácia podem auxiliar na resolução de questões desafiadoras e estressantes entre professores e alunos (Ferreira & Azzi, 2011), assim como favorecer uma atitude proativa que diminua a incidência do burnout.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Partindo dos objetivos deste estudo, pode-se constatar que há uma incidência significativa da síndrome de burnout nos docentes do ensino superior que participaram desta pesquisa, o que afeta em maior proporção as mulheres e os docentes com menor escolaridade. Além disso, foi possível ver o efeito preditor das crenças de autoeficácia em relação aos sintomas de burnout, de modo que é possível inferir que o fortalecimento das crenças de autoeficácia pode possibilitar a diminuição da incidência da síndrome. Os achados também reforçam a importância de intervenções em saúde mental no trabalho, uma vez que a severidade dos sintomas tem impacto direto na vida pessoal e profissional dos docentes, refletindo na eficácia laboral.
Neste sentido, sugerem-se apontamentos para novos estudos e pesquisas futuras sobre a temática. Uma vez que a autoeficácia se refere a uma crença, seria importante que em outros estudos sejam verificadas as crenças reais, por meio de investigação qualitativa que permita confrontar as respostas dadas para determinar se as crenças estão sendo subestimadas ou superestimadas. Ressalta-se, também, a necessidade de estudos que investiguem não só os sintomas, mas as condições e significados atribuídos ao trabalho, bem como os determinantes sociais que podem afetar mais um grupo do que outro, como no caso das mulheres, que apresentaram maior incidência da síndrome neste estudo. Pesquisas que contemplem essas demandas elencadas podem superar as limitações deste estudo, visando assim buscar entendimento para o fato de essas crenças se mostrarem fortalecidas apesar da alta incidência de burnout.
Por fim, espera-se que estudos com essa finalidade possam contribuir com explicações que favoreçam o reconhecimento das interferências das crenças de autoeficácia no trabalho docente e possível adoecimento. Deste modo, será possível desenvolver programas que atuem na prevenção e enfrentamento e que contemplem o desenvolvimento da autoeficácia em professores como medida de prevenção ou reabilitação da síndrome de burnout, evitando, dessa forma, que o burnout prevaleça nos docentes e diminuindo a severidade dos sintomas e os impactos na saúde do docente e no ensino em geral.