O movimento da Psicologia Positiva surgiu no início do século XXI e tem Seligman e Czikszentmihalyi (2000) como seus precursores. No intuito de confrontar estudos psicológicos que privilegiavam, em sua maioria, as psicopatologias, eles propuseram investigações que enfocam os aspectos positivos do comportamento, tais como esperança, criatividade, coragem, sabedoria e bem-estar. A Psicologia Positiva tem como foco potencializar as pessoas, relembrando à Psicologia que o seu campo de estudo não é apenas o da patologia, da fraqueza e dos danos, mas também o da força e o da virtude.
No cenário organizacional, assim como no da Psicologia, muitas vezes as ações administrativas detêm-se principalmente em remediar ou tratar problemas; assim, as organizações acabam se preocupando, por exemplo, com formas de lidar com o estresse e o desgaste, em vez de preveni-los e potencializar aspectos positivos do ambiente laboral. Nessa direção, outro movimento que busca ter uma visão mais apreciativa das capacidades humanas é o comportamento organizacional positivo (COP), que busca medir, desenvolver e gerenciar os potenciais humanos de forma a melhorar o desempenho no local de trabalho (Ferreira, 2012; Luthans, 2002a; Luthans, 2002b, Vasquez, Ferreira, & Mendonça, 2019). Entre as variáveis mais estudadas pelo campo do COP estão à autoeficácia, a esperança, o otimismo, o bem-estar e a inteligência emocional; das quais o bem-estar no trabalho (BET) é uma variável cujo estudo possibilita entender de que forma a felicidade pessoal pode ser alcançada nesse contexto (Cunha, Palmieri, Cunha, & Cunha, 2016; Santos & Ceballos, 2013).
As evidências empíricas apontam que o BET traz vantagens para as organizações, pois entre os consequentes estão o baixo absenteísmo (Simplyhealth, 2016; Tina & Loretto, 2017), a baixa intenção de turnover (Brunetto, Shacklock, Teo, & Farr-Wharton, 2014), a satisfação no trabalho (Brunetto, Farr-Wharton, & Shacklock, 2011a; Wright & Cropanzano 2000) e o comprometimento organizacional afetivo (Brunetto et al., 2014; Brunetto, Farr-Wharton, & Shacklock, 2011b), os quais são essenciais para o alcance das estratégias organizacionais. Ademais, o estudo do BET também traz benefícios para os trabalhadores, visto que essa variável está relacionada ao aumento da saúde física e longevidade (Hill & Turiano, 2014); à saúde mental, à motivação e ao fortalecimento das relações interpessoais (Fredrickson, 2013); à descoberta de sentido na vida (Howell et al., 2016); à realização e às oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal (Czikszentmihalyi, 2000; Daniels, 2000; Waterman, 1993). Dessa forma, estudar o BET é vantajoso tanto para os trabalhadores quanto para as organizações e, assim, torna-se importante investigar os antecedentes dessa variável.
A literatura acerca dos antecedentes do BET é vasta, entre os preditores, tem-se percepção de suporte organizacional (Daniels, Watson, & Gedikli, 2017; Nielsen et al., 2017; Rhodes & Toogood, 2016), clima organizacional (Benzer & Horner, 2015; Lawrence, Zeitlin, Auerbach, & Claiborne, 2015), justiça organizacional (Colquitt et al., 2013; Daniels et al., 2017) e identidade social (Lee, Park, & Koo, 2015; Marique, Stinglhamber, Desmette, Caesens, & Zanet, 2013). Os estudos apontam que as variáveis contextuais têm um forte poder preditivo sobre o BET (Benzer & Horner, 2015; Lawrence et al., 2015; Silva & Ferreira, 2013): dessa forma, estudar construtos relacionados às condições de trabalho, à tecnologia e ao ambiente físico, tais como o clima organizacional, suporte organizacional e a qualidade de vida no trabalho (QVT), é algo promissor. Entretanto, a despeito da relevância de incluir QVT como preditor, os estudos encontrados foram exíguos.
O conceito de QVT é multidimensional e está relacionado às características do trabalho e do ambiente laboral que afetam a vida dos trabalhadores, principalmente no que diz respeito à satisfação que eles têm no trabalho (Hatam, Lotfi, Kavosi, & Tavakoli, 2014; Narehan, Hairunnisa, Norfadzillah, & Freziamella, 2014; Teixeira & Ruiz, 2013). Entre os modelos teóricos, o de Walton (1973) é um dos mais robustos e utilizados para se estudar a QVT (Hatam et al., 2014; Mandú, Correia, & Souza, 2018; Narehan et al., 2014; Rueda, Ottati, Pinto, Lima, & Bueno, 2013; Sajjad & Abbasi, 2014; Teixeira & Ruiz, 2013; Wahlberg, Ramalho, & Brochado, 2017). Walton (1973) considera a QVT como o atendimento das necessidades básicas que o trabalhador demanda no contexto de trabalho e propõe oito indicadores para avaliá-la: compensação justa e adequada; segurança e saúde nas condições de trabalho; oportunidade imediata para uso e desenvolvimento da capacidade humana; oportunidade futura para crescimento e segurança continuados; integração social na organização do trabalho; constitucionalismo na organização do trabalho; trabalho e o espaço total de vida e relevância social do trabalho na vida.
A literatura científica aponta que a QVT traz vantagens para as organizações, pois tem sido correlacionada positivamente com o desempenho – embora essa relação seja baixa (Ellah Mejbel, Almsafir, Siron, & Mheidi, 2013; Gayathiri & Ramakrishnan, 2013; Muindi & K’Obonyo, 2015), está associada à baixa rotatividade (Ellah Mejbel et al., 2013; Phan & Vo, 2016) e tem apresentado como consequente a satisfação no trabalho (Ellah Mejbel et al., 2013; Muindi & K’Obonyo, 2015). Além disso, destaca-se que a QVT é importante para os trabalhadores, uma vez que diz respeito ao atendimento de necessidades básicas, à humanização do ambiente de trabalho (Walton, 1973), está relacionada à saúde, autoestima (Hipólito, Masson, Monteiro, & Gutierrez, 2017) e motivação (Muindi & K’Obonyo, 2015; Srivastava & Kanpur, 2014).
Poucos são os estudos que investigaram a influência da QVT sobre o BET (Couto & Paschoal, 2012; Silva & Ferreira, 2013). Dessa feita, é necessário que novas pesquisas investiguem as relações entre esses construtos. Assim, este trabalho se propõe a preencher essa lacuna de pesquisa e tem como objetivo geral investigar a influência da QVT no BET.
Referencial teórico
Bem-estar no trabalho
Ryan e Deci (2001) organizam as diversas concepções teóricas sobre o bem-estar em duas perspectivas: hedônica e eudamônica. A primeira focaliza a felicidade e considera o bem-estar como busca de prazer e afastamento do sofrimento. Já a segunda ressalta a autorrealização e define o bem-estar em termos do grau em que uma pessoa consegue funcionar de forma completa. De acordo com Watterman (1993) e Warr (2007), tanto a perspectiva hedônica quanto a eudamônica são importantes para o entendimento do bem-estar.
Por sua vez, para Waterman (1993), não só as emoções prazerosas fazem parte desse construto, mas também a percepção de realização, que diz respeito à experiência que cada pessoa tem da realização dos próprios potenciais; seja desenvolvendo habilidades, seja realizando planos de vida. Também Warr (2007) segue essa mesma linha ao pontuar que o bem-estar laboral inclui tanto sentimentos de prazer quanto o desenvolvimento do próprio potencial e realização.
Já o bem-estar no trabalho (BET) é uma variável analisada no ambiente laboral e, similarmente ao bem-estar, também apresenta múltiplas concepções (Daniels, 2000; Paschoal & Tamayo, 2008; Siqueira & Padovam, 2008; Van Horn, Taris, Schaufeli, & Scheurs, 2004). Na literatura internacional, Van Horn et al. (2004), por exemplo, assumem o BET como um composto de aspectos afetivos, motivacionais, comportamentais, cognitivos e psicossomáticos; por outro lado, Daniels (2000), partindo do pressuposto de que as definições anteriores não se preocuparam em evitar intersecções com outros conceitos, considera que o BET nada mais é do que uma experiência cumulativa de afetos positivos, que equivalem às emoções e humores vivenciados referentes aos diversos âmbitos da vida.
No Brasil, as concepções mais adotadas para o BET são a de Siqueira e Padovam (2008) e Paschoal e Tamayo (2008), conforme Paschoal et al. 2013; Santos & Ceballos, 2013. Para Siqueira e Padovam (2008), o BET é integrado por três componentes: satisfação no trabalho, envolvimento com o trabalho e comprometimento organizacional afetivo. Trata-se de uma definição pouco clara, visto que a conceituação é efetuada a partir de outros construtos (Demo & Paschoal, 2016). Além disso, constitui-se como um modelo bastante cognitivo, por não incluir componentes afetivos que são essenciais para avaliação do BET (Paschoal, Torres, & Porto, 2010; Taris & Schaufeli, 2015). Devido a esses questionamentos, adota-se neste estudo o modelo de Paschoal e Tamayo (2008), segundo o qual o BET é composto por três dimensões: afetos positivos, afetos negativos e realização. De acordo com Paschoal e Tamayo (2008), o BET diz respeito à prevalência de emoções positivas no ambiente de trabalho e a realização do trabalhador, isto é, a percepção que ele tem de que, nesse espaço, expressa, desenvolve seus potenciais e avança no alcance de suas metas de vida. Assim, o BET inclui tanto aspectos afetivos (emoções e humores) quanto cognitivos (percepção de expressividade/realização) e também a perspectiva hedônica e eudamônica.
O tema do BET tem avançado bastante nos últimos anos, e um aspecto que comprova que essa área tem sido muito estudada é o número publicado de revisões de literatura (Daniels et al., 2017; Jong et al., 2016; Nielsen et al., 2017; Paschoal et al., 2013; Ravalier, Wegrzynek, & Lawton, 2016; Santos & Ceballos, 2013; Watson, Tregaskis, Gedikli, Vaughn, & Semkina, 2018). No cenário internacional, foram encontradas cinco (Daniels et al., 2017; Jong et al., 2016; Nielsen et al., 2017; Ravalier et al., 2016; Watson et al., 2018) que apontam que os recursos do ambiente de trabalho, tais como o relacionamento entre colegas, respeito, autonomia (Nielsen et al., 2017; Maynard, Mathieu, Gilson, O’Boyle, & Cigularov, 2013), promoção de aprendizagem (Watson et al., 2018) e técnicas de meditação (Ravalier et al., 2016) são significativas para promoção do BET e aumento do nível do desempenho organizacional, todavia essa relação é pequena. No Brasil foram identificadas apenas duas revisões (Santos & Ceballos, 2013; Paschoal et al., 2013). O estudo de Santos e Ceballos (2013) destacou que a prioridade dos pesquisadores brasileiros tem sido conceituar, elaborar instrumentos de medida e investigar os fatores positivos e negativos que influenciam o BET. Já o de Paschoal et al. (2013) salienta a carência de estudos do BET no Brasil, o predomínio de investigações teórico-empíricas, principalmente quantitativas, e destaca estudos que relacionam o BET com suporte organizacional e configurações de poder nas organizações, também ressaltando a preferência pelo setor público nos trabalhos desenvolvidos.
Ao cotejar os estudos nacionais e internacionais mencionados, verifica-se que prevalecem as investigações quantitativas e o estudo dos antecedentes do BET em detrimento dos consequentes. Entre os antecedentes mais estudados estão percepção de suporte organizacional (Daniels et al., 2017; Nielsen et al., 2017; Rhodes & Toogood, 2016), clima organizacional (Benzer & Horner, 2015; Lawrence et al., 2015), justiça organizacional (Colquitt et al., 2013; Daniels et al., 2017) e identidade social (Lee et al., 2015; Marique et al., 2013). Em contrapartida, os consequentes do BET vêm sendo menos investigados, sendo que os principais são o baixo absenteísmo (Simplyhealth, 2016; Tina & Loretto, 2017), a baixa intenção de turnover (Brunetto et al., 2014), a satisfação no trabalho (Brunetto et al., 2011a; Wright & Cropanzano 2000) e o comprometimento organizacional afetivo (Brunetto et al., 2014; Brunetto et al., 2011b).
Qualidade de vida no trabalho
Historicamente, o conceito de qualidade de vida no trabalho (QVT) passou por reformulações e, como consequência, não há uma definição única. São identificados diferentes modelos para compreender esse construto, sendo que no Brasil também existem alguns para mensurar a variável (Fernandes, 1996; Limongi-França, 1996). Será utilizado neste artigo o modelo de Walton (1973), devido sua robustez teórica e aceitabilidade internacional (Hatam et al., 2014; Mandú et al., 2018; Narehan et al., 2014; Rueda et al., 2013; Sajjad & Abbasi, 2014; Teixeira & Ruiz, 2013; Wahlberg et al., 2017).
Um dos aspectos que ilustram a relevância da QVT é o número de revisões de literatura publicadas, tanto nacionais (Alfenas & Ruiz, 2015; Freire & Costa, 2016; Hipólito et al., 2017; Mandú et al., 2018; Mascarenhas et al., 2013; Soares & Moura, 2016; Venson, Fiates, Dutra, Carneiro, & Martins, 2013) quanto internacionais (Jong, Boer, Tamminga, & Frings-Dresen, 2015; Ellah Mejbel et al., 2013; Gayathiri & Ramakrishnan, 2013; Kocman & Weber, 2016; Muindi & K’Obonyo, 2015; Nanjundeswaraswamy & Swamy, 2013; Nowrouzi et al., 2016; Phan & Vo, 2016; Srivastava & Kanpur, 2014; Kulkarni, 2013; Vermeerbergen, Hootegem, & Benders, 2017). Entre as seis revisões nacionais encontradas, percebe-se que a maioria das publicações sobre QVT é quantitativa (Alfenas & Ruiz, 2015; Venson et al., 2013); diagnosticam a QVT das organizações, em vez de proporem intervenções (Venson et al., 2013); são descritivas e/ou exploratórias (Alfenas & Ruiz, 2015; Mandú et al., 2018; Venson et al., 2013); e investigam organizações públicas com foco em professores e profissionais da enfermagem (Alfenas & Ruiz, 2015; Freire & Costa, 2016; Mandú et al., 2018).
Por sua vez, analisando-se as 10 revisões de literatura internacionais encontradas, percebe-se que há um alto número de publicações que investigam a QVT com enfermeiros (Nowrouzi et al., 2016; Phan & Vo, 2016; Vermeerbergen et al., 2017), que a rotatividade tem sido correlacionada negativamente com QVT (Ellah Mejbel et al., 2013; Phan & Vo, 2016), a QVT pode ser aprimorada por meio de treinamentos (Kulkarni, 2013) e que as variáveis positivamente correlacionadas à QVT são: desempenho, satisfação no trabalho, cultura organizacional, recompensas, salário e segurança (Ellah Mejbel et al., 2013; Muindi & K’Obonyo, 2015; Nanjundeswaraswamy & Swammy, 2013; Phan & Vo, 2016; Srivastava & Kanpur, 2014). Das variáveis citadas, a satisfação no trabalho tem sido apontada como consequente de QVT (Muindi & K’Obonyo, 2015).
A partir do exposto, ao cotejar as revisões de literatura nacionais com as internacionais, percebe-se em comum que grande parte dos estudos de QVT foi realizada com profissionais da área de enfermagem e que a satisfação no trabalho tem sido positivamente correlacionada com QVT. Não foram constatadas divergências entre os estudos, porém poucos foram os que se dedicaram a analisar os antecedentes e consequentes da variável – apenas a satisfação no trabalho foi apontada como consequente de QVT (Ellah Mejbel et al., 2013; Muindi & K’Obonyo, 2015).
As investigações que analisam as inter-relações entre QVT e BET são escassas (Silva & Ferreira, 2013; Couto & Paschoal, 2012). Ademais, mesmo se tratando de investigações quantitativas, não são utilizadas escalas validadas distintas para cada um dos construtos em nenhum deles; destarte, o presente estudo pretende contribuir nessa direção ao analisar as relações entre esses construtos.
Método
Amostra
A amostra final do presente estudo foi composta por 185 trabalhadores, selecionados por conveniência, de diferentes organizações, sendo 120 do sexo feminino e 65 do masculino. Quanto ao tipo de organização, 67% trabalham no setor privado; 29,7%, no setor público – 3,2% não responderam a esse item. No que diz respeito ao tipo de trabalho, 57,2% exercem cargos que têm como requisito de escolaridade o ensino médio completo; 39%, o ensino superior completo – 3,8% não responderam a esse item, sendo deixado como dado omisso.
Cabe destacar que a amostra investigada atende ao critério amostral para a realização de análise de regressão. De acordo com Tabachnick & Fidell (2004), a fórmula para a definição do número mínimo de participantes é 50 + 8k, sendo k o número de variáveis independentes. Dado que QVT apresenta quatro dimensões, tem-se uma amostra mínima requerida de 82 participantes.
Instrumentos
Escala de Bem-estar no Trabalho – Ebet (Paschoal & Tamayo, 2008)
A Ebet é composta por 30 itens divididos em três fatores: afeto positivo (9 itens e alfa de Cronbach 0,91), afeto negativo (12 itens e alfa de Cronbach 0,89) e realização (9 itens e alfa de Cronbach 0,88). Para responder ao instrumento, é adotada a escala de resposta Likert de cinco pontos. Entre os itens, tem-se “Nos últimos seis meses meu trabalho tem me deixado alegre” (afeto positivo), “Nos últimos seis meses meu trabalho tem me deixado deprimido” (afeto negativo) e “Realizo o meu potencial” (realização).
Qualidade de vida no trabalho (Rueda et al., 2013)
A medida é composta por 35 itens agrupados em quatro dimensões: (i) integração, respeito e autonomia (15 itens e alfa de Cronbach 0,89); (ii) compensação justa e adequada (6 itens e alfa de Cronbach 0,89); (iii) lazer e convívio social (6 itens e alfa de Cronbach 0,84); e (iv) incentivo e suporte (4 itens e alfa de Cronbach 0,76). Os itens foram respondidos de acordo com uma escala Likert de cinco pontos, variando de discordo totalmente a concordo plenamente. Como exemplos de itens, para cada uma das dimensões, tem-se: “Tenho autonomia para realizar o meu trabalho” (integração, respeito e autonomia), “O salário que recebo permite satisfazer as minhas vontades” (compensação justa e adequada), “Meu trabalho permite ter momentos de lazer com a família” (lazer e convívio social) e “Sou incentivado(a) a realizar cursos de aperfeiçoamento” (incentivo e suporte).
Procedimento de coleta e análise de dados
O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa de uma universidade do Brasil e obteve parecer consubstanciado favorável número CAAE: 01030418.0.0000.5152 em 27/10/2018. Em seguida, os pesquisadores utilizaram as próprias redes de contatos para contatar os participantes da pesquisa e aplicar o questionário de coleta de dados, sendo a aplicação feita com a utilização de lápis e papel em trabalhadores de diferentes organizações. Para a devolução dos questionários, foram utilizados dois envelopes, sendo um para o TCLE e outro para o questionário, com vistas a resguardar o anonimato do participante. Os questionários que apresentaram mais de 10% de itens em branco foram eliminados; dessa forma, com base nesse critério, foram excluídos nove participantes, sendo a amostra final composta por 185 sujeitos de pesquisa.
Para análise dos dados, foi utilizado o software estatístico SPSS. Primeiramente, foram seguidas as recomendações da literatura para inspeção do banco de dados (Tabachnick & Fidell, 2004; Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009). Em seguida, forma empreendidas as estatísticas descritivas, de correlação e de regressão múltipla padrão (RMP).
Resultados
A Tabela 1 contém as médias, os desvios padrão (DP) e os coeficientes de correlação entre as variáveis. Ao se analisar a média de cada dimensão do BET, aquela que obteve maior valor foi “Realização” (média=3,48; DP=0,83). Por sua vez, a dimensão mais presente da QVT foi “Integração, respeito e autonomia” (média=3,85; DP=0,72).
D | Média | DP | AP | NA | R | IRA | CJA | PLC | IS |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
AP | 2,97 | 0,87 | 1 | - | - | - | - | - | - |
AN | 2,35 | 0,87 | -0,57** | 1 | - | - | - | - | - |
R | 3,48 | 0,83 | 0,62** | -0,35** | 1 | - | - | - | - |
IRA | 3,85 | 0,72 | 0,43** | -0,50** | 0,44** | 1 | - | - | - |
CJA | 3,06 | 1,09 | 0,42** | -0,38** | 0,33** | 0,55** | 1 | - | - |
PLC | 3,72 | 0,98 | 0,41** | -0,40** | 0,33** | 0,62** | 0,59** | 1 | - |
IS | 2,82 | 0,88 | 0,33** | -0,26** | 0,28** | 0,48** | 0,48** | 0,38** | 1 |
Nota. D: dimensão; DP: Desvio padrão; AP: Afeto positivo; AN: Afeto negativo; R: Realização; IRA: Integração respeito e autonomia; CJA: Compensação justa e adequada; PLC: Possibilidade de lazer e convívio social; IS: Incentivo e suporte.
**p < 0,01.
Fonte: Elaboração própria.
Analisando-se as correlações das dimensões de BET entre si, o maior relacionamento ocorreu entre “Realização” e “Afeto positivo” (r=0,62;p<0,01), seguida de uma correlação negativa entre “Afeto positivo” e “Afeto negativo” (r=-0,57;p<0,01). No que diz respeito à QVT, ao correlacionar as dimensões entre si, percebe-se que o maior índice foi entre “Integração, respeito e autonomia” e “Possibilidade de lazer e convívio social” (r=0,62;p<0,01), acompanhado da correlação entre “Compensação justa e adequada” e “Possibilidade de lazer e convívio social” (r=0,59;p<0,01). Por sua vez, examinando-se a correlação entre as dimensões de BET e QVT, a que obteve maior índice foi entre “Afeto negativo e “Integração, respeito e autonomia” (r=-0,50;p<0,01), sendo a relação negativa.
Para verificar se QVT é preditor de BET, foi realizada regressão múltipla padrão (RMP) para cada uma das dimensões, a saber: afeto positivo, afeto negativo e realização (Figura 1). Os resultados dessa análise mostram que QVT explica 25% da variância de afeto positivo, sendo a contribuição significativa oriunda das dimensões “Integração, respeito e autonomia” (β=0,19;p=0,03) e “Compensação justa e adequada” (β=0,19;p<0,05).
O segundo modelo de RMP mostrou que QVT explica 28% da variância de afeto negativo, sendo que quanto menor a “Integração, respeito e autonomia” (β=0,28;p<0,05), maior o afeto negativo. Por fim, analisando-se “Realização”, o resultado da RMP apontou que QVT explica 21,3% dessa dimensão, sendo que a contribuição significativa é a de “Integração, respeito e autonomia” (β=0,34;p<0,05).
Discussão
A partir da análise dos resultados, percebe-se que “Realização” foi a dimensão de BET que obteve maior média, o que indica que os trabalhadores em questão julgam realizar atividades que expressam suas competências, fazem o que realmente gostam e realizam o seu potencial no trabalho, o que é extremamente importante, uma vez que tais aspectos estão relacionados à saúde mental e às oportunidades de crescimento e desenvolvimento pessoal (Daniels, 2000; Seligman & Czikszentmihalyi, 2000; Waterman, 1993). Ademais, a dimensão afeto positivo também obteve uma alta média, o que reflete disposição, felicidade e entusiasmo, elementos importantes para a satisfação no trabalho (Brunetto et al., 2011a; Wright & Cropanzano 2000) e benéficos para os trabalhadores, uma vez que, conforme preconizado pela Psicologia Positiva e pelo Comportamento Organizacional Positivo, tais aspectos positivos do comportamento são agentes potencializadores da vida humana (Luthans, 2002a; Luthans, 2002b; Seligman & Czikszentmihalyi, 2000). No que tange ao afeto negativo, esse valor foi muito ínfimo, estando abaixo do ponto médio da escala utilizada, o que reflete que os trabalhadores não têm experienciado altos índices de preocupação, ansiedade e nervosismo, consoante avaliado pelos itens da escala.
Desse modo, analisando o BET de forma global, o resultado para a amostra estudada é favorável, o que é essencial para os trabalhadores, uma vez que, de acordo com o apontado na literatura, o BET está relacionado ao aumento da saúde física e longevidade (Hill & Turiano, 2014), à motivação, ao fortalecimento das relações interpessoais (Fredrickson, 2013) e à promoção de sentido na vida (Howell et al., 2016). Tal resultado também é benéfico para as organizações, considerando-se que quanto mais os trabalhadores experienciam altos níveis de BET, menos, provavelmente, faltam ao trabalho (Simplyhealth, 2016; Tina & Loretto, 2017), desligam-se das organizações (Brunetto et al., 2014) e estão mais afetivamente comprometidos com elas (Brunetto et al., 2011b; Brunetto et al., 2014).
Ainda analisando o BET, encontrou-se uma correlação positiva entre “Realização” e “Afeto positivo”, o que confirma o proposto na literatura de que essas dimensões estão positivamente associadas (Paschoal & Tamayo, 2008; Warr, 2007; Waterman, 1993). Assim, quanto mais os trabalhadores realizam seus potenciais por meio do trabalho e desenvolvem habilidades que consideram importantes, mais se sentem entusiasmados, dispostos, felizes e empolgados. Além disso, afeto negativo apresentou uma correlação negativa com afeto positivo, confirmando o apresentado por Paschoal e Tamayo (2008) em seu modelo teórico de que quanto mais emoções positivas são vivenciadas pelos trabalhadores, menos eles se sentem entediados, nervosos ou chateados.
No que diz respeito à QVT, a dimensão com maior média foi “Integração, respeito e autonomia”, o que indica, em linhas gerais, segundo os itens avaliados, que os trabalhadores das organizações em questão percebem que são respeitados – independentemente de gênero –; têm seus direitos assegurados; podem decidir como fazem o trabalho; são ajudados pelos colegas; e têm autonomia para tomar decisões. Em compensação, a dimensão de QVT com menor média foi “Incentivo e suporte”, que obteve um valor ligeiramente superior ao ponto médio da escala. Isso sugere que nas organizações investigadas esses trabalhadores podem não receber treinamentos periódicos, ser incentivados a realizar cursos de aperfeiçoamento ou promovidos e não ter as horas extras pagas. Assim, apesar do respeito, autonomia e bom relacionamento com os colegas, esses trabalhadores sentem falta de ações de desenvolvimento pessoal e de aprimoramento das suas competências.
De maneira geral, as organizações pesquisadas constituem-se como ambientes de trabalho positivos. Tal resultado é favorável aos trabalhadores, pois possibilita altos índices de satisfação no trabalho, segurança, motivação e a possibilidade de desenvolvimento na carreira (Ellah Mejbel et al., 2013; Muindi & K’Obonyo, 2015; Nanjundeswaraswamy & Swammy, 2013; Phan & Vo, 2016; Srivastava & Kanpur, 2014). Isso é importante para as organizações, uma vez que quanto maior a QVT, menores os índices de rotatividade (Ellah Mejbel et al., 2013; Phan & Vo, 2016) e maiores os índices de BET.
Nesse sentido, a partir das análises da RMP, verifica-se que duas das dimensões de QVT constituíram-se como preditoras de afeto positivo, “Integração respeito e autonomia” e “Compensação justa e adequada”, o que confirma o achado por Silva e Ferreira (2013) de que salários, benefícios e o relacionamento entre supervisores e empregados constituem-se como preditores positivos e significativos de afetos positivos dirigidos ao trabalho. A dimensão “Integração, respeito e autonomia” também foi preditora de realização, confirmando a literatura, ao mostrar que dar autonomia aos trabalhadores faz com que eles se sintam valorizados e reconhecidos pela organização (Benzer & Horner, 2015; Lawrence et al., 2015; Maynard et al., 2013; Nielsen et al., 2017; Soares & Moura, 2016). Por sua vez, essas dimensões de QVT também foram preditoras de afeto negativo, porém de forma negativa. Assim, os dados permitem inferir que quanto mais as pessoas sentem que têm seus direitos assegurados, podem decidir a maneira como fazem o trabalho, são ajudadas pelos colegas e têm autonomia para tomar decisões, menos preocupadas, nervosas ou ansiosas se sentem.
Os achados das análises de correlação e regressão cotejados permitem inferir que trabalhar numa empresa que respeita a diversidade, que dá autonomia para o empregado, na qual há uma boa relação entre colegas de trabalho e recebe-se um salário adequado é extremamente importante para o bem-estar do trabalhador, principalmente no que diz respeito à promoção de afetos positivos. Assim, é importante que os gestores se preocupem na criação de um ambiente de trabalho mais igualitário, reconheçam as contribuições individuais, promovam autonomia e se preocupem com o desenvolvimento pessoal e aprimoramento das competências, a fim de garantir o bem-estar dos empregados e a sobrevivência da organização no mercado de trabalho.
Considerações finais
A presente pesquisa objetivou investigar a influência da QVT no BET considerando o pressuposto de que as variáveis contextuais têm um forte poder preditivo sobre o BET (Benzer & Horner, 2015; Lawrence et al., 2015; Silva & Ferreira, 2013; Soares & Moura, 2016). Verificou-se que o objetivo foi alcançado, na medida em que a QVT constituiu-se como preditora de BET, sendo que para a amostra pesquisada a dimensão “Integração, respeito e autonomia” trouxe importante contribuição para as três dimensões de BET, sendo preditora positiva para “Afeto positivo” e “Realização” e negativa para “Afeto negativo”. Esse resultado coaduna com o proposto na literatura (Ellah Mejbel et al., 2013; Muindi & K’Obonyo, 2015; Nanjundeswaraswamy & Swammy, 2013; Phan & Vo, 2016; Srivastava & Kanpur, 2014; Walton, 1973), que ressalta a importância de as organizações criarem um ambiente de trabalho que fomente necessidades básicas dos seres humanos, tais como a segurança e saúde nas condições de trabalho, compensação justa e adequada, oportunidade para uso e desenvolvimento de competências e o relacionamento entre colegas de trabalho, de forma a promover a QVT e o alcance da felicidade pessoal dos empregados.
A despeito dos ganhos, existem limitações no presente estudo, entre elas a magnitude do poder preditivo de BET. A QVT é relevante na explicação daquela variável, todavia, outros antecedentes devem ser incluídos nos delineamentos investigativos com vistas a ampliar as relações envolvidas no BET. Acrescenta-se também como limitação deste trabalho a amostra restrita, sendo necessários novos estudos com amostras mais significativas e investigações qualitativas para compreensão de mais detalhes do relacionamento entre QVT e BET, além da inclusão de mais antecedentes. A despeito das eivas listadas, o presente estudo traz contribuições porque as pesquisas que investigaram as relações aqui propostas são escassas.
Além disso, destaca-se que ao considerar a QVT é importante que as organizações invistam segundo os pressupostos da abordagem contra-hegemônica, elencados por Ferreira (2015), sendo assim, deve-se indagar como os trabalhadores percebem a qualidade de vida do ambiente de trabalho em que estão inseridos e, a partir disso, propor melhoras nesse espaço, de forma a atender suas necessidades. Nessa direção, no que tange às implicações práticas, tem-se que os gestores devem investir em treinamentos periódicos, promover políticas de respeito entre funcionários, incluir debates sobre diversidade nas organizações, incentivar a liberdade de expressão, autonomia, oferecer reajustes salariais e o reconhecimento dos funcionários no trabalho, oferecendo possibilidades de promoção. Com essas práticas, os gestores podem promover um ambiente de trabalho saudável e aumentar os níveis de bem-estar dos profissionais, diminuindo as chances de que estes deixem a organização e faltem menos no trabalho, impelindo-os a se sentirem motivados nas atividades que realizam, o que é essencial para que produzam mais.
No cenário atual, tais elementos são de extrema importância para que as organizações sobrevivam, tendo em vista a competitividade do mercado de trabalho. Para além de uma questão econômica, a qualidade vida nas organizações constitui-se como um aspecto ético e de humanização para que o trabalhador, principal responsável pela existência destas, tenha suas necessidades básicas atendidas e a possibilidade de crescer e se desenvolver pessoalmente e atingir os objetivos organizacionais.