A tarefa de ensinar envolve um processo complexo e dinâmico que requer do professor, além das competências técnicas e recursos pedagógicos adequados, habilidades para lidar com as mais diversificadas demandas e interações sociais inerentes ao contexto escolar. O ambiente educacional é, pois, bastante exigente quanto às habilidades requeridas do professor para exercer sua atividade profissional e ao mesmo tempo manter-se em boas condições de saúde física e mental (Guterres, 2020; Luz, Pessa, Luz, & Schenatto, 2019) que o propicie exercer sua prática com a profundidade científico-pedagógica adequada e que o capacite a enfrentar as questões fundamentais direcionadas à formação crítica e reflexiva do educando. Neste cenário, situações de mal-estar são apontadas como resultado das condições psicológicas e sociais em que se exerce a docência, causando redução da satisfação no trabalho, da motivação e do empenho profissional (S. M. F. Silva & Oliveira, 2019), o que acaba por afetar o processo de ensino e aprendizagem.
As limitações de tempo e recursos, a falta de reconhecimento, as más condições de trabalho parecem atuar como fatores geradores de estresse no trabalho (Hirschle & Gondim, 2020), sendo também identificadas situações de adoecimentos na profissão docente associados à deterioração do desempenho, esgotamento e desejos de abandono da profissão (L. S. Souza, 2020). Tal situação coloca a docência como uma das profissões de maior risco quanto à Síndrome de Burnout (Carlotto & Diehl, 2014).
Embora tradicionalmente o bem-estar no trabalho tenha sido associado à ausência de doenças no trabalho (Soraggi & Paschoal, 2011), atualmente maior ênfase tem sido dada à pesquisa dos aspectos positivos da vida, dentre eles o bem-estar (Diener; Lucas, & Oishi, 2018), de forma a concretizar o propósito da Psicologia Positiva em desenvolver o funcionamento ótimo dos indivíduos, grupos e instituições (Seligman & Csikszentmihalyi, 2001). No domínio do trabalho, a concepção de bem-estar ainda não é consensual, tendo a literatura apontado (Pascoal & Tamayo, 2008; Rossi, Martins, Tashima-Cid, & Dias, 2020; Soraggi & Paschoal, 2011) para uma conjugação de fatores hedônicos ligados ao bem-estar subjetivo (Diener, 2016; Diener et al., 2018) e eudaimônicos, relacionados ao bem-estar psicológico que inclui aspectos relativos à expressividade e realização pessoal (Keyes, Shmotkin, & Ryff, 2002; Ryff, 2018).
Em vista das particularidades dos contextos de trabalho em que é exercida a ação docente nos diversos níveis de ensino, a compreensão dos determinantes ambientais relacionados ao bem-estar do professor se revela importante na medida em que evidências demonstraram que uma maior frequência de afetos e emoções positivas se associam a maior número de experiências de sucesso e realização no trabalho, refletindo na performance individual e das organizações (Tenney, Poole, & Diener, 2016). Na docência, experiências afetivas positivas têm se associado a maior autoeficácia do professor (Bandura, 1997; L. S. Souza, 2020), a qual tem papel central na construção de metas desafiadoras, motivação, melhor engajamento e envolvimento dos estudantes (Bandura, 1997; Demir, 2020). Além disso, o bem-estar pode atuar na proteção da saúde mental, bem como na redução de riscos à saúde física, estando associado à maior longevidade (Rossi et al., 2020; Ryff, 2018), uma vez que, segundo Diener et. al, (2018), pessoas com alto nível de bem-estar não apenas têm uma melhor saúde física e mental, mas também são mais propensas a se envolverem em comportamentos positivos de saúde.
Em face das evidências apresentadas, tendo em vista que a criação de um ambiente de trabalho positivo, que proporcione a vivência do bem-estar pelo professor, requer o conhecimento dos seus fatores extrínsecos determinantes, a presente pesquisa, partindo do problema "Quais fatores ambientais ou circunstanciais do contexto de trabalho se relacionam ao bem-estar docente?", objetivou mapear os fatores ambientais ou circunstanciais da ação docente associados à percepção do bem-estar pelo professor dos segmentos da Educação Básica e Ensino Superior.
Método
Foi desenvolvido um estudo exploratório, por meio de uma revisão de escopo, utilizando-se das diretrizes propostas pelo Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews - PRISMA-ScR (Page et al., 2021; Tricco et al., 2018) e pela Joanna Briggs Institute (JBI) para revisões de escopo (Peters et al., 2020), com intuito de mapear e sintetizar as evidências de pesquisa sobre o assunto.
Critérios de Busca e Fonte Bibliográfica
A partir da pergunta norteadora da pesquisa: "Quais fatores ambientais ou circunstanciais do contexto de trabalho se relacionam ao bem-estar docente?", foram realizadas buscas no mês de junho de 2021 por dois pesquisadores independentes, nas seguintes bases de dados: 1) Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), a qual abrange a Scientific Electronic Library Online (SCIELO) e a Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); 2) Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD); 3) Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e 4) Education Resources Information Center (ERIC). As bases de dados foram escolhidas com o intuito de abranger grande parte dos artigos científicos publicados nacional e internacionalmente sobre o tema, no período de 2011 a 2021, bem como as teses e dissertações nacionais. Foram utilizados os seguintes descritores e operadores boleanos combinados: "bem-estar" e "professor" ou "docente", no inglês "well-being" and "teacher" or "professor" e, no espanhol, "bienestar" y "profesor" o "docente", no título ou resumo. Adotou-se como filtro as publicações do período 2011 a 2021, nos idiomas português, inglês e espanhol, objetivando-se obter o maior número de estudos do período que envolviam o tema bem-estar docente. Em relação aos artigos de periódicos, foram utilizados somente aqueles revisados por pares.
Critérios de Triagem e Elegibilidade
A partir do total de estudos obtidos (n = 962) e após excluídas as duplicações (n = 280) por meio da exportação para o gerenciador de referências bibliográficas, iniciou-se a fase de pré-seleção pelos dois pesquisadores independentes, sendo as dúvidas e divergências na aplicação dos critérios utilizados discutidas para obtenção do consenso. Adotou-se os seguintes critérios de inclusão: 1) descritores presentes no título ou resumo; 2) idioma português, inglês ou espanhol; 3) ano de publicação (2011 a 2021); 4) ter como tema central a análise dos fatores ambientais e circunstanciais da ação docente relacionados ao bem-estar do professor dos segmentos da Educação Básica e Ensino Superior; 5) acesso aberto do conteúdo completo. Quanto aos critérios de exclusão, estabeleceu-se os filtros: 1) tipo de amostra: estudos cuja população era apenas de estudantes, gestores ou funções de apoio; 2) foco do estudo: pesquisa cujo foco era avaliar o malestar docente e as doenças envolvidas e 3) tipo de estudo: estudos exclusivamente teóricos ou de construção de instrumentos; 4) medição: artigos que não avaliaram o bem-estar na rotina do professor.
Extração e Análise dos Dados
A triagem foi feita utilizando-se dos critérios de inclusão e exclusão a partir da leitura dos títulos e resumos dos 682 trabalhos, o que gerou a seleção de 60 estudos elegíveis. Posteriormente, os 60 trabalhos foram lidos na íntegra, dos quais foram excluídos 38 pelas seguintes razões: 21 estudos não avaliaram as percepções do professor no contexto escolar ou trataram exclusivamente de validação de instrumentos, 02 estudos analisaram a presença de doenças e mal-estar no trabalho e 15 estudos tiveram por foco somente a identificação de fatores pessoais/intrínsecos relacionados ao bem-estar docente. Assim, após o processo de triagem, 22 estudos foram incluídos para compor o portfólio desta pesquisa, os quais se alinham ao objetivo proposto neste estudo. Os trabalhos selecionados tiveram suas informações extraídas e sistematizadas em formulário elaborado previamente pelos autores. O fluxograma do procedimento está representado na Figura 1.
Resultados e Discussão
Os estudos analisados, em sua maioria, foram realizados no Brasil (68,2%) e as publicações se deram em maior número no período de 2017 a 2020 (63,64%). Os artigos de periódicos representaram a maior parte (68,2%) e os estudos quantitativos os mais prevalentes (59,10%). Em relação à categoria de ensino, a maior parte foi realizada com professores do ensino superior (50,0%). Os dados compilados constam da Tabela 1 e o detalhamento de cada estudo, com seus principais elementos e características, encontra-se discriminado na Tabela 2 e na Tabela 3.
Variável | Identificados | Selecionados | ||
---|---|---|---|---|
n | % | n | % | |
Base de Dados | ||||
BVS | 475 | 49 | 9 | 40,91 |
BDTD | 66 | 7 | 7 | 31,82 |
CAPES | 56 | 6 | 1 | 4,54 |
ERIC | 365 | 38 | 5 | 22,73 |
Total | 962 | 100 | 22 | 100 |
Ano de publicação | ||||
2011-2016 | 8 | 36,36 | ||
2017-2020 | 14 | 63,64 | ||
País do Estudo | ||||
Brasil | 15 | 68,20 | ||
EUA | 2 | 9,10 | ||
Inglaterra | 1 | 4,54 | ||
Chile | 1 | 4,54 | ||
Colômbia | 1 | 4,54 | ||
Paquistão | 1 | 4,54 | ||
Rússia | 1 | 4,54 | ||
Tipo de Publicação | ||||
Artigo | 15 | 68,20 | ||
Dissertação e Tese | 7 | 31,80 | ||
Professores Participantes | ||||
Educação Superior | 11 | 50,00 | ||
Educação Básica | ||||
Ensino Fundamental | 5 | 22,74 | ||
Ensino Técnico | 2 | 9,10 | ||
Ensino Médio | 1 | 4,54 | ||
Ensino Fundamental e Médio | 1 | 4,54 | ||
Ensino Infantil, Fundamental e Médio | 1 | 4,54 | ||
Ensino Infantil, Fundamental, Médio e Superior | 1 | 4,54 | ||
Tipos de Estudos | ||||
Quantitativos | 13 | 59,10 | ||
Quali-quantitativos | 5 | 22,73 | ||
Qualitativos | 3 | 13,63 | ||
Revisão sistemática | 1 | 4,54 | ||
Total | 22 | 100 |
Estudo | Tipo de Estudo Amostral/Local | Instrumento de Coleta |
---|---|---|
1. A influência da gestão escolar no bem-estar docente: percepções de professores sobre líderes educacionais de uma escola particular de Porto Alegre (D. L. Santos, 2012) | Transversal, quantitativo; 36 docentes da educação infantil ao ensino médio no Brasil | Questionário elaborado e validado pelo pesquisador. |
2. Bem-estar e condições de trabalho de professores do centro de ciências da saúde da Universidade Federal de Pernambuco (G. B. Santos, 2013) | Transversal, quantitativo; 175 docentes de ensino superior do Brasil. | 1) Job Stress Scale JSS); 2) Self-Report Questionnaire (SRQ-20); 3) Medical Outcomes Study questions (MOS-S-SS); 4) Escala Bem-Estar no Trabalho. |
3. Cultura organizacional, coping e bem-estar subjetivo: um estudo com professores de universidades brasileiras (Mendonça et al., 2014) | Transversal, quantitativo; 514 professores ensino superior do Brasil. | 1) Instrumento Brasileiro Acesso Cultura Organizacional; 2) Escala de Coping Ocupacional, 3)Escala Afetos no Trabalho. |
4. Subjective well-being and time use of brazilian PhD professors (Nunes et al., 2014) | Transversal, quali-quantivo; 83 docentes de ensino superior no Brasil. | 1)Questionário; 2) Scale for measuring Subjective Well-Being (Watson et al. (1988) adaptada. |
5. Bem-estar docente em ambiente educativo de ensino técnico privado (Metz, 2015) | Transversal, quali-quantitativo; 63 docentes de cursos técnicos no Brasil. | Escala de Bem-estar Subjetivo e entrevistas semi-es-truturadas. |
6. A influência do gestor escolar na promoção do bem-estar docente (J. C. Silva, 2015) | Transversal, quali-quantitativo; 18 gestores e 77 docentes do ensino fundamental no Brasil. | Análise documental, diário de campo e questionário semi-estruturado. |
7. Bem-estar subjetivo na profissão e qualidade de vida de professores do ensino fundamental (Biagi, 2017) | Transversal, quantitativo; 267 docentes do fundamental no Brasil. | 1) Questionário socioeconômico e ocupacional; 2) Quest de Bem-estar subjetivo; 3) World Health Organisation Quality of Life Instrument Bref (WHOQOL-bref). |
8. Bem-estar e saúde de docentes em instituição pública de ensino (Silveira et al., 2017) | Transversal, quantitativo; 82 docentes do ensino superior do Brasil. | 1)Escala de Faces de Andrews, 2) Índice de Bem-estar (WHO-5) e 3) Escala de Bem-estar Psicológico. |
9. Social Factors of Mental Well-Being Violation among High School Teachers (Rogach et al., 2017) | Transversal, quantitativo; 295 docentes do ensino superior na Rússia. | Questionário adaptado pelos autores. |
10. Bem-estar no ambiente de trabalho em escolas de enfermagem brasileiras (Luz et al., 2019) | Exploratório - Revisão Sistemática; 32 publicações de 1997 a 2016, docentes do ensino infantil ao superior. | Bases: BVS, Cochrane, ERIC, PubMED, SciELO, Science Direct, Scopus e Web of Science. |
11. Working conditions and the meaning of the academic profession in Colombian university professors (Romero-Caraballo, 2019) | Transversal, quantitativo; 160 docentes do ensino superior da Colômbia. | 1) QPW-5 -questionário sobre qualidade da vida laboral, 2) Inventário de Burnout de Maslach, 3) Escala de Engagement |
12. Cultura organizacional, coping e bem-estar subjetivo: um estudo com professores de universidades brasileiras (S. V. M. Santos, et al., 2019) | Transversal, quantitativo; 69 docentes de ensino superior do Brasil. | 1) Escala Bem-Estar Trabalho, 2) Escala Suporte Organizacional Percebido e 3) Escala de Oportunidades do Trabalho |
13. What Makes Teachers Well? A Mixed-Methods Study of Special Education Teacher Well-Being (Fox et al., 2020) | Longitudinal, quanti-qualitativo; 29 docentes do ensino secundário - 9° ao 12° ano (fundamental) dos EUA. | 1) The Teacher Well-Being Scale (Collie et al., 2015) e 2) Questionário Bem-Estar Subjetivo docente (Renshaw et al., 2015); 3) Grupo focal e entrevistas. |
14. Professor sem estresse: proposta de bem-estar na rede pública de ensino (Guterres, 2020) | Transversal, quanti-qualitativo: 03 estudos: 1) 72 docentes; 2) 17 docentes; 4) 54 docentes, do ensino fundamental no Brasil. | 1) Escala de Motivação Docente; 2) Inventário Beck de Depressão; 3) Questionário sobre o Programa de Bem-estar. |
15. A Close Look at Teachers' Lives: Caring for the Well-Being of Elementary Teachers in the US (Kaynak, 2020) | Transversal, qualitativo; 9 docentes do ensino secundário (fundamental) dos EUA. | Questionários, redação de diários de professores e entrevistas com professores. |
16. Responding to research: An interview study of the teacher wellbeing support being offered in ten English schools (Manning et al., 2020) | Transversal, qualitativo; 15 docentes do ensino primário e secundário (fundamental e médio) na Inglaterra. | Entrevistas semiestruturadas. |
17. Calidad de vida laboraly estrategias de mejora del trabajo de la enfermería docente (Parra-Giordano et al., 2020) | Transversal, qualitativo; 17 docentes do ensino superior do Chile. | Entrevistas semiestruturadas e grupo focal |
Estudo | Tipo de Estudo/Amostra/Local | Instrumentos de Coleta |
---|---|---|
18. Bem-estar subjetivo e comprometimento com a carreira: examinando suas relações entre professores de Ensino Superior (Andrade et al., 2013). | Transversal, quantitativo; 551 docentes do ensino superior do Brasil | 1)Escala de Comprometimento com a Carreira de Carson e Bedeian (1994); 2) Escala de comprometimento ocupacional de Blau (1985); 3) Escala de Bem-Estar Subjetivo de Albuquerque e Tróccoli (2004). |
19. Bem-estar do trabalhador docente em Educação Física ao longo da carreira (Both et al., 2013). | Transversal, quantitativo; 1.645 docentes do ensino superior no Brasil | 1)Escala de Avaliação da Qualidade de Vida no Trabalho (QVT-PEF) e 2)Perfil do Estilo de Vida Individual (PEVI). |
20. Bem-estar no trabalho: diagnóstico entre docentes da educação técnica profissional em saúde da UFRN (M. L. B. Souza, 2017). | Pesquisa de campo, exploratória, transversal, quantitativa; 19 docentes de curso técnico no Brasil. | IBET-13 (Inventário de Bem-estar no Trabalho), constituído por três escalas: satisfação no trabalho (ST), envolvimento com o trabalho (ET) e comprometimento organizacional afetivo (COA) |
21. Psychological Wellbeing of University Teachers in Pakistan (Akram, 2019). | Transversal, quantitativo; 437 docentes do ensino superior no Paquistão. | Escala de Bem-Estar Psicológico (Akin, 2012). |
22. Competência emocional em professores e sua relação com tempo de docência e satisfação com o trabalho (Trevizani & Marin, 2020). | Transversal, quantitativo; 53 docentes do ensino fundamental do Brasil. | 1) Inventário de Competências Emocionais e 2) Questionário de Satisfação no Trabalho. |
Os estudos foram agrupados em duas categorias de acordo com o foco abordado em cada estudo: 1) Relações entre bem-estar docente e fatores do contexto laboral (Tabela 2) e 2) Bem-estar docente ao longo da carreira (Tabela 3), visando ao melhor mapeamento, detalhamento dos resultados e discussão dos achados.
Relações entre Bem-Estar Docente e Fatores do Contexto Laboral
O ambiente escolar foi avaliado pelos estudos como fator importante na análise do bem-estar do professor, mostrando-se pertinentes as avaliações das condições laborais para a prevenção de riscos e adoção de ações adequadas à proteção da saúde mental do docente e da qualidade de vida no trabalho (Biagi, 2017; Parra-Giordano, Felli, Fernández, Pinto-Gallegüillos, & Malabrigo, 2020; Romero-Caraballo, 2019; S. V. M. Santos et al., 2019). Os estudos, embora realizados em contextos diferentes, envolvendo pesquisas em países desenvolvidos ou em desenvolvimento com professores de escolas públicas e privadas, dos segmentos da Educação Básica (infantil, fundamental, médio e técnico) e da Educação Superior, o contexto escolar, apresentado de forma integral nos seus aspectos estrutural, cultural e social, foi descrito como capaz de interferir na percepção de bem-estar dos professores.
Dentre os principais fatores ambientais de influência negativa no bem-estar docente destacaram-se: remuneração (Biagi, 2017; Cacciari, 2015; Fox, Tuckwiller, Kutscher, & Walter, 2020; Guterres, 2020; Metz, 2015; J. C. Silva, 2015), instabilidade decorrente da temporalidade do vínculo contratual (Parra-Giordano et al., 2020; Rogach, Ryabova, & Frolova 2017; Romero-Caraballo, 2019), sobrecarga nas tarefas a serem realizadas (Fox et al., 2020; Kaynak, 2020; Luz et al., 2019; Manning, Brock, & Towers, 2020; Nunes, Hutz, Pires, & Oliveira, 2014; Parra-Giordano et al., 2020; Rogach et al., 2017; Romero-Caraballo, 2019; Silveira et al., 2017), número excessivo de alunos por classe e o mau comportamento deles (Biagi, 2017; Kaynak, 2020; Luz et al., 2019), falta de apoio da instituição/gestão ou de autonomia no trabalho (Kaynak, 2020; Manning et al., 2020; Metz, 2015; Rogach et al., 2017; D. L. Santos, 2012; J. C. Silva, 2015), falta de acesso a equipamentos/materiais ou infraestrutura inadequada à modernização (Biagi 2017; Metz, 2015; G. B. Santos, 2013) e a existencia de conflitos (Rogach et al., 2017).
Em relação aos fatores ambientais que se associaram positivamente ao bem-estar, os estudos indicaram os relacionamentos e interações positivas no trabalho (Fox et al., 2020; Metz, 2015; Parra-Giordano et al., 2020; J. C. Silva, 2015; Silveira et al., 2017), bem como o reconhecimento do trabalho docente pela instituição (Kaynak, 2020; Manning et al., 2020; Rogach et al., 2017), colegas, estudantes e pais (Fox et al. 2020; Guterres 2020; Metz 2015; D. L. Santos 2012; G. B. Santos, 2013). Uma cultura organizacional que valorize o profissionalismo cooperativo e práticas de orientação (Fox et al., 2020; Metz, 2015), plano de carreira e estabilidade no vínculo de trabalho (Parra-Giordano et al., 2020; Rogach et al., 2017; Romero-Caraballo, 2019) também são importantes aspectos a serem considerados para incremento dos níveis de bem-estar docente.
No estudo de Parra-Giordano et al. (2020), realizado com docentes do Chile, destacou-se a necessidade de condições ambientais favoráveis, como infraestrutura adequada e relações humanas positivas, para a melhora da qualidade de vida no trabalho, indicando ainda que as gratificações não monetárias decorrentes da docência, como a formação e reconhecimento dos estudantes, permanecem no longo prazo e se mostram como importantes aspectos motivacionais e como incentivo à permanência na docência. A disponibilização ao professor de gabinetes para atendimento aos estudantes, salas de reuniões grupais, espaços de convivência, cantina e criação de instâncias de participação coletiva e diálogo, bem como o estímulo à prática de atividades físicas e alimentação saudável também foram apontados. Por outro lado, a extensão da jornada, ao levar trabalho para casa, juntamente com a remuneração insuficiente, representaram fatores geradores de estresse e desgaste. Fox et al. (2020) também observaram, em estudo longitudinal, que o aumento da demanda de trabalho no fim do ano letivo foi associado a uma maior percepção de estresse e cansaço.
As horas extras e os serviços extraordinários mostraram-se como fatores comuns e potencialmente capazes de atuar na fadiga, no risco de lesões e na motivação do professor (Luz et al., 2019). Segundo Parra-Giordano et al. (2020), a instituição de ensino tem importante papel para a garantida de melhores condições laborais e, em segundo instância, é necessária a participação do professor, como corresponsável pelo seu bem-estar, no implemento de estratégias individuais para equilibrar as tarefas e impor seus próprios limites. Tais achados estão em consonância ao estudo de Romero-Caraballo (2019), no qual se identificou a existência de um sentimento positivo em relação à experiência de trabalhar no campo acadêmico, expressado como satisfação e comprometimento, porém também se verificaram contrapontos negativos representados pela sobrecarga de trabalho e precariedade contratual. Rogach et al. (2017) também destacaram a precariedade ou temporalidade do vínculo contratual como fator negativo ao bem-estar, ao passo que as garantias de longo prazo e a estabilidade no emprego mostraram-se como preditores do bem-estar. O vínculo temporário, segundo as autoras, gera um ambiente de competição e tensão psicológica entre os docentes e prejudica a criação de um compromisso afetivo com a organização e de um espaço de crescimento pessoal e profissional.
Elevadas pressões por produtividade em pesquisa atuaram como determinante negativo do bem-estar no estudo de Nunes et al. (2014), no qual se avaliou o bem-estar de professores e o uso do tempo distribuído entre o trabalho (pesquisa, ensino, extensão, administração e consultoria) e outras áreas da vida (lazer, família e social). Os autores observaram que, quanto maiores os níveis de afeto negativo, menor foi a satisfação com o uso do tempo e maior desequilíbrio no seu uso entre as diferentes áreas da vida. Os motivos da insatisfação com o uso do tempo mais citados foram: o excesso de trabalho, o tempo dedicado ao trabalho que invadiu a vida pessoal, a falta de apoio institucional ou governamental para o seu trabalho, a falta de dinheiro para o lazer e as excessivas demandas de produção. As dificuldades em usar bem o tempo foram relacionadas a fatores institucionais (reuniões não planejadas, desvio das funções atribuídas e infraestrutura deficiente) e também a características pessoais (desorganização, ansiedade, baixa disciplina, dificuldade em impor limites ao trabalho e atribuições de trabalho excessivas). Por outro lado, estratégias para obtenção de maior equilíbrio entre o trabalho e outras áreas da vida se relacionaram a comportamentos facilitadores como: não pensar no trabalho fora da jornada, saber dividir o tempo, definir prioridades e ter atitudes mais flexíveis (Nunes et al., 2014).
Observa-se dos achados que a remuneração, plano de carreira e estabilidade no vínculo empregatício, disponibilização de infraestrutura, materiais, recursos e carga de trabalho excessiva mostram-se como fatores interligados e refletem a percepção de necessidade de valorização da docência. A docência tem sido avaliada como pouco valorizada quando comparada a outras profissões para as quais se exigem as mesmas habilidades acadêmicas ou até mesmo perante àquelas em que não se requer certificados acadêmicos e, adicionando-se ao quadro de precarização da educação e da docência ao longo do tempo, ao mesmo tempo em que há a intensificação das atividades laborais dos professores acaba por impelir o docente ao acúmulo de cargos fora da carreira ou a assunção excessiva de carga horária (Barbosa, 2011). Tal situação, portanto, apresenta potencial fator gerador de estresse, desgaste, esgotamento e, por consequência, de geração de mal-estar docente, podendo afetar a motivação e levar a um quadro de fechamento à mudança, inovação e instrução, bem como de frustração, alienação e baixo desempenho (Guterres, 2020).
A valorização dos professores é importante e defendida pela UNESCO (2008), devendo a remuneração refletir a importância da educação e do professor para a sociedade. Assegurar razoável nível de vida, de forma a permitir aprimoramento profissional e cultural, levando em conta a experiência, qualificação e responsabilidade da função, são fatores que permitem aos professores desfrutarem de condição justa, com o devido respeito público pela profissão (Barbosa 2011). Alcançado esse patamar e garantida a devida valorização ao professor, insta considerar que a associação do bem-estar com a renda é apontada pelos estudos, entretanto, a relação entre as duas variáveis é intrincada, uma vez que aumentos consideráveis de salário não correspondem a aumentos de bem-estar na mesma proporção, pois, segundo Diener e Seligman (2004), o contexto em que a renda é vivenciada, incluindo a ideologia, os desejos e valores materiais das pessoas, moderam seus efeitos sobre o bem-estar. Explicam os autores que as correlações entre renda e bem-estar se mostram mais fortes nas sociedades mais pobres, sendo relevante considerar que um maior valor atribuído ao dinheiro ou às aspirações materiais pode levar a um menor bem-estar pela subestimação da importância das relações sociais (Diener & Seligman, 2004).
Outro aspecto do contexto do trabalho docente, mais especificamente a cultura organizacional, foi objeto do estudo de Mendonça, Ferreira, Caetano e Torres (2014) com professores de universidades das cinco regiões do Brasil. Observaram que, quanto maior a percepção de uma cultura organizacional focada nos valores do profissionalismo cooperativo e voltada para práticas de orientação, iniciativa e formalização (regras definidas e necessárias à boa gestão), maior foi a experiência de afeto positivo e menor a de afeto negativo. De forma oposta, quanto maior a percepção de valores de profissionalismo competitivo, maior foi a experiência de afetos negativos. E, ainda, quanto maior foco nos valores do profissionalismo cooperativo, maior foi a utilização de estratégias de coping de manejo dos sintomas e de controle, enquanto numa cultura com ênfase à competição, mais estratégias de esquiva foram utilizadas, indicando o papel mediador do coping de manejo de sintomas entre as práticas da cultura organizacional e o bem-estar, ao propiciar maior vivência de experiências afetivas positivas (Mendonça et al., 2014).
A relevância da cultura organizacional já foi destacada por (Peterson & Wilson 2002), em seu modelo saúde-trabalho-cultura, como causa primária da saúde no trabalho, na medida em que valores e práticas organizacionais se associam a experiências afetivas no trabalho. Nessa linha, considerando o apontando por Kuppens, Realo e Diener (2008) no sentido de que a satisfação com a vida não inclui a competição entre os pares no contexto de trabalho, importante se mostra uma cultura voltada à cooperação. Adicionalmente, a qualidade das relações sociais, se mostra crucial ao bem-estar, uma vez que, as pessoas precisam de relacionamentos positivos, de apoio e de pertencimento social, bem como de laços sociais de compromisso (relações sociais de alta qualidade) para experimentar o bem-estar, evidenciando ainda que altos níveis de bem-estar podem estimular relacionamentos sociais positivos (Diener & Seligman, 2004; Diener et al., 2018). Embora as pessoas tenham emoções ligeiramente mais negativas em situações sociais do que não sociais, segundo Diener e Seligman, (2004), o afeto positivo é substancialmente maior, em média, em situações sociais, ressaltando que receber apoio para lidar com demandas estressoras é tão importante quanto oferecer apoio a outras pessoas.
O ambiente escolar foi descrito por Luz et al. (2019) como um dos contextos de trabalho mais expostos a conflitos e a profissão docente apontada como uma das mais difíceis, desafiadoras, estressoras e potencialmente expostas a fatores de risco à saúde no mundo. Experiências de vandalismo, ameaças ou violência por parte de estudantes ou pais são frequentemente vivenciadas pelos docentes, gerando efeitos comprometedores do bem-estar e da qualidade de vida laboral, ensejando muitas vezes o apoio institucional (Luz et al., 2019). Por outro lado, os relacionamentos positivos na ação docente, caracterizados pelas experiências de convívio agradáveis com os pares, estudantes e com os líderes, bem como a existência de um espaço para realização/expressividade, se mostraram como capazes de influenciar positivamente o bem-estar do professor. As interações positivas, ao conferir oportunidade para inovações, demonstração de habilidades e participação na gestão de mudanças, relacionam-se à melhoria do desempenho do professor e à sua percepção de bem-estar (Kaynak, 2020; S. V. M. Santos et al., 2019).
A presença de apoio social da chefia e dos colegas de trabalhos se mostrou importante para o bem-estar docente, sendo também desejável, conforme observou G. B. Santos (2013), uma postura de controle pelo gestor. Um elevado controle pelo gestor referido pelos professores favoreceu a manutenção dos níveis de bem-estar, mesmo diante da percepção de alta demanda de trabalho. Explicou o autor que o controle, ao se relacionar a um sentimento de desafio e de natureza motivacional, atua como efeito atenuador sobre as exigências no trabalho e sua falta pode elevar o risco de insatisfação e sintomas depressivos, confirmando estudos anteriores nesse sentido. Apesar do controle ser desejável, um perfil de gestor adequado é apontado por J. C. Silva (2015) e D. L. Santos (2012) como sendo aquele que se importa com o outro (liderança transformacional), capaz de ouvir e incentivar a participação dialógica. Além disso, atitudes como elogiar e favorecer oportunidades de socialização de habilidades são importantes para desenvolvimento da autoestima e autoimagem, podendo, nesse sentido, o gestor influenciar nos aspectos físicos, emocionais e intelectuais dos professores (J. C. Silva, 2015). Por outro lado, tanto a atividade de gestão quanto a docência se configuram como funções com sobrecarga de trabalho, de forma que um clima cooperativo com o compartilhamento de tarefas entre gestor e docente e a assunção de responsabilidade pelo gestor quando lhe compete permitem a criação de um clima organizacional mais saudável (J. C. Silva, 2015).
Também como relevante elemento de composição do bem-estar docente, Metz (2015) destacou o alcance dos resultados no trabalho. A autora defende que, uma vez que o aprendizado dos estudantes se mostra como fator motivacional e reflete na vivência de emoções positivas no ambiente acadêmico, o desempenho dos estudantes repercute no bem-estar do professor. Uma maior atribuição de valor ao aprendizado do estudante e às percepções vocacionais da profissão puderam superar sentimentos de insatisfação com a remuneração, os quais não se mostraram como empecilho ao engajamento na tarefa de ensinar, fazendo prevalecer a maior manifestação de sentimentos de animação, interesse, paixão e engajamento.
O bem-estar docente foi também associado a condições físicas e esforços realizados no trabalho, sendo as posturas incômodas e inadequadas do corpo, como permanecer por longos períodos em pé ou corrigindo trabalhos, apontados como fatores de desgaste e dor lombar, enquanto o barulho excessivo e a necessidade de aumento da voz indicados como causas de disfonia e condições inflamatórias (faringite, amigdalite) (Luz et al., 2019). Exercícios físicos regulares e ergonomia no trabalho são aconselhados para redução das dores corporais (Luz et al. 2019) e, nessa linha, Guterres (2020), ao aplicar um programa para desenvolvimento de bem-estar físico e mental de docentes, identificou que as atividades realizadas (alongamento, recreação, dança, palestras, debates sobre espiritualidade e equilíbrio entre a vida profissional e pessoal) foram avaliadas positivamente quanto ao aumento do bem-estar subjetivo, especialmente para o desenvolvimento de momentos de interação social e vivência de emoções positivas, sugerindo sua utilização para melhora da autoestima e redução da ansiedade.
Por outro lado, no estudo de Manning et al. (2020), realizado em dez escolas na Inglaterra, cuja agenda de bem-estar já havia sido instituída há alguns anos, foram observadas diferenças quanto ao bem-estar docente conforme as ações realizadas. Num primeiro modelo, caracterizado por atividades que aumentavam o bem-estar temporariamente - "semanas de bem-estar" (ioga, pilates, massagens, aulas de artes e eventos esportivos), os professores e diretores, no geral, manifestaram que tais ações seriam bem-vindas se viessem acompanhadas de alterações estruturais e sistêmicas. Num segundo modelo em que foram feitas mudanças estruturais nos sistemas escolares como: ações direcionadas à valorização do professor com redução/eliminação de práticas de monitoramento (limitantes da autonomia dos professores junto aos estudantes), mudança das políticas de avaliação dos professores, remoção da prática de observação dos docentes em sala de aula e criação de uma cultura organizacional baseada na confiança que permitisse que as decisões tomadas pela gestão fossem bem compreendidas e percebidas pela racionalidade, foram identificadas como fatores que atuaram positivamente para o aumento do bem-estar de longo prazo. Assim, embora as atividades para promoção de bem-estar temporário possam ser úteis para estabelecer momentos de experiências positivas e de interação social, tais atividades, por si sós, podem causar mais irritação em vez de gratidão na equipe, devendo ser conjugadas às medidas estruturais e desenvolvidas conforme as necessidades de cada escola. Ressaltaram também os autores que pequenas mudanças, como alterações nos horários de trabalho e redução na carga de trabalho que resultem em maiores liberdades para os professores, bem como um planejamento antecipado de calendário de reuniões, mostram-se como medidas promotoras de bem-estar docente.
Bem-Estar Docente ao Longo da Carreira
O desenvolvimento profissional docente, segundo Huberman (1995) e Burden (1990), compreende momentos distintos na carreira, nos quais o comportamento, as crenças, as competências emocionais e os valores pessoais podem sofrer mudanças e repercutir no âmbito pessoal e profissional dos professores. Nessa linha, possíveis relações dessas mudanças ao longo da carreira do professor, especialmente quanto às variáveis comprometimento/compromisso e ligação afetiva com o local de trabalho foram objetos dos estudos de Andrade, Fernandes e Bastos, (2013) e M. L. B. Souza (2017), tendo Trevizani e Marin (2020) investigado sua relação com a competência emocional, enquanto Akram (2019) e Both, Nascimento, Sonoo e Borgatto (2013) avaliaram a associação do estilo de vida e satisfação no trabalho em relação às fases da carreira docente. A Tabela 3 apresenta os principais dados dos estudos desta categoria:
A investigação realizada por Both et al. (2013), tendo por base os Ciclos de Desenvolvimento Profissional - CDP de Huberman (1995), considerou quatro ciclos ou fases na carreira vivenciados por professores de Educação Física: Entrada (0 a 4 anos: saída da formação inicial e entrada no mercado de trabalho); Consolidação (5 a 9 anos: maior confiança no conhecimento pedagógico e curricular); Diversificação (10 a 19 anos: maior segurança e busca por novas experiências) e Estabilização (acima de 20 anos: próximo à aposentadoria). Observaram, na pesquisa realizada com 1.645 professores, que no ciclo de Consolidação começam a ocorrer importantes mudanças pessoais e profissionais na carreira do professor e, no ciclo seguinte de Diversificação, ocorre a solidificação dessas mudanças como: realização de pós-graduação, aumento significativo da carga horária e assunção de dois ou mais empregos. Identificaram que o tempo equilibrado entre o lazer e as atividades laborais e a satisfação no trabalho apresentaram forte relação com os Ciclos de Desenvolvimento Profissional, uma vez que, com o passar dos anos de docência, aumentou a percepção de maior carga de trabalho e os professores mais experientes demonstraram maior desgaste. Os docentes do ciclo de Diversificação mostraram-se mais insatisfeitos quanto às condições de trabalho quando comparados aos professores do ciclo de Consolidação, indicando que o pluriemprego presente na fase de Diversificação e o conhecimento de outras realidades de trabalho podem influenciar a percepção de que as condições de trabalho nas escolas públicas estivessem defasadas. Por sua vez, no ciclo Estabilização, os professores, por se encontrarem em processo de afastamento gradual da ação docente, não apontaram as condições do trabalho como necessárias para assegurar qualidade de ensino, estando mais satisfeitos neste ponto.
No tocante à autonomia no trabalho pedagógico, maior insatisfação foi manifestada pelos professores do ciclo Estabilização o que pode refletir, segundo Both et al. (2013), uma maior resistência dos professores do final de carreira à cobrança frequente de planejamentos e relatórios. E, em relação ao estilo de vida, observaram que os docentes do ciclo de Entrada possuem comportamentos mais positivos quanto à realização de atividade física e relacionamentos, por outro lado, o melhor comportamento alimentar foi dos professores mais experientes, sendo tais aspectos considerados relevantes para avaliação das ações direcionadas à melhoria do bem-estar de acordo com os diferentes ciclos de desenvolvimento (Both et al., 2013).
Também foi identificado que o comprometimento com a carreira, representado pelo vínculo do professor com o trabalho, associado ao vínculo afetivo com a organização, pode gerar padrões de comportamento que diferenciam os indivíduos em termos de empenho, dedicação e bem-estar (Andrade et al., 2013; M. L. B. Souza, 2017). A presença do comprometimento com a carreira influencia positivamente o bem-estar (M. L. B. Souza, 2017), assim como a resiliência, relacionando-se à maior frequência de afetos positivos e níveis mais altos de satisfação com a vida, ressaltando que o planejamento de carreira requer qualificação para assumir papéis na profissão além de esforços para crescer e desenvolver-se. A identidade com a carreira leva ao sentimento de conforto e segurança na profissão e o autodesenvolvimento fortalece o vínculo do trabalhador com a sua carreira, concretizando as escolhas, o senso de realização e bem-estar (Andrade et al., 2013).
A influência do tempo de docência também foi objeto do estudo Trevizani e Marin (2020), no qual foi apontado que professores com dez ou mais anos de trabalho possuíam maior satisfação intrínseca ao trabalho, associada ao prazer e gosto pela docência, atribuição ao trabalho como um espaço de afirmação, realização e desenvolvimento que se assegura ao longo do tempo. Os professores com pós-graduação, que dispensaram maior tempo para o seu desenvolvimento profissional também se apresentavam mais satisfeitos. Aqueles docentes que trabalhavam 40 horas ou mais por semana tiveram maior fator geral de competências emocionais e maiores níveis de percepção de emoções, bem como maior satisfação intrínseca do trabalho, indicando que um maior investimento de tempo, dedicação e maior tempo de experiência docente, ao permitir vivenciar e enfrentar várias demandas ao longo da carreira, possibilitam o desenvolvimento emocional. Também nessa linha, a progressão na carreira e a designação para funções mais altas se relacionou a maior nível de bem-estar no estudo realizado por Akram (2019), sugerindo que a assunção de funções com maior autonomia, pela oportunidade de crescimento na carreira e com atividades de maior responsabilidade, além do recebimento de maior remuneração, se relaciona a maiores níveis de satisfação no trabalho, condizente como uma vida com mais significado.
O papel do trabalho como um espaço de realização e expressividade (Akram, 2019; Andrade et al., 2013; Trevizani & Marin, 2020), se alinha à visão eudaimônica do bem-estar (Keyes et al., 2002; Ryff, 2018) e à concepção de bem-estar no trabalho de Paschoal e Tamayo (2008) quando defendem que as oportunidades no trabalho fornecem meios para o alcance dos valores pessoais que expressam interesses individuais como a autopromoção, expressividade pessoal e desenvolvimento de potenciais. Há ainda que se observar que referidas oportunidades refletem na vivência de afetos, emoções positivas e na satisfação (Diener et al., 2018), revelando-se importantes, segundo Bandura (1997), o agenciamento e a autorregulação de pensamentos, emoções e comportamentos para atingimento dos resultados e da realização profissional.
Considerações Finais
A partir do estudo realizado foi possível identificar uma variedade de fatores ambientais associados à ação docente capazes de impactar a percepção do bem-estar pelo professor, na medida em que permitem uma maior ou menor vivência de afetos positivos ou negativos, além de relacionarem à realização pessoal e satisfação no trabalho. A criação de um ambiente de trabalho positivo que estimule a vivência do bem-estar pelo professor é importante e requer, além da mitigação dos fatores estressores e de um olhar direcionado à valorização da profissão, a construção de uma cultura organizacional de colaboração e apoio que oportunize ao docente o estabelecimento de um vínculo afetivo com o trabalho e maior engajamento, bem como o estimule a buscar, ao longo da carreira, o autodesenvolvimento, a realização e a percepção da identidade com a profissão.
O estudo fornece subsídios a ações gerenciais e a pesquisas futuras. Como limitação, cabe citar que a maioria dos estudos analisados se concentrou no ensino superior quando comparada, individualmente, ao número de estudos do ensino infantil, fundamental, médio e técnico.