De acordo com o censo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) em 2019, o número de docentes na educação superior no Brasil era de 386.073, tendo uma concentração maior na rede privada (54,31%). Além disso, a pesquisa mostra que o número de docentes que trabalham em tempo integral na rede pública aumentou 56,6% entre 2009 e 2019 (INEP, 2019). Desse modo, os docentes vêm experimentando alterações no tempo de trabalho em instituições de ensino superior, sendo que o aumento da jornada de trabalho muitas vezes emerge a ideia de que estes devem ser "mais produtivos" (Vosgerau, Orlando, & Meyer, 2017).
Nesse sentido, considerando o projeto de processo de desmonte das universidades públicas, precariedade nas condições de trabalho e retrocesso nos direitos dos docentes, o trabalho na docência se intensifica, e esse novo cenário acaba exigindo dos professores o prolongamento da carga horária e/ou aumento de produtividade (Queiróz & Emiliano, 2020). As exigências do sistema educacional tornam-se cada vez mais desafiadoras e com frequência requerem uma reorganização do indivíduo, o que torna a vida universitária muitas vezes uma fonte de estresse (Eppelmann et al., 2016).
A competitividade e a exigência em resultados e desempenho no âmbito socioeconômico tornaram-se mais intensas, uma vez que a demanda por serviços de alta qualidade aumentou consideradamente com a globalização. Nesse sentido, trabalhadores são expostos ao estresse e burnout, apresentando-se vulneráveis a riscos à saúde ocupacional (Moueleu Ngalagou et al., 2019). A síndrome de burnout, considerada a síndrome de esgotamento profissional, trata-se de uma doença que afeta majoritariamente os profissionais em seus contextos laborais, tendo como consequência o desenvolvimento de doenças crónicas e desgaste mental e físico (Lopez de la Cruz & Ventura, 2019).
Estudo realizado por Moueleu Ngalagou et al. (2019) com 303 docentes universitários identificou que 55,4% afetados por burnout são professores do início de carreira. Além disso, os resultados apontaram uma associação significativa de burnout com o salário insatisfatório, trabalho extenuante e estressante, más condições de trabalho, tempo de trabalho parcial em instituições privadas, menos tempo de lazer no final de semana e sedentarismo.
Diante da pandemia de COVID-19, fatores como privações da vida social, mudanças na rotina de trabalho como as aulas à distância, remotas e/ou híbridas e o uso de tecnologias digitais de informação e comunicação têm gerado estresse nos docentes (Araujo, Amato, Martins, Eliseo, & Silveira, 2020; Feng, Hu, Fan, & Yu, 2020). Segundo Queiróz e Emiliano (2020), o novo modelo adotado pela universidade para avaliar e medir a produtividade da classe docente baseado na quantidade de artigos publicados, aulas e projetos de extensão e pesquisa, acaba pressionando o profissional pela produção intelectual. Desse modo, tanto o aumento da jornada de trabalho como a exigência por produções são fatores desgastantes, o que pode proporcionar experiências estressantes ao docente.
O estresse acadêmico é desenvolvido no campo educacional, e pode ocasionar um sofrimento ao sujeito, tais como prejuízos no estado emocional, nas relações interpessoais e na saúde física (Manrique-Millones, Millones-Rivalles, & Manrique-Pino, 2019). Desse modo, o estresse acadêmico surge a partir das respostas a estímulos e eventos acadêmicos que ativam aspectos fisiológicos, comportamentais, cognitivos e emocionais (García & Zea, 2011). Portanto, o estresse pode ocasionar sintomas físicos que afetam negativamente o desempenho dos docentes em suas atividades acadêmicas, gerando cansaço, desconforto e dificuldade em manter uma vida saudável, podendo desencadear problemas de saúde, emocionais e interpessoais (Lazari & Codinhoto, 2016; Petto et al., 2017).
O estresse quando não gerenciado dificulta na capacidade de desempenho das funções de trabalho e na construção de relacionamentos positivos concernentes ao seu papel (Berkowitz, Moore, Astor, & Benbenishty, 2016; Cancio et al., 2018). De acordo com Lazarus (2000), a forma como o indivíduo se relaciona com o ambiente estressor é o que define a sua manifestação ao estresse. Assim, segundo o modelo interacionista pressuposto por Folkman e Lazarus (1984), o estresse é o resultado da relação do indivíduo-ambiente.
Perante o exposto, criar estratégias de enfrentamento frente às fontes de estresse no contexto acadêmico e elaborar práticas interventivas poderá promover uma melhor qualidade de vida aos professores universitários. A aplicação de instrumentos que apresentem propriedades psicométricas é uma das estratégias utilizadas para investigar fenômenos como o estresse (França & Dias, 2021). Sendo assim, foi feita uma busca por estudos publicados nos últimos dez anos (2010-2020) que utilizassem instrumentos psicométricos na temática abordada, foram consultadas as seguintes bases de dados IndexPsi, LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde), Portal de Periódicos CAPES, PePSIC (Periódicos Eletrónicos de Psicologia), PsycINFO (American Psychological Association- APA) e SciELO (Scientific Electronic Library Online), utilizando as palavras-chave: "estresse", "universidade", "instrumentos", "escala", "questionário", "teste" e "inventário", com os operadores booleanos "and" e "or".
Após a busca e aplicação de critérios de seleção pré-estabelecidos pelo método PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses) (MOHER et al., 2009), pode-se constatar que no Brasil há uma escassez de instrumentos psicométricos direcionados aos professores universitários, visto que foi obtido um resultado de 16 instrumentos para o público universitário, destes, apenas dois foram elaborados/adaptados com amostra docente (Catano et al., 2010; Reis, Hino, & Rodriguez -Añez, 2010). Para realizar essa busca, optou-se incluir artigos que utilizaram instrumentos com alguma evidência psicométrica (validade e/ou fidedignidade) para avaliar o construto "estresse"; exclusão de estudos que não contemplaram em sua amostra de forma clara, professores e estudantes universitários (graduação e pós-graduação stricto sensu); estudos que apresentaram duplicatas entre as bases consultadas; artigos de revisão sistemática, teses e dissertações e estudos com método de pesquisa qualitativa. Vale ressaltar que durante as buscas, a Escala de Estresse no Trabalho (EET, Paschoal & Tamayo, 2004) foi a mais citada ao que se refere à avaliação do estresse ocupacional. Outros instrumentos muito utilizados são a escala de Estresse Percebido (Reis et al., 2010) e o Inventário de Stress em Adultos (Lipp, 2003). Contudo, esses instrumentos avaliam aspectos gerais do estresse, sem dar ênfase a fatores estressores em contextos específicos, como o acadêmico. Em contrapartida, existem alguns instrumentos psicométricos que avaliam o estresse acadêmico no contexto brasileiro, porém são direcionados aos estudantes universitários (França & Dias, 2021; Freires, Sousa, Loureto, Monteiro, & Gouveia, 2018; Souza Filho & Câmara, 2020). Tais instrumentos apresentam itens de difícil generalização à realidade dos docentes.
Diante de poucos instrumentos psicométricos disponíveis na literatura em relação à temática em questão, considera-se relevante propor um que avalie o estresse no contexto docente. Nesta direção, optou-se por realizar uma adaptação da Escala de Estresse Acadêmico (EEA, Freires et al., 2018). Considera-se que a EEA é o instrumento que melhor aborda o tema deste estudo e que obteve melhores evidências de qualidade psicométrica no contexto brasileiro para avaliar o estresse acadêmico, sendo essa uma característica de atual interesse e, portanto, levada em consideração na seleção do instrumento. Este instrumento foi adaptado em uma amostra de estudantes de diversos cursos de graduação, oriundos de uma Instituição de Ensino Superior da região norte. Os resultados apontaram que a escala EEA possui uma estrutura unifatorial com bons índices de consistência interna (alfa de Cronbach =0,88) no estudo de construção. Além disso, apresentou um teste de ajuste da sua estrutura, indicando como adequada e precisa.
Embora o estudo de França e Dias (2021) seja mais recente e tenha adaptado um instrumento transcultural ao contexto brasileiro que mensura o estresse acadêmico em estudantes, este apresenta algumas limitações que devem ser consideradas. Após a etapa de construção do instrumento, os aspectos psicométricos não foram analisados com robustez, sendo assim, o instrumento conta apenas com a Análise Fatorial Exploratória (AFE). Já o instrumento adaptado por Freires et al. (2018) apresenta evidências psicométricas satisfatórias desde o estudo inicial, investigando evidências de validade de construto profundamente, bem como mesclando o uso da Teoria Clássica dos Testes (TCT) com a Teoria de Resposta ao Item (TRI). Deste modo, para o presente estudo, a EEA (Freires et al., 2018) foi escolhida como instrumento para a adaptação o contexto docente.
Portanto, o objetivo do presente estudo é adaptar uma medida de estresse acadêmico direcionado aos professores universitários, bem como avaliar as propriedades psicométricas em relação à sua validade e precisão. Para tanto, foram realizadas duas etapas. A primeira etapa aborda a fase da adaptação do instrumento referente à validação semântica e análise dos índices de consistência interna e análise dos parâmetros de resposta dos itens do instrumento. Além disso, ainda na primeira etapa, procurou conhecer a estrutura fatorial do instrumento. Já a segunda etapa, abarca as análises da validação fatorial do instrumento.
Etapa I- Propriedades Psicométricas Preliminares da Escala de Estresse Acadêmico
Método.
Participantes. Participaram 210 professores universitários de instituições públicas e privadas, com idade variando entre 23 e 69 anos (M = 42; DP = 9,00), sendo a maioria mulheres (61,4%), brancas (61%), casadas (50,5%) e com filhos (57,6%). Contou-se com uma amostra por conveniência e não probabilística. A maior parte dos professores ensinava em mais de uma modalidade (graduação, mestrado e/ou doutorado), sendo majoritariamente na graduação (90,5%), em tempo integral (39%). Além disso, a maioria atua na área de conhecimento em Ciências Humanas (35,7%) e as demais se distribuíram dentre as demais áreas: ciências exatas e da terra, ciências biológicas, engenharias, ciências agrárias, linguística, letras e artes e por fim, ciências sociais aplicadas.
Instrumentos. Para a caracterização da amostra, foi utilizado um questionário sociodemográfico contendo informações como idade, identidade étnico-racial, sexo, estado civil e área de conhecimento. Além disso, os participantes responderam a Escala de Estresse Acadêmico já em sua versão adaptada.
Inicialmente, para checar a pertinência do instrumento adaptado e avaliar a compreensão dos itens pelo público-alvo, foi realizada uma validação semântica. Assim, participaram dessa fase, trinta professores universitários de instituições públicas e privadas. O grupo foi instruído a identificar aspectos relacionados à interpretação e semântica em cada item. Foi disponibilizado um formulário contendo os seguintes pontos: a) clareza dos itens, reportado qualquer item de difícil interpretação e/ou ambíguo; b) compreensão da linguagem utilizada; c) um campo nomeado como "observações" para sugestões, esclarecimentos e/ou apontamentos; e d) análise dos termos utilizados para avaliar o estresse. Posteriormente, chegou-se à adequação e relevância do instrumento de forma sistemática, através de uma validação de conteúdo que contou com a participação cinco juízes experts em avaliação psicológica, com experiência na temática relacionada ao estudo e na construção de instrumento. Esta etapa visava investigar se os itens que compõem o instrumento abordavam aspectos relevantes, claros e pertinentes em relação ao construto. Obteve-se 80% de índice de concordância de maneira geral. Ambas as etapas ocorreram de forma remota, através da plataforma Google Meet.
Sendo assim, foi possível verificar que os resultados da validação semântica e de juízes foram pertinentes, podendo inferir que o instrumento obteve bons indicadores de validade de conteúdo. A escala adaptada manteve a quantidade de itens da original, composta por treze itens com um padrão de resposta de escala Likert que varia de 1 (discordo totalmente) a 5 (concordo totalmente).
Procedimentos de Coleta de Dados e Cuidados Éticos. Após obter a versão final da Escala de Estresse Acadêmico para docentes (EEA-D), realizou-se a coleta de dados para avaliar as propriedades psicométricas. A coleta ocorreu de forma on-line, por meio de um formulário hospedado na plataforma Google Forms contendo a referida escala e um questionário sociodemográfico. A pesquisa foi divulgada nas redes sociais (e.g., Facebook, Instagram) e através de e-mails de professores e coordenações cadastradas nos sites de algumas Instituições de Ensino Superior (IES). O tempo médio para conclusão da pesquisa foi de oito minutos.
Vale ressaltar que os aspectos éticos de pesquisa com seres humanos foram respeitados de acordo com as resoluções do Conselho Nacional de Saúde (CNS) 466/2012 e 510/2016. Foi disponibilizada uma via do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), por meio de um link para download, para os professores que aceitaram participar da pesquisa de forma voluntária, garantindo o anonimato e a integridade dos mesmos. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) sob o Parecer n° 4.469.943.
Procedimentos de Análise dos Dados. Os dados foram analisados por meio do programa R versão 4.1.0 (R Core Team, 2020). Realizou-se a Análise Fatorial Exploratória (AFE) com o intuito de conhecer a estrutura fatorial da Escala de Estresse Acadêmico (EEA-D), aplicando-se o método da análise paralela para extração de fatores (Horn, 1965).
Em relação à consistência interna, foram empregadas as medidas de ômega (Ω) de McDonald e Confiabilidade Composta (C.C), utilizando-se o pacote semTools. De acordo com a literatura, para que o instrumento seja considerado fidedigno, os valores aceitáveis dessas medidas devem ser superiores a 0,60, sendo que os valores acima de 0,70 e 0,80 são considerados bons e excelentes, respectivamente (Hayes & Coutts, 2020; Raykov, 1997). Os parâmetros individuais dos itens da EEA-D foram analisados através da Teoria de Resposta ao Item (TRI), utilizando o modelo de resposta gradual de Samejima (1969) para calcular os índices de discriminação e dificuldade, da qual foi utilizado o pacote mirt (Chalmers, 2012).
De acordo com Pasquali (2020), os índices de discriminação têm uma variação entre 0,01-0,34 (muito baixa), 0,35-0,64 (baixa), 0,65-1,34 (moderada), 1,35-1,69 (alta) e por fim, superior a 1,70 (muito alta). Em relação ao parâmetro de dificuldade, o autor afirma que os valores são distribuídos da seguinte maneira: menor que -1,28 (muito fácil), -1,28 a -0,53 (fácil), -0,53 a 0,52 (moderada), 0,53 a 1,28 (difícil) e acima de 1,28 (muito difícil). O parâmetro discriminativo trata-se da capacidade do item diferenciar professores com diferentes níveis de traço latente. Em relação ao parâmetro de dificuldade, trata-se da probabilidade de o docente responder a uma determinada categoria, no caso, alternativa da questão (1=discordo totalmente a 5=concordo totalmente).
Resultados
Os índices de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,91) e Teste de Esfericidade de Bartlett, χ2(12) = 50,258; p < 0,001 indicaram a fatorabilidade da matriz de correlações policóricas dos itens, sendo, portanto, considerada adequada para efetuar a AFE. Em seguida, a análise paralela foi empregada (Horn, 1965), da qual resultou uma estrutura fatorial em um único fator, tendo explicado 44,3% da variância total.
É possível observar (ver Tabela 1) que as cargas fatoriais dos itens foram todas adequadas, uma vez que apresentaram saturações acima de 0,30, variando entre 0,34 a 0,85. Além disso, os índices de consistência interna foram considerados excelentes (Ω = 0,91; CC = 0,91). Posteriormente, foi conduzida a análise dos parâmetros individuais dos itens por meio da TRI. Os resultados apontaram (ver Tabela 1) que o índice discriminativo da EEA-D foi de moderada a muito alta (M = 1,86; DP = 0,66), sendo que o item 9 (as poucas perspectivas de crescimento na carreira docente têm me deixado angustiado) é menos discriminativo (a = 0,85) em relação ao item 7 (fico de mau humor por me sentir isolado na universidade), com índice discriminativo maior (a = 3,22).
Tabela 1 Estrutura Fatorial e Parâmetros de Reposta dos Itens da EEA-D
Itens | Fator | h2 | a | b1 | b2 | b3 | b4 | bx |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Item 1 | 0,66 | 0,45 | 1,75 | -2,153 | -0,940 | -0,349 | 1,159 | -0,57 |
Item 2 | 0,60 | 0,36 | 1,37 | -2,963 | -1,936 | -1,330 | -0,040 | -1,57 |
Item 3 | 0,51 | 0,27 | 1,24 | -1,584 | 0,045 | 0,849 | 1,917 | 0,31 |
Item 4 | 0,65 | 0,43 | 1,60 | -2,093 | -0,817 | 0,061 | 1,138 | -0,43 |
Item 5 | 0,58 | 0,36 | 1,42 | -1,922 | -1,021 | -0,413 | 0,708 | -0,66 |
Item 6 | 0,70 | 0,46 | 2,10 | -2,308 | -1,172 | -0,763 | 0,208 | -1,01 |
Item 7 | 0,85 | 0,71 | 3,22 | -1,189 | -0,532 | 0,000 | 0,970 | -0,19 |
Item 8 | 0,77 | 0,59 | 2,27 | -1,674 | -0,782 | -0,236 | 0,718 | -0,49 |
Item 9 | 0,34 | 0,12 | 0,85 | -4,777 | -3,666 | -2,792 | -1,021 | -3,06 |
Item 10 | 0,67 | 0,46 | 1,81 | -1,870 | -1,023 | -0,274 | 0,573 | -0,65 |
Item 11 | 0,72 | 0,53 | 2,03 | -1,603 | -0,892 | -0,050 | 0,832 | -0,43 |
Item 12 | 0,81 | 0,65 | 2,89 | -1,587 | -0,821 | -0,288 | 0,480 | -0,55 |
Item 13 | 0,63 | 0,40 | 1,60 | -2,370 | -1,489 | -0,850 | 0,221 | -1,12 |
Valor Próprio | 5,76 | |||||||
Variância explicada | 44,3% | |||||||
Q de McDonald | 0,91 | |||||||
Confiabilidade Composta | 0,91 |
Nota. h2=comunalidade; a =parâmetro de discriminação; bx =parâmetro de dificuldade
Quanto ao parâmetro de dificuldade, o item que demandou baixos níveis de traço latente aos participantes foi o item 9 (b4 = -3,06; as poucas perspectivas de crescimento na carreira docente têm me deixado angustiado). Já o item 3 foi o que demandou maiores níveis de traço latente (b4 = 0,31; tenho me sentindo incomodado com a falta de confiança do coordenador sobre os meus trabalhos). Em suma, os itens foram considerados de fáceis a moderados. Acrescenta-se, ainda, que através da Curva de Informação dos itens (ver Figura 1), é possível observar que eles são capazes de capturar informação numa região bastante ampla de theta em um intervalo de traço latente entre -4 e 2,4.
Etapa II- Propriedades Psicométricas Confirmatorias da EEA-D
Método.
Participantes. Participaram do segundo estudo uma amostra de 257 professores universitários de instituições públicas e privadas do Brasil, sendo a maioria do Nordeste (44,4%), com idade média de 45,41 anos (DP = 11,02), variando entre 29 e 74 anos. A maior parte da amostra foi de mulheres (58,4%), brancas (72,0%), casadas (54,1%), e com filhos (59,1%). A maioria dos professores concentravam suas atividades na modalidade da graduação (49,8%) e as áreas de conhecimento mais presentes foram Ciências Biológicas (21,8%), Ciências Sociais Aplicadas (16,0%) e Ciências Humanas (12,1%). Tratou-se de uma amostra não probabilística, com coleta de dados por conveniência.
Instrumentos. Foi aplicada a Escala de Estresse Acadêmico em sua versão final e um questionário sociodemográfico. Os procedimentos da coleta de dados seguidos nessa etapa também foram os mesmos descritos na Etapa I, considerando os mesmos preceitos éticos.
Procedimentos de Análise dos Dados. Nesse momento, a Análise Fatorial Confirmatória (AFC) foi utilizada para testar a estrutura fatorial identificada na Etapa 1. Os mesmos índices de consistência interna da etapa anterior foram utilizados para avaliar o instrumento. O software R versão 3.6.3 foi utilizado para realizar as análises dos dados.
Para comprovar o modelo estrutural do instrumento, realizou-se a Análise Fatorial Confirmatória (AFC) por meio do pacote lavaan (Rosseel, 2012). Para testar os ajustes do modelo, utilizou-se como entrada a matriz de correlação policórica, empregando-se o método Weighted Least Squares Means and Variance Adjusted (WLSMV, Li, 2016). Desse modo, foram analisados os seguintes índices de comprovação: Razão qui-quadrado (χ2/gl) com valor de aceitação entre 2 e 3; Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI) com valor de aceitação maior ou igual a 0,90; Root Mean Square Error Approximation (RMSEA), com valores de aceitação entre 0,05 e 0,08, podendo-se admitir até 0,10 de seu intervalo de confiança; e, por fim, o Standardized Root Mean Square Residual (SRMR) com valor de aceitação abaixo de 0,08 (Brown, 2015; Byrne, 2011; Tabachnick, Fidell, & Ullman, 2007).
Resultados. Em relação à AFC, foram obtidos os seguintes índices: χ2(65)=77,089, χ2/gl = 1,18, CFI = 0,99, TLI = 0,99, SRMR = 0,059 e RMSEA = 0,027 (IC90%=0,000 - 0,0048). Os índices são considerados excelentes, com todos os pesos fatoriais (lambdas) estatisticamente diferentes de zero (λ # 0; t > 1,96, p < 0,05), variando entre o item 9 (λ = 0,545) ao item 7 (λ = 0,825). Esses dados confirmam a estrutura fatorial unidimensional do estudo de construção (Freires et al., 2018).
Os índices de consistência interna do instrumento foram igualmente satisfatórios, sendo o Omega de McDonald (Ω)=0,92 e a Confiabilidade Composta (C.C)=0,92. Sendo assim, o instrumento reúne evidências de validade de construto e precisão, apresentando-se adequado para utilização na avaliação do estresse de professores do ensino superior. A estrutura fatorial e o mapa dos itens do instrumento podem ser observados nas Figuras 2 e 3, respectivamente.
O mapa dos itens, referido na figura 3, reflete a localização dos participantes em função das dificuldades dos itens. Os resultados apontam que os itens 5, 6, 7, 8, 9, 10 e 11 obtiveram limites de categorias de resposta cobrindo bons níveis de traço latente, indicando boa precisão em níveis suaves, moderados e severos de estresse acadêmico em docentes. Além disso, os itens 1, 2, 3 e 4 obtiveram limites negativos apenas, apresentando boa precisão em níveis de estresse acadêmico suaves, enquanto os itens 12 e 13 obtiveram limites positivos apenas, indicando precisão em medições com sujeitos com elevados níveis do traço latente. O resultado indica um panorama positivo do instrumento que reúne indicadores de precisão da medição entre os diferentes níveis de traço latente.
Discussão
O presente estudo teve como objetivo adaptar e avaliar os parâmetros psicométricos da Escala de Estresse Acadêmico no contexto docente (EEA-D). A partir dos resultados, pode-se afirmar que a EEA-D é um instrumento unidimensional, em que foi possível confirmar a sua estrutura fatorial. Em relação à consistência interna, os valores dos índices de McDonald e Confiabilidade Composta foram satisfatórios, indicando que a escala apresenta fidedignidade.
No primeiro momento, buscou-se analisar a estrutura fatorial do instrumento com um método exploratório, a Análise Fatorial Exploratória (AFE) foi escolhida a fim de compor o leque de análises preliminares do instrumento, visto que também foi utilizada no estudo inicial de Freires et al. (2018). Sendo assim, a hipótese inicial foi confirmada, visto que os resultados corroboraram com os do estudo mencionado, atestando assim a natureza unifatorial do instrumento no contexto docente. Os parâmetros de precisão também foram satisfatórios, sendo testados a partir dos coeficientes ômega (Ω=0,91) e de Confiabilidade Composta (C.C.=0,91).
Ainda nas análises preliminares, o instrumento se mostrou adequado também com o uso da Teoria de Resposta ao Item (TRI), que quando investigados os parâmetros de discriminação e dificuldade, foram obtidos resultados satisfatórios. As faixas de discriminação do instrumento foram de média (a = 0,85) a alta (a = 3,22). Sobre o segundo parâmetro, pode-se afirmar que o instrumento possui itens fáceis (b = -3,06) e moderados (b = 0,31). Em geral, pode-se afirmar que o instrumento discrimina sujeitos de níveis de estresse intermediário e alto muito bem, além disso, tem boa amplitude de dificuldade, com itens fáceis (necessita de baixo nível de traço latente para endossar) e moderados (níveis de traço latente moderados para endosso). Por fim, ainda que o instrumento tenha maior precisão de informações em níveis baixos de traço latente, conforme visto na Figura 1 (Curva de informação do instrumento), pode-se considerar boa a amplitude, visto que alcança boa precisão até o nível de theta (traço latente) de +2,4.
A Análise Fatorial Confirmatória (AFC) tem o intuito de confirmar achados anteriormente exploratórios, visto que a estrutura fatorial é escolhida pelo pesquisador, para isso, contou-se com os achados da Etapa 1, utilizando-se, então, a estrutura unifatorial, que foi confirmada a partir dos coeficientes anteriormente descritos. Sendo assim, pode-se inferir que o instrumento proporciona segurança em sua estrutura fatorial, já que esta foi testada de maneira exploratória (a análise extrai a estrutura) e confirmatória (teste da estrutura anteriormente extraída). Os índices de consistência interna também mostram consistência de resultados, já que obtiveram excelentes resultados (ômega = 0,92; CC = 0,92).
No primeiro estudo, o instrumento passou pela técnica de Análise Fatorial Exploratória (AFE), e o resultado da carga fatorial do item 9 foi de 0,34. Já no estudo 2, o instrumento passou pela Análise Fatorial Confirmatoria (AFC), com o item 9 apresentando carga fatorial de 0,54. Sendo assim, considerase que as cargas fatoriais do item 9, por mais que se apresentem como as menores de todo o instrumento nas duas investigações, ainda apresentam indicadores adequados segundo Hair, Black, Babin, Anderson eTatham (2009), que indicam valores entre 0,30 e 0,40 como minimamente adequados e valores acima de 0,50 como significantes.
Sendo assim, a comparação do modelo sem o item 9 não foi realizada, por entender que as cargas fatoriais apresentadas por ele não são inadequadas, entretanto, sugere-se a observação do item em questão em outros estudos, a fim de reunir informações de adequação em outras amostras, além de contar com a exclusão do item 9, se necessário.
Por fim, esse estudo indica que a EEA-D apresenta ótimas evidências de validade e fidedignidade, podendo ser utilizada para medir o Estresse Acadêmico em professores na educação de ensino superior no Brasil. Trata-se de instrumento breve, de fácil uso e aplicação. Quanto à limitação do estudo, por se tratar de uma pesquisa on-line, alguns pontos quanto à seleção e representatividade da amostra como a área de atuação, região e o tipo de universidade (pública ou privada) foram observados, porém, pela natureza da pesquisa (por conveniência e não-probabilística), torna-se restritiva ao generalizar para a população geral brasileira.
Por fim, sugerem-se novos estudos para investigar outras evidências do instrumento que possam ser comparadas com critérios externos de validade, considerando amostras mais heterogêneas em relação ao sexo. Além disso, cabe um novo estudo de normatização e padronização para alcançar a uniformidade do instrumento. Espera-se que a EEA-D possa contribuir em estudos futuros, dos quais os resultados possam contemplar projetos de intervenção no contexto do ensino superior brasileiro, além de ensejar políticas de gestão acadêmica com uma visão voltada à saúde mental e qualidade de vida dos professores universitários.