Introdução
Ao longo da vasta obra do psiquiatra Irvin D. Yalom (1989), é evidente a centralidade atribuída à relação em terapia, escrevendo repetidamente que “é a relação que cura”, o seu “rosário profissional”. Afirma ainda que o terapeuta deve garantir que é bem claro para o paciente que a tarefa primordial é a construção conjunta de uma relação que vai, por si mesma, tornar-se o agente de mudança (Yalom, 2002). De facto, o processo terapêutico é definido exclusivamente em termos interpessoais e o estabelecimento de uma relação autêntica e íntima é considerada condição sine qua non para terapia eficaz (Yalom, 1980).
Carl Rogers (1961) descreve a aliança terapêutica como a relação profissional entre terapeuta e cliente na qual que este último descobre em si a capacidade de usar a relação para crescimento e mudança.
A evidência científica aponta para a aliança terapêutica como o preditor de sucesso mais robusto em psicoterapia (Norcross & Lambert, 2019). Nesse sentido, é necessário pensar a relação para alcançar um bom processo em terapia. Importa compreender o que há de terapêutico na relação e como esta pode ser desenvolvida ou melhorada. Bordin (1994) propôs que o contínuo processo de dano e reparação da relação é o que a fortalece e que, em última instância, permite a mudança do paciente. Spinelli (2015) afirma que é na relação que o paciente se revela e “traz” material para análise. O encontro terapêutico é um microcosmo da vida do paciente. Num clima de segurança e confidencialidade, o paciente expressa a sua visão do mundo e o modo como se relaciona com o outro. Nenhuma escola teórica de psicoterapia demonstrou ser significativamente mais eficaz que qualquer outra, mas é consensual que uma relação terapêutica de qualidade é a base de qualquer processo terapêutico produtivo.
O presente trabalho tem como objetivos descrever a conceptualização de Yalom da relação terapêutica, passando por premissas teóricas e pela materialização da relação em terapia, e sintetizar dados relevantes da investigação empírica que promovam processos de mudança terapêutica com base na relação.
Método
Realizou-se uma revisão narrativa com uma abordagem abrangente e qualitativa das ideias de Yalom sobre relação terapêutica, tendo por base as principais obras teóricas do autor. Os motores de busca Pubmed e Google Scholar foram utilizados para identificar estudos empíricos relevantes e literatura teórica sobre relação terapêutica. Selecionaram-se textos que abordavam diretamente a teoria de Yalom e estudos empíricos sobre a eficácia da relação terapêutica.
Resultado
O estilo de psicoterapia de Yalom pode ser descrito recorrendo a diversos termos: existencial, existencial-humanista, psicodinâmico ou interpessoal. Assim, a relação terapêutica pode ser compreendida à luz de diferentes correntes teóricas que o inspiraram. Antes de mais, importa considerar as ideias de transferência e contratransferência, de aliança terapêutica e de relação real.
Na teoria psicanalítica clássica, a relação terapêutica, especificamente a análise da transferência do cliente para o terapeuta, assume um papel central no trabalho em terapia. Através da transferência, o paciente experiencia sentimentos, atitudes e defesas em relação ao terapeuta que, em bom rigor, pertencem a outras pessoas na vida do paciente. O terapeuta, ele mesmo, deve monitorizar e conter as inevitáveis reações contratransferenciais, trabalhando no sentido de facilitar o reconhecimento do ciclo interpessoal mal adaptativo através de repetidas interpretações da transferência (Greenson, 2018).
O conceito metateórico de “aliança terapêutica” merece um destaque particular, partindo dos seus pressupostos de concordância nos objetivos terapêuticos, clarificação de tarefas e desenvolvimento de vínculo, i.e., uma experiência mútua de confiança, segurança e aceitação (Bordin, 1979). A aliança terapêutica não implica necessariamente uma aceitação mútua imediata de objetivos e tarefas, mas um vínculo forte possibilita a exploração e construção colaborativa do trabalho em terapia. A relação real entre paciente e terapeuta é aquela em que cada um experiencia o outro de forma genuína com benefício terapêutico (Gelso, 2014).
Segundo a teoria das relações de objeto, as relações são o aspeto mais fundamental da vida. A necessidade básica da criança é a segurança, vista como aceitação e aprovação interpessoal. A qualidade da interação com o adulto provedor de segurança determina a sua estrutura de carácter (Yalom, 1980). Essas relações-chave na fase inicial de vida são internalizadas e formam um sentido de self, servindo de molde para a interação com o outro. Em terapia, os pacientes replicariam cenários patológicos dos seus primeiros anos de vida. O terapeuta usa as suas próprias reações emocionais para compreender o impacto no outro da forma habitual do paciente se relacionar (Hill, 2009).
Harry Stack Sullivan (2011) e outros pensadores interpessoais consideravam que as pessoas que vêm à terapia tendem para padrões interpessoais rígidos em que usam os mesmos comportamentos independentemente da pessoa com que interagem, incluindo o terapeuta. O terapeuta deve reconhecer esse padrão e interrompê-lo com uma experiência emocional corretiva. Os neofreudianos, como Sullivan, destacaram a influência do ambiente interpessoal na estruturação de carácter.
O papel do terapeuta é identificar e remover obstáculos. Karen Horney (1950) defende que o ser humano tem uma propensão inata para a autorrealização, para a concretização do seu potencial, desde que as resistências sejam devidamente identificadas e desbloqueadas. Se os obstáculos forem removidos, o indivíduo desenvolve-se num adulto maduro, completamente realizado, “como uma bolota se transforma num carvalho”.
Na psicologia humanista, a relação baseia-se na construção de um vínculo afetivo desenvolvido a partir de algumas atitudes do psicoterapeuta (Fadda & Curry, 2021). Concilia a leitura psicodinâmica do funcionamento psicológico com uma visão mais alargada e ativa do sujeito, onde a intencionalidade e as relações interpessoais passam a ocupar um papel essencial. Carl Rogers (1961) identificou três aspetos fundamentais para a terapia eficaz: empatia, congruência do terapeuta e aceitação incondicional positiva. Sugeriu ainda que as atitudes e a compreensão empática do terapeuta, e não as técnicas, são o fator mais importante para o sucesso terapêutico. A psicologia humanista destaca a soberania da subjetividade e do individualismo, bem como a necessidade da autenticidade e da aceitação em detrimento da adaptação (Cooper, 2003).
Kierkegaard (1983) reclamava a importância do subjetivo para um completo entendimento do ser humano, opondo-se à compreensão impessoal e incompleta dada pela perspetiva racional e objetivista da ciência (Krug, 2019). Na visão de Sartre, o homem é um projeto que se vive subjetivamente, uma construção humana em constante movimento, a partir de uma relação dialética entre o eu e o mundo (Branco, 2011). Yalom compreende o projeto humano na sua subjetividade através do método fenomenológico.
Método fenomenológico
Husserl voltou-se para a sua própria subjetividade num retorno às fontes intuitivas que destacam a essência do fenómeno em contraposição ao conhecimento obtido por meio da apreensão dos factos existentes. Ao suspender juízos (epoché), ao estar aberto ao espanto do fenómeno, descobre-se algo novo, pré-científico. Há lugar a uma constatação percetiva que envolve uma intencionalidade da consciência enquanto consciência de algo: ao vermos, há algo que é “visto” e, ao percebermos, há algo que é “percebido”. O acontecer clínico é um fenómeno intersubjetivo por definição. Nas palavras de Husserl, “a epoché liberta precisamente o olhar”; retiram-se as várias camadas de “eus” inautênticos até atingir o núcleo pessoal em toda a sua autenticidade (Fadda & Curry, 2021).
Yalom (1980) considera que cada um é o resultado da sua história. Compreender a pessoa implica atender à sua biografia e às expectativas individuais no seu mundo particular (Henriques, 2012). Assim, o método apropriado para compreender o outro é o método fenomenológico, “olhar pela janela do outro, tentar ver o mundo como o paciente o vê”: há a tentativa de tomar consciência dos pensamentos conforme eles aparecem à consciência do paciente, na suspensão de crenças anteriores e do próprio mundo objetivo (Yalom, 2002).
Como preocupações últimas do ser humano, Yalom refere-se à dimensão inescapável da existência do ser humano no mundo: morte, isolamento, perda de liberdade e falta de sentido.3 Quando o indivíduo se afasta da absorção no mundo experiencial, o indivíduo experimenta a ansiedade no confronto com os seus predicamentos existenciais. Apesar do foco interpessoal do seu estilo particular de psicoterapia, Yalom encoraja a reflexão intrapessoal nos seus pacientes, considerando que dessa reflexão resulta a qualidade do relacionamento com os outros. A perspetiva de autoconsciência foca-se sobretudo nas limitações humanas e nas dimensões trágicas da consciência; cada indivíduo irá, de alguma forma, silenciar a sua consciência dos dados da existência para lidar com a ansiedade e a culpa indesejadas. Assim, o autor alinha-se mais com o pensamento existencial do que com o humanista.
A intervenção psicoterapêutica existencial procura ajudar o paciente a elucidar a sua própria visão do mundo e o confronto com a existência na especificidade da sua individualidade. A exploração da situação existencial é feita através da exploração concreta da experiência consciente do paciente. A visão do mundo do paciente é válida enquanto sua e o processo psicoterapêutico procura clarificá-la. Yalom estranha as abordagens que, procurando precisar e classificar os indivíduos, em pouco ajudam a sua condição. Por sua vez, prefere destacar a centralidade da relação entre o terapeuta e o paciente.
Centralidade da relação
Yalom (2002) define o processo terapêutico quase exclusivamente em termos interpessoais. Parte do pressuposto que a mudança e o crescimento só podem acontecer no contexto de uma relação íntima e segura, num movimento entre duas pessoas durante o qual uma percebe algo na outra, depois o vivencia em si mesma e, finalmente, retorna ao outro com a compreensão dessa vivência (Fadda & Cury, 2021). O encontro dá presença, uma sensação de “estar com”, perante os dados da existência. Para Yalom (2002), não há terapeuta (pelo menos, não numa lógica de “guru”), não há pessoa imune às tragédias da existência. Essa visão trágica da vida molda a sua relação com aqueles que procuram ajuda ao eliminar a distinção entre “eles”, os afligidos”, e “nós”, os curandeiros. Conceptualiza os papéis de terapeuta e de paciente como “companheiros de viagem”, um ao lado do outro.
Deve ser comunicado ao paciente que o objetivo primordial é a construção da relação, que será a cura em si mesma. O ato de estabelecer uma relação autêntica e íntima é, em si mesmo, um ato terapêutico. O trabalho de construção e sustentação de uma relação autêntica com o terapeuta serve de modelo para a formação de relações futuras, um ponto de referência interno para o paciente, que aprende que essa intimidade é altamente positiva e recompensadora e que é capaz de obtê-la.
Nada assume maior importância do que tomar conta da relação terapêutica: há um esforço para atender a cada nuance de como é sentida a relação em cada instante por ambas as partes. O terapeuta deve comunicar da forma mais genuína possível o processo em si, bem como os pressupostos e os motivos subjacentes, e o modo como o cliente pode maximizar o seu progresso. Deve também ser transparente em relação aos seus sentimentos para com o cliente e à sua própria vida. Segundo Yalom (2002), o terapeuta deve estar disposto a ser honesto sobre os aspetos mais pessoais da sua própria vida. Claro que a exploração do processo intrapessoal do terapeuta deve ser conduzida com tato e que o processo do paciente assume uma posição prioritária, mas Yalom conclui: “sempre facilitei a terapia quando partilhei algumas das minhas facetas”. Na integração da teoria interpessoal com o existencialismo, a posição analítica clássica da neutralidade, anonimidade e abstinência dá lugar à interação, espontaneidade e autenticidade (Mitchell, 2008).
Safran et al. (2019) defendem que a chave para a mudança terapêutica é a negociação de ruturas na aliança terapêutica. A capacidade de negociar necessidades do próprio e de outros é um processo do desenvolvimento pessoal que muitos clientes podem não ter aprendido. A ideia de metacomunicação envolve comunicar e compreender o que é demonstrado na relação terapêutica, colaborando com o paciente no sentido de explorar e desenvolver consciência para os problemas da relação no aqui-e-agora (Safran & Muran, 2000). Caso o terapeuta consiga ajudá-lo a processar as dificuldades relacionais evidenciadas, o paciente aprende a interagir de forma mais saudável com o outro e espera-se que esta aprendizagem se generalize às restantes relações da sua vida.
Aqui-e-agora
A presença é definida por Bugental (1978) como estar “tão consciente e tão participativo como se pode estar nesse momento e nessas circunstâncias”, sendo fundamento para o encontro genuíno e método para a transformação.
A presença é cultivada através do trabalho no aqui-e-agora, a assinatura pessoal do estilo pessoal de Yalom (2002). Há um esforço para encorajar o paciente a articular os seus sentimentos no momento do encontro imediato, iluminando o bloqueio do paciente no instante em que emerge. Há também um questionar permanente do que as palavras e o comportamento não-verbal informam sobre a natureza da relação entre as partes envolvidas.
O foco é no “agora”, no que acontece no momento imediato do encontro terapêutico. O “aqui” é conceptualizado de uma forma mais particular enquanto concentração do processo interpessoal; o “aqui” atende ao que acontece relacionalmente, é uma abordagem acronológica e não-histórica que retira o destaque dos eventos passados da vida do paciente, sem negar a sua importância. A aprendizagem interpessoal procura a clarificação de expressões do self e do seu sistema de construção do mundo conforme se manifestam na relação.
Yalom assume que muitas das pessoas que chegam à terapia sofrem com uma incapacidade em estabelecer e manter relações satisfatórias, que a terapia é um microcosmo social e que trabalhar no aquie-agora cultiva a relação terapêutica. De facto, Yalom (1990) escreve que faz um esforço para investigar o aqui-e-agora em todas as sessões, destacando repetidamente na sua obra essa vontade de compreender como o paciente se sente em relação ao terapeuta no imediato.
Porém, é necessário reconhecer que o processo de estar plenamente presente e aberto ao outro pode ser ansiogénico (May et al., 2004). Torna-se necessário desafiar as resistências dos pacientes para um compromisso total para com o encontro terapêutico (Cooper, 2003).
Yalom desafia os seus pacientes a reconhecerem a presença do outro ser humano na sala. Construir a presença deste modo implica que a transferência seja uma forma particular de resistência à presença, um evitamento da angústia de estar com um outro ser, desconhecido e imprevisível (Cooper, 2003). A transferência é analisada com o objetivo último de ajudar o paciente a relacionar-se com o outro de forma mais autêntica. Porém, tal só pode acontecer se o terapeuta “deixar que o paciente seja importante para ele”, permanecendo aberto a todas as possibilidades de ser do seu cliente (Yalom, 2002).
Pesquisas
No decorrer das últimas décadas, múltiplos estudos têm apoiado o valor da relação como fator terapêutico autónomo. O efeito terapêutico depende da qualidade da relação terapêutica, independentemente da técnica aplicada. Uma meta-análise recente, com mais de 300 estudos e 30.000 pacientes, revelou uma correlação robusta da qualidade da aliança terapêutica com os resultados clínicos, incluindo deterioração clínica e drop-outs (Flückiger et al., 2018).
Os vínculos precoces e a regulação emocional inerente formatam o desenvolvimento psiconeurobiológico, influenciando o carácter (Duquette, 2010). As características pessoais do paciente e do terapeuta influenciam a qualidade da aliança, sendo que expectativas positivas correlacionam-se com crescimento durante o processo (Gibbons, 2003; Ackerman & Hilsenroth, 2003; Barber et al., 2010).
Greenson (2018) usa o termo “relação real” para definir “a relação genuína e realista entre analista e paciente”. Duquette (2010) defende que a relação em si pode modificar positivamente processos de desenvolvimento comprometidos, permitindo mudança positiva de carácter com melhoria de processos de regulação emocional e estimulação de desenvolvimento mais profundo de outros processos, como o de mentalização.
A evidência sugere que a associação entre aliança e sucesso terapêutico se deve sobretudo ao contributo do terapeuta (Wampold & Imel, 2016). Algumas características pessoais do terapeuta, nomeadamente empatia, autenticidade e abertura ao outro, relacionam-se com a construção de melhores alianças e consequentemente de melhores resultados (Zuroff et al., 2016).
A relação terapêutica pode sofrer ruturas dramáticas e Dalenberg (2004) estimou que 72% dos pacientes se sentem zangados com o terapeuta pelo menos uma vez durante um processo terapêutico. Safran et al. (2019) sugeriram um modelo de quatro fases para a resolução de rutura: (1) o terapeuta apercebe-se que houve uma rutura, (2) explora-se a experiência de rutura, (3) o terapeuta ajuda o cliente a examinar alguma defesa ou evitamento e (4) o cliente começa a compreender os desejos e as necessidades que precipitaram a rutura. Tanto os atributos pessoais como técnicos, independentemente das orientações teóricas, contribuem positivamente para uma boa gestão de ruturas terapêuticas (Ackerman & Hilsenroth, 2003).
Rhodes et al. (1994) examinaram qualitativamente momentos em que os clientes se sentiram incompreendidos pelo terapeuta. Nos casos com resolução, a relação previamente ao evento de incompreensão era boa, os clientes afirmaram a sua insatisfação após o evento precipitante e, em resposta, os terapeutas acomodaram os clientes, pedindo desculpa, aceitando responsabilidade pelo sucedido e mudando o comportamento tido como ofensivo. Os clientes mencionaram ainda que a relação terapêutica melhorou como resultado do trabalho a partir do momento de incompreensão. Em contraste, nos casos sem resolução, não existia uma boa relação e, para eventos precipitantes similares, apenas uma minoria dos clientes expressou a sua insatisfação. Já o terapeuta falhou em ajustar a sua posição e desconsiderou os sentimentos do paciente. O paciente precisa de ser capaz de transmitir os seus sentimentos e o terapeuta precisa de ouvir, respeitar e responder, fortalecendo a relação terapêutica no processo.
Dalenberg (2004) identificou as respostas menos eficazes que um terapeuta pode ter perante um acesso de raiva do seu paciente: ausência de resposta, respostas enraivecidas, distanciamento e partilhas hostis. Já as respostas mais eficazes envolveram assumir, mesmo que parcialmente, a responsabilidade pelo sucedido e comunicar a ideia de que a fúria é aceitável dentro do contexto terapêutico.
A resolução de eventos hostis em terapia foi mais frequente nas situações em que o comportamento problemático do paciente não foi desafiado, o terapeuta foi capaz de se sentir frustrado ou incomodado ao invés de ansioso ou incompetente e ocorreu uma aproximação ao cliente com atribuição de causalidade a problemas na relação terapêutica. Já os eventos sem afirmação de raiva foram resolvidos quando a relação terapêutica era de qualidade e os terapeutas trouxeram o assunto da raiva para a terapia e tentaram ajudar o cliente a explorar esse sentimento e a ganhar consciência em relação ao mesmo (Hill, 2003).
Hill et al. (1996) determinaram que os impasses que resultaram no término da terapia envolveram fundamentalmente discordâncias entre terapeuta e paciente sobre objetivos e tarefas. Nos onze casos avaliados, apenas um terapeuta tentou discutir o impasse com os seus clientes. De facto, os terapeutas parecem não atribuir tanta importância a uma definição colaborativa de objetivos quanto os seus pacientes (Bachelor, 2013; Orlinsky et al., 1994).
Harmon et al. (2007) verificaram que os resultados terapêuticos melhoraram quando os terapeutas foram instruídos a explorar afetos negativos do paciente, ouvi-lo cuidadosamente e encorajar a elaboração do afeto, empatizando e pedindo desculpa. Crits-Christoph e Gibbons (2005) sugeriram que uma alta frequência de interpretações de transferência pode levar a piores resultados terapêuticos, especialmente nos pacientes com mau funcionamento interpessoal. Já a qualidade das interpretações associou-se a outcomes positivos. Foreman e Marmar (1985) determinaram que as interpretações que mais se relacionaram a sucesso terapêutico foram as dirigidas à aliança terapêutica. Safran et al. (2005) verificaram que, no contexto de uma má aliança terapêutica, as interpretações foram tomadas pelos pacientes como depreciativas. Portanto, o terapeuta deve procurar construir e manter uma boa relação que lhe permita fazer interpretações de qualidade, em pequena quantidade, dirigidas à aliança terapêutica.
Relativamente ao trabalho no aqui-e-agora, a evidência é clara: os pacientes consideram úteis as intervenções em que os terapeutas descrevem os seus sentimentos em relação ao cliente e à relação terapêutica no imediato (Safran et al., 2019). No estudo de Kasper et al. (2008), o trabalho no aqui-e-agora gerou sentimentos de validação, facilitou a negociação da relação, providenciou uma experiência relacional corretiva, desvelou a possibilidade de um novo tipo de relação e ajudou a diminuir as defesas do cliente.
A concordância de objetivos é essencial para o sucesso do processo terapêutico e deve ser monitorizada. Pacientes com expectativas altas tendem a beneficiar mais da terapia (Delsignore & Schnyder, 2007). Um bom nível de colaboração, com adaptação do terapeuta aos objetivos do paciente, associa-se a melhores resultados (Tryon & Winograd, 2011; Werbart et al., 2014).
Discussão
A abordagem existencial procura que o indivíduo clarifique os seus significados em vez de aceitar os que lhe são oferecidos. Yalom defende que a terapia deve ser conduzida pela relação e não pela teoria. Os objetivos são ambiciosos: para além de aliviar sintomas e sofrimento, procura facilitar crescimento pessoal e mudança básica de carácter.
Parte-se de um olhar sobre a existência humana para construir um modelo focado nas potencialidades da pessoa. Yalom declara que, por ser humano, não pode permitir que algo humano lhe seja estranho. Há a busca fenomenológica pelo outro no seu verdadeiro ser; sentir como o outro sente para o poder compreender. A terapia é mais eficaz quando o terapeuta “entra” no mundo do paciente, procurando compreendê-lo no aqui-e-agora, imediato e preciso.
Cada paciente é único, como tal a terapia será necessariamente única e espontânea. O terapeuta faz uso do seu melhor instrumento, ele mesmo, com a noção de que o mesmo estímulo provocará diferentes reações em diferentes pacientes.
Os problemas em terapia são geralmente relacionais, o que não é de estranhar: somos intrinsecamente criaturas sociais. Terapeuta e paciente formam uma relação e, como em qualquer outra relação da vida do paciente, os problemas relacionais que o perturbam manifestar-se-ão. Não parece existir melhor alternativa para aferir esses problemas do que a relação terapêutica, a única que podemos avaliar sem interferência dos vieses do paciente, a única em que é possível a utilização direta das nossas próprias emoções.
Yalom trabalha a sensibilização dos pacientes para a empatia. O que os pacientes mais levam da terapia são os comentários positivos do terapeuta são sobre si. Ao experienciar empatia na relação terapêutica, o paciente aprende que pode ser alvo de aceitação por uma pessoa que o conhece bem. A expectativa é de que o paciente possa extrapolar essa nova sensibilidade para as outras relações da sua vida.
Yalom (2002) assume a direção da intersubjetividade e The Gift of Therapy, pensado como um guia para jovens terapeutas, é quase totalmente dedicado ao estabelecimento de relações interpessoais. A solidão, uma das mais trágicas dimensões da existência humana, parece ser insuficientemente explorada: ficarão desafios por explorar?
A demarcação da subjetividade individual, tão vincadamente americana, é colocada em causa quando consideramos que um componente fundamental dessa experiência subjetiva, o pensamento, está dependente de um meio socialmente construído, a linguagem (Cooper, 2003).
Há uma tendência para apresentar a autenticidade como objetivo, como uma forma superior de ser. A inautenticidade é vista como uma resistência: o paciente é inautêntico para se proteger em vez de procurar a autenticidade e crescer. Yalom não se coíbe de instruir os seus pacientes a serem mais autênticos, mais livres, algo mais na linha do pensamento humanista do que do existencial. Emmy van Deurzen (1999) alerta que a natureza essencial do Dasein requer que estejamos tão abertos à inautenticidade como à autenticidade. A inautenticidade enquanto consciente será também ela autêntica?
Considerações finais
Compreender o que faz a relação terapêutica funcionar é de extrema importância. Podemos começar a desvendar a eficácia, através do trabalho de Yalom, que se foca sobretudo na intersubjetividade e na construção da relação. Para ele, o crescimento pessoal só pode acontecer no contexto de uma relação de qualidade e, nesse contexto, usa o aqui-e-agora para iluminar as resistências do paciente. Uma boa relação terapêutica facilita a resolução de problemas relacionais que possam emergir durante a terapia. Compreender que há um problema na relação e encorajar o paciente a explorar os seus sentimentos são estratégias eficazes. Yalom acredita que o processamento da relação melhora o funcionamento interpessoal dos pacientes.
É crucial que os terapeutas em formação compreendam a melhor forma de estabelecer e manter uma relação forte com os seus pacientes. O foco no aqui-e-agora pode melhorar a relação. Importa considerar que este é um processo de aprendizagem indutor de ansiedade: a comunicação no aqui-e-agora não é a norma social, é desconfortável. Uma combinação de reflexão sobre a abordagem a situações específicas, observação de prática e prática supervisionada pode fazer sentido.
Construir uma relação de confiança e intimidade, de verdadeiros “companheiros de viagem”, demora tempo. Numa era de cuidados de saúde guiados pela eficiência económica, o sistema força uma abordagem industrializada baseada em psicoterapias protocoladas, breves e superficiais e numa psiquiatria centrada na psicofarmacologia. Na era da evidência, deveria ser claro que uma psicoterapia baseada na evidência implica uma relação terapêutica de qualidade e que isso exige tempo.