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Boletim de Psicologia
versão impressa ISSN 0006-5943
Bol. psicol vol.66 no.144 São Paulo jan. 2016
ARTIGOS ORIGINAIS
Avaliação psicológica no contexto do trânsito: estudo de caso de motorista com acidente vascular cerebral
Traffic psychological assessment of a driver with stroke: a case report
Maísa Aparecida FontanaI,*; Claudia FegadolliII,*
IClínica de Avaliação Psicológica Araras - SP - Brasil
IIInstituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade Federal de São Paulo - SP - Brasil
RESUMO
Este artigo tem por objetivo relatar um caso em que a avaliação psicológica no contexto do trânsito identificou a ocorrência de Acidente Vascular Cerebral (AVC) e consequente risco de direção insegura em candidato à renovação da CNH. A avaliação do motorista de carreta de 50 anos foi conduzida em dois momentos e foram aplicados testes para avaliar inteligência, atenção concentrada, atenção alternada, atenção dividida, personalidade e memória visual de curto prazo. O histórico e sintomas identificados por meio das entrevistas em conjunto com os resultados dos testes psicológicos levaram ao encaminhamento do paciente pela psicóloga de trânsito ao neurologista, que confirmou o diagnóstico presumido de AVC, resultando em inaptidão para dirigir. Concluiu-se que a avaliação psicológica foi fundamental para a identificação da ocorrência de AVC. O caso reforça a importância da avaliação psicológica do trânsito para todos os motoristas regularmente, ao contrário do que ocorre atualmente no Brasil.
Palavras-chave: Acidente Vascular Cerebral; Neuropsicologia; testes psicológicos; motoristas; trânsito.
ABSTRACT
This article aims to report a case in which psychological assessment in the context of traffic identified the occurrence of stroke and consequent risk of unsafe driving in a candidate applying for the renewal of his driver's license. The assessment of a 50-year-old truck driver was conducted in two phases and the following tests were applied: intelligence, concentrated attention, alternating attention, divided attention, personality and visual short-term memory. The case history and symptoms were determined by interviews and psychological tests. The results lead the psychologist to refer the patient to a neurologist, who confirmed the presumed diagnosis of stroke, resulting in inability to drive. It was concluded that the psychological assessment was essential to identify the occurrence of stroke. The case highlights the importance of regular traffic psychological assessment for all drivers, which is not currently done in Brazil.
Key words: Stroke; Neuropsychology; psychological tests; drivers, traffic.
INTRODUÇÃO
A avaliação psicológica é um processo técnico-científico, que pode ser realizado individualmente ou em grupo, de acordo com cada área de aplicação, e que requer metodologias específicas. É dinâmica, de caráter explicativo sobre os fenômenos psicológicos, e tem por finalidade subsidiar os trabalhos nos diferentes campos de atuação do psicólogo. Este estudo requer planejamento prévio e cuidadoso, de acordo com a demanda e os fins para os quais a avaliação se destina (CFP, 2013).
No Brasil, a Psicologia do trânsito teve seu marco inicial com a publicação do Decreto Lei n° 9.545, de 5 de agosto de 1946, que entrou em vigor em 1951 e passou a exigir o exame psicotécnico para a aquisição da CNH, mesmo antes da Psicologia ser reconhecida como profissão, o que ocorreu em 27 de agosto de 1962.
A avaliação psicológica no trânsito, anteriormente denominada exame psicotécnico, foi reconhecida, de acordo com o Código de Trânsito Brasileiro de 1998 (CTB), como avaliação psicológica pericial, que consiste na investigação de características psicológicas dos candidatos para obtenção e/ou renovação ou mudança da categoria CNH. Sua finalidade é a obtenção de informações sobre a existência de adequações psicológicas mínimas para dirigir veículos motorizados (CONTRAN, 2008).
A avaliação psicológica é atualmente preliminar, obrigatória, eliminatória e complementar para os condutores e candidatos à obtenção ou mudança de categoria da CNH. Através dela é possível avaliar psicometricamente características psicológicas, como a área percepto-reacional, motora, o nível mental, a área do equilíbrio psíquico e as habilidades específicas do candidato, conforme determina o CTB.
Para regulamentar os procedimentos dessa avaliação, passou a vigorar no Brasil, a partir do ano de 2000, a Resolução 12 do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que instituiu o Manual para Avaliação Psicológica de Candidatos à CNH. Essa norma, que rege a atividade junto ao Departamento Nacional de Trânsito (Detran), determina que a avaliação psicológica de motoristas deve considerar o nível intelectual para estabelecer julgamento, a atenção discriminante de estímulos, a capacidade psicomotora, a personalidade e o nível psicofísico (CFP, 2000). Em 2009, o CFP publicou nova resolução que revogava a Resolução nº 012 e que instituiu novas normas e procedimentos para a avaliação psicológica no contexto do trânsito (CFP, 2009). Essa resolução foi concebida para orientar os psicólogos em função da Resolução n° 267 (CONTRAN, 2008), que estabelece os seguintes processos psíquicos a serem avaliados: tomada de informação, processamento de informação, tomada de decisão, comportamento, autoavaliação do comportamento e traços de personalidade. Quanto ao resultado da avaliação, o candidato poderá ser considerado: apto, inapto temporário ou inapto, que está vigente até os dias de hoje. De forma geral, conforme descrito, o trabalho do psicólogo do trânsito tem sido pautado por decretos-lei, leis, resoluções e portarias originados de várias instituições (Silva, 2012).
Na avaliação psicológica do trânsito devem ser utilizados como técnicas e instrumentos as entrevistas diretas e individuais, os testes psicológicos, as dinâmicas de grupo, a escuta e as intervenções verbais (CONTRAN, 2012). O psicólogo habilitado para realizar avaliação psicológica do trânsito deve seguir a Resolução CFP nº 002/2003 que define os requisitos mínimos que os instrumentos devem possuir para serem reconhecidos como testes psicológicos.
O profissional deve considerar que muitas são as condições passíveis de identificação em exames periciais que podem interferir na capacidade de dirigir, como dificuldades em relação à atenção, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, alcoolismo, drogas, dificuldade intelectual, ansiedade e outras relacionadas a funções neurológicas (Viecili, 2003; Rubin, 2013). Estas condições podem ser importantes causas de acidentes de trânsito, por alterarem a percepção, julgamento, vigilância e a capacidade de realizar as ações necessárias para controlar um veículo, prejudicando a aptidão de um condutor e tornando a direção veicular insegura.
Doenças neurológicas progressivas constituem maior risco, salvo se esta condição for acompanhada por especialistas em relação à capacidade de conduzir um veículo com segurança. Por isso, a Avaliação Psicológica no contexto do trânsito é importante para identificação de impactos sobre a capacidade de dirigir, relacionados a doenças como Epilepsia, Parkinson, Alzheimer e sequelas de acidente vascular cerebral (AVC), por vezes relacionados a alterações cognitivas e motoras identificáveis em uma Avaliação Psicológica. Também podem ser identificados fatores de risco que comprometem a direção veicular segura, como combinações de déficits de memória, anormalidades visuais-espaciais e de funções cognitivas superiores, tais como a abstração e a capacidade de resolver problemas, manifestos em indivíduos com demência. Na doença de Parkinson estão presentes tremor e rigidez dos membros, movimentos lentos e alterações do equilíbrio, que prejudicam a direção veicular. No caso de AVC, por exemplo, sabe-se, que entre 25 e 30% dos pacientes diagnosticados apresentam alterações cognitivas (Carvalho, 2007). Além dessa alteração, pessoas que sofreram acidentes vasculares cerebrais apresentam risco maior de um segundo episódio, que poderá provocar perda da consciência ou torná-las incapazes de lidar com um veículo automotor.
Assim, o perito para avaliação psicológica detém a possibilidade de usar instrumentos adicionais àqueles utilizados pelos médicos para verificação de alterações cognitivas e deve avaliar o risco para a direção veicular, aprovando ou não seus portadores. No entanto, Silva (2010) alerta que uma utilização inadequada ou incorreta dos instrumentos usados pelos psicólogos pode invalidar ou comprometer o desempenho do candidato, colocando em dúvida a efetividade dos instrumentos e procedimentos empregados na predição de comportamento de motoristas no trânsito.
O presente artigo objetiva descrever um estudo de caso em que os procedimentos adotados na avaliação psicológica no contexto do trânsito possibilitaram a identificação de um AVC pela alteração nos resultados na AP do candidato durante a renovação da CNH.
MÉTODO
Trata-se do estudo de caso de um homem de 50 anos, que frequentou a escola por sete anos, natural do interior do Estado de São Paulo e cujo trabalho, na época, era como motorista de caminhão, do tipo carreta. Em agosto de 2013 foi realizada uma avaliação psicológica para renovação da CNH. A avaliação ocorreu em dois momentos (primeiro e segundo dias), em que foram aplicados testes para avaliação dos seguintes construtos: inteligência, atenção concentrada, atenção alternada, atenção dividida, personalidade e memória visual de curto prazo.
A entrevista do candidato e os relatos da esposa, que o aguardava na sala de espera, foram incluídos na avaliação. No caso da esposa, houve uma conversa antes do início do atendimento, em que ela revelou aspectos do comportamento cotidiano do avaliado.
A utilização dos dados da avaliação em publicação científica foi consentida pelo candidato avaliado, mediante assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido. Todos os cuidados para proteção de seu anonimato foram adotados.
Instrumentos
- Teste Não Verbal de Inteligência R-1 (Alves, 2002). Tem como objetivo avaliar o fator G de inteligência de adultos. É composto por figuras, que apresentam itens em ordem crescente de dificuldade, nos quais o sujeito deve escolher a resposta correta e anotar na folha apropriada. Diferentes tipos de raciocínio estão envolvidos para a resolução dos itens: complementação de figuras, identidade de figuras, analogias, adição e subtração de partes, mudança de posição, progressão numérica, deslocamento de uma parte, alternância de elementos, progressão numérica, entre outros. A correção é realizada por meio de um crivo e classificado conforme as tabelas normativas mais apropriadas para o caso. O tempo de aplicação é de no máximo 30 minutos. Existem estudos de precisão, validade e tabelas em percentis para o público-alvo de acordo com sua escolaridade.
• Teste de Atenção Concentrada (TEACO FF) (Rueda & Sisto, 2009). Apresenta vários estímulos diferentes, sendo capaz de avaliar a habilidade de uma pessoa em selecionar apenas uma fonte de informação diante de vários estímulos distratores em um tempo pré-determinado. O tempo de aplicação é de 4 minutos.
• Teste de Atenção Dividida (TEADI) (Rueda, 2010). É composto por diversos estímulos e fornece uma medida referente à capacidade da pessoa dividir a atenção, ou seja, a capacidade do indivíduo para procurar mais de dois estímulos simultaneamente entre os estímulos distratores. O tempo de aplicação é de 5 minutos.
• Teste de Atenção Alternada (TEALT) (Rueda, 2010). Também composto por vários estímulos e avalia a capacidade do sujeito em focalizar a atenção ora em um estímulo, ora em outro, ou seja, a capacidade de alternar a atenção. Ao procurar os estímulos alvos entre os estímulos distratores. O tempo de aplicação é de 2 minutos e 30 segundos.
• Teste de Atenção Concentrada (Teste AC) (Cambraia, 2004). Avalia a capacidade de manter a atenção concentrada no trabalho durante um período, em uma tarefa simples, de natureza perceptiva, sem recorrer às funções intelectuais. O material foi elaborado com um único símbolo em posições diferentes, que o sujeito deverá cancelar rapidamente, no tempo de 5 minutos Sua aplicação pode ser individual ou coletiva e pode ser utilizado com indivíduos analfabetos até o nível de escolaridade superior.
• Teste Pictórico de Memória Visual (TEPIC-M) (Rueda & Sisto, 2007). Avalia a capacidade de recuperar uma informação num curto período de tempo. A tarefa consiste em apresentar ao examinando uma prancha, contendo 55 figuras por um determinado tempo, e ele deve escrever o nome das figuras que lembrar.
• Teste de Personalidade Palográfico (Alves & Esteves, 2009). Trata-se de um teste que avalia a personalidade por meio do comportamento expressivo. Tem como objetivo avaliar as principais características de personalidade como emotividade, agressividade, impulsividade, comportamento social e sinais de problemas neurológicos. Sua aplicação é muito simples e rápida. A correção é realizada pela avaliação quantitativa e qualitativa, com base nos traços realizados. Existem estudos de precisão, validade e tabelas em percentis para o público-alvo de acordo com sua escolaridade e sexo.
• Psicodiagnóstico Miocinético - PMK (Mira, 2004, 2014). É um teste psicológico gráfico e expressivo que permite avaliar diferentes características estruturais e reacionais da personalidade. A tarefa a ser realizada consiste na reprodução de alguns traçados ora com a mão esquerda, ora com direita, ora com as duas mãos simultaneamente. Os resultados quantitativos no PMK permitem a avaliação de seis fatores da personalidade: Tônus Vital (Elação ou Depressão); Agressividade (Hetero ou Autoagressividade); Reação Vivencial (Extra ou Intratensão); Emotividade; Dimensão Tensional (Excitação ou inibição) e Predomínio Tensional (Impulsividade ou Rigidez). A aplicação é realizada individualmente sem limite de tempo. O teste pode ser utilizado em diferentes áreas de atuação do psicólogo como a Clínica, a Organizacional e nas avaliações psicológicas para os mais diversos fins tais como: seleção de pessoal, obtenção e/ou renovação da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), porte de arma e psicodiagnósticos em geral. No caso apresentado, foi utilizada a edição de 2004 do PMK em vigor na época da avaliação psicológica.
A entrevista do candidato e os relatos da esposa, que o acompanhava, foram considerados na avaliação. Quanto à correção dos testes de atenção, são avaliadas como acertos as figuras que foram marcadas corretamente; erros, as figuras que foram assinaladas e não deveriam ter sido, e omissões, as figuras que deveriam ter sido marcadas e não o foram, e o total de pontos no teste.
Para a consulta de tabelas normativas foram usadas a Tabela 11 Percentil em função da Escolaridade de São Paulo referente à CNH para o R-1 e a Tabela 21 de Percentil em função da Escolaridade de São Paulo para o AC.
RESULTADOS
Os resultados dos testes aplicados em 2013 são apresentados na Tabela 1, que indica que todos os tipos de Atenção foram classificados como inferiores com base nas tabelas normativas dos testes. Também foram classificados como inferiores os resultados da memória e da inteligência. O examinando mostrou lentidão na execução, que levou a uma pontuação muito abaixo do esperado, com muitos erros e omissões observados nos testes de atenção e inteligência, o que revelou dificuldade na execução das tarefas. No teste de personalidade Palográfico seu resultado quanto à produtividade e ritmo está na média, porém qualitativamente mostrou sinais de desânimo e fadiga durante a realização do teste. Os resultados também indicaram sinais de ansiedade, extroversão, relacionamento interpessoal equilibrado e comportamento social adequado.
Durante a entrevista, o candidato não relatou nenhum problema de saúde ou mudança que pudesse prejudicar ou influenciar os resultados. Esses dados foram obtidos, porque a esposa solicitou conversar com a psicóloga que o avaliava, uma vez que o marido estava apresentando mudanças comportamentais e uma recente hospitalização, com queixa de formigamento em um dos lados do corpo e forte dor de cabeça, permanecendo no hospital e depois liberado sem exames mais específicos. Após esse episódio, ficou mais lento, mais calado e com contratura da boca e humor depressivo. Relatou também que ele já havia realizado esse exame na clínica há cinco anos atrás. Depois dessas informações foram obtidos os dados da avaliação anterior, que mostrou que nenhum problema foi identificado na época.
Os testes de 2013 foram corrigidos no mesmo dia da avaliação por causa das dificuldades apresentadas na lentidão, na execução e na compreensão das instruções de aplicação e também, porque ele era o único candidato presente naquele horário. Os resultados foram tão discrepantes, que foi solicitado um reteste para confirmar os dados no dia seguinte (Tabela 2), já que o motorista continuava exercendo sua função, colocando em risco a sua vida e a de outras pessoas no trânsito.
A Tabela 3 mostra as pontuações obtidas há cinco anos com resultados preservados de atenção e inteligência, bem como do PMK, que mostrou resultado dentro da normalidade, com as seguintes características: agressividade, reação vivencial e dimensão tensional normais, emotividade e impulsividade temperamental acentuada, porém reacionalmente normais, e energia vital reacional acentuada e temperamental normal. Na comparação dos dados de 2008 com os de 2013, observou-se um declínio na pontuação do R-1, que teve menos da metade dos pontos obtidos em 2008 na primeira aplicação e metade na segunda de 2013, assim como no AC em que fez menos da metade dos pontos também.
Diante desses resultados, o candidato foi encaminhado para uma avaliação neurológica sob suspeita de um AVC e considerado inapto temporariamente, conforme determina a Resolução 425/2012, sendo que, só após a confirmação da suspeita diagnóstica, inapto definitivamente para a renovação da CNH na categoria E.
DISCUSSÃO
A análise comparativa dos resultados obtidos em 2008, com os de 2013, possibilitaram identificação de alterações nas funções cognitivas. Estas estavam preservadas em 2008, porém, cinco anos depois, apresentaram limitações relevantes quanto ao total de acertos e erros, observados nos testes. O Teste Palográfico realizado em 2013 mostrou sinais de desânimo e fadiga, enquanto o PMK feito em 2008 apontou energia vital elevada, indicando assim, uma mudança de humor, que também foi relatada pela esposa. Os resultados dos testes junto com os dados levantados na entrevista e no relato da esposa sugeriram uma possível lesão cerebral, posteriormente confirmada pelo neurologista com o diagnóstico de AVC, especificamente, Lesão Hipodensa Frontoparietal Direita.
Segundo a literatura, Lesões no Hemisfério Direito (LHD) são associadas às funções cognitivas como atenção, percepção e memória visuo-espacial, esquema corporal, inteligência social e emocional, reconhecimento de expressões faciais e habilidade musical (Myers, 2001). Muitos indivíduos com lesão no hemisfério direito apresentam dificuldade em tarefas diárias que demandam atenção sustentada (focalização da atenção em um estímulo por um determinado período de tempo) e dividida (atenção distribuída entre dois ou mais estímulos concomitantes) de acordo com Myers (1999). Os pacientes com LHD também podem apresentar alterações de memória não verbal, demonstrando grande dificuldade no armazenamento e evocação de estímulos não verbais, quando apresentados visual ou auditivamente. Os mais problemáticos, nesse sentido, são os estímulos visuais (Burns, Halper & Mogil, 1985; Manning, 2005).
Ademais, também é mencionada pela literatura a presença de um distúrbio da memória de trabalho espacial em pacientes com LHD. Com relação à localização, as lesões de Hemisfério Direito em pacientes com déficits mnemônicos geralmente encontram-se no lobo parietal e/ou na ínsula (Malhotra et al., 2005)
Os resultados apresentados neste estudo de caso em relação ao desempenho nos testes corroboram os descritos na literatura em relação às lesões ocorridas no hemisfério direito como as dificuldades na atenção, memória, percepção e resolução de problemas. A inaptidão do candidato para a condução de um veículo automotor foi possibilitada, porque a legislação exige a avaliação psicológica preliminar e complementar sempre que o condutor exerça atividade remunerada. No caso dos demais candidatos esta avaliação é requerida apenas no exame referente à primeira habilitação ou adição de categoria. Desse modo, esses condutores são excluídos da identificação de alterações que poderiam afetar as funções mentais, tanto emocionais como cognitivas, capazes de interferir na capacidade dirigir.
No entanto ainda hoje, no Brasil, mesmo com tantos estudos mostrando a influência das funções cognitivas e emocionais sobre o comportamento, a avaliação psicológica é pouco valorizada como uma forma de predição. Assim, a obrigatoriedade da avaliação psicológica no trânsito pode ser considerada frágil pelas leis brasileiras, provocada, em parte pela insuficiência de evidências para comprovar sua necessidade (Silva, 2010) e também como preditiva de comportamentos de risco (Duarte, 2001, Nakano 2016). Nesse sentido, os profissionais da área devem estar devidamente capacitados para a condução dessa avaliação, inclusive com conhecimentos da área de Neuropsicologia, que contribuem para a análise do funcionamento cognitivo normal ou comprometido. Essa formação favorece a conclusão de um laudo mais decisivo e seguro para aprovar ou não um candidato à habilitação, como ocorreu na avaliação do caso apresentado.
O aperfeiçoamento das práticas deve fortalecer o reconhecimento sobre a necessidade de continuidade da avaliação psicológica do motorista, o que já ocorre com o exame médico pericial, repetido a cada cinco anos.
CONSIDERACÕES FINAIS
Esse estudo de caso evidencia a necessidade da realização da avaliação psicológica de forma regular, principalmente para os indivíduos que exercem funções de risco, como motoristas, operadores de máquinas, porte de armas, entre outras funções. Além disso, mostra a importância da qualidade da avaliação, que pode ser sensível na identificação de problemas de saúde, às vezes, não percebidos nos serviços de saúde.
No caso de renovação de CNH, fica evidente o quanto a avaliação médica pericial não é tão sensível como uma avaliação psicológica para identificar patologias que envolvam funções cognitivas ou de ordem emocional. Nesse contexto, os conhecimentos da Neuropsicologia podem contribuir para a compreensão das funções cerebrais e do impacto de lesões no comportamento humano, guiando-a para uma conclusão adequada da avaliação psicológica.
Os resultados indicam, ainda, a necessidade de refletir sobre o CTB, sendo desejável sua revisão. Este determina que a avaliação psicológica ocorra apenas no momento da obtenção, mudança de categoria ou renovação da CNH profissional. Porém nas demais situações, a avaliação psicológica também deveria ser obrigatória, visto que, situações com dano psíquico, inexistentes na avaliação inicial, podem vir a se desenvolver durante os anos subsequentes. Se não houver essa avaliação, o indivíduo poderá colocar em risco sua própria vida e a de terceiros no contexto do trânsito.
Assim, mais estudos são necessários para estabelecer uma relação entre a eficácia dos testes psicológicos como preditores diante de qualquer prejuízo neurológico ou psicológico.
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Recebido em 12/11/15
Revisto em 30/07/16
Aceito em 31/07/16
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