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Interamerican Journal of Psychology

versão impressa ISSN 0034-9690

Interam. j. psychol. v.41 n.3 Porto Alegre dez. 2007

 

 

Mulheres brasileiras e militância política durante a ditadura militar: a complexa dinâmica dos processos identitários

 

Brazilian women and political militancy during the military dictatorship: the complex dynamics of the identity processes

 

 

Ingrid Faria Gianordoli-NascimentoI,1; Zeidi Araújo TrindadeII; Maria de Fátima de Souza SantosIII

I Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
II Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
III Universidade Federal de Pernambuco, Brasil

 

 


RESUMO

O período da ditadura militar, instaurada no País em 1964 e que perdurou até 1985, marcado por uma sucessão de mudanças políticas, econômicas e sociais, caracterizou-se também pela gradativa e intensa repressão político-social aos seus opositores. Nesse cenário, destaca-se a militância política de mulheres opositoras ao regime. Buscamos nessa investigação focalizar os aspectos psicossociais, principalmente aqueles relacionados aos processos identitários, implicados na interconexão entre relações de gênero e campo político na militância de mulheres contra a ditadura militar brasileira, entre os anos de 1964 e 1985. Com esse objetivo, foram realizadas entrevistas individuais com 09 mulheres que participaram de organizações que possuíam uma clara posição de resistência ao regime autoritário entre os anos de 1964 e 1973. A análise dos dados aponta que transformando o contexto social e sendo por ele transformadas, essas mulheres, então, tanto no campo da política quanto no das relações de gênero, romperam com códigos tradicionais de conduta e propuseram, em seus lugares, formas alternativas de viver a condição feminina.

Palavras-Chave: Psicologia Social, Identidade social, Gênero, Ditadura militar, Militância.


ABSTRACT

The military dictatorship period, which began in 1964 and lasted until 1985, marked by a succession of political, economical, and social changes, also characterized itself by the gradual and intense politico-social repression towards its antagonists. In this scenery, is remarkable the political activism of women antagonists to the regime. We aimed in this investigation to focus the psychosocial aspects, mainly those related to the identity processes, implied in the interconnection between gender relations and politics in women activism opposing against the dictatorial regime, from 1964 until 1985, in Brazil. With this objective, individual interviews were conducted with 09 women who participated of organizations which clearly stood as resistance against the military dictatorship between 1964 and 1973. The data analysis shows that transforming the social context and being transformed by it, these women, then, both within the political sphere and within gender relations, broke traditional code of conduct and proposed, instead, alternative forms to live the feminine condition.

Keywords: Social psychology, Gender, Social identity, Military dictatorship, Militancy.


 

 

Os dados aqui apresentados são parte de pesquisa desenvolvida em curso de doutorado que buscou investigar a participação feminina na militância política durante a ditadura militar brasileira (1964-1982). Sua relevância situa-se na necessidade, sob nosso ponto de vista, de análise mais aprofundada, no nível psicossocial, de questões vinculadas às relações de gênero em sua interconexão com o campo político na história recente do Brasil. Esse nos parece ser o caso da militância política de mulheres durante a ditadura militar brasileira, quando jovens assumiram um papel inédito tanto no campo da política quanto no das relações de gênero, rompendo com os códigos de sua época. Investigar a participação da mulher nesse contexto pode oferecer importantes informações que colaborem para um entendimento mais geral da construção social da identidade feminina, que a partir dessa época passa por intensas transformações.

A historiografia oficial de uma etapa importante para a constituição da memória social brasileira contemporânea, os anos da ditadura militar, só recentemente começou a assimilar, de forma mais sistemática, os depoimentos de alguns dos principais envolvidos nos acontecimentos desse período: os perseguidos por esse regime político de exceção. Por mais de 20 anos, uma grande parcela desses sujeitos não pôde, por motivos diversos, assumir e contar suas histórias, e a mulher, como categoria, tem poucos registros históricos pertinentes. É valioso, portanto, o testemunho daquelas que militaram contra o regime, pois através do conteúdo de suas narrativas, com suas lembranças e conseqüente reconstrução de suas histórias de vida, haverá possibilidade de se tentar resgatar parte do repertório sociocultural daquele período no Brasil, contribuindo para a construção de uma história pouco contada.

Nesse sentido, buscamos com esse trabalho lidar com alguns temas instigantes e importantes para a construção da memória social, como identidade, geração e gênero2, refletindo sobre um conjunto de fatores que se revelaram muito significativos para a avaliação das motivações que levaram à participação política e seus reflexos na participação social das mulheres entrevistadas.

O cenário político- social

Nos anos de 1962-1964 o movimento estudantil universitário começou a se inserir nas campanhas reformistas do final do período populista nos dois maiores centros urbanos do Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo) e em diversas outras capitais (Belo Horizonte-MG, Salvador-BA, Recife-PE, Porto Alegre-RS, Goiânia-GO e Vitória-ES) , gerando uma mobilização que deu intenso vigor à vida estudantil. Logo após, com o golpe militar de 1964, iniciou-se uma fase de silêncio forçado aos movimentos de massa. A partir de então, lutas estudantis renasceriam em resistência ao projeto de reforma educacional proposto pela ditadura e na luta contra a repressão policial-militar, até chegarem aos grandes atos públicos de 1968, conhecido como o "ano dos estudantes" 3.

Ventura (1988) conta que o Governo Brasileiro parecia temer a radicalização desse movimento. O "golpe dentro do golpe", o Ato Institucional nº 5, o AI-5, de 13 de Dezembro de 1968, tornou-se o divisor de águas e deu início ao período que ficou conhecido como "os anos de chumbo".

O AI-5 decretou a suspensão de todas as garantias individuais e dos direitos políticos. A partir daí, o confronto saía do campo das idéias e descia às ruas, com a luta armada, e aos porões, com a tortura (Ventura,1988). O ideário de libertação difundido por qualquer segmento intelectual, artístico, estudantil ou operário, ficava impossibilitado de ser conjugado com a ideologia da Segurança Nacional imposta pelo regime. Os anos 70, em conseqüência, foram marcados por uma intensa perseguição a qualquer pessoa que os militares achassem que poderia levar a algum líder importante desses movimentos considerados subversivos. A clandestinidade deixou de ser opcional para muitos e tornou-se obrigatória, na medida que as idéias que inspiravam o movimento de reconstrução sócio-política do país, em conjunção com a transformação de valores e costumes, tiveram que encontrar novas formas de existência (Carmo, 2001; Ferreira, 1996; Martins Filho, 1987; 1996).

Identidade feminina e militância

Segundo Abreu (1997), a juventude revolucionária era formada por um conjunto de pessoas com idades que variavam entre 14 e 24 anos (final dos anos 60 e início dos anos 70), que compartilharam e viveram a mesma conjuntura histórica e o mesmo projeto: através da luta armada, derrubar o regime militar. O que fica claro, conforme aponta Abreu, é que junto com o projeto de derrubar o regime também estava o de revolucionar os costumes, os valores e as relações sociais e afetivas, que deveriam ser mais igualitárias. Tais propostas eram partilhadas também com militantes que não participaram da luta armada.

A participação feminina nas organizações de militância política e luta armada, no Brasil dos anos 1960 e 1970, pode ser tomada como um indicador das `rupturas iniciais' que estavam ocorrendo no que era designado, à época, como próprio das mulheres, colocando em questão a tradicional hierarquia de gênero. As ações femininas contestavam "as relações de poder tanto no mundo naturalizado das relações entre homem e mulher, quanto em todos os âmbitos da sociedade, articulando as relações de gênero à estrutura de classes" (Sarti, 2004, p.37) . Tanto Ferreira (1996) quanto Abreu (1997) apontam que denominar essas rupturas de "iniciais" não se deve à participação minoritária ou inédita das mulheres, mas principalmente pela indicação de uma participação assimétrica: elas raramente ocupavam lugar de comando nas organizações4.

Ridenti (1990), ao discutir a participação da mulher nos movimentos de guerrilha, aponta que a presença feminina marca um processo de emancipação da mulher, na medida em que tais grupos proporcionaram uma contestação à ordem estabelecida em todos os níveis, embora Ferreira (1996), Colling (1997) e Sarti (2004) mostrem que em nenhum momento desse processo ficou evidente, para a maior parte das mulheres militantes, uma discussão de caráter eminen temente feminista. Sarti (2004) reforça a idéia de que a militância política nessa época foi um importante instrumento para a emancipação feminina e reflete que, apesar da ausência de uma proposta feminista, as militantes assumiam comportamentos considerados masculinos, tanto na vida sexual como participando da luta armada, o que produzia uma aparência de igualdade. Os depoimentos analisados posteriormente mostram que "...a igualdade entre homens e mulheres era apenas retórica, fazendo a questão de gênero eclodir em suas contradições com o projeto de emancipação militante" (Sarti, 2004, p.37). Essa autora argumenta ainda que nos anos 1970, o feminismo se baseava "... na convicção de que os problemas específicos da mulher não seriam resolvidos apenas pela mudança na estrutura social, mas exigiam tratamento próprio" (Sarti, 2004, p. 40). Mas, segundo Ferreira (1996), as questões próprias do feminismo só foram absorvidas por algumas dessas mulheres em meados de 1970 (muitas vezes quando já se encontravam presas ou exiladas).

É mais prudente admitir que com a participação dessas mulheres na militância política contra o Regime Militar marca um rompimento com "o estereótipo da mulher restrita ao espaço privado e doméstico, enquanto mãe, esposa, irmã e dona de casa, que vive em função do mundo masculino" (Ridenti, 1990, p. 114), favorecendo assim, formas outras de participação social.

Mische (1997) indica a necessidade de instrumentos de análise que sejam capazes de compreender a multiplicidade das experiências e interações sociais, seu dinamismo e suas contingências, permitindo considerar, sobretudo, "as transformações (...) nas redes inter-pessoais e organizacionais nas quais os jovens se encontram, e como as estruturas diferenciadas dessas redes influenciam na articulação de projetos sociais e pessoais" (Mische, 1997, p.138, grifos da autora). É a partir dessa necessidade que gostaríamos de enquadrar a discussão sobre a identidade social.

Segundo Velho (1994), na complexidade da vida urbana contemporânea, o ator social participa de diferentes níveis de realidade, experimentando constantemente os processos de fragmentação e de diferenciação que marcam essa forma de vida social, em função do seu potencial de metamorfose, sem que com isso haja uma desestruturação de sua identidade. O autor se refere a uma metamorfose que falo possibilita:

Através do acionamento de códigos associados a contextos e domínios específicos - portanto, a universos simbólicos diferenciados -, que os indivíduos estejam sendo permanentemente reconstruídos. Assim, eles não se esgotam numa dimensão biológica-psicologizante, mas se transformam não por volição, mas porque fazem parte, eles próprios, do processo de construção social da realidade. (Velho, 1994, p.29)

Nesse ponto, gostaríamos de recuperar alguns dos sentidos atribuídos ao conceito de identidade. Conforme defi nida por Pollack (1992), em "seu sentido mais superficial", identidade pode ser entendida como a "imagem de si, para si e para os outros" (p.204). Para a constituição da identidade são necessários alguns elementos, como a noção de pertencimento ao grupo, a percepção de continuidade do indivíduo no tempo e no espaço e a noção de coerência, ou seja, a noção de que diferentes elementos estão unificados no indivíduo. Tais elementos também podem ser entendidos como vinculados à identidade social, pois ninguém pode construir uma auto-imagem isenta de transformações relacionadas ao contexto no qual vivem o sujeito e o seu grupo.

É para essa interação que Iñiguez (2001) chama a atenção. Embora a singularidade, a unicidade e até a exclusividade pareçam ser características imprescindíveis do que costumamos chamar de identidade, que, sem dúvida, apresenta certo caráter de continuidade e reconhecimento de si mesmo ao longo do tempo, por outro lado não podemos deixar de admitir que a temporalidade identitária reproduz a tensão dialética entre o igual e o diferente, a continuidade e a descontinuidade, a unicidade e a multiplicidade. Portanto, à identidade relacionam-se as vivências que se dão em meio às múltiplas relações sociais na pluralidade dos grupos sociais. Logo, "por oposição e complementaridade à identidade pessoal se fala comumente de identidade social" (Iñiguez, 2001, p. 210). A identidade social remete à experiência grupal, ao nós, e, consequentemente, aos vínculos ou, segundo esse autor, para nos expressarmos em uma linguagem mais contemporânea, "às redes".

Para Iñiguez (2001), a perspectiva de Tajfel foi capaz de inserir, no contexto de uma Psicologia Social individualista e de escassa relevância social, uma teorização que direciona o entendimento de processos admitidos como estritamente cognitivos, como a categorização e a diferenciação, rumo a uma compreensão na qual a dinâmica é eminentemente sócio-cognitiva.

De acordo com Tajfel (1983), todos nós temos necessidade de integridade e de respeito por nós mesmo e derivamos tal respeito da nossa filiação a certos grupos que são importantes para nós. Porém, segundo o autor, como os grupos não existem no isolamento social, a única maneira de atribuir valores positivos ao seu próprio grupo é através da sua comparação com os outros, e que:

Os processos subjacentes às formas como ele (o grupo) se compara a outros grupos são cruciais para a forma como os seus membros o definem. Estas noções comparativas que os indivíduos constróem sobre o grupo, ou grupos a que pertencem, contribuem, por sua vez, para alguns importantes aspectos da definição de si próprios e da sua influência social. (Tajfel, 1983, p.189)

Nesse sentido, Tajfel (1983) discute a importância que os grupos sociais apresentam quando concebidos como imersos em uma complexa e ampla estrutura de várias categorias sociais, categorias essas que são percebidas pelos indivíduos como fronteiras dos grupos e em termos de uma variedade de configurações, como as de poder, de prestígio, de maioria-minoria, de mudança, de flexibilidade ou de rigidez. Estabelece-se então uma relação entre o auto-conceito do indivíduo e sua identidade social, que se dá através de um processo de comparação social inter-grupal.

Logo, Tajfel (1983) define a identidade social de um indivíduo como composta por três fatores: [1] o conhecimento que ele [indivíduo] tem de que pertence a determinados grupos sociais, juntamente com [2] o significado emocional e [3] de valor que ele atribui a essa pertença (p. 294).

Portanto, para Tajfel, o sentimento de pertença a um determinado grupo é um processo complexo no qual estão envolvidos componentes cognitivos, avaliativos e emocionais em interação mútua, podendo, conforme a situação, prevalecer um desses componentes. Portanto, já que a intensidade de seus componentes varia de acordo com o contexto das próprias relações inter-grupais, a pertença grupal não pode, também por esse motivo, ser considerada estática. Pertencer a um grupo implica compartilhar crenças, atitudes e, consequentemente, viver relações permeadas por uma carga valorativa e por percepções sobre a diferenciação do próprio grupo em relação aos demais, o que se dá em função da categorização social. "A categorização social é o processo através do qual se reúnem os objetos e acontecimentos sociais em grupos que são equivalentes no que diz respeito às ações, intenções e sistemas de crenças do indivíduo" (Tajfel, 1983, p.289-290).

Ao se referir à inter-relação entre imagem de si e imagem do grupo, Jodelet (2001) argumenta:

O engajamento e a implicação emocional com relação ao grupo ao qual pertencemos conduzem a nele investir sua própria identidade. A imagem que temos de nós próprios encontra-se, assim, ligada àquela que temos de nosso grupo, o que nos conduz a defendermos valores deles. A proteção do nós, incitaria, portanto, a diferenciar e, em seguida, a excluir aqueles que não estão nele. (p. 61)

Entretanto, é importante considerar que os indivíduos estão sempre inseridos em múltiplas e diferentes categorias sociais (gênero, etnia, classe, profissão, p. ex.), o que indica que vários grupos possuem limites imprecisos e a inclusão de um indivíduo neles pode se dar, por exemplo, inclusive, pela semelhança física entre esse indivíduo e os membros do grupo.

Tajfel (1983) também chama atenção para o fato de que o sentimento de pertença a um determinado grupo está fortemente relacionado à capacidade que esse grupo tem de promover e manter a auto-estima positiva desse indivíduo, bem como garantir a satisfação das suas necessidades quando essas estão vinculadas diretamente ao grupo. Entretanto, como apontou Jodelet (2001), nenhum grupo é capaz de satisfazer totalmente as necessidades de um indivíduo. Assim, integramos vários grupos a fim de tentar alcançar o que consideramos relevante para nossa auto-estima e para a realização das tarefas cotidianas.

A intensidade do sentimento de pertença vai estar diretamente condicionada à existência de situações de conflito inter-grupos:

As situações sociais que obrigam os indivíduos envolvidos a agir segundo sua pertença de grupo também acentuam neles certas identificações de grupos que antes não tinham grande significado para eles, ou talvez criem mesmo ou despertem pertenças de grupo antes adormecidas ou só potenciais. (Tajfel, 1983, p. 272)

Baseado na perspectiva de que o sentimento de pertença não se dá somente em situações objetivas de pertencimento, Souza (2004) argumenta que a identificação com grupos considerados marginais, conduzindo assim à possibilidade de que laços de solidariedade venham a ser estabelecidos, é fator fundamental para ações afirmativas que possam funcionar como ações de "contra-poder, em defesa de grupos excluídos socialmente e moralmente, e que nesse sentido, contribui para a reafirmação de direitos e para o resgate da cidadania" (p. 67). Portanto, os mesmos processos de categorização social e de identificação podem estabelecer tanto formas de exclusão quanto de inclusão, possibilitando a união de grupos em torno de forças progressistas e afirmativas. Segundo o autor, "assim como as identidades, a violência e a exclusão são metamorfoses, principalmente nas culturas miscigenadas como a nossa, onde a diversidade de interesses sociais é considerável" (Souza, 2005, p. 03).

A possibilidade de se engajar em um projeto, seja coletivo ou individual, orienta e confere sentido às práticas dos indivíduos, traçando suas trajetórias e organizando suas identidades (Velho, 1994). Os jovens e os demais brasileiros que optaram pelo engajamento no projeto revolucionário de esquerda, por acreditarem estar a possibilidade de transformação da realidade de seu país condicionada à derrocada do regime militar, tiveram subitamente suas propostas estancadas. Com isso, encontraram-se frente à necessidade de redefinição de suas identidades e de suas auto-imagens: de agentes de transformação social passaram a vítimas das estratégias da repressão militar, embora essas condições fossem negadas por amplos segmentos da sociedade pela negatividade do rótulo de "subversivos" atribuído aos militantes. Tal processo iniciou-se com os acontecimentos repressivos do ano de 1968 e estendeu-se aos anos setenta (Abreu, 1997; Valle, 1999).

Assim, através dos depoimentos das mulheres que entrevistamos, esperamos estar dando continuidade e expansão a um processo singular de redefinição de identidades. Nesse processo, as ex-militantes surgem como agentes históricos e sociais que possuem como referência um dado grupo, participando de um determinado projeto coletivo.

 

Método

São apresentadas nesse trabalho as experiências de vida de nove mulheres que, através da participação em organizações de esquerda, se opuseram à ditadura militar brasileira. A reconstituição das trajetórias de vida dessas ativistas políticas se deu a partir da organização dos dados recolhidos em entrevistas individuais. Portanto, consideramos conveniente fornecer algumas informações sobre aspectos relacionados à realização dessas entrevistas.

Tendo em vista as dificuldades apontadas pela literatura para o contato com as participantes, nossa primeira preocupação foi iniciar esse processo a fim de que pudéssemos claramente afirmar a viabilidade de nossa proposta de trabalho. Procuramos as participantes seguindo uma orientação apontada por Ferreira (1996) e também por Catela (2001): o contato inicial com as ex-militantes foi realizado através da intermediação de um conhecido comum dos sujeitos e da pesquisadora.

Para nossa surpresa, ficou evidente a vontade que as mulheres tinham de colaborar, apesar do esforço que isso exigiria e do sofrimento que suas recordações provocariam. A motivação para buscarem reconstruir aquele período de uma história tão pouco passada a limpo, segundo as próprias entrevistadas, esteve baseada em uma questão ética. Consideraram que já não podiam mais continuar "escondendo", em si mesmas, aspectos relevantes para a consolidação da democracia nesse país, furtando às gerações de seus filhos e netos a certeza de que alguns acontecimentos não podem se repetir. Todas se dispuseram a entrar em contato com amigas que haviam sido presas na mesma época ou militado no mesmo período, sendo que algumas dessas mulheres não tinham contato pessoal há cerca de vinte anos.

A coleta foi realizada conforme a disponibilidade dos sujeitos. As entrevistas foram realizadas entre novembro de 2002 e janeiro de 2004 e foram gravadas, após consentimento por escrito assinado pelas entrevistadas. O tempo de gravação das entrevistas, às vezes realizadas em várias visitas, variou de quatro a doze horas, respeitando sempre as decisões das participantes. No entanto, a participação das entrevistadas em nosso trabalho começou antes mesmo do momento de ligação do gravador. Para algumas, o tempo que nos pediram para suas elaborações pessoais, entre o convite e a realização da entrevista propriamente, chegou a ser de um ano. Com algumas entrevistadas, conversamos informalmente durante esse período, procurando criar condições pessoais e emocionais que facilitassem o contato com as lembranças.

As entrevistas individuais foram orientadas por um protocolo semi-estruturado que serviu de referência sobre as temáticas que deveriam compor a entrevista, não havendo compromisso em seguir uma ordem específica ou cronológica nos relatos. O principal objetivo da entrevista foi permitir que as mulheres falassem de suas trajetórias de vida até os dias atuais, enfatizando a socialização política que tiveram da infância à vida universitária, quando em geral atuaram como agentes político-sociais em uma militância organizada. A Análise de Conteúdo à qual os dados foram submetidos aponta como a identidade social na trajetória de militância dessas mulheres está entrelaçada com as condições de gênero do período.

De forma geral, o confronto do conteúdo das diferentes entrevistas produziu um diálogo de outra ordem, que recriou a trajetória coletiva de um grupo historicamente datado, trajetória esta que pôde ser fortalecida e reconstruída por cada uma das participantes e pelo próprio grupo das mulheres. Foi na tensão entre as duas dimensões dos relatos que o procedimento revelou o quanto essa experiência tinha sido valiosa para essas mulheres na construção e na elaboração de suas identidades, ao mesmo tempo em que elas próprias, com suas lembranças, são valiosas para o registro histórico.

As Participantes

Ainda que não tenha sido nossa intenção, as militantes ficaram distribuídas em dois subgrupos baseados em períodos diferentes de militância: a) Grupo 01: formado por 04 mulheres que militaram até 1968, sendo que 03 delas pertenceram à mesma organização e a quarta era filiada a um partido clandestino. Todas estavam ligadas, na época da militância, ao movimento estudantil universitário; b) Grupo 02: formado por 05 mulheres que iniciaram a militância em 1971, ao entrarem na universidade, e pertenceram ao mesmo partido, partido que atuava no movimento estudantil.

Algumas características diferenciaram os dois grupos. As mulheres do primeiro grupo, antes de iniciarem o curso superior, se engajaram na militância política através de movimentos religiosos e estudantis secundaristas. Quando do ingresso na militância, todas possuíam em média 17 anos. Quando, em 1968, foram presas ou perseguidas pelo regime, possuíam em média 20 anos de idade, o que indica um tempo de militância de quatro anos. Nesse segundo momento duas já haviam terminado o curso superior, as outras duas estavam no último ano. As mulheres do segundo grupo explicitam que iniciaram a militância entre o primeiro e o segundo anos de faculdade, em média com 19 anos, filiando-se a um partido político clandestino via movimento estudantil. Foram presas em 1972, aproximadamente 07 meses após o início de sua militância. Tais características reafirmam os dados apontados pela literatura em relação ao acirramento da repressão militar após o AI-5, de 13 de Dezembro de 1968.

As origens das mulheres variaram: duas de origem urbana de classe baixa; duas de origem urbana de classe média; duas de origem rural de classe média; e três de origem rural de classe baixa. Todas as mulheres que moravam no interior migraram para a capital do Estado onde o trabalho foi realizado5, com o objetivo de darem continuidade aos estudos.

Optamos por identificar as mulheres que militaram no primeiro período com nomes iniciados pela letra S (Silvia, Solange, Suzana e Sônia). Para as mulheres que iniciaram a militância no segundo período optamos pela letra R (Raquel, Renata, Rosane, Regina, Rita). É importante observar que esses nomes não guardam qualquer semelhança nem com os nomes verdadeiros nem com os codinomes utilizados pelas entrevistadas durante a militância.

A tabela 1 apresenta mais algumas informações sobre as entrevistadas.

 

 

Resultados

Gênero e Militância: os Processos Identitários

O movimento estudantil se constituiu e ainda se constitui numa formidável agência de socialização política de homens e mulheres. Durante os anos de autoritarismo, aqueles que conseguiram alcançar a Universidade tiveram melhores oportunidades de conhecer e estudar novas teorias políticas e econômicas, encontraram espaço para debates e contestações e já não aceitavam passivamente a mistificação de progresso e de moralidade patriótica fomentada pelo regime. Isso contribuiu para a elevada participação dos estudantes nos movimentos políticos de oposição ao governo militar, inclusive na ação armada visando a derrubada do regime, ainda que os participantes desses movimentos pudessem ser considerados como uma minoria da população.

Por outro lado, a entrada dessas mulheres na universidade possibilitou a abertura para projetos pessoais que não estavam colocados para a geração de suas mães. Para essas jovens estudantes, a idéia de profissão formada na adolescência, conjugou-se com a de identidade profissional. È interessante observar que os modelos de mulher e de vida, com o objetivo inescapável de casar e ter filhos, que se apresentavam na época como algo próprio das mulheres, puderam ser pensados sob uma nova configuração.

Não podemos deixar de frisar que as experiências objetivas e subjetivas da ação contra o regime variaram amplamente de 1964 a 1985. É essa multiplicidade de posicionamentos que demarca a trajetória e a identidade social das mulheres entrevistadas que se tornaram militantes frente àquelas que, também estudantes, não optaram por essa trajetória. Nesse sentido, não podemos também generalizar o "ser estudante e militante" para todos os períodos da história do autoritarismo6, visto que os contextos ideológicos, interpessoais e políticos vividos pelos jovens universitários concederam à identidade de "estudante" múltiplos significados capazes de intercalar uma variedade de projetos em formação (Mische, 1997).

Considerando o movimento sócio-cultural que ocorreu entre o fim do primeiro período autoritário e o começo da década de 70, é possível identificar a existência de duas gerações de lideranças estudantis pós-64, que conduziram ações estudantis também diversificadas, já que os movimentos de 1970 desenvolveram uma multiplicidade de experiências locais, de alcance também local, devido à inexistência de uma articulação nacional (Almeida & Weis, 2002). A identificação de uma diferenciação dentro do mesmo grupo etário é discutida por Mannheim (1982) como fazendo parte do "fenômeno social da `geração' " que nada mais representa "do que um tipo particular de identidade de situação, abrangendo `grupos etários' relacionados, incrustados em um processo histórico-social" (p.73), observando-se que o mesmo contexto não afeta igualmente todos os indivíduos de um grupo de vivência ou de idade. Verifica-se, assim, que segmentos dessa geração podem assumir caminhos e posturas diferentes ou, até mesmo, opostos. "É o caso de padrões ou de movimentos culturais que se manifestam diversamente na mesma época, ou de movimentos políticos, uns radicais outros conservadores, cada um reunindo indivíduos de idade aproximada num cenário social semelhante" (Motta, 2004, p. 351).

Essa parece ser a situação de vivência da militância entre as mulheres que entrevistamos e que, devido ao momento no qual ingressaram na vida estudantil, tiveram trajetórias e experiências de participação, em alguns pontos, comuns, e em outros, bastante diferentes. Um ponto de aproximação importante entre elas é que todas se fizeram militantes de oposição nas faculdades, valendo lembrar que, entre as que aderiram a organizações revolucionárias de luta armada pós 68, somente Sônia tinha feito política no curso secundário e sido liderança estudantil no Estado entre 67-68.

O cenário diferenciado do movimento estudantil em dois momentos (1968 e 1970) estabelece uma dinâmica e configuração de militância própria nos dois períodos (Gorender, 1987; Reis Filho, 1990; Ridenti 1993). Embora não seja nosso objetivo analisar a dinâmica interna do Movimento Estudantil, algumas considerações a esse respeito merecem atenção para configurar o cenário e as condições sócio-políticas que caracterizam as diferenças e semelhanças na militância exercida pelas mulheres que entrevistamos. Uma delas refere-se às articulações dos movimentos com o cenário nacional. Sônia e Solange, que militaram entre 1967 e 1968, enfatizam as articulações nacionais das entidades estudantis que, mesmo clandestinas, promoviam encontros para definição de bandeiras nacionais em um intenso jogo político entre as organizações militantes para assumirem as lideranças das entidades tanto locais quanto nacionais. Sônia comenta "Aí, começaram a me fazer a cabeça pra eu me candidatar à UEE, que era União Estadual dos Estudantes. (...) eu entrei como uma representante do... do grupo que eles consideravam cristão".

No que se refere ao período 1971-1972, Raquel relata o caráter local do movimento em cada Faculdade, em cada Diretório Acadêmico, sem articulações entre as reivindicações estritamente estudantis, declarando assim o isolamento dos cursos, o que não significa dizer que o movimento não era percebido e vivenciado com entusiasmo e intensidade dentro da faculdade: "O DCE já tava fechado. Foi fechado em 68. Bom, aí você entra gostando dessas coisas, do que tinha pra fazer participação política. Isso era do diretório. Aí, com o diretório a gente tinha as brigas internas ali".

Nesse sentido, para Sônia, em nível nacional, e para Suzana, em nível local, em 1968 se destacam as disputas e articulações de uma infinidade de organizações partidárias e de esquerda que se mobilizavam em militâncias que não eram mais exclusivas do movimento estudantil e que, por fim, em 69, não estariam mais vinculadas ao movimento estudantil: "Porque não havia essa unidade toda entre os... entre os... esses grupos políticos. Nós chegamos a ter quase uns cinqüenta partidos de grupos políticos." (Sônia). Suzana relata sua percepção das organizações políticas dentro do Movimento Estudantil estadual depois que assumiu a presidência do Centro Acadêmico de seu curso: "E aí é que eu começo a despertar pra essa questão, por exemplo, de partidos políticos que já existiam e que estavam aí emergindo com forças, como o PC do B, como o Partido Comunista, o PCB mesmo, e... e a gente foi vendo essas coisas, então, mais claramente".

No cenário local, Suzana e Sônia deixam claro que as relações entre os grupos sociais em 68 eram conflituosas e discriminatórias em função da diversidade de origens ideológicas que se articulavam em um processo dialético de exclusão/inclusão social7, que, como conseqüência, em relação ao grupo ao qual pertenciam, geravam ameaças violentas e discriminatórias associadas ao gênero, nos bastidores das disputas políticas: "Os eruditos, os muito... chegados somente às grandes obras ...esses discriminavam muito. E nós, inclusive, perante esse grupo... éramos as pequenas burguesas. (...) Sempre as mulheres eram mais discriminadas e rotuladas assim (...). Sempre teve uma discriminação, porque nós nos originamos de um movimento cristão (...). Aqueles que eram mais ligados ao PC do B sempre olhava a gente de banda, como as igrejeiras, as cristãzinhas, uma coisa assim". As afirmações de Sônia sobre os bastidores das disputas políticas e ideológicas complementam a análise das formas de exclusão e ações violentas: "... a gente defendia uma posição, o cara defendia outra. E, às vezes, assim... diante do povo, da assembléia, tava tudo bem (...). Mas, por trás, às vezes, os caras tavam se comendo. Brigando mesmo. (...) Dizia assim: `vamos dar uma porrada nessas... A Ação Popular tá cheia de menininhas. Essas menininhas filhinhas de papai, aí'".

Esse exemplo de disputa interna no Movimento Estudantil local em 1968 vai ao encontro da análise de Souza (2004), em relação ao processo de exclusão e, portanto, de violência, já que podemos observar a presença de grupos "reguladores das relações políticas" que lutavam "para se impor como interesses dominantes" (p.64). Portanto, estabeleciam um processo de categorização que implicava diferenciações grupais (tanto positivas quanto negativas) baseadas em posições ideológicas e comportamentais, que permitiam identificar o outro como diferente, logo, não pertencente ao grupo.

Segundo Souza (2004), a violência articulada com inclusão/exclusão não se dirige a qualquer ser social, é um processo contra categorias sociais específicas construídas historicamente, como, por exemplo, "comunistas", "de esquerda", "subversivos"8. Portanto, essa é uma dinâmica que pode ser percebida entre os mais diversos grupos sociais mencionados pelas mulheres. Podemos citar como exemplo a categorização social mais ampla, que abarca a comparação entre um Nós (comunistas/militantes) e um Eles (não comunistas), entre um Nós (mulheres militantes) e Elas ("o grupo, por exemplo, de mulheres que seguiam o modelo tradicional") ou, ainda, entre um Nós "de esquerda" e um Eles "de direita", e vice-versa, consideradas aqui como relações intergrupos. Por outro lado, há também a dinâmica interna do grupo "da esquerda", que vai se dar na interação entre os subgrupos e organizações de esquerda. Como exemplo, podemos citar: "A Esquerda" e a "esquerda festiva"; as militantes originadas "de um movimento cristão" e as militantes "de grupos mais radicais"; "os simpatizantes" e os militantes; entre tantas outras categorizações de organiza ções de esquerda citadas. Vamos chamar, portanto, essas relações de relações intragrupo, considerando as organizações como sub-grupos da categoria maior, a esquerda.

Para exemplificar categorizações e diferenciações, podemos recorrer aos "apelidos" mencionados pelas militantes para diferenciar os grupos: "os eruditos", "os teóricos", "os radicais", "as igrejeiras", "as cristãzinhas", "filhinhas de papai", "pequenos burgueses" ou "burguesas", entre outros. Essas expressões se referem sempre a aspectos considerados pejorativos, ou melhor, socialmente desvalorizados dentro da categoria social mais ampla "estudantes de esquerda", identidade social que abarcava a todos e que, em certo sentido, os igualava nas diferenças. "Essa identidade funciona como uma marca que permite identificar quem faz parte e quem não faz parte do grupo" (Souza, 2004, p.64.). Por outro lado, entre as categorizações de esquerda havia aquelas destinadas aos considerados menos engajados: a esquerda que não poderia "ser levada a sério", "a esquerda festiva", a que Sônia e Solange se referem, porém com perspectivas diferenciadas. Solange se remete à referência que os grupos militantes de fora do estado (outgroup) tinham sobre as atividades da militância estadual (ingroup), que geralmente aconteciam em festas e eventos vinculados à Universidade. No entanto, ela protege a Identidade social de esquerda do seu grupo ao mencionar a importância que esses eventos tinham para as articulações internas do movimento, funcionando, também, como uma espécie de fachada: "Se dançava, se brincava, mas ali era facílimo chamar o conselho do DCE. Com certeza, tavam os representantes de todas as faculdades". Sônia, ao falar de esquerda festiva (outgroup), refere-se ao grupo de militantes e simpatizantes que se detinham em discussões sobre as mudanças dos costumes afetivo-sexuais ligadas às discussões sobre oposição ideológica ("Ficar discutindo política em barzinho, tomando cerveja e comendo pizza. Só a parte boa"), em contraposição aos outros militantes (ingroup) que planejavam e executavam ações.

Segundo Tajfel (1983), é exatamente esta perspectiva comparativa que estabelece a ligação entre categorização social e identidade social, ocorrendo uma tendência à valorização do ingroup e à desvalorização do outgroup, e, portanto, das possibilidades de inclusão/exclusão a partir das identificações sociais, exemplificadas por Velho (1997):

Em todo e qualquer grupo tribal, tradicional ou moderno, definem-se e classificam-se categorias sociais (...). O fato de um indivíduo ser judeu, católico, cigano, índio, negro, umbandista, japonês etc. coloca-o como parte de uma categoria social que, dependendo do contexto, poderá ser valorizada ou ser objeto de estigmatização (...). Podem-se, como sabemos, estabelecer n diferenciações e subdivisões dependendo do palco e dos atores envolvidos. As categorias podem ser reconhecidas pelos seus membros como autênticas ou poderão ser tomadas como acusações ou rótulos estigmatizantes. (p.44-45)

Portanto, ao chamarem o grupo de Sônia, Suzana e Solange de "igrejeiras", associavam a ele atributos ideológicos considerados negativos pela esquerda9, considerando a participação política para a qual a mulher não estaria habilitada e estabelecendo, assim, um processo de exclusão moral e social. Dessa forma, desqualificando a ação política e ideológica, de suposta origem burguesa e de gênero, do grupo local da Ação Popular, composto por lideranças basicamente femininas, estavam fazendo um movimento de valorização e proteção positiva do próprio grupo e das suas lideranças masculinas.

Essa produção de um distanciamento do outro grupo, que acarretava a valorização dos participantes do próprio grupo e o fortalecimento das convicções internas, promovia e justificava a penalização do outro através da exclusão moral e social, justificando, inclusive, como vimos acima, o uso de ameaças de violência física contra as mulheres. "A contrapartida da exclusão, face perniciosa e cínica das relações intergrupais e categorizações, é a promoção de solidariedade e identidade, portanto de inclusão e pertencimento" (Souza, 2004, p.67) 10.

Tajfel (1983), ao discutir a relação entre categorização social e sentimento de pertença de um indivíduo a um grupo, não se refere apenas a uma pertença objetiva, mas a um sentimento de pertença que associa representações, senso de justiça, valores éticos e morais e conhecimento sócio-histórico que promovem "aspectos e conseqüências psicológicas da pertença", fazendo com que a identidade social de um indivíduo seja concebida por meio do "conhecimento que ele tem de que pertence a determinados grupos sociais, juntamente com o significado emocional e de valor que ele atribui a essa pertença". Tais aspectos "só podem ser definidos através dos efeitos das categorizações sociais que dividem o meio social do indivíduo no seu próprio grupo e em outros" (p.161). Temos, então, uma elaboração de pertencimento múltiplo, que promove um caráter múltiplo também à identidade, posicionada no cruzamento de vários contextos sociais nos quais o sujeito pode se reconhecer e se diferenciar em diversas interações grupais, inclusive com os considerados "marginais". Portanto, um grupo só pode existir enquanto tal na medida em que há um outro grupo através do qual ele pode se reconhecer e ser reconhecido. É através desse mesmo circulo de reconhecimento que as identidades se tornam visíveis, sendo reconhecidas por outros dentro de locais específicos de interação (Mische, 1997).

Um exemplo dessa interação nos parece ser a reflexão que Sônia faz a respeito do posicionamento de Silvia frente ao processo de exclusão social que sofriam. Tal reflexão indica que a identidade de gênero promovia tipos distintos de pertença que poderiam ser apontados nos dois grupos, favorecendo uma outra forma de interação entre os mesmos: "a Silvia ficava pra morrer quando faziam essas coisas. Porque ela não participava disso. Mas eu acho que mulher era maioria do nosso lado, da Ação Popular, aqui da cidade".

O relato de Suzana sobre os conflitos grupais, no que diz respeito à identidade de gênero das mulheres militantes, aponta outra interação, que, a nosso ver, deixa clara a relação entre categorização social, pertencimento múltiplo e identidade como reconhecimento. Sua afirmação indica a percepção de que seu grupo (o in-group neste caso são as mulheres militantes) é valorizado negativamente pelas mulheres não militantes: "havia um certo preconceito em relação a nós, era... o grupo, por exemplo, de mulheres que seguiam o modelo tradicional. Elas percebiam que nós éramos diferentes (...)". A fim de proteger o seu grupo e, logo, a identidade grupal, ela desvaloriza o repertório de reconhecimento das "mulheres tradicionais" e assimila a representação de que, em contraposição, as mulheres militantes são mais "avançadas" ou mais cosmopolitas: "a gente achava que era coisa de cidade pequena, (...) como se fosse uma mentalidade provinciana". Por outro lado, nas relações internas da esquerda, ela sente que seu grupo de militância (o in-group passa a ser formado pelas mulheres que militavam na mesma organização) também é alvo de preconceito, sendo identificadas com as mulheres "tradicionais": "Agora, por outro lado, esse grupo mais radical achava que nós éramos, ainda, como aquelas". Para valorizar a identidade grupal nessa rede social, seu grupo valoriza negativamente o comportamento das mulheres que pertencem ao grupo "dos radicais": "esse outro grupo já era um grupo muito mais avançado, mais livre. Então, eram outros valores do ponto de vista, é... da sexualidade". Ao mesmo tempo, o comportamento do seu grupo é enfatizado como o mais adequado para "meninas direitas": "Então, nós éramos meninas direitas. A gente passava a noite, por exemplo, fora de casa, mas trabalhando, ali. Mas ninguém saía dali pra fazer um programa, pra dormir com um cara, pra isso e aquilo". Entretanto, ao fazerem isso, se identificam com alguns elementos que caracterizam o grupo das "mulheres que seguiam o modelo tradicional" e utilizam o mesmo repertório desse grupo para desvalorizar as outras integrantes da esquerda: "Então, essa coisa de virginda de, essas coisas, ainda era um valor preservado, né? Mas isso era relativamente mal visto". Essa reflexão indica que, em um mesmo grupo, está presente a dialética out-group/in-group em suas múltiplas interações, dependendo das circunstâncias nas quais seus reconhecimento e pertença são acionados, e reage valorizando positivamente as ações e a identidade do próprio grupo, desvalorizando o outro grupo, ainda que, para isso, utilize elementos do repertório de reconhecimento pelo qual também já foi desvalorizado.

Portanto, a identidade social é múltipla, uma vez que está relacionada, no contexto das interações sociais, a pertenças também múltiplas: faz parte "da competência normal de um agente social" mover-se entre planos e níveis distintos da realidade socialmente construída sem que isso cause choques traumáticos, caracterizando, assim, o "potencial de metamorfose" da identidade, que, segundo Velho (1994), se caracteriza por estar:

Vinculada a grupos de referência e [ser] implementada através de mecanismos socializadores básicos contrastivos, como família, etnia, região, vizinhança, religião etc. A tendência à fragmentação não anula totalmente certas âncoras fundamentais que podem ser acionadas em momentos estratégicos. Por outro lado, a fragmentação não deve ser entendida como um estraçalhamento literal do indivíduo psicológico. O trânsito entre os diferentes mundos, planos (...) é possível, justamente, graças à natureza simbólica da construção social da realidade. (p. 29)

A identidade como reconhecimento e experimentação também está presente na relação intergrupo das mulheres que militaram em 1971, embora não tenha sido mencionada a interação intragrupos da esquerda. Exemplo é o "potencial de metamorfose" que podemos perceber no processo identitário de Rosane frente à militância. Em suas falas, ela destaca a relação conflituosa que estabelece com a militância, à medida que aponta elementos que configuram a identidade feminina, compondo um repertório mais ou menos delimitado de reconhecimento coletivo sobre moça "direita" ou de família. Tal repertório não era aplicável às moças militantes, pois seus comportamentos rompiam com algumas regras de recato que deveriam ser seguidas. "Não podia ir no barzinho, era proibido porque era mulher"(Sônia). "Eu já era chamada de subversiva, era uma pessoa que questionava..." (Suzana). "Porque mulher, naquela época, não podia andar em bar, né, (...) Não podia ficar assim... solta na rua, tinha que ser acompanhada e, no máximo, até 10, 11 horas da noite" (Rosane).

Rosane partilhava desses códigos e se aproximou da militância temendo sofrer, pelo risco de poder vir a ser identificada como "mulher comunista", uma exclusão moral e social. Esse foi um dos motivos pelos quais resistiu em se reconhecer como pertencendo ao grupo de militantes com o qual estava envolvida: "Então, outra coisa também que eu não gostava (...) era que as mulheres eram muito liberais. Pra mim, eram muito galinhas, muito piranhas. (...)". Por outro lado, à medida que interage na militância e convive com as outras mulheres, vai se identificando, reconhecendo e sendo reconhecida, criando, assim, um impacto crítico em relação às opções que estavam disponíveis: "tanto que tinha uma grande amiga minha, que (...) quando ela soube que eu era, né, que depois eu contei, ela falou assim: `mas elas não são galinhas, são piranhas?' Eu disse: `não, não são não!'".

Refletindo sobre o cotidiano dessas mulheres na militância, pode-se admitir que no processo de conscientização política pelo qual passaram não foram incluídas de modo objetivo reflexões sobre a trajetória, presença e a importância específica das mulheres no projeto de esquerda ou na luta armada. Mesmo que tenham agido com autonomia e se considerado, na maioria das vezes, com os mesmos direitos e condições que os companheiros de luta, não perceberam na época, de modo geral, o alcance dessa participação em termos históricos. Acreditaram estar agindo "naturalmente" e se dispuseram a um novo papel histórico que, até o momento de nossa entrevista, não estava claro para todas elas. Algumas, inclusive, afirmaram que poderiam falar sobre o que viveram, ainda que não percebessem, em suas trajetórias, algo que indicasse uma atuação de gênero diferenciada. Entretanto, outras indicaram ter total compreensão do significado de suas ações políticas, admitindo que o comportamento das mulheres dessa geração abriu espaço para a inserção das mulheres na vida pública, mesmo que nenhuma delas tenha se dedicado posteriormente à vida político-partidária, nesse caso mais por escolha do que por falta de oportunidade. Como exemplifica Sônia: "eu acho que eu construí outra identidade,né?. Tanto que você vê que eu fiz questão de não me ligar a nenhum grupo [referindo-se ao desligamento da militância de esquerda] Ora, teria sido muito cômodo pra mim me ligar... Num instante eu iria virar uma vereadora, tranqüilo, se eu tivesse optado pela esquerda. Acontece que eu não me identifiquei mais com aquelas posições políticas. Então, não tinha o menor cabimento fazer isso".

Com base nos dados pode-se observar que, independentemente da idade das militantes, experiências comuns foram compartilhadas, o que, para Abreu (1997), caracteriza uma geração. Militantes mais novas e mais velhas vivenciaram acontecimentos que estruturaram uma época, e que favoreceram, aos que nela viveram, representações que orientaram práticas sociais, inclusive nas questões de gênero. Embora compartilhados, os fatos também são vividos diferentemente e, por isso, as intensidades desses mes mos fatos marcam de forma desigual os sujeitos, conforme valores e crenças dos grupos aos quais esses sujeitos pertenciam11.

Sejam quais forem as conseqüências que as ações em busca da realização de um projeto social puderam alcançar e alcançaram (clandestinidade, prisão, tortura), o que se viu foi uma nova forma de vida que exigiu das mulheres militantes ajustes extraordinários à sua realidade. Na reconstrução de suas trajetórias, as entrevistadas revelam a interação complexa entre motivações, escolhas e experiências cotidianas e incomuns, por vezes duras, que delas resultaram. A complexidade dessa interação, por sua vez, contribui, e, de forma evidente, continua contribuindo, para a constituição de suas identidades.

Entendemos que o estudo dos processos identitários revela uma faceta importante das relações sociais, contribuindo para a compreensão da diversidade de pertenças e identificações presentes em todas as trajetórias de vida, a partir de uma perspectiva que ultrapassa visões individualistas e deterministas, visões essas que costumam fundamentar as análises essencialistas.. Ao transitarmos pela trajetória de vida dessas mulheres, identificamos que estável permanece, por enquanto, somente a certeza de que os processos identitários são exatamente isso: processos.

 

Considerações finais

Através do conteúdo das narrativas dessas mulheres, com suas lembranças e conseqüente reconstrução de suas histórias de vida, haverá possibilidade de se tentar resgatar parte do repertório sociocultural daquele período no Brasil, contribuindo para a construção de uma história pouco contada. Os dados são compatíveis com a literatura sobre ditaduras, mostrando que em qualquer dos países submetidos a um período de ditadura militar, ainda se tem pouca visibilidade sobre os acontecimentos, prevalecendo uma outra ditadura: a do silêncio dos que viveram e contribuíram para a construção desse período histórico. Tal processo esteve próximo ao que foi vivido socialmente no Chile (Lira, 1998), onde também os ex-militantes, com o fim da ditadura naquele país, ao encontrarem a possibilidade de se confrontarem com reações emocionais incontroláveis e violência política, valorizaram os consensos, evitaram o risco da instabilidade política e se calaram, temendo o retorno do terror vivido. Essa situação favorece a despolitização da memória do período, uma vez que as ameaças e experiências traumáticas originadas na repressão política acabam por ser socialmen te validadas. Sendo assim, sem o reconhecimento social do sofrimento e das perdas vivenciados, as experiências traumáticas são relegadas ao âmbito da esfera privada pessoal, não permitindo que sejam confrontadas (Lira, 1998).

Estes são, portanto, alguns aspectos que este trabalho discute, tentando acompanhar a construção de uma parcela desse passado através de histórias de vida que se entrelaçam em tantas outras, mostrando a complexidade das relações, e formando uma trama cujos significados possíveis abrem espaço para outros a serem hoje recuperados, dentro de uma perspectiva que só o distanciamento no tempo produz.

 

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Received 06/12/2006
Accepted 27/01/2007

 

 

Ingrid Faria Gianordoli-Nascimento. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Doutora em Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psiocologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisadora na área de Psicologia Social, desenvolvendo estudos relacionados as questões de gênero, identidade social, Representações e práticas sociais com ênfase no tema da violência.
Zeidi Araujo Trindade. Professora associada do Departamento de Psicologia Social e do desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Pesquisadora na área de Psicologia Social, desenvolvendo estudos sobre gênero, com ênfase nos temas parentalidade e masculinidades.
Maria de Fátima de Souza Santos. Professora associada da Universidade Federal de Pernambuco. Doutora em Psicologia pela Universidade de Toulouse, atua no Programa de Pós-graduacão em Psicologia do Departamento de Psicologia da UFPE. Desenvolve seu trabalho na área da Psicologia Social, nas linhas de pesquisa Processos sóciointerativos e desenvolvimento humano, Representacão e práticas sociais, Violência e exclusão social.
1 Rua Bento Mendes Castanheira, n.222, apt.101. CEP 31-260-270. Belo Horizonte/MG, Brasil. E-mail: fgian@uol.com.br
2 Permeia a temática a complexa problemática de identidade em situação limite de ameaça física e psicológica como apontada por Pollack (1992) e por outros que pesquisaram o tema (Ferreira, 1996; Colling, 1997; Carvalho, 1998; Catela, 2001).
3 Os interesses do movimento já não estavam mais voltados apenas para as causas educacionais e, a partir de então se aproximaram dos mais diversos grupos que também questionavam o regime militar A partir de 1965, o teatro brasileiro, por exemplo, apresentou textos desbravadores, engajando-se na denúncia de questões cruciais que abalavam a realidade brasileira, tornando-se um dos meios de maior resistência ao regime militar (Aguiar, 1994; Michalski, 1994; Ferreira, 1996; Abreu, 1997; Ventura, 1988; Simões, 1999).
4 Abreu (1997) aponta que a maioria das militantes era formada por estudantes, professoras ou tinham qualquer outra formação superior, sendo assim integrantes das denominadas camadas médias intelectualizadas, fazendo com que, possivelmente, tivessem condições para desempenhar um papel mais destacado nas formulações políticas. Portanto, embora as mulheres tivessem condições intelectuais, faltava a elas ser do gênero "certo".
5 Para preservar o anonimato das participantes não identificaremos o Estado brasileiro onde foi realizada a pesquisa.
6 Do AI ao AI-5 (1964-1968); do AI-5 ao início da abertura (1969-1974); a longa transição rumo ao governo civil (1975-1984) (Almeida & Weis, 2002).
7 Souza (2004) realiza um amplo debate sobre a complexidade e ambigüidade dos conceitos de exclusão e violência, incluindo a referência dialética presente nas práticas sociais de exclusão/inclusão, seja nos regimes políticos de exceção ou nas práticas democráticas que visam à cidadania. Destacamos aqui que fazem parte dessa discussão as práticas de "restrições invisíveis, mediadas ideologicamente, naturalizadas e materializadas nos costumes, como a limitação de acesso a determinadas profissões para mulheres, ainda hoje" (p.61).
8 Para a análise do modo como a categoria "subversivo" se inseriu no cotidiano nacional, ver: Velho (1997).
9 Historicamente, a religiosidade está vinculada à representação de gênero feminino.
10 Análise baseada nas colocações do autor, que chama atenção para o fato de que "grupos ou categorias podem ser excluídos não apenas por sua condição econômica degradada, mas também em função do sexo, do gênero, da raça, do local de moradia, da filiação a escolas filosóficas ou científicas, da sexualidade e de limitações físicas ou mentais, entre tantas outras possibilidades" (Souza, 2004, p. 67).
11 É nesse sentido que Velho (1986, p. 80) alerta para a importância de se contextualizar a "vertente geracional" do grupo que se pretende estudar. Estariam, segundo eles, em inter-relação influências de dois níveis: a dos grupos mais imediatos e a de um conjunto maior denominado geração.