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Estudos de Psicanálise
versão impressa ISSN 0100-3437
Estud. psicanal. no.41 Belo Horizonte jul. 2014
Subjetivação e limite: uso do objeto e uso da lei
Subjectivation and limit: using the object and using the law
Adriana Rodrigues AntunesI; Maria Consuêlo PassosII
ITesouro Estadual do Estado de Pernambuco
IIUniversidade Católica de Pernambuco
RESUMO
Partindo da noção de limite formulada a partir da teoria de Winnicott e compreendida como capacidade de se preocupar com o outro, este artigo discute a capacidade de ação do sujeito. A noção de limite proposta, deslocando a ideia de interdição como fundamento do processo de subjetivação, é reforçada pela antropologia, representada pela teoria da prática de Sherry Ortner, a qual concebe a produção de sujeitos sociais por meio da prática no mundo e a produção do próprio mundo por intermédio da prática. Além disso, essa noção de limite é afirmada pela visão pós-positivista do direito, na qual se realça a interpretação da norma pela aproximação entre direito e ética, enfatiza-se o princípio da dignidade da pessoa humana e se configura o cuidado como categoria jurídica. Tais perspectivas, aplicadas à análise do reconhecimento judicial do direito à troca de nome e sexo no registro civil pelos transgêneros, permitem conceber a capacidade de ação do sujeito de considerar a historicidade de seus modos de ação na cultura e da própria lei e de argumentar que o horizonte simbólico não é intocável. Assim, permitem discutir as possibilidades de uso da lei, a ampliação do seu potencial normativo, a negociação de limites e a reinvenção de significações pelos sujeitos, bem como as ideias de contingência e historicidade na psicanálise. Por fim, sugere-se que, para compreender a diversidade e a singularidade da experiência humana, é necessário considerar as particularidades das situações vividas e os sentidos compartilhados das noções de limite e cuidado com o outro.
Palavras-chave: Capacidade de ação, Cuidado com o outro, Negociação de limites.
ABSTRACT
This work, based on the notion of limit formulated from the theory of Winnicott and understood as the capacity for concern, discusses the agency. The proposed notion of limit, shifting the idea of interdiction as a foundation of the process of subjectivation, is reinforced by anthropology, Sherry Ortner’s theory of practice, which conceives the production of social subjects through practice in the world and the production of the world through practice. Furthermore, this notion of limit is affirmed by the post- positivist view of the law, which stresses the interpretation of the rules by the rapprochement between law and ethics, emphasizes the principle of human dignity and sets up concern as a legal category. Such perspectives, applied to the analysis of the legal recognition of the right to exchange name and sex in the civil registry for transgender, allow to conceive the agency, to consider the historicity of subjects’ modes of action in culture and that of law itself and argue that the symbolic horizon is not untouchable. So, let discuss the possibilities of using the law, the expansion of its regulatory potential, the negotiation of limits and the reinvention of meanings by the subjects, as well as the ideas of contingency and historicity in psychoanalysis. Finally, it is suggested that to understand the diversity and uniqueness of human experience, it is necessary to consider the particularities of situations experienced and the shared notions of limit and capacity for concern.
Keywords: Agency, Capacity for concern, Negotiation of limits.
1 A psicanálise entre a universalidade e a pluralidade
Ao formular algumas proposições acerca da experiência humana, a psicanálise possibilita que suscitem, a partir de seu corpo teórico, duas indagações correlatas: a experiência humana é mais bem compreendida pela afirmação de invariantes universais das culturas e dos sujeitos ou pela consideração das circunstâncias concretas – históricas, sociais, culturais – e singularidades psíquicas de cada sujeito? O laço social, na forma como é tematizado na psicanálise, estaria fundado primordialmente na submissão de cada sujeito à lei ou, diversamente, na negociação de limites entre os sujeitos?
Tais questões se revestem de importância, sobretudo se considerarmos que as respostas a elas demarcam campos epistemológicos distintos e podem oferecer pistas para revolver alguns aspectos dos modelos teóricos da psicanálise, investigando seus impasses e sua fecundidade conceitual. De um lado, a afirmação de invariantes culturais faz entrever um pensamento que privilegia o universal sobre o particular. De outro lado, compreender os sujeitos em suas singularidades permite introduzir no quadro teórico as ideias de negociação de limites e de capacidade de ação entre os sujeitos.
Proporemos, contudo, um caminho inverso e complementar de análise, deslocando, por um momento, a atenção do sujeito e sua dinâmica psíquica, para abordar inicialmente uma forma específica de ação do sujeito na cultura, qual seja, a propositura de ação judicial, pelos transgêneros, para retificação do nome e do sexo no registro civil. E, após analisar essa forma de ação na cultura, retomaremos a noção de limite em psicanálise, trazendo algumas considerações sobre o sujeito, a lei e o laço social.
2 Uma forma de ação do sujeito na cultura
As ações para retificação de registro civil são propostas tanto por sujeitos que se submeteram quanto pelos que não se submeteram à cirurgia de transgenitalização. Na hipótese de ter ocorrido a cirurgia, a jurisprudência majoritária julga procedente o pedido de retificação do nome e do sexo. Todavia, na ausência de cirurgia, tem-se reconhecido apenas o direito à alteração do nome.
Para ilustrar, consideremos uma decisão do Tribunal de Justiça de Sergipe (Apelação Cível nº 3976/2012, 1ª Câmara Cível, relatório da desembargadora Maria Aparecida Santos Gama da Silva. Data de julgamento: 9 jul. 2012), a qual permite observar a questão sob dois ângulos: de um lado, a tentativa do sujeito de criar uma nova narrativa para si; de outro lado, a estrutura social ou, de modo mais específico, a ordem jurídica, como limite e possibilidade para a ação. Nesse caso considerado, um transexual, apesar de não ter se submetido à cirurgia, porque não é ofertada gratuitamente em seu Estado, requer que, no seu registro civil, seu nome seja retificado e que se faça constar sua condição de “transexual sem ablação de genitália”. A sentença de 1º grau julgou improcedente o pedido sob o seguinte fundamento:
[...] a exposição psicológica feminina do Requerente não condiz com a sua realidade biológica, pois o exame de corpo físico mostra a genitália masculina. No registro de nascimento devem constar os característicos do ser humano, se homem ou mulher, o que é mundialmente definido pela genitália.
Contra essa sentença, o autor da ação apela ao Tribunal de Justiça de Sergipe, alegando que a cirurgia não é oferecida gratuitamente em seu Estado e asseverando sofrer constrangimento em razão da utilização do nome constante em seu registro. Obtém, então, uma nova decisão que lhe é parcialmente favorável porque reconhece o direito à retificação do nome sem, contudo, deferir a possibilidade de fazer constar no registro a expressão “transexual sem ablação de genitália” em vez de sexo masculino.
Essa nova decisão traz dois fundamentos. Quanto à alteração do nome, considera que “fechar os olhos para a situação vexatória que a vem sendo submetido o apelante, a qual, destaque-se, é reconhecida pela própria medicina, implicaria uma ofensa sem medida ao princípio da dignidade da pessoa humana [...]”. Quanto ao uso da expressão “transexual sem ablação da genitália”, entende que
[...] é inquestionável que só existem duas espécies de gênero ou sexo, quais sejam, masculino ou feminino. Assim, considerando que a identidade biológica do apelante é a masculina, porquanto ainda não submetido à cirurgia, o gênero constante em seu registro deverá ser mantido, a fim, inclusive, de não induzir terceiros de boa-fé a erro.
Nesse caso, a circunstância particular do autor da ação está no fato de que, embora, desde seu nascimento, a ele tenha sido assegurado o direito ao nome, seu nome lhe causa constrangimento, porque indica um gênero no qual ele não se reconhece. Ocorre que, no Brasil, a Lei de Registros Públicos exige que a retificação de assentamento no registro civil seja autorizada por ordem judicial.
Assim, a ação para retificação do nome e do sexo no registro civil veicula um pedido de reconhecimento da singularidade de determinada situação, configurada no fato de que, embora no ato do registro civil se pressuponha a correspondência entre o nome e a anatomia do recém-nascido, tal pressuposição não se aplica ao caso concreto.
Do ponto de vista jurídico, o reconhecimento judicial da possibilidade de retificação representa, numa primeira visada, a tutela jurisdicional da dignidade da pessoa humana e dos direitos da personalidade em sua dimensão psíquica. Além disso, compreende outro aspecto: a ampliação do alcance da norma (que foi reinterpretada) de modo a proteger sujeitos cujas situações existenciais subvertem a pressuposição de correspondência entre nome e anatomia.
3 Negociação de limites e reinvenção de significações
E aqui já caberia perguntar: de que maneira todas essas questões (de um lado, pedido de retificação do registro civil, de outro, aplicação e interpretação da norma jurídica) se relacionam com a psicanálise?
Para dizer de modo bem simples e direto, diríamos que a relação estaria estabelecida pela compreensão da noção de “limite” por meio de outras noções como “cuidado com o outro”, “uso do objeto”, “continuidade da existência” (CAVALCANTI, 2012). Isso porque, embora seja uma ação judicial, é possível arriscar algumas hipóteses acerca da dinâmica psíquica dos sujeitos aí envolvidos.
Ao propor a ação judicial aqui discutida, o sujeito cria uma narrativa na qual afirma seu desejo de ser reconhecido de outro modo, a partir de outras categorias e predicações diversas daquelas oferecidas pela ordem jurídica e pela cultura. Assim, a ação judicial presentifica uma forma de atuação do sujeito por meio da qual ele se reinventa e demanda de um outro também uma reinvenção de significações. Em outros termos, ocorre uma negociação de limites que não pode prescindir das ideias de cuidado com o outro, uso do objeto e continuidade da existência.
Para melhor explicitar esse ponto, primeiro há que considerar que a noção de limite leva a supor um encontro criativo com as regras civilizatórias, que “representa um contraponto a uma adaptação submissa e acrítica ao meio ambiente, com efeitos éticos devastadores” (CAVALCANTI, 2012, p. 13). De fato, ao solicitar que seu nome e sexo sejam retificados em seu registro civil, o sujeito está afirmando que a norma estabelece um sentido unívoco, uma continuidade entre genitália, sexo, gênero e nome. Nesse contexto, seu pedido demonstra que, em vez de se adaptar às situações vexatórias, ele solicita que a norma seja reinterpretada a partir de outros parâmetros, de modo a proteger seus direitos.
Esse modo de compreender a atuação do sujeito tem como pano de fundo a ideia de normatividade proposta por Canguilhem e sintetizada por Costa (2002, p. 64) como a “capacidade permanente dos organismos humanos singulares de recriar novas normas em função das solicitações do ambiente ou de ações inéditas produzidas pelos próprios organismos”.
Assim, se postula um sujeito capaz de instituir normas, de agir, de usar o objeto para trazer uma concepção de Winnicott (ANO). [não consta em Referências] E analogamente, para o caso analisado, podemos afirmar que o sujeito usa a lei, demandando uma transgressão de seus contornos, uma ampliação de seu potencial normativo.
Neste ponto, seria prudente ponderar que as possibilidades de uso da lei não ostentam equivalência entre si, algumas configurando um uso criador e ético, outras, ao contrário, podendo ser descritas como um uso “perverso”.
A esse propósito, Costa (2002, p. 67) afirma que o perverso “converte o mundo em um ritual monótono ao qual ele e o outro devem se sujeitar”, enquanto, em contrapartida, na hipótese de um uso criador, seria uma reinvenção de ideais do eu.
Assim, a dinâmica psíquica pode ser abordada em duas perspectivas. Na primeira, Costa retoma o texto de Freud (1917) Os caminhos da formação dos sintomas. Analisando o processo psíquico que leva o sujeito a buscar o ressarcimento da frustração imposta pela realidade externa na satisfação fantasiada, Freud considera, relativamente ao artista, que este não se contenta com o prazer da fantasia, pois “modifica a realidade para obter nela o que lhe fora negado por ela” (COSTA, 2002, p. 66). E é tal modificação da realidade – ou tentativa de modificação – que está presente também no ato de propositura de ação judicial pelos transgêneros.
Numa outra perspectiva, Costa (2002) sugere que a dinâmica psíquica pode ser entendida a partir da ideia de Winnicott de sentimento da continuidade da existência,
[...] sentimento ativo, criador da experiência da unicidade de si que acompanha e dá sentido às mudanças do self na interação com o meio. [...] a continuidade da existência é o estofo do valor da vida. Sem continuidade não há história de si, e sem a posse do sentido do que fomos, somos e queremos ser, não saberíamos reconhecer o valor das escolhas que fizemos e da responsabilidade de assumi-las como nossas (COSTA, 2002, p. 74).
Assim, o uso criador e ético da lei implicaria para o sujeito a modificação da realidade e o sentimento de continuidade da existência. Mas pressuporia igualmente a negociação de limites, que não vêm dotados de um sentido apriorístico, seja para aquele que propõe a ação judicial, seja para aquele que julga o pedido. De fato, observa-se como foi alargado o limite do que se pode reconhecer como direito entre a primeira decisão, que não reconheceu qualquer direito, e a segunda, que julgou procedente o pedido para mudança do nome.
Da mesma forma, pode-se entrever um sentido contingente da ideia de cuidado com o outro, na medida em que o cuidado está presente no deferimento da mudança de nome, que é justificado pelo princípio da dignidade da pessoa humana, mas não leva ao pleno reconhecimento da singularidade da situação do sujeito que desejaria também mudar a indicação de seu sexo no registro civil.
Em síntese, o caminho inverso que percorremos nos permitiu desenhar uma compreensão da ação do sujeito na cultura e de sua dinâmica psíquica na qual se pode perceber que o laço social entre os sujeitos é construído e reconfigurado pela negociação de limites.
4 Outras derivações: a psicanálise do lado da contingência e da historicidade
Esse argumento permite ainda algumas derivações teóricas, aportes para qualificar e problematizar a noção de lei em psicanálise, partindo de outros campos como o direito e a antropologia. Comecemos por afirmar que o próprio direito hoje recusa tanto a ideia de lei como estrutura meramente formal quanto a ideia de um ordenamento jurídico indiferente a valores (BARROSO, 2010). Bem ao contrário, a aplicação da lei implica o pressuposto de que o sentido da norma é construído na situação concreta. Ou seja, o direito contemporâneo não recusa o papel criativo de juízes e tribunais, tal como foi exemplificado por meio da análise da ação judicial.
Isso converge com a afirmação de Costa (2000, p. 26) de que
[...] a lei, nessa cultura, não é a emanação de ‘um outro’ além do tempo e dos espaços culturais; é o conjunto de regras contingentes e experimentais, feitas e refeitas pelos interessados em alcançarem metas com que sonharam ou poderão vir a sonhar.
Nesse sentido, também se pode compreender, tal como Márcia Arán (2006, p. 58), que a lei não é uma estrutura anterior e transcendente às manifestações sociais, políticas e históricas, e que o simbólico não é uma força cuja subversão traz a ameaça da psicose.
E retornando à ação judicial aqui comentada, podemos verificar que as duas decisões nela proferidas explicitam a contingência e historicidade das regras. De fato, na primeira, o julgador entendeu que ser homem ou ser mulher é mundialmente definido pela genitália. Portanto, haveria relação unívoca entre genitália e gênero. A segunda decisão opera um deslocamento ao conceder a retificação do nome com amparo no reconhecimento de uma situação vexatória. Contudo, mantém-se presa à matriz binária heterossexual porque considera haver apenas duas espécies de gênero ou sexo atreladas à identidade biológica.
Em outros termos, pode-se afirmar que esses deslocamentos operados nos conteúdos das decisões ilustram uma negociação entre os sujeitos interessados dos limites a partir dos quais um sujeito reconhecerá o outro.
Esse raciocínio se distancia bastante daquele contido no modelo freudiano, no qual a relação do sujeito com a cultura é concebida predominantemente sob o ângulo da submissão e da existência de características invariantes em todas as sociedades humanas. Entretanto, é possível encontrar passagens nas quais Freud demonstraria compreender o sentido contingente das regras culturais. Assim, em O mal-estar na civilização (1930), ele constata o fato de que a maioria das satisfações extragenitais é interditada como perversão e afirma que a exigência de uma vida sexual uniforme para todos “[...] ignora as desigualdades na constituição sexual inata e adquirida dos seres humanos, priva um número considerável deles do prazer sexual e se torna, assim, a fonte de grave injustiça” (FREUD, 2010, p. 68).
A partir desse entendimento, ele conclui que
[...] é lícito esperar que pouco a pouco lhe introduziremos [na cultura] mudanças que satisfaçam melhor as nossas necessidades e escapem a essa crítica. Mas talvez nos familiarizemos igualmente com a ideia de que há dificuldades inerentes à cultura, que não cederão a tentativas de reforma (FREUD, 2010, p. 83).
Ou seja, o próprio Freud, ainda que cético, oscila entre a ideia de submissão e a de capacidade de ação dos sujeitos. Desse modo, pelo menos nessa passagem, ele não estaria lançando mão de uma ideia de lei transcendente e a-histórica.
Todavia, é importante lembrar que tal concepção de lei transcendente e a-histórica é bem própria ao contexto cultural e científico da época em que Freud formulou sua teoria, contexto esse marcado pelo positivismo. E, assim, estabelecendo uma analogia entre o sentido de lei em psicanálise e a norma jurídica (PEREIRA, 2003), é interessante ressaltar que também o direito do início do século XX se inspirava numa doutrina positivista e, assim como a psicanálise, postulava a existência de uma norma fundamental.
Todavia, no campo jurídico, o positivismo gerou como subprodutos o fetichismo da lei e o legalismo acrítico, os quais, entre outras consequências, permitiram as experiências nazifascistas da Itália e da Alemanha, em que movimentos políticos e militares promoveram a barbárie em nome da lei (BARROSO, 2010).
Portanto, de tudo o que foi dito, podemos situar historicamente a noção de lei concebida como estrutura formal e transcendente e argumentar que cabe ao intérprete optar pelo modelo teórico que lhe servirá de guia.
Ainda há que ponderar que, na medida em que nos seus escritos sobre a cultura, também se utilizou de dados antropológicos, Freud recorreu a autores que construíram uma visão determinada da antropologia. Consequentemente, para não confundir o todo com a parte, temos de considerar que outras versões da antropologia se pautam pela afirmação da capacidade de ação do sujeito.
A título de exemplo, podemos citar a antropóloga Sherry Ortner (2006), para quem são problemáticas as abordagens que tratam essencialmente da coerção, ou seja, aquelas teorias que concebem o comportamento humano como plasmado por forças e formações sociais e culturais externas, sintetizadas em categorias como cultura, estrutura mental, capitalismo. Desse modo, os processos culturais (discursos, representações, sistemas de símbolos) estariam fundados nas relações sociais das pessoas na vida concreta, o que levaria à consideração da agência humana e de “[...] uma teoria geral da produção de sujeitos sociais por meio da prática no mundo e da produção do próprio mundo por intermédio da prática” (ORTNER, 2006, p. 38).
Todos esses recortes permitem à autora afirmar:
Mas os indivíduos/pessoas/sujeitos sempre estão inseridos em teias de relações, de afeto ou de solidariedade, de poder ou de rivalidade, ou, muitas vezes, em alguma mescla dos dois. Seja qual for a “agência” que pareçam “ter” como indivíduos, na verdade se trata de algo que é sempre negociado interativamente. Neste sentido, nunca são agentes livres, não apenas no sentido de que não têm liberdade para formular e atingir suas próprias metas em um vazio social, mas também no sentido de que não têm capacidade de controlar completamente essas relações para seus próprios fins. Como seres sociais – fato verdadeiro e inescapável –, só podem atuar dentro de muitas teias de relações que compõem seus mundos sociais (ORTNER, 2006, p. 74).
5 Para concluir: # para uns
Assim, para ver os sujeitos em sua concretude, é necessário situar as teias de relações, de afeto ou de solidariedade, de poder ou de rivalidade, nas quais eles estão inseridos. Seu ambiente, enfim, mais ou menos facilitador. Para compreender a diversidade e a singularidade da experiência humana, inclusive nela qualificando o que pareceria demanda perversa ou atividade criadora, é necessário ter em conta as particularidades das situações vividas e os sentidos compartilhados das noções de limite e cuidado com o outro. Afinal, o laço social, para uns, pode estar fundado em lugares-comuns; para outros, será construído pelas surpresas, pelos inesperados, pelos acasos e pelas contingências. Para uns, o uso da lei parecerá revestido de ameaça; para outros, representará uma tentativa de recobrar o sentimento de continuidade da existência. De qualquer modo, para abreviar a discussão, poderíamos dizer: # para uns.
Referências
ARÁN, M. A transexualidade e a gramática normativa do sistema sexo-gênero. Ágora, Rio de Janeiro, v. IX, n. 1, p. 49-63, jan./jun. 2006. Disponível em: http://www.scielo.br. Acesso em: 12 abr. 2013. [ Links ]
BARROSO, L. R. Curso de direito constitucional contemporâneo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. [ Links ]
CAVALCANTI, A. E. Para além do recalque e da interdição: notas sobre a noção de limite em psicanálise. Trabalho apresentado no XIX Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise, Recife, 2012. [ Links ]
COSTA, J. F. Criatividade, transgressão e ética. In: PLASTINO, C. A. (Org.). Transgressões. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2002. p. 63-76. [ Links ]
COSTA, J. F. Playdoier pelos irmãos. In: KEHL, M. R. Função fraterna. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. p. 7-30. [ Links ]
FREUD, S. O mal-estar na civilização [1930]. In: ______. O mal-estar na civilização, novas conferências introdutórias à psicanálise e outros textos (1930-1936). Tradução de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 13-122. [ Links ]
ORTNER, S. B. Uma atualização da teoria da prática. Disponível em: http://www.abant.org.br/conteudo/livros/ConferenciaseDialogos.pdf. Acesso em: 11 nov. 2012. [ Links ]
PEREIRA, R. C. A primeira lei é uma lei de direito de família: A lei do pai e o fundamento da lei. In: GROENINGA, G. C.; PEREIRA, R. C. (Coord.). Direito de família e psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 2003. p. 17-29. [ Links ]
Endereço para correspondência
Adriana Rodrigues Antunes
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Maria Consuêlo Passos
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E-mail: mariaconsuelopassos@gmail.com
Recebido: 10/03/2014
Aprovado: 31/03/2014
SOBRE AS AUTORAS
Adriana Rodrigues Antunes
Graduada em sociologia e em direito. Mestre em sociologia. Doutoranda em psicologia clínica pela Universidade Católica de Pernambuco. Auditora Fiscal do Tesouro Estadual do Estado de Pernambuco.
Maria Consuêlo Passos
Psicóloga. Psicanalista de casal e família. Doutora em psicologia social. Docente-pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco.