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Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437

Estud. psicanal.  no.48 Belo Horizonte July/Dec. 2017

 

PAINEL TEMÁTICO - AGRESSIVIDADE, VIOLÊNCIA, TERROR E TERRORISMO

 

 

Jovens em tempos de cólera: descaminhos do afeto1

 

Youngsters in the time of cholera: misuses of affection

 

 

Juliana Marques Caldeira Borges

I Círculo Psicanalítico de Minas Gerais

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A partir de situações clínicas em psicanálise e acontecimentos noticiados na mídia, a autora propõe uma reflexão sobre a atualidade, na qual tem sido constante a violência entre os jovens no espaço por onde transitam em seu cotidiano.

Palavras-chave: Jovens, Violência, Agressividade, Contemporaneidade, Psicanálise.


ABSTRACT

From psychoanalytical clinical situation and media reported events, the author suggests reflections about the present, when violence amongst youngsters has been ceaselessly, and occurs at places of daily transit.

Keywords: Youngsters, Violence, Agressivity, Contemporaneity, Psychoanalysis.


 

Bom dia. Agradeço a oportunidade de estar aqui com colegas de grande apreço para discutirmos os caminhos que se abrem diante de nós nestes novos tempos. Estes têm se mostrado tão embaralhados que desatar alguns nós se tornou um desafio cotidiano em nossa vida e em nossa clínica, e neste ofício de analistas temos que responder a isso, de alguma maneira, mesmo que as respostas sejam mais questões que soluções aos impasses da contemporaneidade. Assim caminha a psicanálise... Que nós possamos trabalhar juntos no encontro das indagações deste século XXI que tem nos trazido surpresas e perplexidade.

No ofício de analista tenho me deparado, nos últimos tempos, com um aumento considerável de situações tensas, agressivas, por vezes carregadas de uma raiva desproporcional, nas relações entre os jovens. A partir de situações clínicas e acontecimentos noticiados na mídia, busco aqui refletir sobre a realidade destes novos tempos, em que a violência tem sido constante, tanto a violência verbal quanto a violência física, ocorrida no espaço por onde transitam os jovens em seu cotidiano, além do espaço virtual, que constantemente é invadido, na contemporaneidade, com o propósito de provocar no jovem ações por vezes extremas e até cruéis.

Jovens em tempos de cólera: os descaminhos do afeto – o que buscam? O que desejam? O que se perdeu no caminho do afeto amoroso, que fez do ódio e das explosões de violência uma constante em seu existir? São questões que nos chegam e nos mostram a importância do tempo de refletir para que possamos caminhar junto com eles, em nosso espaço clínico, quando eles ou sua família nos procuram, e no espaço do social, quando somos convidados a dar contornos às situações que trazem perplexidade e angústia à sociedade nestes novos e, por vezes, assustadores tempos.

Os movimentos contestadores, revolucionários, libertários, os questionamentos, o desejo de mudar a ordem social vigente, tudo isso sempre veio pela voz dos jovens. O que tem nos chamado a atenção na contemporaneidade é o viés da criminalidade por vezes presente nos atos violentos que temos presenciado e que muitas vezes nos causam horror, tirando-nos a possibilidade da palavra para contornar o inimaginável.

Segundo Joel Birman (2008), uma efetiva e progressiva criminalização da violência da juventude brasileira tem ocorrido não só nas classes mais populares, mas também nas classes mais privilegiadas.

Analisando, já em 2008, acontecimentos dessa natureza, Birman assinalava que:

Esse processo é bastante recente na história brasileira, principalmente no que concerne às classes médias e que têm alto nível de escolaridade. Trata-se, enfim, de um fenômeno novo e que se dissemina já no tecido social com bastante velocidade, que produz acontecimentos não apenas espetaculares, mas também inesperados (BIRMAN, 2008).

Ele continua, em seu texto, apontando para a disseminação da violência e da transgressão em outros campos da existência social e cita vários exemplos, como brigas de trânsito e acidentes graves ou fatais, brigas entre jovens de classe média ou de elite em bares e boates, os enfretamentos nos bailes funk, ou seja, diversos eventos que independem de diferenças sociais e geográficas para se constituírem como frequentes no cenário urbano atual.

Vejamos alguns desses acontecimentos na atualidade:

1. Uma cena de violência foi gravada na saída de um colégio em Estância Velha, no Rio Grande do Sul. Uma adolescente de 13 anos espancou uma colega. A gravação começa antes da briga. A adolescente puxou a outra para a calçada e começou a violência. Em volta, colegas estavam reunidos para assistir. A garota que apanhou tentava se defender, mas não conseguiu. As imagens mostram que a menina batia a cabeça da outra contra tijolos. Num primeiro momento, ninguém tentou impedir que a agressão continuasse. A vítima foi parar no hospital, com vários ferimentos pelo corpo. Por sorte, ela não teve lesões graves. Em poucos minutos, o vídeo da briga já estava sendo compartilhado na internet. Uma das meninas tem histórico de agressividade e ameaças a outros colegas. A diretora da escola disse estar assustada com a gravação e que nunca imaginou ter os alunos envolvidos em tamanha violência. A secretária de educação do município encaminhou o caso ao conselho tutelar. Por enquanto, a menina agressora está afastada do colégio. A aluna agredida foi transferida para outra escola. A briga aconteceu na praça que fica bem nos fundos da escola. A confusão começou logo depois do turno da tarde. Várias pessoas se reuniram para assistir à cena, que ainda não se sabe se foi planejada ou não. Para desfazer a dúvida, o conselho tutelar vai chamar todos os estudantes que assistiram ao vivo a agressão para depor. As adolescentes envolvidas já estão sendo atendidas pelo conselho. A menina agressora passa por atendimento psicológico e deve responder a um processo no Ministério Público, que vai solicitar uma vaga pra ela em outra escola da região. Os pais foram chamados, mas só a mãe compareceu. (Relato encontrado em site de notícias).

2. Um rapaz de 22 anos foi espancado ao sair de uma boate em um bairro da Região Oeste de Belo Horizonte, na última terça-feira. A agressão aconteceu na saída da casa de eventos e teria sido motivada por ciúmes do ex-namorado da jovem, que o acompanhava. Segundo informações da mãe do rapaz, H. estava saindo da boate com uma menina quando encontraram o ex-namorado da garota, que teria voltado à casa de eventos e chamado mais cinco amigos para brigarem com ele. De acordo com R., o filho apanhou mesmo não tendo nenhuma relação afetiva com a jovem, pivô da confusão. “Eu não sei o nível de intimidade que eles tinham, talvez tivessem se conhecido. Mas eu sei que é uma menina boa”. Segundo ela, o filho teve traumatismos cranianos e de face, além de sangramentos no ouvido, mas se recupera bem. Ele está internado em um hospital na Região Centro-Sul de Belo Horizonte e chegou a ficar em coma na UTI da unidade, já tendo sido transferido para o quarto, onde se encontra sedado e em observação. A mãe de H. informou que ainda não decidiu como agirá em relação ao ocorrido, mas que espera que a justiça seja feita. “Eu só quero justiça. Não tenho que julgar ninguém. Estamos todos muito agradecidos porque ele está vivo. Eu só posso dizer que, mesmo em meio a tanta dor, eu prefiro estar no meu lugar do que no lugar da mãe do agressor do meu filho”, declarou. H. é estudante de uma Faculdade do Estado de Minas Gerais. Pelas redes sociais, amigos do curso e o diretor da unidade de ensino compartilham mensagens de apoio na página do rapaz e pedem justiça. H. teve perda total da audição do ouvido esquerdo, paralisia facial e alterações no equilíbrio. Os quatro suspeitos da agressão respondem a uma ação penal por tentativa de homicídio qualificado. (Setembro de 2016. Nota retirada do site do Jornal Hoje em Dia).

3. Fragmento clínico:2 M., jovem, sexo feminino, 17 anos. Estudante em um colégio de classe média alta na cidade em que reside, no interior do estado. Relata ter sido provocada por uma estudante dois anos mais nova, em seu colégio. Não suportou a situação e deu um tapa na cara da menina, reagindo com muita agressividade no calor da emoção. No dia seguinte a outra estudante compareceu à escola portando uma faca. Algumas colegas a denunciaram para a Diretoria temendo que alguma tragédia pudesse ocorrer. As duas estudantes foram chamadas pela Diretora e Coordenadora pedagógica para que pudessem entrar em um acordo em relação às desavenças. Tiveram que se reunir mais de uma vez, já que não conseguiam se entender. Minha cliente, que deu o tapa na outra estudante, não tinha histórico de violência. Porém, o episódio desencadeou uma série de atos agressivos e um sentimento de ódio por ter sido provocada. A outra estudante a chamou de gorda e feia. Na realidade a jovem não pode ser vista dessa maneira, argumentaram a família e a escola, é uma jovem bonita e não está acima do peso, até pelo contrário, é magra. Porém ela entendeu a provocação como uma verdade e se fixou nesses significantes. As famílias também foram chamadas para conversar, em separado, sobre o episódio. O colégio deu um encaminhamento ao caso, a meu ver, adequado para a situação, não tomando partido nem vitimizando nenhuma das alunas e tentando buscar uma reflexão adequada a respeito do ato das duas. Porém, minha cliente traz fantasias de vingança em relação à outra jovem. O que deixou a todos perplexos foi a reação da jovem, considerada desmedida, uma vez que não é nem feia, nem gorda e nunca tinha sido agressiva em seu cotidiano, até então. A vinda à análise se deu por indicação de um médico, consultado pela família, para que a medicasse. Ela não se opôs a iniciar o percurso analítico e vem semanalmente da cidade próxima à capital, onde se localiza o consultório da analista.

Vários outros relatos semelhantes foram encontrados em minhas leituras sobre o tema e na minha clínica de adolescentes. Considero, porém, a apresentação dos casos acima suficiente para prosseguirmos nossa reflexão a esse respeito.

Nós, analistas, buscamos sempre o sujeito nos acontecimentos que nos chegam. É esse sujeito que nos interessa ouvir e, assim, poder localizar o lugar do qual ele fala, pois, como nos aponta Lacadeé (2007):

A psicanálise se distingue, assim, de outros tratamentos que retiram do sintoma os traços de subjetividade, irresponsabilizando o sujeito, lhe retirando toda chance de se orientar no que causa sua vida, a partir do que ele sente em seu corpo e pensamento (LACADÉE, 2007).

Então, ao localizarmos um lugar que parece ter se tornado comum a muitos dos jovens, o lugar da violência, como pensar no que é comum e no que se torna particular nessa busca pela compreensão de um acontecimento tão atual? Ao pensarmos a violência entre os jovens como hipótese de um dos sintomas da contemporaneidade, não podemos nos esquecer de como Freud assinalava a importância dos sintomas típicos de uma doença e de como recomendava que eles pudessem nos orientar na elaboração do diagnóstico, nos lembra muito bem Lacadée (2007).

Pensar na maneira encontrada pelos jovens de se expressar na atualidade, ainda que a partir de um viés agressivo, destrutivo, podendo chegar a traços perversos, torna-se de fundamental importância para que a singularidade de cada caso possa surgir em uma escuta que possibilite ao jovem entender o sentido de seu ato.

Destacando a violência no que ela traz de comum, Birman (2008) vai apontar para seu valor enquanto culto, possibilitando ao jovem realizar uma cena de exibição de força, através da qual realizaria uma afirmação de si e buscaria o respeito por parte dos outros, ao mesmo tempo. Ele parte da hipótese de que esses jovens não podem ser reconhecidos simbolicamente pelo discurso, uma vez abandonados à própria sorte pelos pais da era pós-moderna e, por isso, lançam mão de marcações no corpo que seriam escritas corporais que se fariam presentes como corpos viris nos cenários de lutas e embates violentos.

A escuta desses jovens na clínica nos tem apresentado, muitas vezes, pais que estão mais ocupados em realizar projetos narcisistas do que em compartilhar a vida com filhos pelos quais não se interessam mais.

J.,3 uma cliente de 15 anos, me relata ter conhecido um rapaz de classe média alta, do seu colégio, por quem se interessou. Ele também parece estar a fim dela, segundo me diz. Frequenta seu apartamento e ele está sempre sozinho. Pais separados, a mãe resolveu ir viver em outro país, pois sempre sonhou com esse dia. O pai vive viajando. Assim, o rapaz pode fazer o que bem entender da sua vida porque os pais nunca o questionam sobre nada, sobre o colégio, notas, nada. J. diz que não vai namorar com o rapaz porque seria complicado, ele vive faltando às aulas e tem um certo problema. Quando indago sobre o problema ela me diz, um pouco envergonhada pela revelação, que ele faz algumas coisas que ela considera ilegais e me relata a respeito. Por esse fato, minha cliente escolhe ser, por enquanto, uma ‘ficante’ do rapaz, fazer planos que incluam sua sexualidade, mas se manter reticente quanto ao amor.

Esse é apenas um dos inúmeros exemplos com que temos nos deparado e que ilustra o descaso dos pais, mencionado anteriormente, quando buscam se realizar sem se ocupar dos filhos, como parecem fazer os pais do rapaz mencionado no relato de J.

Ainda buscando respostas para minhas indagações, encontro novamente em Lacadée (2016) dizeres importantes sobre a adolescência. Em uma entrevista concedida em sua passagem por Belo Horizonte no ano passado, ele relata seu interesse pelos jovens, na França, e sua percepção de que muitos deles se mostravam desrespeitosos.

E, na falta de respeito deles, o que queriam era receber respeito do outro. A palavra respeito vem do latim respectus, que significa nos voltarmos para olhar o outro. É como se, através de seus movimentos ou comportamentos desrespeitosos e provocativos, os jovens nos demandassem olhar para eles e distinguir o elemento de novidade que carregam em si. Essa é a tese de Hannah Arendt, em A crise na educação: cada criança ou cada adolescente carrega em si um elemento de novidade e deseja que o outro que cuida dele – seja o adulto parental ou o outro do mundo da educação – distinga, nele, seu lado particular, sintomático. Por isso mesmo a demanda de respeito é uma demanda invertida, já que normalmente aquele que tem direito ao respeito é, de preferência, o adulto ou o pai. Entretanto, como há uma carência da função paterna, ou uma carência do simbólico, os adolescentes não encontram outra solução para o que vivem em seus pensamentos ou em seus corpos senão colocar suas sensações em evidência para que se destaque o que eles são. Isso é muito importante porque não tem nada a ver com o respeito, tal como Kant o compreendia. Para esse filósofo, o respeito era um tipo de reciprocidade imaginária: “eu te respeito porque você me respeita”. Os adolescentes de hoje, muitos deles, se referem preferencialmente ao lado desrespeitoso, tal como bem mostrou outro filósofo, Blaise Pascal: “eles pedem respeito para que possamos lhes distinguir” (LACADÉE, 2016).

Birman fala de uma guerra em que corpos esvaziados do sujeito buscam uma significação. Lacadée aponta para o pedido de respeito, de reconhecimento, em que os jovens possam ser vistos em sua singularidade. Penso na sociedade atual, em que o “ter” passou a ser imperativo em detrimento do “ser”, em que a completude é oferecida a toda hora como possível.

Estariam os jovens perdidos em uma disputa fálica, sem uma mediação simbólica que sustente o lugar da falta e que lhes permita perder, sofrer desilusões amorosas, ser rejeitados ou suportar um “não” sem uma resposta violenta ao outro? Qual a nossa função, diante de tudo isso?

No artigo em que analisa os encontros marcados por jovens de classe menos privilegiada em shoppings trazendo grande incômodo à sociedade, Eliane Brum (2013) vai nos dizer que:

Devemos questionar não a ação dos meninos, mas as relações sociais fomentadas na contemporaneidade. É preciso conceder aos jovens, e não apenas aos pobres, mas aos de classe média e alta também, outros espaços de reconhecimento e de estabelecimento de relações sociais que não sejam pautados pela afirmação por meio da posse e do consumo de bens. Porque, afinal, como dizem os Racionais, mais uma vez: “Quem não quer brilhar, quem não? Mostra quem. Ninguém quer ser coadjuvante de ninguém”. De repente, para alguns, ter um tênis caro, um smartphone de última geração ou ir ao shopping para zoar, pode ser uma forma encontrada para tentar brilhar (BRUM, 2013).

Se existe uma possibilidade para que o jovem traga sua palavra, esta pode estar em seu encontro com um analista que o escute nesse pedido por respeito, que o escute no lugar onde sua raiva o apaga enquanto sujeito e faz com que seu ato se torne maior que sua voz.

Minha cliente, citada anteriormente, passou várias sessões falando sobre o tapa que deu na estudante de seu colégio e, como desdobramento, uma série de atos violentos que se sucederiam ao tapa ao surgirem em sua fantasia de vingança. “Gorda e feia”, surgiram como significantes que em algum momento de sua análise a levaram a outros: “mãe”, “comida”, “doce”, “amor”, “ódio”, “vingança”. Ela começa a contar outra história: “minha avó fazia doces maravilhosos. Minha mãe não me deixava comer nada. Dizia que eu poderia engordar. Minha mãe lutou sempre com o peso. Eu, não. Sempre fui magra. Mas também se ela não me deixava comer, eu só podia ser magra. Mas vivia com muita raiva. E me recusava a sair com ela, ir à casa da avó quando virei adolescente. Só de raiva. No dia em que a menina me disse aquilo, eu explodi! Porque fiz tudo isso pra me vingar da minha mãe, ser magra e muito mais bonita que ela. Era como se eu tivesse perdido a guerra!!!”.

E de uma guerra a outra, M. está reescrevendo sua história ao perceber que não precisa “ter” um corpo tão escultural e que pode, sim, “ser” uma jovem descolada do modelo que criou para si como modo de enfrentamento a uma mãe que ela supõe não a amar por ser a menina que queria os doces da avó. Ela ainda não sabe exatamente “como quer ser quando crescer” (sic), mas está investindo nessa descoberta.

Nossa função de analista de jovens nos pede ética e cuidado. Não podemos cair no lugar no qual muitas vezes o adolescente nos coloca quando chega até nós, nos vendo como cúmplices da família ou da escola, prontos para deixá-los educados e sociáveis, calmos, inteligentes e cordiais, futuros profissionais bem-sucedidos e ricos. Muitas vezes, ao nos ver assim, estão resistindo à escuta, porque entendem que estão ali por retaliação pelo que fizeram ou para serem modificados.

Isto só é possível na medida em que o analista, contrariamente ao médico, não estiver ligado a uma obrigação de tratamento: ele pode então formular que o adolescente e ele mesmo têm o direito de não estabelecer relação, que sua relação não se apóia senão em suas decisões e que, contrariamente àqueles que intervêm em instituição, não há responsabilidade diante de um terceiro (previdência social, Estado, justiça, escola, etc). À solidão do adolescente, o analista responde com sua própria solidão, seu não poder, e não com uma tentativa de subjugação, sedução ou autoridade (RASSIAL, 2005, p. 163).

Os tempos não andam mesmo fácies. Sabemos que grande parte desses jovens não chega a ter esse lugar de pausa para pensar sobre si e sobre seus atos violentos. Mas não podemos desistir de encontrar caminhos que levem algumas de nossas perguntas até eles e os façam desejar outros tempos que não os de cólera.

Vou terminar lendo a letra de um funk:

Nois é sem limite (funk ostentação)

Dheel

Nois tem camarote / Nois tá na area vip
Nois brinda com chandon / Nois chapa de whisky
Nois anda pesadão / Nois tá portando os kit
Nois usa polo play / E abercrombie fitch
Nois entra sem pagar / Nas festa de elite
Funk ostentação / Nois é sem limite
Se quer diversão / É só fazer o convite
Novinha passa mal / Bandida não resiste
Mais pra fechar com nois / Tem que aguentar o pique
Fazer amor gostoso / Na hidro da suíte
A nossa firma é forte / Nois é outro nível
Mais se bater de frente/ Aí nois é terrível
Nois paga com cartão / Nois não tem limite
Só artigo de luxo / Só as melhores grifes
Nosso bonde tem estilo / É só muleke zika
Ousadia e alegria / Assim nois leva a vida
Funk ostentação / Nois é sem limite
Se quer diversão / É só fazer o convite

Estamos aqui para pensar sobre convites de outra ordem a serem feitos a esses jovens. Vamos torcer para que sejam aceitos por eles. Muito obrigada pela escuta de vocês às minhas inquietações.

 

Referências

BIRMAN, J. Adolescência sem fim? Peripécias do sujeito num mundo pós-edipiano. In: CARDOSO, M. R.; MARTY, F. (Orgs.). Destinos da adolescência. Rio de Janeiro, 7 Letras, 2008. p. 81-105. Disponível em: https://chasqueweb.ufrgs.br/~slomp/edu01011/birman-adolescencia-sem-fim.pdf. Acesso em: 10 ago. 2017.         [ Links ]

BRUM, E. Rolezinhos: o que estes jovens estão “roubando” da classe média brasileira (2013). Disponível em: https://www.geledes.org.br/rolezinhos-o-que-estes-jovens-estao-Roubando-da-classe-media-brasileira-por-eliane-brum. Acesso em: 10 ago. 2017.         [ Links ]

LACADÉE, P. Almanaque On-line n. 17 entrevista Philippe Lacadée (2016). Disponível em: http://almanaquepsicanalise.com.br/wp-content/uploads/2016/07/8-Phillipe-Lacadee-final-2.pdf. Acesso em: 10 ago. 2017. Revista eletrônica do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais (IPSM-MG).         [ Links ]

LACADÉE, P. O que há de único em cada sujeito. Comentário de Philippe Lacadée do trabalho de Cristiana Pitella de Matos, apresentado no Colégio Franco-Brasileiro em Paris, em jan. 2007. Disponível em: http://ea.eol.org.ar/03/pt/textos/txt/pdf/textos_lacadee.pdf. Acesso em: 07 jan. 2016.         [ Links ]

RASSIAL, J.-J. O adolescente e o psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: jucborges@gmail.com

Recebido em: 10/1/2018
Aprovado em: 20/1/2018

 

 

SOBRE A AUTORA

Juliana Marques Caldeira Borges
Psicanalista.
Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG).
Mestre em Ciências da Saúde, Saúde da Criança e do Adolescente pela Faculdade de Medicina da UFMG.
Especialista em Psicologia Clínica e Hospitalar, concedido pelo Conselho Regional de Psicologia.
Professora do curso de Teoria Psicanalítica e Formação em Psicanálise do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.
Presidente do CPMG 2014-2017.

 

 

1 Texto apresentado no painel Psicanálise e violência , do XXII Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise: Assim caminha a psicanálise . Indagações do século XXI . Salvador (BA), nov. 2017.
2 Os dados principais de M. estão modificados preservando a identidade da cliente mesmo com sua permissão para este relato.
3 Os dados principais de J. estão modificados preservando a identidade da cliente mesmo com sua permissão para este relato.

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