Este número da Estudos de Psicanálise exemplifica bem sua missão. Iniciada e mantida há 54 anos, abrange vários estados do Brasil. Trata-se de uma publicação que traz autores das sociedades filiadas ao Círculo Brasileiro de Psicanálise, além de outras instituições. A Estudos 59 traz artigos originários de Minas Gerais, Pará, Piauí, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Sergipe. Além da abrangência geográfica, mais importante é o alcance teórico clínico. Ao contrário de outras federações psicanalíticas brasileiras, o CBP caracteriza-se pela completa autonomia administrativa entre suas filiadas e ampla diversidade de leituras e práticas psicanalíticas.
Freud e sua obra unem o todo. Tanto no ofício psicanalítico quanto nas diversas leituras que se seguiram da obra freudiana. Atendo-se apenas aos nomes mais conhecidos, nos textos publicados há Ferenczi, Klein, Winnicott, Lacan. Herança da diversidade teórico clínica dos fundadores do primeiro círculo em Viena em 1947 e do primeiro do Brasil, no Rio Grande do Sul, em 1956. A mesma diversidade une os vários temas abordados nestes artigos. Muitos com temas psicanalíticos universais, ali outro fundamentado diretamente na experiência clínica de duas colegas, lá um sobre os povos indígenas da Amazônia e até um que sai da exclusividade do homo sapiens e o compara com seus primos primatas. O lançamento de um novo número da Estudos é sempre um dia de comemoração.
Mas o luto também tem de ser celebrado. Cada número da Estudos rememora um nome, seja um autor muito difundido da psicanálise, seja um nome de peso na história do Círculo Brasileiro de Psicanálise, seja um colega que se foi há pouco e deixou saudade em seu círculo. A Estudos 59 homenageia Stetina Trani de Meneses e Dacorso, colega do Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro, que nos deixou em maio de 2023.
Todos os seres humanos são únicos. Mas alguns são mais. Stetina, há mais de duas décadas, era membro efetivo do Círculo Brasileiro de Psicanálise – Seção Rio de Janeiro. E a partir dele presidiu o Círculo Brasileiro de Psicanálise entre 2010 e 2014. Mas era mineira e nesse estado viveu e trabalhou toda a sua vida. Embora entre os cariocas haja controvérsias a qual estado a cidade de Juiz de Fora realmente pertence. Seu lado mineiro era comprovado com a assiduidade anual, durante décadas, às jornadas do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. E sua por sua intensa participação, como docente e organizadora, na seção psicanalítica da SO-BRAP (Instituto Brasileiro de Psicanálise, Dinâmica de Grupo e Psicodrama – Regional Juiz de Fora), com a qual teceu várias pontes com o CBP-RJ.
Além do vasto conhecimento teórico e da capacidade ímpar de saber transmiti-lo, Stetina jamais se afastou da clínica. Durante cerca de um ano, há mais uma década, aos sábados tínhamos sua presença em uma supervisão clínica coletiva. Não foram gravadas, mas ficaram consciente ou inconscientemente em todos que assistiram. Ficou em nossa memória a radicalidade de Stetina quanto à falta de pressa que se deve ter na clínica. Um bordão seu repetido nas supervisões: “isto vai aparecer daqui a uns seis ou sete anos”.
Homenagear Stetina é lembrar sua forte personalidade, sua expansividade, seu bom humor e sua vasta experiência psicanalítica.