SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
 issue59The timelessness of the unconscious among remains and crocodiles that still live author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Estudos de Psicanálise

Print version ISSN 0100-3437On-line version ISSN 2175-3482

Estud. psicanal.  no.59 Belo Horizonte Jan./July 2023  Epub Feb 14, 2025

https://doi.org/10.5935/2175-3482.n59a16 

Artigos

Presos na rede: efeitos do virtual na subjetividade contemporânea dos adolescentes1

Trapped in the net: effects of the virtual on the contemporary subjectivity of adolescents

Vanessa Campos Santoro1 

1Psicóloga. Psicanalista do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais (CPMG), filiado ao Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP) e à International Federation of Psychoanalytic Societies (IFPS). Coordenadora dos seminários O pequeno Hans e O homem dos ratos no 2.° tempo de formação do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. E-mail: vansantoro@uol.com.br


Resumo

A autora problematiza os efeitos danosos das redes sociais na constituição do sujeito adolescente. A psicanálise pretende soltar o adolescente desse imaginário funesto, acedendo ao simbólico e ao desejo.

Palavras-chave Redes sociais; Estádio do espelho; Discurso do capitalista; Ética da psicanálise

Abstract

The author discusses the harmful effects of social networks on the constitution of the adolescent subject. Psychoanalysis intends to free the teenager from this disastrous imaginary, reaching the symbolic and the desire.

Keywords Social networks; Mirror stage; Capitalist discourse; Ethics of psychoanalysis

Muito se tem falado sobre os efeitos do mundo virtual na subjetividade de nosso tempo. Aqui, nesta plenária que trata de bebês e crianças, vamos abordar os jovens internautas, presas fáceis das redes sociais.

Redes sociais são espaços de subjetividade em que os usuários se socializam e se reinventam, criando uma imagem, como querem ser vistos, sem nenhuma restrição à veracidade do conteúdo. As redes sociais oferecem fontes de objetos de desejo múltiplos e variados, como o desejo de se conectar com os semelhantes ou deles se desconectar.

As conexões das redes sociais, esse coletivo ilimitado, geram relações narcisistas, líquidas e escapistas. Propiciam a proliferação do imaginário e o deslizamento metonímico do objeto.

Nas redes os jovens podem viver vidas sucessivas sem nenhum compromisso, haja vista a possibilidade de ter várias fotos e vários perfis, onde a pessoa apresenta a melhor imagem, buscando na visibilidade o desejo de ser diferente. Trata-se de um eu idealizado mas fragmentado.

O exibicionismo virtual é um sintoma da vida moderna?

O que o sujeito busca com a revelação de sua intimidade?

Nos dias atuais, o sujeito só existe se estiver na rede. Ali ele se sente visto e conectado a uma tribo social. Adquire nova identidade com seu perfil divulgado e daí é reconhecido pelo número de curtidas ou likes.

Quem de nós não escreveu um diário escondido dos pais a sete chaves e mostrado para poucos amigos? Na atualidade, vemos que se rompem os limites entre o público e o privado. Os diários virtuais favorecem o espetáculo de cada usuário. Facebook, Instagram, Youtube, WhatsApp, blogs e fotoblogs, entre outros. Assim, o privado descamba para o confidencialismo: o público se revela na exposição da própria vida (exibicionismo) ou em ver a vida do outro (voyerismo).

A privacidade vai perdendo o valor. O gozo é se mostrar e despertar a inveja dos outros, numa presentificação extrema, como nos friendling. Busca-se a aprovação do outro através das postagens. Então, o “penso, logo sou” passa a ser “posto, logo sou”.

A propaganda veicula fake news e falsos selfs, tudo em nome do consumismo que favorece a ilusão de estar tudo disponível on-line. Não há perdas.

A desagregação do Facebook é o oposto da livre associação. O próprio desejo é suprimido em favor de uma vontade que se impõe de fora e que é vendida como se fosse do próprio sujeito. Assim acontece nos cyberbulling e trolling, onde o pensamento crítico é eliminado mediante a rapidez da imagem (flashes), o anonimato e a falta de legislação específica, produzindo a desinibição da agressividade.

Fala-se da adicção sem droga, cyberadicção, com a perda da noção de tempo, repetições compulsivas e uma relação com a internet como suporte para comportamentos adictivos.

O WhatsApp, muito usado para mensagens, divulgação de pensamentos, tem seu valor como meio de comunicação. Nas redes, os parentes se frustram menos e satisfazem mais o ideal desejado, fazendo da distância um contraponto de presença/ausência. As redes dividem famílias e destroem e constroem amizades.

É inegável o uso de internet como auxiliar no estudo, no trabalho e na comunicação. A internet oferece meios de aplacar o mal-estar inerente ao ser humano, com seu cardápio variado de serviços. O problema é o exagero das soluções imaginárias, o que cria outros tipos de mal-estar. Deve-se avaliar se há prejuízo funcional na vida diária e detectar quais motivos levam as pessoas a usar a internet e o modo como usam.

Transtornos de humor, como irritabilidade, ansiedade, depressão, transtornos obsessivos-compulsivos, distúrbios de sono e distúrbios alimentares ocorrem como efeito do mundo virtual sobre a subjetividade do jovem.

O homem atual se volta para o virtual e evita as pessoas. Estamos no tempo do sujeito sem subjetividade, que cultua sua imagem, interferindo na vida privada dos outros, supondo-se narcisicamente onipotente e inatingível pelo sofrimento, já que arranjou uma defesa para tamponá-la rápida e eficientemente.

A promessa veiculada pelo discurso do capitalismo é preencher o jovem de tudo, garantindo-lhe a satisfação imediata, que torna o desejo inconsistente e o objeto mais indeterminado. Falta a falta e sobram falsas faltas.

Lacan (1949/1998) contribui para a psicanálise, quando teoriza sobre o estádio do espelho. Entre 8 e 12 meses, o bebê é capaz de se reconhecer no espelho, com uma expressão de júbilo e diante do olhar do adulto que, olhando, valida a imagem antecipada refletida ali. Algumas criancinhas olham atrás do espelho, buscando aquele outro que é ela mesma. É a primeira imagem que se tem de si. Lacan, nesse artigo, cita Konrad Lorenz e sua etologia animal. A imagem da pomba refletida no espelho a faz ovular como se estivesse diante de um semelhante da sua espécie.

O imaginário é a sede do narcisismo e do comportamento automático, mas precisamos dele para nos constituir como sujeitos. A virtualidade é do campo do Eu, que é sempre, uma construção ilusória. A ética da psicanálise é bem diferente. Procuramos ressignificar a história e a memória de cada sujeito.

No Projeto para uma psicologia científica,Freud (1950 [1895]/1996). diz que se pode obter satisfação com o objeto alucinado. Mas o ser humano tem que aprender desde cedo a fazer a distinção entre objeto alucinado e o objeto relembrado. Disso depende não só a sobrevivência física, mas a própria constituição do eu. Se o objeto real estiver sempre dando satisfação, há alucinação, não há falta, não há desejo.

Segundo Gerez-Ambertín (2017, p. 13), “o individualismo e a coletivização são modos de gozo que impõem a decadência do desejo, a fragilização do sujeito do inconsciente e de sua eventual dessubjetivação”.

Isso acontece em decorrência do imperativo de gozo, que aniquila a malha simbólica na subjetividade tecida pela linguagem. Aniquila-se os discursos e há proeminência da imagem (olhar) e do real da pulsão.

Sua majestade, o mercado, pretende reinstalar o campo perdido das pulsões, fazendo a castração simbólica perder seu efeito, levando ao declínio da função paterna e oferecendo seus gadgets. O sujeito fica esmagado pelo olhar e pelo objeto voz. É o próprio sujeito quem fica ávido por olhos, para ser olhado. A autora aponta como consequência a perda do pudor e a degradação do saber articulado ao desejo inconsciente.

Quem faz hoje a função do Nome-do-Pai é a identificação ao discurso técnico-científico.

Dufour (2005, p. 149) afirma que

[...] o sujeito pós-moderno se representa como não engendrado, no sentido de que ele se vê na posição de não dever mais nada à geração precedente. Muito pelo contrário, até tudo se passa como se tudo lhe fosse devido.

Uma frase comum falada pelos jovens, principalmente quando lembramos a eles deveres para com os mais velhos é a famosa “eu não pedi para nascer”.

A passagem adolescente torna-se paradigma de nosso sistema social, porque tanto quanto a adolescência. a própria cultura vive seu tempo de passagem. É o interregno tempo em que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer.

Lacan (1962-1963/2005) a partir do Seminário 10: A angústia chega ao objeto a como aquilo que causa o sujeito.

Mas é preciso situar o objeto a no campo do Outro por meio da nomeação da marca que vai do objeto a a sua passagem para a história (365-356) que conjuga tempo e constituições do sujeito. Assim, nominar-se é estabelecer a direção de seu desejo (Vorcaro, 2018, p. 73).

Ou seja, a maneira como a linguagem marca o corpo do infans através do traço unário faz parte da constituição daquele sujeito. Ele carrega na sua história a memória dessa relação com o Outro.

No caso do atendimento de adolescentes e como analistas, temos que despertar_o sujeito para suas próprias marcas. Então, nesse momento de passagem, o jovem se depara inicialmente com o “despertar da primavera”, o sexual, e a possibilidade de vivê-lo em ato. É o corpo na urgência pulsional e convocado pela imagem.

O sexual é polimorfo, múltiplo, infantil e perverso. É o recalcado, por excelência. É o próprio inconsciente que se manifesta nas fantasias, nos devaneios, nos atos falhos, nos sintomas. Quando somos surpreendidos pelo estranho dentro de nós, temos que lidar com o retorno do recalcado e seus temas superegoicos de culpa e castigo.

É importante marcar o papel da fantasia e do devaneio. Brincar de ser outra pessoa, insatisfação com a própria imagem e a própria vida (família, contexto socioeconômico), desconhecimento de si e de seus próprios recursos “O do outro é melhor”. Esses são temas recorrentes na análise de jovens, descambando nas dúvidas quanto à posição sexual e à escolha profissional. Mas aí temos um analista que é procurado e que escuta, ao invés da imersão patológica e alienante no mundo virtual.

Temos na adolescência uma vacilação da estrutura formada na infância e que só vai ser validada com a possibilidade de viver o sexual em ato. A relação virtual com seu binarismo e a relação imaginária dificultam a inclusão do terceiro, garantia de um simbólico que sustenta a estrutura.

Sabemos que a estrutura e a contingência determinam o modo de responder ao discurso do capitalismo que usa perversamente dos meios virtuais para abolir a alteridade. O discurso do capitalismo vinculado ao mundo virtual tampona a falta e transforma os jovens em consumidores vorazes que não suportam frustração e buscam fazer um com o semelhante.

Daí a impossibilidade de admirar o outro em sua diferença, por não conseguir descentrar de si mesmo.

Pensando moebianamente (Lacan, banda de Moebius), há continuidade entre os campos do subjetivo e do social. É na interação com o outro e atravessado pela linguagem que o sujeito irá se formar como efeito de discurso, isto é, como constituinte do meio em que vive.

Quando o pré-púbere se vê desguarnecido do amparo familiar, que lhe permite tempo para construir identificações e ideais comuns e se torna, imaginariamente autos-suficiente ele está obedecendo à lei perversa da cultura. Vemos isso acontecer no trabalho infantil, na prostituição de menores e no tráfico de drogas, muitas vezes induzido pelas redes sociais. A adolescência é, portanto, um tempo da delicadeza. Como aquele anúncio nos carros “Atenção! Bebê a bordo”.

Há pouco tempo tivemos no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais o trabalho de Bruno Almeida Guimarães, que acompanhou durante anos a supervisão dada por Célio Garcia junto ao Tribunal de Justiça intitulada Clínica Social: Jovens em conflito com a lei. As soluções dos jovens nas oficinas clínicas davam espaço para formar saberes desconhecidos por eles e desprezados no laço social. Dando representabilidade a eles, abriam-se brechas para construir um novo modo de estar no mundo. Ou seja, em vez do simbólico no lugar da Lei, os jovens criaram suas “gambiarras”, vistas como soluções hibridas para bordejar o real.

Freud (1914) nos brinda com Recordar, repetir e elaborar, de onde se pode extrair muitos aspectos sobre nosso psiquismo. Recordar nos faz pensar no objeto rememorado, nos traços de memória e no modo como nos constituímos, sempre a posteriori. A repetição tem duas vertentes: a repetição diferencial, autômaton, que é o recordar relembrando, como na transferência e a repetição do mesmo, tiquê, pulsão de morte, sede da reação terapêutica negativa e da compulsão à repetição que aparece no jogar compulsivo. As duas são tentativas de elaboração simbólica para bordejar o real.

Diante do saber inconsciente temos duas posições: (1) não querer saber nada disso; (2) a magia, a religião e a ciência e tecnologia. A psicanálise nos aponta outra posição: quero saber do meu inconsciente. Ou seja, a psicanálise nos liberta da “rede”.

O exagero desacerbado das redes sociais, comandado pelo discurso do capitalismo, nos impede de pensar, de aproveitar as saídas possíveis quando se toca no inconsciente. Para tal, atendemos adolescentes em análise nos tempos do virtual.

1Trabalho apresentado no XXIII Congresso do Círculo Brasileiro de Psicanálise e III Jornada do Círculo Psicanalítico do Pará, de 7 a 11 nov. 2019, em Belém (PA).

Referências

BARBIERI, C. P. As redes virtuais: campo da fantasia. In: LOPES, A. J.; BARBIERI, C. P.; RAMOS, M. B. J.; BARRETO, R. A. (Orgs.). Conexões virtuais: diálogos com a psicanálise. São Paulo: Escuta, 2017. p. 179-194. [ Links ]

BIRMAN, J. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. 5. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005. [ Links ]

DUFFOR, D. R. A arte de reduzir cabeças: sobre a nova servidão na sociedade ultraliberal (1969/1970). Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2005. [ Links ]

FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica (1950 [1895]). In: DUFFOR, D. R.. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos (1886-1889). Direção da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 347-454. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1). [ Links ]

FREUD, S. Psicologia de grupo e a análise do ego (1921). In: DUFFOR, D. R. Além do princípio de prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos (1920-1922). Direção da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 81-154. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 18). [ Links ]

FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar (Novas recomendações sobre a técnica da psicanálise II) (1914). In: DUFFOR, D. R.. O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos (1911-1913). Direção da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 163-171. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 12). [ Links ]

FREUD, S. Sobre o narcisismo: uma introdução (1914). In: DUFFOR, D. R.. A história do movimento psicanalítico, artigos sobre metapsicologia e outros trabalhos (1914-1916). Direção da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14). [ Links ]

GEREZ-AMBERTÍN, M. O olhar planetarizado e o espetáculo onivoyeur (nas conexões digitais). In: LOPES, A. J.; BARBIERI, C. P.; RAMOS, M. B. J.; BARRETO, R. A. (Orgs.). Conexões virtuais: diálogos com a psicanálise. São Paulo: Escuta, 2017. p. 13-27. [ Links ]

LACAN, J. O estádio do espelho como formador da função do eu (1949). In: LOPES, A. J.; BARBIERI, C. P.; RAMOS, M. B. J.; BARRETO, R. A. (Orgs.). Escritos. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1998. p. 96-103. (Campo Freudiano no Brasil). [ Links ]

LACAN, J. O seminário, livro 10: A angústia (1962-1963). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1999. (Campo Freudiano no Brasil). [ Links ]

LACAN, J. O seminário, livro 18: De um discurso que não fosse semblante (1970-1971). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução: Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 2009. (Campo Freudiano no Brasil). [ Links ]

LOPES, A. J.; BARBIERI, C. P.; RAMOS, M. B. J.; BARRETO, R. A. (Orgs.). Conexões virtuais: diálogos com a psicanálise. São Paulo: Escuta, 2017. [ Links ]

VORCARO, A. Identificação e nomeação na adolescência. In: ORNELAS, L. (Org.). Desafios da subjetividade frente às vicissitudes contemporâneas: práticas psicanalíticas. São Paulo: Instituto Langage, 2018. p. 73-83. [ Links ]

Recebido: 25 de Maio de 2023; Aceito: 03 de Julho de 2023

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.