Introdução
Na história da civilização humana, passamos pela onda da agricultura, a industrial e agora vivemos a terceira onda, de Toffler (1981): a indústria de software, a tecnologia da informação, sofisticados meios de telecomunicações, a cibernética e uma avalanche de realidades e possibilidades virtuais disponíveis na cibercultura. Segundo Castells (2001, p. 7), habitamos a "galáxia da internet", que "e o tecido de nossas vidas". O presente artigo propõe uma reflexão sobre o término da análise, a qual não pode ser considerada um aplicativo. Mesmo que a cibercultura seja uma questão nova na história, permanece toda a relação com o Outro. "A forma de lidar com isso determina as guerras e os conflitos que temos hoje" (Forbes, 2013, p. 27). O homem não é um software.
O final de uma análise e um software são ambos os processos. O software é responsável por ditar a cada componente o que fazer e qual a forma mais eficiente de fazer cada atividade, expressando uma ideia e está atrelado ao rigoroso "aprisionamento tecnológico", como refere Lanier (2010, p. 17). O final de uma análise é algo orgânico, que contempla a verdade do sujeito e envolve efeitos psicanalíticos: "desenlace; saída e travessia do fantasma, a ética do desejo; o passe e as demandas da felicidade" (Pimentel, Araújo; Vieira, 2009, p. 51). Um grito de silêncio se rompe. Surge a dignidade humana.
Assim como um software pode se transformar em um emaranhado cruel ou simplesmente parecer um grande labirinto para ajudar o usuário a desempenhar uma tarefa específica, ligada ao processamento de dados, a "tarefa da psicanálise não se esgota com o deciframento do material psíquico, pois esbarra com limites de possibilidades, já que existem outras dimensões da vida emocional que requerem ciframento" (Lowenkron, 2007, p. 68). Em se tratando de término de tratamento, "a análise deve ter, para fins práticos, um fim, sendo um equívoco o posicionamento de mantê-la interminável com um determinado analista" (Lowenkron, 2007, p. 69).
Uma análise não deve ser forçada até muito longe. Quando o analisando pensa que está feliz na vida já é o bastante, orienta Lacan. Outrossim, "a análise se ocupa muito daquilo que não funciona" (Lacan, 1974). Então, quando começa "a funcionar", é sinal de término de tratamento. Em relação a uma estrutura de neurose, a pessoa começa a aceitar os limites da mediação, concorda em chegar ao mundo só com o que o discurso comum permite, fala o que é possível dizer de acordo com as normas e acata restrições sociais, "abrindo mão de parte de sua satisfação para ser civilizado, o que Freud chamou de a 'solução de compromisso"' (Forbes, 2013, p. 40).
Para Cordeiro (2006, p. 71):
Se a lei paterna não cessa de se inscrever quotidianamente é para nos lembrar de que somos atravessados por uma ordem simbólica que nos transcende, abandonando a ilusão de que tudo começa e termina em nós mesmos. [...]
É com a feminilidade que podemos prosseguir a transmissão em psicanálise, pensada também como continuidade de um legado de que somos herdeiros, sem nunca perdermos de vista o estilo próprio, o respeito à diferença e a necessidade de renovação constante, mas preservando a fidelidade ao princípio que nos fundou: o pensamento freudiano (Cordeiro, 2006, p. 71).
O estilo próprio de cada um e a forma de pensar e de lidar com nossos afetos podem nos convidar a realizar "ajuste de contas" diante da evolução da natureza humana. Propõe Lanier (2010, p. 199): "deveríamos rejeitar o totalitarismo cibernético como uma base para tomar a maioria das decisões, mas reconhecer que algumas de suas ideias podem constituir métodos úteis de compreensão". Isso não deixa de ser uma perspectiva positiva, uma vez que muito podemos construir respeitando a ética da psicanálise: não ceder nunca do nosso desejo. Há no término de análise um aprender e um desaprender, jamais um liga e desliga, como se fôssemos um gadget.
Cibercultura: off-line vs on-line
Toffler (1981), em A terceira onda, anunciou um sistema diferente de produzir riqueza: a cibernética. O conhecimento se tornou o substituto último de todos os outros meios de produção. O território do desconhecido é perigoso. Nesta sociedade da informação, o analfabeto é quem não sabe aprender, desaprender e reaprender. Freud (1927/1974), em O futuro de uma ilusão, questiona quais transformações estamos fadados a experimentar.
Entretanto, quanto menos um homem conhece a respeito do passado e do presente, mais inseguro terá de mostrar-se seu juízo sobre o futuro. [...]. Finalmente, faz-se sentir o fato curioso de que, em geral, as pessoas experimentam seu presente de forma ingênua, por assim dizer, sem serem capazes de fazer uma estimativa sobre seu conteúdo; têm primeiro de se colocar a certa distância dele: isto é, o presente tem de se tornar o passado para que possa produzir pontos de observação a partir dos quais elas julguem o futuro. (Freud, 1927/1974, p. 15).
Quando alguém se propõe a meditar sobre as contingências humanas dentro de qualquer terreno, surpreende-se ao verificar que, também no término de análise, existe uma história, uma verdade, um movimento, um desejo. As circunstâncias são criadas pelos humanos, lembra Marx (1988, p. 559): "o relojoeiro Watt inventou a máquina a vapor; o barbeiro Arkwright, o tear; o artífice de ourivesaria Fulton, o navio a vapor". Atribuímos à figura cultural do gênio britânico da computação Alan Turing (1950) o pioneirismo do desenvolvimento tanto técnico quanto filosófico ao redor do questionamento sobre a possibilidade de máquinas poderem ou não "pensar", em um trabalho que semeou a fértil área da inteligência artificial. Há uma evolução da natureza humana que também se dá pelo trabalho. "A vida do homem não pode 'ser vivida pela repetição do modelo da espécie; ele tem de vivê-la" (Fromm, 1983, p. 37). Freud ampliou de forma significativa o conceito de verdade, que deixou de se referir apenas ao que se acredita ou se pensa conscientemente, mas se referiu também àquilo que se reprime, ao que não se deseja pensar (Fromm, 1980). Com a descoberta da psicanálise, o homem é levado a abrir os olhos para a realidade vivida. As construções fazem a realidade.
Um psiquismo integral, integrado, é estruturado não como comandos de acessar e deletar. Aqui, "um movimento geral de virtualização afeta hoje não apenas a informação e a comunicação, mas também os corpos, o funcionamento econômico, os quadros coletivos da sensibilidade ou o exercício da inteligência" (Lévy, 1996, p. 11).
Há milênios, a transmissão de conhecimento era apenas por meio da oralidade. A esse respeito, escreve Marx (1984, p. 33-34):
A linguagem é tão velha como a consciência – a linguagem é a consciência real prática que existe também para outros homens e que, portanto, só assim também para mim, e a linguagem só nasce, como consciência, da necessidade, da carência física do intercâmbio com outros homens. Onde existe uma relação ela existe para mim, o animal com nada se relaciona, nem sequer se relaciona. Para o animal, a sua relação com o outros não existe como relação. A consciência é produto social, e continuará a sê-lo enquanto existirem homens.
Assim, a linguagem demarca territórios e, além da veracidade do axioma/aforismo lacaniano "o inconsciente é estruturado como linguagem", modernamente, encontram-se novas formas de linguagem e comunicação. Fazemos parte da cibercultura: tecnologia de controles, movimentos sociais em rede, dimensões da divisão digital, evolução autônoma da internet, comunidades virtuais, o potencial da economia de nuvem humanista compondo o tear de nossa vida.
Para Lanier (2010, p. 30), algo incrível acontece por meio da World Wide Web: "a ascensão da WEB foi uma ocorrência rara quando aprendíamos informações novas e positivas sobre o potencial humano". A cibercultura, a inteligência artificial e o metaverso são questões extremamente novas do mundo contemporâneo que nascem com a internet. Redes virtuais vêm transformando nossos hábitos e nosso modus operandi. Onde se encontra a pessoa nesse espaço? A medida de referência é o próprio homem, porque "precisa ser alguém antes de poder se revelar" (Lanier, 2010, p. 12). Seu psiquismo topologicamente é estruturado "a cada instante por uma conectividade, sistemas de proximidades ou um 'espaço' específico: associações, ligações, caminhos, portas, comutadores, filtros, paisagem de atratores" (Lévy, 1996, p. 104).
Os fenômenos materiais transformam-se, interpenetram-se constantemente. Tudo depende do caleidoscópio que temos para nos apropriarmos da natureza humana. O humanismo na ciência da computação não parece se correlacionar com nenhum estilo cultural particular. A priori,Lévy (2010, p. 94-95) define ciberespaço como "o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores. Essa definição inclui o conjunto dos sistemas de comunicação eletrônicos, na medida em que transmitem informações". É uma realidade multidirecional, artificial ou virtual. "O universal da cibercultura não possui nem centro nem linha diretriz. É vazio, sem conteúdo particular" (Lévy, 2010, p. 113).
O que é a cibercultura? Para Lévy (2010, p. 147), "cibercultura é o mundo virtual. [...] Os mundos virtuais podem eventualmente ser enriquecidos e percorridos coletivamente". Conforme Castells (2001, p. 13), a linguagem e os limites da "galáxia da internet' põem em relevo a capacidade que têm as pessoas de transcender metas institucionais, superar barreiras burocráticas e subverter valores estabelecidos no processo de inaugurar um mundo novo". Ou seja, a cibercultura faz emergir uma nova maneira de agir. Mas quais são os contornos, qual é a nervura do real, quando se pensa o ser humano em processo de término de análise psicanalítica, neste ínterim? "O real antecede aquilo que se pode denominar de humano. [...] O sujeito é determinado antes da linguagem que lhe possibilite tornar-se humano" (Szczupak, 1991, p. 67). A análise é um saber sobre si.
Antes mesmo que as relações se estabeleçam como sendo propriamente humanas, já certas relações estão determinadas. Elas estão presas a tudo o que a natureza pode oferecer como suportes, suportes que se dispõem em temas de oposição. A natureza fornece, para dizer a palavra, significantes, e estes significantes organizam de maneira inaugural as relações humanas, dando as estruturas e as modelando (Lacan, 1964/1979, p. 26).
O sentido da era da cibernética não precisa ser procurado, nem construído, já está dado, reificado. O homem é lançado no caos. A verdade se dispersa. Lanier (2010), ao discutir problemas técnicos e culturais dessa realidade cada vez mais digital, faz uma relação entre computadores e seres humanos e denuncia: o homem não é um aplicativo. Sua essência está ligada a sua natureza transformada. Nesse entrelaçamento, olhamos para o processo do término de análise e declaramos: não basta apertar um botão ou dar um click para estar off-line ou on-line nesse fim que vence seus labirintos. Há que vencer um processo: a própria evolução.
A possibilidade surge no criar, no manifestar o que se está vivendo. "Criar é, antes de tudo, um ato de renúncia. Nada é criado se antes não houver renúncia à plenitude, que existe, porém, somente enquanto devir. Criar é um ato de escolha" (Amaral, 2002, p. 13-14). O final da análise, assim como a arte de amar, engendra coragem em 3 D: deciframentos, desvelamentos e desvendamentos. Atingidos esses elementos, vence-se uma travessia. Isso é comparável ao ato psicanalítico, que "por excelência é aquele em que o analisante passa a analista", aponta Quinet (2009, p. 96).
O que afinal reverbera o término da análise?
Um despertar. A vida é feita de imprevistos e contradições. Como superar os labirintos e detectar o caos? A provocação está dada: imprimir sentido a nossa existência. Frei Betto (2013, p. 135-136) indica: "o grande inspirador de todos os labirintos foi Cervantes, perdido nos corredores da razão e da loucura, das luzes e das trevas, entre Erasmo e Maquiavel". O alerta é dado pelo modo como o sujeito se constitui em relação a sua capacidade de deixar decantar o trabalho de sua elaboração psíquica. No rochedo interior do homem, reside sua verdade, sua história. A partir desse deciframento, o homem ocupa seu espaço. Onde, agora? Quando, agora? Quem, agora? Não há como idealizar um final de análise.
Assim como Lanier (2010) escreve que o "ser humano não é um aplicativo", o processo de término de análise não é um gadget. Há manifestações evidentes do analisando com sua vida, seus entornos, suas relações, legi-timando-se, poetizando-se, assumindo-se como autor do espetáculo de suas obras, no seu infinitivo. Logo, surge uma consciência para criar possibilidades, desaguando em um postulado de espera, idas e vindas, aproximações e separações, ondas de transformações de realidade. Nesse preâmbulo, ilustra Abbagnano (2000), a morte equivale ao pôr do sol, que representa, ao mesmo tempo, o nascer do sol em outro lugar. Então, o final de análise engendra o fenômeno da morte e do nascimento, concomitantemente, isto é, aprender e desaprender. Se não desaprender, não há como avançar nem criar outras narrativas. Desaprender a apegar-se para ser.
O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida. Nessa viagem, quanto menos bagagem e mais leveza [...] melhor e mais rápido se alcança o destino. Vida afora, carregamos demasiadas cobranças, mágoas, invejas e até ódios, como se toda esta tralha fizesse algum mal a outras pessoas que não a nós mesmos (Frei Betto, 2013, p. 89).
Cada processo de tratamento psicanalítico guarda em si uma estratégia evolucionária, porque faz a verdade do sujeito erguer-se, tomar corpo e evoluir. Evolução no sentido genérico de desenvolvimento, da totalidade do sujeito psíquico com sua história e autonomia. Ao chegar no final da análise, metaforicamente, a "neotenia" alimenta o sujeito psíquico para, em um ato de "que fazer?" "como sentir?" revolucionariamente, optar por tomar decisões: transgredindo, ousando e abrindo uma janela para o mundo. O final de análise potencializa, liberta as pessoas das restrições e fronteiras das lições da vida, a duras penas, simplesmente conectando-nos a nós mesmos, on-line. Ou seja, o término da análise estabelece conexões para a intersecção de sua realidade interna com sua realidade externa. Disso para integrar-se em uma realidade virtual é uma escolha para que sejam "experiências indescritíveis, reveladoras e profundamente pessoais", alega Lanier (2010, p. 239).
Há uma generalidade sobre o final da análise. Anterior a qualquer debate em torno do processo de final de análise psicanalítica que vem sendo discutido entre nós, está o viés freudiano em Análise terminável e interminável (1937/1975, p. 247): "A experiência nos ensinou que a terapia psicanalítica – a libertação de alguém de seus sintomas, inibições e anormalidades de caráter neuróticos – é um assunto que consome tempo".
A travessia da fantasia no momento conclusivo de uma análise põe em cena o que há de mais íntimo no sujeito. Constatamos a carência simbólica que anula os limites da realidade diária e, assim, seguimos criando, sonhando e sabendo, sobretudo, que a construção do amanhã não está garantida a priori. Mas não precisamos mais nos encarcerar ao nó do sintoma pela impossibilidade que tínhamos, no início, de assumir o enigma do nosso desejo. "O amanhã não pertence a ninguém, mas, se você quiser, ele pode ser seu", defende Cordeiro (2006, p. 71).
No estudo intitulado Final de análise: uma revisão sistemática da literatura,Pimentel, Araújo e Vieira (2009) investigaram as ideias dos psicanalistas do Círculo Brasileiro de Psicanálise (CBP) sobre o tema da análise.
A seleção dos artigos foi feita através de doze palavras-chave: análise terminável/interminável, cura, destituição subjetiva, direção da cura, desenlace, efeitos terapêuticos, esperança de cura, fim de análise, final de análise, finalidade da psicanálise, saída e travessia da fantasia. [...] Como resultados, encontrou-se que os autores questionam se há um final de análise, a eficácia da psicanálise, falam sobre os destinos da pulsão, sobre o rochedo da castração e a travessia do fantasma, a ética do desejo, o passe e as demandas de felicidade (Pimentel; Araújo; Vieira, 2009, p. 51).
Freud 1(937/1975, p. 250) expressa: "temos primeiro de decidir o que se quer dizer pela expressão ambígua 'o término de uma análise"'. Do ponto de vista prático, é fácil responder. Uma análise termina quando analista e paciente deixam de se encontrar para a sessão analítica". Por outro lado, o término de análise é como o fim de um casamento. Cada casal, ao decidir pelo casamento, cada qual no seu momento histórico, tem suas próprias demandas, seus desejos, suas intenções e suas realidades para se unir.
É em Análise terminável e interminável, 1937, o testamento de Freud segundo Lacan, que Freud expõe algumas de suas ideias finais sobre o processo analítico, sobretudo sobre o seu desenlace. Freud fala sobre o destino da cura, assim como sobre o destino da pulsão, de suas vicissitudes ou de suas transformações. Para ele, o destino da cura depende do destino da pulsão. É no eixo entre o eu e a pulsão que se articula a duração de uma análise. E o texto mostra justamente como há manifestações residuais: o eu tenta sempre dominar, mas não é possível porque fica sempre um resto, um pouco de sofrimento que insiste. Porém, pensando bem, há sempre algo que pode ser negociado desse sofrimento. O que fazer com esta dor, com este sofrimento que resta, o que fazer com a desilusão de uma cura total? (Cordeiro, 2006, p. 70).
A intenção terapêutica para Freud (1937) é esgotar as possibilidades de patologia, resistência, ocasionando uma alteração profunda na personalidade, tratando, encaminhando os resíduos que provocam sofrimento no sujeito. Recomenda Freud (1937/1975, p. 260) que "o domínio intelectual de nosso meio ambiente é descobrir generalizações, regras e leis que tragam ordem ao caos". Daí decorrem insights, simbolizações, criatividade, enfim abre-se uma ampla extensão de possibilidades diante da realidade atravessada de contradição e/ou alienação.
Segundo Conrad Stein, em Fim de uma análise, finalidade da psicanálise, para sair de uma análise talvez seja preciso ser criador em algum lugar, em algum sentido, é fazer algo qualitativamente novo. Para ele, há uma criança poeta no fundo de cada um de nós que pode desenvolver algo que transforme em sua obra, obra de vida, qualquer que seja ela. Portanto, ao final há como que uma visada terapêutica que produz algo, que cria alguma coisa, mas para ver, não a partir da dor de um luto que não se faria, mas sim que já estaria pré-inscrito ou prestes a se inscrever em algum lugar (Cordeiro, 2006, p. 70).
O término de análise reverbera tendências e contextos, tecido de idas e vindas, desconstrução e construção, vivenciadas, enfrentadas, experienciadas, contempladas, superadas. Essas condições emanam como leitura para serem vividas e "ir por entre linhas de um fora – o fora de mim, o fora em mim -, que o fora é o texto tecido de linhas caóticas, insensatas, de linhas que se abrem em buraco para serem lidas, quiçá interpretadas, ordenadas". (Axt, 2012, p. 149). O conhecimento em ação, organizando caminhos. Como diz o poeta espanhol Antonio Machado: "Caminhante, não há caminho, o caminho se faz caminhando". A verdade do sujeito psíquico ergue-se com a força de sua história e de suas memórias tecendo novas narrativas.
Todo saber verídico vem acompanhado de uma perda irrecuperável. Uma ferida narcísica imposta àquele que quer tirar o véu da ilusão. Por isso mesmo, ao término de sua análise, certas vezes o analisando sente falta de sua neurose; dava-lhe impressão de se sentir uma pessoa excepcional, embora tivesse que pagar por isso com angústia e sofrimento (Green, 1994, p. 20).
Transcorre um avanço: o fortalecimento do ego com mais plasticidade e seu íntimo integrado com imagos e limites. O sujeito não necessita mais se explicar nem se justificar, e não vê mais sentido em se lamentar, porque despertou um psiquismo enriquecido, capaz de criar e cultivar sentimentos em vez de sintomas. O ser apropria-se de si mesmo: resignando-se, protestando, transformando ou simplesmente deixando decantar seu processo de ligar-se à vida. Com novas narrativas, crescem as possibilidades de valer-se das capacidades egoicas. O final de análise inaugura a tomada de consciência da evolução de um sujeito psíquico. A tomada de consciência do problema, da coisa, do fenômeno, da pessoa ou do processo é sempre crítica. O término de análise é complexo e requer certas condições.
Circunstâncias para o término de análise
Há condições para a análise, não normas, destaca Quinet (2009). Da mesma forma, também procedem condições para o processo final de análise. Freud estabeleceu uma única regra para a psicanálise, reconhecida como a "regra de ouro": "a associação livre, que é a resposta à pergunta sobre o início do tratamento" (Quinet, 2009, p. 8). Na díade da relação psicanalítica, emanam saberes do analisando. Por exemplo, é importante reconhecer a contribuição da paciente Sra. Emmy Von N., que, em 12 de maio 1889, disse ao fundador da psicanálise: "não me pergunte de onde vem isto ou aquilo, deixe – -me contar o que tenho a dizer-te" (Freud, 1995, p. 95). Ou seja, a Sra. Emmy Von N. pede a Freud para calar-se, porque há um saber em seus próprios ditos. Daí a regra fundamental e a cura pela palavra.
O que se desenrola de narrativas do analisando, requer do analista a arte da escuta para dar prosseguimento no processo psicanalítico. A associação livre está no lado do analisante. Psicanaliticamente, "toda análise é terapêutica, tanto para aquele que quer se curar quanto para aquele que se propõe ser analista" (Quinet, 2009, p. 95). O tratamento psicanalítico desencadeia o avanço no conhecimento do sujeito sobre a elaboração de sua dinâmica: do inconsciente, da sexualidade infantil, do modus operandi na transferência, da visão tópica e econômica do seu funcionamento psíquico. Psicanálise é um termo cunhado por Freud que designa, ao mesmo tempo, uma teoria científica, um método de investigação e uma prática clínica, que promove condições para que o sujeito encontre sua bússola e, daí em diante, em algum momento, chega a hora da despedida.
O fim da análise implica o registro de uma investigação, reescrita ao longo da historicidade da análise, e o seu desfecho, os conteúdos já lembrados e elaborados. Segundo Green (1994, p. 25), "escrever significa, em primeiro lugar, transformar. Fazer passar a não representabilidade da fantasia inconsciente para a não representabilidade da escritura, passando pelas representações pré-conscientes".
Para Zanella (2012, p. 89), toda pesquisa tem por fim um concreto lógico que se assemelha a um poliedro, devido a suas variadas faces, tais como:
[...] o percurso da investigação e seus resultados; a problemática que a provocou e as contribuições do pesquisador – em alguns casos, potentes ao ponto de produzirem desvios nos eixos dessa problemática; o referencial teórico, que modula o olhar do pesquisador para a realidade investigada e para as tensões que essa realidade apresenta a esse referencial; as escolhas teórico-metodológicas e seus efeitos éticos-estéticos-políticos [...].
A práxis psicanalítica no final de análise confere ao paciente a descoberta de "uma maneira criativa de expressar o gozo pela vida" (Forbes, 2013, p. 52). O recalcamento, a repressão, a cisão, a dissociação e os conflitos "estão no cerne dos processos psíquicos e também na dinâmica das estruturas que se constroem na formação do que se entende por 'aparelho mental"', expõe Amaral (2002, p. 9-10). Ou seja, se não há esperança e "se a tragicidade da vida se impõe de modo absolutamente inflexível", nada se pode conceber ou praticar de terapêutico, teríamos aí "uma dramaticidade complexa dolorosa, mas, ao fim e ao acabo, uma ideia de superação e apaziguamento, algo como final feliz [...]; psicanalisar-se como um certo 'aprender a dançar"' (Amaral, 2002, p. 10).
Na evolução do processo psicanalítico, o fim da análise vem a calhar, conforme Freud (1937/1975), a partir de duas condições: (a) o paciente não mais esteja sofrendo de seus sintomas e tenha superado suas ansiedades e inibições; (b) o analista julgue que foi tornado consciente material recalcado e vencida a resistência do processo patológico em apreço. Aspirar resultado além desse patamar seria um ambicioso projeto de normalidade psíquica absoluta. Nessa perspectiva, o objetivo da análise não é dissipar todas as peculiaridades do caráter humano em benefício de uma normalidade esquemática, nem exigir que a pessoa não desenvolva conflitos internos. Além disso, Freud acentua que os estímulos recebidos pelo sujeito em sua análise não cessam quando esta termina, qualificando o indivíduo analisado a prosseguir com a tarefa sozinho, como defende Lowenkron (2007, p. 57).
A mudança do analisando não se dá de imediato como dar um comando de power on/off de um gadget. Há uma evolução do processo psicanalítico, ou seja, a transformação ocorre no curso da análise para fortalecer o ego. Tanto para o psicanalista quanto para o analisando, o tratamento analítico é bastante exigente, aponta Freud (1937/1975), porque um trabalho sério é empregado para levantar resistências internas, superando-as.
[...] a vida mental do paciente é permanentemente modificada, elevada a um nível mais alto de desenvolvimento, ficando protegida contra novas possibilidades de cair doente [...] amplia seu campo de percepção e aumenta sua organização, de maneira a que possa apropriar-se de novas partes do id. Onde era o id, ficará o ego (Freud, 1937/1975, p. 244).
O salto de qualidade para o término de análise envolve "acordo entre analisando e analista, sendo, de modo geral, o paciente quem toma a decisão" (Lowenkron, 2007, p. 57). Na comparação que Freud (1913/1969) fez do tratamento psicanalítico com o jogo de xadrez, evidencia-se uma diversidade de constelações psíquicas envolvidas na riqueza de possibilidades dos processos mentais.
Entrelaçando considerações finais
Embora estejamos vivendo na cibercultura, há rizoma de verdades duradouras. "A cibercultura surge como solução parcial para os problemas da época anterior, mas constitui em si mesma um imenso campo de problemas e de conflitos para os quais nenhuma perspectiva de solução global já pode ser traçada claramente" (Lévy, 2010, p. 255). Há que reinventar e respeitar a evolução do processo psicanalítico do paciente em suas diferentes etapas. Cada sujeito em término de análise não é um gadget ou um aplicativo que se pode conectar, deletar ou desligar. Transcorre o reconhecimento do seu modo de ser no mundo, sua historicidade.
Assim como ocorre no desenvolvimento da cibernética, os aperfeiçoamentos e as evoluções na psicanálise no término de análise, o enigma humano dos sintomas, as inibições e as resistências psíquicas têm seus devidos encaminhamentos evolutivos. Esses aspectos requerem investigação, deciframento, desvendamentos, desvelamentos. Freud ensinou-nos a desencadear uma evolução: libertar no homem suas anormalidades de caráter neurótico. No gérmen da "galáxia da internet", citamos, como exemplo, Turing, matemático que, conforme Lanier (2010), foi o primeiro craker, ou decodificador, a usar computadores para derrubar as medidas de segurança de um inimigo, decifrando o código secreto nazista, chamado Enigma. Para tanto, projetou uma forma de existência incalculada e cristalina no domínio digital – o teste de Turing. O final da análise, assim como a cibercultura, é um processo e requer condições históricas próprias para se efetivarem.
Esta reflexão reforça que o término da análise guarda em si um patrimônio de investimento psíquico. Para Freud (1937/1975, p. 262), "é difícil provar que isso é realmente assim, pois não temos outra maneira de ajuizar o que acontece, exceto pelo resultado que estamos tentando explicar. Não obstante, as impressões que se recebe durante o trabalho de análise não contradizem essa pressuposição; na verdade, parecem antes confirmá-la". Em cada situação, há um sujeito em transformação que se narra. O final de análise detecta a história de si mesmo, e eis o avanço: dá-se uma passagem, uma mudança, um salto de qualidade. Do contrário, somos reificados como software, expressando ideias sobre tudo que não estabelece relações além do programado vazio, o qual não possui continuidade, apenas estagnação. "Não sabemos se a morte é o fim da história, mas a falta de história significa a morte psíquica. Mortosvivos são aqueles que não podem contar", conclui Gutfreind (2009, p. 28-29). A caminhada continua.
O que insiste ser satisfeito só pode ser satisfeito no reconhecimento. O fim do processo simbólico é que o não-ser (sic) venha a ser, que ele seja porque falou (Lacan, 1954-1955/1985, p. 384).
Então, a caminhar!