Quando o artigo acima foi distribuído para os pareceristas da Ide, houve algo semelhante à dura crítica de Monteiro Lobato ao visitar a exposição de uma artista modernista em 1917, quando o escritor comparou as telas aos desenhos “que ornam as paredes internas dos manicômios”. Nós pensamos então que não seria esta a primeira vez que pintoras modernistas, sejam elas Anita Malfatti, Tarsila do Amaral ou outras, receberiam esse tipo de recepção; este trajeto parece fazer parte da saga modernista.
Abaporu é uma das principais obras do período antropofágico do Movimento Modernista, datado de 1928 e que esteve por muitos anos na coleção Nemirovsky e Raul Forbes. Hoje está no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (Malba), desde 1995. Foi comprada por 1,5 milhão de dólares e vale hoje mais de 40 milhões. Tarsila pintou-a em 1928 para Oswald de Andrade. Na época ficou batizada de Abaporu, que em tupi significa “homem que come gente”, referência para o movimento Antropofágico - deglutir a arte estrangeira e digerir para o Brasil, uma reverie.
Poderíamos pensar que um objeto estético realmente pode despertar no observador as mais variadas e antagônicas reações, principalmente os da filiação modernista com seus objetos parciais desafiando uma organização mais tradicional, facilmente reconhecida.
O artigo parece seguir essa filiação estética. Avisa-nos, já de início, que se propõe a narrar uma experiência estética e pareceu-nos que a própria leitura do texto gera no leitor uma experiência emocional antropofágica onde somos postos a “degustar ou a engolir” trechos que nos esclarecem, nos alimentam, nos fazem sentir na carne o que seria o Abaporu - homem que come gente. Assim somos apresentados à trajetória de Oswald de Andrade e ao Movimento Pau-Brasil, como ele foi absorvido pela nossa sociedade, em suma, percorremos junto com o autor uma “odisseia antropofágica”, na forma de um banquete antropofágico.
Nossa percepção foi a de que não saímos dessa aventura ilesos, saímos prenhes de interesse e de um certo vislumbre do que seria o livro-luxo no lixo e de que uso podemos fazer do luxo no lixo. A “odisseia antropofágica” do texto continua ao percorrer Luto e melancolia nas vozes de Freud e de Ogden e termina numa abertura de esperança através do encontro de um objeto/experiência estética capaz, quiçá, de transformar lixo em luxo.