Numa manhã de trabalho, de um lado, vivendo a intensa imersão neste processo da “formação” e de outro lado, tendo os sentidos abertos e receptivos às emanações dos pacientes , ouço minha paciente. Dizia-me que entrara em casa chamando pelo marido e nada, seguiu pelo corredor chamando um dos filhos e nada, assim se repetiu quando chamava o outro filho também. Teve ela, então, uma aguda sensação de ser absolutamente só. Naquele momento só restava ela naquela casa…
Era só ela!
Eu senti que o momento era delicado, inédito e precioso. Dava-se ali um nascimento. Ocorreu-me comentar que sua cena e a sensação me lembravam aquele jogo do “ Resta Um”, em que a evolução e o sucesso no jogo, era acabar restando apenas um pino. Ali, naquele momento da sessão, éramos nós, ainda éramos duas… por enquanto…
Ao final, assim que nos despedimos, fiquei eu com a minha urgência em tratar do que restara ali comigo. Precisava escrever alguma reflexão sobre tantas associações geradas naquele encontro. Mas, na verdade, fui atropelada pela ligeireza da poesia, que dali, daquele encontro, também nascia!
O RESTO
Entre um e muitos outros
o que resta sou eu
Resto do que pretendia ser
talvez minha única porção
ainda pura e original
Sem concessões
o resto é este eu
finalmente irredutível
Porção única que sobra
que não coube no que somei,
no que partilhei
que não se prestou a ser dividido
o que de mim
não pode ser integralmente subtraído
É
O coração é mesmo
um operador ilógico
é irônico e engraçado
Na divisão de um sentimento….
aumentamos
é até comum
que nos multipliquemos
mas se multiplicados
nos dispersamos
E na soma então
pelas concessões
nos diminuímos
Finalmente
na subtração
conforme a equação
e se sobrevivemos
ironia das ironias
nós nos fortalecemos
Ah que ilusão tola deste insuportável eu!!!
Um eu que vive em busca
da solução definitiva
de problemas
dos resultados corretos
E da enganosa harmonia
do equilíbrio impossível
da inalcançável … certidão
dos pensamentos claros
das operações exatas
que não deixam restos
nem Eu
E assim revelada, só então a própria poesia completou seu nome, que desde o seu final, passei a chamá-la o resto - matemática aplicada