SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44 issue74PROTESTOQRIA author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Ide

Print version ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.44 no.74 São Paulo July/Dec. 2022  Epub Aug 02, 2024

https://doi.org/10.5935/0101-3106.v44n74.17 

Ateliê

O RESTO, UMA CRÔNICA MATEMÁTICA

Maysa Prado Dias Ayres1 

Psicóloga clínica, membro filiado ao Instituto de Psicanálise “Durval Marcondes” da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Londrina

1Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP).


Numa manhã de trabalho, de um lado, vivendo a intensa imersão neste processo da “formação” e de outro lado, tendo os sentidos abertos e receptivos às emanações dos pacientes , ouço minha paciente. Dizia-me que entrara em casa chamando pelo marido e nada, seguiu pelo corredor chamando um dos filhos e nada, assim se repetiu quando chamava o outro filho também. Teve ela, então, uma aguda sensação de ser absolutamente só. Naquele momento só restava ela naquela casa…

Era só ela!

Eu senti que o momento era delicado, inédito e precioso. Dava-se ali um nascimento. Ocorreu-me comentar que sua cena e a sensação me lembravam aquele jogo do “ Resta Um”, em que a evolução e o sucesso no jogo, era acabar restando apenas um pino. Ali, naquele momento da sessão, éramos nós, ainda éramos duas… por enquanto…

Ao final, assim que nos despedimos, fiquei eu com a minha urgência em tratar do que restara ali comigo. Precisava escrever alguma reflexão sobre tantas associações geradas naquele encontro. Mas, na verdade, fui atropelada pela ligeireza da poesia, que dali, daquele encontro, também nascia!

O RESTO

Entre um e muitos outros

o que resta sou eu

Resto do que pretendia ser

talvez minha única porção

ainda pura e original

Sem concessões

o resto é este eu

finalmente irredutível

Porção única que sobra

que não coube no que somei,

no que partilhei

que não se prestou a ser dividido

o que de mim

não pode ser integralmente subtraído

É

O coração é mesmo

um operador ilógico

é irônico e engraçado

Na divisão de um sentimento….

aumentamos

é até comum

que nos multipliquemos

mas se multiplicados

nos dispersamos

E na soma então

pelas concessões

nos diminuímos

Finalmente

na subtração

conforme a equação

e se sobrevivemos

ironia das ironias

nós nos fortalecemos

Ah que ilusão tola deste insuportável eu!!!

Um eu que vive em busca

da solução definitiva

de problemas

dos resultados corretos

E da enganosa harmonia

do equilíbrio impossível

da inalcançável … certidão

dos pensamentos claros

das operações exatas

que não deixam restos

nem Eu

E assim revelada, só então a própria poesia completou seu nome, que desde o seu final, passei a chamá-la o resto - matemática aplicada

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.