Os elementos da natureza, antigas matas com a estrutura diversificada das árvores evocam múltiplos cenários criados pelas frondes de árvores centenárias e suas raízes entrelaçadas. São tramas fechadas, abrindo-se em clareiras, em múltiplas camadas e transparências nas quais a luz vibra e colore.
Isso tornou-se um lugar poético, de silêncios e movimentos. Lugar da lenta contemplação do mundo, da poeira vermelha das estradas, subindo, descendo vagarosamente, formando cortinas, transformando a paisagem ao redor. Tudo se convertia em imagens, desenhos e pinturas. Descobri muito cedo, pela observação demorada, o que denominamos perspectiva aérea, a paisagem mudando de cor a partir do ar, da neblina, da luz, os troncos das árvores não tinham o colorido do lápis de cor marrom, mas eram multicoloridos, as folhas eram azuis, amarelas, roxas, vermelhas; não apenas verde, a cor dependia da luz que incidia sobre elas. Tudo se mostra e se esconde, nesse misterioso tempo expandido. Imagens de mistério e surpresas que foram se enraizando, no acervo mais profundo dos anos da minha infância. Nelas estão amalgamadas a vida da cidade pequena, carroças, música dos pregões da rua e o zum-zum do cotidiano familiar, do jazz, do circo alegrando a criançada, do sol a pino, das noites estreladas sem fim. Aí a natureza penetrava e se misturava com os cantos dos pássaros, com as pequenas abelhas dançando em torno de jabuticabeiras em flor. São referências que contrastam com aquelas das árvores remanescentes à beira de estradas ou soltas no meio de extensas plantações. As raízes, o capim, as aves, pequenos declives lançam o olhar para o vasto da paisagem, testemunhando transformações provocadas pela mão humana, num diálogo contínuo entre o permanente e o transitório.
Minha bagagem se construiu aos poucos, lentamente, por isso uso o linho, o papel de arroz, o nanquim, a tinta, o cobre como suporte para a trama da pintura ou da gravura. Aí se processa um diálogo de linhas e manchas formando tramas, criando relações sutis de contrastes de luz e sombra que o olhar contempla e explora. Um lugar poético para evocar aquilo que não se apresenta de forma evidente e objetiva.
É a partir da vida, que constantemente nos escapa, da mobilidade de um armazenamento de experiências múltiplas, que uma rede de relações subjetivas é evocada, dinamizada. No fazer artístico o gesto é inacabado, nele a intuição, o sentimento, a memória se aliam, estabelecendo um trânsito amplo e profundo entre mundos. Envolve, assim, um diálogo constante do artista com a tradição da arte e seus múltiplos tempos.