Houve um tempo em que os bruxos existiram.
Antes de serem queimados vivos eles haviam passado pelas escolas.
Nos tempos em que existiam escolas.
Só depois foram para as ruas ser autodidatas,
Um caminho que partiu das grutas dos cinemas, da canção entoada viva
E da cultura de rua mesmo.
Sem hierarquias ou prisões, fluindo na direção das necessidades.
Os heróis Mau-Caráter só queriam sobreviver ao golpe armado nos
Tristes Trópicos.
E morrer de poesia.
“Abre alas que eu quero passar!”
Berra desde o império, Chiquinha Gonzaga.
Abacaxis e bananas escondem O Penhasco de Malfatti.
Um Chiquindim de pandeiros e tamborins acobertam a longa vaia
sobre Carmem Miranda.
Jogados ao mar os figurinos do Metropolitan House que vestiram
Bidu Sayão.
Um Rito do Amor Selvagem rompe estruturas em tramas de imagens polifônicas.
Fricções científicas superpostas à simetria.
E o cinema Pop-Fantástico-Tropical finalmente está carbonizado.
E foram mulheres que silenciaram as mulheres.
Mas ainda restam alguns poucos malditos. Por sorte, casaram-se com jovens e
ávidas empresárias.
Não fosse por elas, essas joias raras estariam passando o chapéu na
Avenida Paulista.
Grisalhos, barbudos, magros e suados à vender incensos e caixinhas de cds.
Distribuindo panfletos prenhes de poesias.
Os que ainda sobrevivem cambaleiam.
Exaustos.
Atônitos, são rapidamente atropelados.
Em fuga, com medo de avião.
Desapropriados definitivamente.
Reclusos, endividados, despejados e processados.
Mortos e agonizantes.
Simplesmente inadimplentes.
Calados para sempre.
- São lindas as vestes dos Reis da Vela!
Acenam os mascotes - Lá de longe - no Olimpo.
Sentados em Varandas-Gourmet,
Aplaudem aos gritos.
- Pare!
- Não ande!
- Volte duas casas!
Os mascotes, eles sim, conquistaram a Europa, a Oceania
E mais um continente à sua escolha.
Orgulhosos de um Woodstock-Tropical, tão vazio quanto incompreensível.
- Goela abaixo o Ta-ti-bi-tá-ti-bi Performático e as Pinturas Conceituais!
- Goela abaixo os tecidos de chita e as tampinhas de garrafas pendurados
nas salas de exposições!
Virtuais, agora, desfilam os Porta-bandeiras dos Reis-da-Vela.
À sombra dos Parangolés sobre a Terra em Transe.
Cidade metralhada por Deus.
- Mas que fim levou a geração que transitou de Gabriela aos Youppies e se
entupiu de coquetel Elis Regina?
“É preciso levar vantagem em tudo”,
Dizia o jogador de futebol batendo com o maço de cigarros ao lado da testa.
O Marco Aurélio da novela deu uma banana para o país
E decolou com seu jatinho recheado de dinheiro.
Proliferam “Gersons” e “Marcos Aurélios” em todas as casas
As ricas e as pobres - guardadas por Deus.
Como nossos pais, nossos tios ou nossos amigos.
- Para onde foram os malditos e insistentes resistentes da Cultura Tropical?
Canibais - Banguelas - Antropofágicos -
Nos devorávamos.
Coroados de Corona - autófagos -
Agora nos devoramos.
Sufocados no ar seco em silêncio.
Tombamos.
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Ide
Print version ISSN 0101-3106
Ide (São Paulo) vol.45 no.75 São Paulo Jan./June 2023 Epub Aug 02, 2024
https://doi.org/10.5935/0101-3106.v45n75.16
Lançamento Ide 44(74)
OS FILHOS DA TROPICÁLIA UMA ODE PANDÊMICA
Mezzosoprano. Diploma Konzertexamen – Universidade de Música Robert Schumann, Düsseldorf, Alemanha. N. E. Assista ao
1Universidade de Música Robert Schumann
vídeo apresentado no lançamento da revista Ide: https://vimeo.com/783054047. São Paulo