Memórias
Elas vêm arredondadas como pontos claros numa noite escura. Não sei o começo. O desenho do meu espaço é atemporal e aespacial. Uma espécie de sonho, com os olhos internos rastreando registros que pulsam como o coração, porque são carregados de qualidades afetivas. Alguns passam como meteoros, e deles só consigo fotografar a cauda. Parecem cometas. Outros cintilam como estrelas fixas no mesmo lugar do firmamento. Como o cenário de um planetário em que passado, presente e futuro são impossíveis de distinguir. E daí tudo parece um todo indiviso. Tento rastrear por tentativas, nessa imensidão do meu sonho acordado, a região onde se concentram as figuras, os desenhos, as memórias da minha querida Sociedade de Psicanálise.
E eis que me vejo tomando um lanche na Avenida Angélica, a um quarteirão da Rua Maranhão, onde Isaías Melsohn tinha seu consultório. Com ele fiz minha análise didática. Na Rua Itacolomi ficava a sede da Sociedade. Nesse prédio, a professora Judith Andreucci reinava como uma fada e, com sua doçura poética, abria, para seus analisandos, supervisionandos e alunos, as veredas, sendas e desvãos do inconsciente. Nesse prédio, reunia-se um pequeno grupo de psicanalistas - cinquenta a sessenta - às quartas-feiras. A atmosfera, que ainda sinto, era para mim um tanto mágica. Tudo o que estou relatando tinha e continua tendo essa qualidade. Outra parada obrigatória, nessa viagem no tempo, dá-se no consultório de Pérsio Osório Nogueira, que, com Deocleciano Bendochi Alves, apresentou-nos Melanie Klein. Na vizinhança da Sociedade, residia Frank Philips. Em seus seminários, podia-se espiar um pouco o mundo de Wilfred Bion.
Nessa trajetória onírica, vejo a sede da Sergipe, hoje chamada de Velha Sede. Para lá se mudou o espaço luminoso da Itacolomi. Mas continuávamos na mesma encantada região psicanalítica. Como me lembro da briga homérica e solitária que travei contra a segunda mudança, aquisição hoje conhecida como Nova Sede. Vejo-me, como Dom Quixote, com minhas frágeis armas, movido por indignação, atacando moinhos de vento. Hoje posso entender a indignação referida. Porque ainda hoje a região já descrita era e é, para mim, sagrada. A sensação vivida foi de profanação, abandono, afastamento desse lugar cheio de graça, espaço luminoso, morada da psicanálise.
Brilha com intensidade, compondo o meu Cruzeiro do Sul, o querido Durval Marcondes. Foi seu consultório o lugar onde efetivamente nasceu a nossa Sociedade de Psicanálise. Reverencia-se até hoje, com muito mérito, esse querido mestre, que dá nome a nosso Instituto. Ocupa parte encantada, neste meu relato, a visita que recebi do Durval. Com sua prosa modesta e generosa, dou-me conta, levou Freud de braços dados com ele.
Dessas estrelas do meu firmamento, destaco, com ênfase, fortes impressões que trago em minha memória. Lugar-comum em todas: amor à verdade, transcendência, arte, bondade e imensa sensibilidade ao sentido da vida.