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Ide

Print version ISSN 0101-3106

Ide (São Paulo) vol.45 no.76 São Paulo July/Dec. 2023  Epub Aug 16, 2024

https://doi.org/10.5935/0101-3106.v45n76.23 

SBPSP 70 anos

UM SONHO ENCANTADO DA MINHA SOCIEDADE DE PSICANÁLISE

Luciano Marcondes Godoy1 

Médico formado em 1965 pela Escola Paulista de Medicina (epm), autor do livro Espelhos reflexos reflexões. São Paulo

1Analista didata e docente da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP). Médico formado em 1965 pela Escola Paulista de Medicina (epm), autor do livro Espelhos reflexos reflexões. São Paulo


Memórias

Elas vêm arredondadas como pontos claros numa noite escura. Não sei o começo. O desenho do meu espaço é atemporal e aespacial. Uma espécie de sonho, com os olhos internos rastreando registros que pulsam como o coração, porque são carregados de qualidades afetivas. Alguns passam como meteoros, e deles só consigo fotografar a cauda. Parecem cometas. Outros cintilam como estrelas fixas no mesmo lugar do firmamento. Como o cenário de um planetário em que passado, presente e futuro são impossíveis de distinguir. E daí tudo parece um todo indiviso. Tento rastrear por tentativas, nessa imensidão do meu sonho acordado, a região onde se concentram as figuras, os desenhos, as memórias da minha querida Sociedade de Psicanálise.

E eis que me vejo tomando um lanche na Avenida Angélica, a um quarteirão da Rua Maranhão, onde Isaías Melsohn tinha seu consultório. Com ele fiz minha análise didática. Na Rua Itacolomi ficava a sede da Sociedade. Nesse prédio, a professora Judith Andreucci reinava como uma fada e, com sua doçura poética, abria, para seus analisandos, supervisionandos e alunos, as veredas, sendas e desvãos do inconsciente. Nesse prédio, reunia-se um pequeno grupo de psicanalistas - cinquenta a sessenta - às quartas-feiras. A atmosfera, que ainda sinto, era para mim um tanto mágica. Tudo o que estou relatando tinha e continua tendo essa qualidade. Outra parada obrigatória, nessa viagem no tempo, dá-se no consultório de Pérsio Osório Nogueira, que, com Deocleciano Bendochi Alves, apresentou-nos Melanie Klein. Na vizinhança da Sociedade, residia Frank Philips. Em seus seminários, podia-se espiar um pouco o mundo de Wilfred Bion.

Nessa trajetória onírica, vejo a sede da Sergipe, hoje chamada de Velha Sede. Para lá se mudou o espaço luminoso da Itacolomi. Mas continuávamos na mesma encantada região psicanalítica. Como me lembro da briga homérica e solitária que travei contra a segunda mudança, aquisição hoje conhecida como Nova Sede. Vejo-me, como Dom Quixote, com minhas frágeis armas, movido por indignação, atacando moinhos de vento. Hoje posso entender a indignação referida. Porque ainda hoje a região já descrita era e é, para mim, sagrada. A sensação vivida foi de profanação, abandono, afastamento desse lugar cheio de graça, espaço luminoso, morada da psicanálise.

Brilha com intensidade, compondo o meu Cruzeiro do Sul, o querido Durval Marcondes. Foi seu consultório o lugar onde efetivamente nasceu a nossa Sociedade de Psicanálise. Reverencia-se até hoje, com muito mérito, esse querido mestre, que dá nome a nosso Instituto. Ocupa parte encantada, neste meu relato, a visita que recebi do Durval. Com sua prosa modesta e generosa, dou-me conta, levou Freud de braços dados com ele.

Dessas estrelas do meu firmamento, destaco, com ênfase, fortes impressões que trago em minha memória. Lugar-comum em todas: amor à verdade, transcendência, arte, bondade e imensa sensibilidade ao sentido da vida.

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