O livro As bases genéticas da polarização política, de Sergio Cortizo, chega ao leitor num momento histórico em que a leitura do livro é muito oportuna, traduz-se por não negligenciar a política.
Um livro que permanecerá na estante do leitor tal como “O mal-estar na civilização” (Freud, 1930/2010), pois ambos tratam de assuntos semelhantes -discutem e questionam sobre o antagonismo entre o pulsional e as restrições da civilização.
A obra em questão acompanha a mente primitiva em seu desenvolvimento até os dias de hoje. Seu autor, físico e professor de Lógica, discorre muito claramente sobre hereditariedade, história e política. Aborda desde os impulsos agressivos e competitivos que compartilhamos com outros primatas, do advento das predisposições cooperativas e altruístas durante a ocupação das savanas africanas, do desenvolvimento cognitivo e o surgimento da linguagem, até a Revolução Francesa, com a polarização política direita-esquerda que surgiu a partir de 1790. A leitura oferece uma construção intelectual do primoroso resultado de pesquisas, em que nada deriva de revelação, intuição ou adivinhação, pois a maior contribuição do livro está em estender uma investigação sobre evolução do homem, partindo de raízes profundas e atingindo por fim a política. Em determinado momento da leitura deparamos com alertas baseados em episódios históricos, nos quais a polarização política é muito clara e ameaçadora, cita o exemplo de democracias contemporâneas que, embora consolidadas, não “estão imunes” ao processo polarizador.
O autor defende a ideia de “que as ideologias teriam uma base mais profunda do que usualmente se considera: elas refletem estruturas mentais inatas dos seres humanos que foram assimiladas geneticamente ao logo da evolução biológica da nossa espécie por seleção natural” (Cortizo, 2023, p. 10).
A obra descreve o urdume de uma longa evolução à conclusão sobre as razões da polarização política. Partindo dos hominídeos, nos biomas africanos, ela delineia a evolução da mente humana, pelo processo de seleção natural, até o advento do simbolismo. A seguir, mostra a evolução das sociedades até o sistema laico e a Revolução Francesa. O final do primeiro terço da leitura o livro descreve a diáspora humana ocorrida há 100 mil anos e a eliminação das populações de primatas que compuseram a linhagem evolutiva dos hominídeos ao transcorrer de mais de seis milhões de anos; o fundamento psicológico da ideologia teria, segundo o livro, portanto, uma origem muito mais antiga. Nesse momento a leitura descreve o início das predisposições comportamentais do Homo sapiens, fato denominado “natureza humana”, por ser universal em todos nós desde nossos ancestrais.
O livro tem pontos curiosos, e num deles são abordadas a vida nas savanas e florestas africanas e as predisposições genéticas adquiridas como estratégias de sobrevivência nesses biomas, uma memória evolutiva herdada da vida na floresta baseada no domínio e a outra, uma assimilação genética que viabilizou o nomadismo nas savanas na medida em que houve seleções naturais que viabilizaram tanto a vida nômade nas savanas como a adaptação às florestas.
Um dos capítulos mais interessantes nesse livro aborda o prelúdio da evolução dos sistemas políticos, e nele o leitor apreende sobre a organização social que no continente africano era baseada nos comportamentos competitivos e cooperativos e seus gradientes de variações; um par de gráficos elucidativos sobre a relação entre cooperação e coesão social é apresentado (Cortizo, 2023, pp. 36 e 37).
Além da conclusão, há quatro apêndices que fecham a obra de maneira bem sintética e emoldurada pela “transição principal humana” (tph), a qual apresenta as sociedades como superorganismos que em situações conflituosas lutam por interesses coletivos. E traz, por fim, uma diversificada fonte bibliográfica.
É proposto pela obra que a mutável interface entre dois dos biomas africanos, savanas e florestas, foi responsável pelas formações de grupos mais ou menos eficazes em sobreviver criando comportamentos cooperativos, compartilhamento de víveres, informações trocadas que foram assimilados geneticamente, porém, sem desalojar os instintos arcaicos, pois isso desadaptaria nossos ancestrais à vida na floresta, onde viviam grupos que compartilhavam a mesma estrutura genética. A expansão e ocupação das savanas foi possível pela possibilidade de grupos com uma mesma carga genética adotarem “comportamentos sociais opostos, que fossem sustentados e transmitidos entre gerações por um incipiente sistema de herança cultural, e não pela via genética” (Cortizo, 2023, p. 21).
O livro As bases genéticas da polarização política reflete os interesses e o trabalho de um autor que tem sua experiência assentada no dia a dia de políticas públicas, lidando com questões críticas, como mudanças climáticas, migrações e energia.
Além dessa experiência, o livro está embasado em uma bibliografia compilada da antropologia, genética, pré-história, filosofia e psicologia. O livro também trata como uma verdade objetiva intrínseca o assunto direita e esquerda, o fenômeno das leis da natureza, que pode parecer de imediato fora de conexão causal com a política, mas que é ligado pela lógica da verdade objetiva das coisas, lógica que permite, graças a essas experiências e leituras, ao leitor adquirir uma maneira de raciocínio que conduz à verdade. Acredito que o autor usa a lógica como forma abstrata de apresentar seus argumentos. Em filosofia essa “maneira de raciocinar, tal como se exerce de fato”, é denominada lógica natural (Lalande, 1926/1996, p. 631).
Um livro de interesse para nós, psicanalistas, para um público que se interessa pela avaliação da cultura humana e principalmente para os políticos. Alguns leitores desse trabalho podem julgar que leram ou saberiam demasiadamente sobre a fórmula direita/esquerda, contudo, o conteúdo do livro desvendará um novo e interessante vértice. As bases genéticas da polarização política decorre de pensamentos claros e conceitos adequados, induções sólidas, em uma pesquisa que esclareceu o indispensável.
Sergio Cortizo é físico, doutor em Lógica e foi professor na usp por mais de uma década. Atualmente, desde 2009, trabalha em Brasília, especializado em políticas públicas relacionadas a crises e questões trazidas pelas mudanças de clima.