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Tempo psicanalitico
versión impresa ISSN 0101-4838
Tempo psicanal. vol.43 no.2 Rio de Janeiro dic. 2011
SEÇÃO TEMÁTICA
Transferência na clínica das psicoses ou a foraclusão do tempo
Transference in the clinic of psychosis or time foreclosure
Marília Spinelli Jacoby CundaI; Maria Cristina Candal PoliII
IPsicóloga, Mestre em Psicologia Social e Institucional pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), membro da Equipe Técnica da Clínica de Atendimento Psicológico da UFRGS
IIPsicanalista, Doutora em Psicologia, Professora do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (UVA-RJ), Membro da APPOA, Pesquisadora do CNPq
RESUMO
O artigo busca contornar os enlaces entre transferência e temporalidade na clínica das psicoses desde a psicanálise, tendo como principal referência o legado de Freud e Lacan. Acolhe-se a hipótese de que a constituição psicótica colocaria em cena uma espécie de abismo temporal desde a não-incidência de balizas simbólicas capazes de instituir um ritmo - intervalo - entre o campo do sujeito e o campo do Outro. Tal impasse implicaria especificidades no armado transferencial quando da escuta destes sujeitos, conduzindo-nos a uma pergunta sobre a posição do analista no mesmo, onde se colocaria em jogo a possibilidade de forjar-se um tempo subjetivo.
Palavras-chave: transferência; temporalidade; psicoses.
ABSTRACT
This article discusses the links between transference and temporality in the clinic of psychosis from a psychoanalytic point of view, using the legacy of Freud and Lacan as main references. We consider a hypothesis regarding the psychotic constitution as having a temporal abyss, since there is no incidence of symbolic beacons able to establish a rhythm - a break - between the subject's field and the Other's field. This impasse would mean specificities in transference when listening to these subjects, leading us to a question about the analyst's position in it, where the possibility of forming a subjective time is in question.
Keywords: transference; temporality; psychosis.
"No começo era o amor" é a provocação de Lacan, da qual também partimos. Em seu seminário sobre a transferência, transcorrido entre os anos de 1960 e 1961 (1992), propõe-nos um retorno aos princípios, ao que esteve colocado em cena na assunção mesma da práxis psicanalítica. Lembremos que as primeiras referências freudianas sobre a transferência - Übertragung - irão datar de seus estudos sobre a histeria (Freud, 1895/1996). O caráter perturbador deste fenômeno é imediatamente reconhecido, e este incidirá sobre um paradoxo fundamental: um amor, dirigido à figura do analista, que, ao mesmo passo que produz um tempo de revelação dos mais imbricados conflitos inconscientes, coloca-se como o mais visível elemento de resistência às associações do paciente. Nos artigos sobre a técnica, Freud (1912/1996, 1915/1996) compreendeu a transferência como necessariamente presente no trabalho analítico. Lembremos que, no que tange à paranoia, Freud (1912/1996) irá considerar como possível apenas a face negativa do enlace transferencial, partindo daí, justamente, seu entendimento de uma impossibilidade do trabalho analítico junto a sujeitos psicóticos.
Tomando o amor como ponto crucial de sua leitura, Lacan (1960-1961/1992), desdobrará suas elaborações sobre a transferência, convocando-nos a uma minuciosa releitura do Banquete, de Platão. A indicação é precisa: leiamos neste texto nada menos que relatos de sessões analíticas. O segredo de Sócrates, pois, será o grande enigma desde o qual a questão da transferência será abordada, destacada então em sua acepção de disparidade subjetiva, naquilo que toma a devida distância da noção de intersubjetividade. Em outras palavras, não é de sujeito a sujeito que poderíamos apreender este fenômeno, senão em sua justa imparidade. De forma que, em uma análise, tratar-se-ia de aprender com o outro aquilo que lhe falta, e isto, dirá Lacan, o sujeito apenas poderá aprender amando.
A consigna deste banquete, cerimônia usual da elite intelectual grega, é que cada um dos presentes teça um elogio ao amor. Tomará destaque na leitura lacaniana o jogo entre érastès e érôménos, entre amante e amado. O amante está em posição de mover-se por aquilo que lhe falta. Ao amado restaria a incerteza de não saber, precisamente, o que ele tem. Tratar-se-ia de uma hiância, pois, radicalmente colocada, desde aí derivando o conhecido aforismo lacaniano de que amar é dar o que não se tem.
A entrada desastrada de Alcibíades dá lugar à confissão pública de seu próprio desconcerto. Ao propor um elogio a Sócrates (deslocando a consigna de um elogio a Eros), ansiava desmascará-lo. Lacan nos interroga: o que Sócrates se recusa a mostrar a Alcibíades? Haja vista este já saber de Sócrates que capturara seu desejo, o que faz com que não esteja certo de sua complacência? O que adensa a recusa de Sócrates a entrar no jogo do amor residiria, justamente, no fato de que diz saber das coisas de Eros. "E diremos que é porque Sócrates sabe que ele não ama" (Lacan, 1960-1961/1992: 156).
O que seduzirá Alcibíades em Sócrates é, justamente, seu agalma, termo evocado por Lacan e que teremos como pivô de sua conceituação de objeto a. Deste modo, em seu discurso, Alcibíades irá comparar Sócrates aos silenos, objetos que, naquela época, serviam como receptáculos. Se um objeto nos apaixona, dirá Lacan, é porque ali dentro se esconde nada menos que nosso objeto de desejo, objeto de desejo do Outro. Agalma como invólucro, portanto. Na recusa de Sócrates, vemos ressoar um comentário no qual Lacan situa um valor de interpretação, porquanto faz desvelar a natureza transferencial do amor de Alcibíades. Sócrates aponta a este que seu discurso não visava a ele, mas a Agatão. O que Alcibíades desejaria, pois, era ser amado por Sócrates, tendo por objeto de desejo Agatão. Precisamente, Lacan afirma ter captado nesta encenação a última palavra do que Platão teria querido dizer-nos acerca da natureza do amor. O que está em jogo no amor transferencial seria, pois, o amor ao agalma que o paciente percebe no analista, pelo qual irá atribuir-lhe saber.
No seminário sobre os quatro conceitos (Lacan, 1963-1964/1998), por seu turno, escutaremos a composição entre as elaborações acerca da noção de agalma e objeto a com o articulador lógico do sujeito suposto saber, em que o desejo do analista terá relevo essencial. Ao retomar o paradoxo assinalado por Freud acerca da dupla faceta do laço transferencial, Lacan irá indicar-nos a noção de inconsciente enquanto instância pulsátil, intrinsecamente subjugada à dimensão temporal. "Vocês compreendem que, se lhes falei do inconsciente como do que se abre e se fecha, é que sua essência é de marcar esse tempo pelo qual, por nascer com o significante, o sujeito nasce dividido" (Lacan, 19631964/1998: 188). Tratar-se-ia de uma temporalidade atrelada ao movimento em circuito do campo pulsional. A transferência atualizaria, destarte, o ponto de fechamento do inconsciente, ali onde a interpretação do analista nada mais faria do que recobrir o que o inconsciente, por si mesmo, já procedera por interpretação. "Longe de ser a passagem de poderes ao inconsciente, a transferência é, ao contrário, seu fechamento" (Lacan, 1963-1964/1998: 125).
Haverá transferência, dirá Lacan, ao colocar-se em cena a dimensão do sujeito suposto saber. Trata-se de uma afirmação enigmática ao considerarmos o laço transferencial na clínica das psicoses, em que se sabe que a possibilidade de tal suposição não está colocada, estando a interpretação mais bem do lado do próprio sujeito.
ALTERIDADE E ABERTURA DO TEMPO
Vivès (2009) sublinhará este momento constitutivo no qual, aludindo à pulsão invocante, estaria em causa para o sujeito, precisamente, um chamamento. Para que o sujeito chame é preciso que, inicialmente, tenha recebido a voz do Outro, que terá respondido a seu grito, o qual o sujeito poderá interpretar como uma demanda. Tal dinâmica de invocação, nos primórdios da constituição do sujeito, implicaria o reconhecimento do campo do Outro e sua falta, cuja ausência na presença possa conjugar-se como significável. Sobre a voz do Outro, é preciso que esta advenha e que, posteriormente, possa ser esquecida - para que possa o sujeito dispor de sua própria voz.
Tal operação não se completaria para o psicótico: este permaneceria saturado pela voz do Outro, da qual não pode efetivamente descolar-se, alienado a esta voz cativante que o chama a gozar eternamente na indiferenciação. O autor alude-nos, neste ponto, ao mítico canto das sereias, criaturas cujas vozes veiculam um apelo incondicional - uma promessa de gozo -, deixando aqueles que as ouvem sem voz. O sujeito psicótico, ao permanecer atrelado à voz do Outro, permaneceria em uma espécie de silêncio mortífero, porquanto incessantemente confrontado a uma presença absoluta.
Parece-nos ressoar nestas elaborações a existência de uma dimensão temporal fundante. Tratar-se-ia da possibilidade de que, entre o campo do sujeito e do Outro, possa estabelecer-se um intervalo pulsátil, um ritmo capaz de colocar em cena certa duração no tempo, residindo neste ritmo a possibilidade de escansão da voz materna, do Outro primordial. Também Poulichet (1996), ao fazer referência à noção de tempo identificante, alude-nos seu valor matricial:
É realmente esse fora que, como tal, faz surgir a perspectiva de um dentro. Esse processo, que estaria na base da temporalidade psíquica, faz advir a presença sobre um fundo de ausência, e ao mesmo tempo a oposição simbólica entre fora e dentro. A experiência temporal precede e fundamenta a estruturação do espaço (Poulichet, 1996: 20).
Ainda Vivès (2009) irá sublinhar a necessária passagem da voz enquanto pura materialidade sonora ao velamento produzido pelo trabalho de significação - ou seja, a palavra que calaria a voz. Tratar-se-ia de um velamento que possibilita a assunção do sujeito que, ao perder a voz - enquanto real do corpo -, possa falar. Nas elaborações deste autor, veremos demarcada a relevância da emergência de uma espécie de ponto de surdez com o qual o sujeito, para advir como falante, precisaria esquecer ser ele mesmo receptor do timbre originário. Ora, tal ponto surdo remeter-nos-ia, justamente, à operação de recalque primário.
Já assinalara Lacan (1961-1962), em seu seminário sobre a identificação, a oposição entre um tempo de inscrição de um primeiro passo (pas) originário - o traço unário - e o tempo ulterior de apagamento deste mesmo traço, movimento este que subjaz como fundamental à assunção do ser falante. Trata-se da marca pela qual o sujeito advém do significante e estará por ele constituído - traço distintivo que, rasurado, apontará para o sujeito enquanto dividido pela linguagem.
Neste sentido, Didier-Weill (1997) aproximará o elemento musical a este Nome primeiro intraduzível, porém inscritível para o sujeito. Abordará a foraclusão por uma nuance peculiar, questionando-se acerca de uma possível impotência, no trabalho junto às psicoses, da intervenção pela palavra, porquanto esta não possa fazer liberar de seu retiro o significante foracluído no real - significante não traduzível. O autor deixa-nos com uma delicada pergunta: se nas psicoses observa-se uma ruptura do pacto com o significante e se a ferramenta fundamental do trabalho analítico é a transferência, como fazer quando um significante encontra-se foracluído e escapa, precisamente, ao poder da transferência?
UM AMOR MORTIFICANTE
Poder-se-ia considerar que a erotomania está colocada desde o princípio da abordagem lacaniana das psicoses, embora não esteja totalmente explicitada quando da escrita de sua tese, na qual trabalha o caso Aimée. Para Mezencio (2004), as relações entre erotomania e transferência já seriam dedutíveis nesta primeira produção de Lacan, conquanto não seja o eixo acentuado naquele momento. Na abertura da edição francesa das memórias de Schreber, em 1966, Lacan oportunamente destacará o caráter erotômano da relação estabelecida para com Flechsig, assim considerando:
É que o referido clínico deve habituar-se a uma concepção do sujeito em que se destaca que, como sujeito, ele não é estranho ao vínculo que o coloca, para Schreber, sob o nome de Flechsig, na posição de objeto de uma espécie de erotomania mortificante [...]. Não se trata aí de nenhum acesso a uma ascese mística, nem tampouco de qualquer abertura efusiva para a vivência do doente, mas de uma posição na qual somente a lógica do tratamento introduz (Lacan, 1966/2003: 223; grifos nossos).
Tal colocação ressoa-nos deveras profícua, na medida em que parece colocar em relevo certa peculiaridade da modalidade de laço transferencial que podemos encontrar na clínica das psicoses. A este respeito, Mezencio (2004) irá explorar a concepção da erotomania como paradigmática do enlace produzido na análise de sujeitos psicóticos (neste sentido, para além de sua acepção diagnóstica e nosográfica). Sublinha, ainda, o caráter mortífero destacado por Lacan como problemático, porém com ele mesmo ocupando um lugar de abertura para a questão do manejo desse laço.
Desde esta perspectiva, lembremos que já nos apontava Lacan (1955-1956/2002) que a condição do amor na psicose (que ele nomeia como morto) contornaria uma abolição radical do sujeito, na medida em que esta comporta uma heterogeneidade absoluta do campo do Outro. Nesta direção, sublinhará Pommier (1998) o fato de que, nas psicoses, a dimensão narcísica do amor corresponderia à ameaçadora identificação ao falo, ao que falta à mãe. Logo, o que noticia a dimensão delirante senão um sujeito indefinidamente solicitado pela demanda do Outro? Para o autor, tratar-se-ia da possibilidade de negar o amor (a identificação ao falo imaginário), de modo que o delírio possa operar na estabilização de identificações que retardam tal realização.
Ora, Lacan já nos advertia, em suas elucubrações em torno ao Banquete, de Platão, que amar é colocar em cena uma falta. No campo das psicoses - nesta condição de amor mortificante, situada por Lacan - parece-nos incidir a falta de uma falta; falta de inscrição deste tempo/intervalo desde o qual alguma alteridade seja possível. Deparamo-nos com este amor que, de modo radical, desvelaria uma entrega absoluta do sujeito ao campo do Outro.
O TEMPO EM TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA DAS PSICOSES
O enlace entre temporalidade e distribuição de lugares é o eixo proposto por Costa (1998). A autora irá situar, deste modo, a temporalidade enquanto função capaz de produzir dissimetria, diferença de lugares. Trata-se de considerar que, embora o sentido do Outro preceda o sujeito, o lugar de enunciação deste último não irá organizar-se em uma prevalência do campo do Outro, porquanto a assunção do sujeito venha a operar uma falta neste, em seu código. Retomando as indicações freudianas acerca da temporalidade própria à constituição do traumático, a autora irá indicar no segundo tempo a possibilidade de que um saber venha a se constituir enquanto recalcado, produzindo, pois, uma disjunção entre o sujeito interpretante e a atividade sexual. O acesso à significação estaria no cerne, portanto, desta produção de dissimetria de lugares, o qual decorre de uma perda de saber sobre o gozo.
Arrolando consequências clínicas de tais formulações, a autora aponta-nos a emergência deste elemento temporal na transferência. Assim, ao endereçar um argumento a seu analista, o paciente pretende encontrá-lo em uma determinada posição. "Para que seu argumento possa ser emitido é necessária uma antecipação do lugar em que o analista vai ser encontrado, a fim de que esse argumento tenha endereço plausível" (Costa, 1998: 28). Poder-se-ia interrogar, então, sobre esta espécie de abismo temporal ao qual estaria subjugado o psicótico. Ali esta condição subjetiva de espera não se coloca enquanto veiculadora de uma significação que, antecipada, pareça permitir ao sujeito algum resguardo frente ao campo do Outro.
O enlace entre a problemática da transferência nas psicoses e a concepção psicanalítica de temporalidade é intensamente trabalhado por Pommier (1997, 1998). Para o autor, o que pediria para ser transferido na escuta de sujeitos psicóticos seria, precisamente, a pulsão de morte. A questão da analisabilidade desta transferência e dos impasses que esta interpõe será, sem embargo, o fio condutor de suas elaborações.
O obstáculo a colocar-se de modo premente na análise com psicóticos estaria no risco de atravessamento do plano da identificação. O atravessamento de identificações, eminentemente imaginárias, estará colocado em pauta em qualquer processo de análise, sempre envolvendo, em alguma medida, um luto pela identificação perdida. Contudo, no terreno das neuroses, tal identificação pode ser substituída por outra com certa facilidade. O que não ocorrerá, absolutamente, quando da escuta de sujeitos psicóticos, em que tal travessia coloca em cena um risco pungente. A identificação que resultará ameaçadora ao psicótico será, justamente, a identificação ao objeto da demanda do Outro.
Neste contexto, toda significação engendraria um risco, na medida em que possa refletir a imagem do corpo, o próprio vazio. Para Pommier (1997, 1998), o corpo do psicótico estaria em uma relação de constante negação com respeito à significação fálica, sendo suficiente que tal significação recaia sobre ele (neste momento de atravessamento da identificação) para que se coloque um risco iminente de fragmentação corporal. Nesta via, o autor abordará, por exemplo, a questão das automutilações e amputações nas psicoses, nas quais poderíamos vislumbrar um ato produzido desde este insustentável encontro com o vazio.
Ao ressaltar o mecanismo da Verwefung, Lacan já destacara uma temporalidade peculiar à estruturação psicótica. O termo foraclusão implica, precisamente, a impossibilidade de fazer uso de um direito quando não exercido no prazo prescrito. Para Rabinovitch (2001), na foraclusão colocar-se-ia em jogo a imposição antecipada de um limite de tempo para aquilo de que se trataria de dizer ou contradizer. O modo de negação colocado em jogo na Verwefung, outrossim, destruiria a coisa no momento mesmo em que a faz existir. "Não só exclui as possibilidades vindouras e fere o futuro, mas também expressa um desejo que lesa o passado; diz o desejo de que uma coisa nunca houvesse existido" (Rabinovitch, 2001: 19).
Poder-se-ia pensar, desde esta perspectiva, que o psicótico estaria submerso em um abismo temporal, desprovido de balizas simbólicas desde as quais alguma ordenação seja possível no nível da cadeia significante. Neste sentido, defrontamo-nos com a não-inscrição da metáfora paterna enquanto ponto de basta, promovendo este ponto de parada do qual poderá decantar algum estancamento do movimento infinito do significante. Nas psicoses, mais bem, estaríamos confrontados com tal infinitização, estando o tempo do significante, por assim dizer, eternizado. Dirá Pommier (1998):
Além de purgar a culpabilidade do recalque primordial, a transferência deverá contentar-se em oferecer a presença de um pequeno outro que se furta, escavando um furo no muito-pleno da imagem fálica, oferecendo nesta própria presença o ponto vazio necessário a toda metáfora, assim atuada, na falta de ser subjetivada (Pommier, 1998: 461).
Consideramos fundamental a indicação de Lacan relativa ao movimento de pulsação do inconsciente, situando a assunção, em transferência, deste tempo de fechamento, tempo preciso que coadunaria a dimensão resistencial colocada em causa e a porosidade à interpretação, tal como evocara Freud. Parece-nos que nas psicoses colocar-se-ia em questão uma fratura neste tempo de fechamento, desde o qual se articula a proposição de Lacan de um inconsciente a céu aberto, o que, ademais, também nos remeterá à perspectiva de um tempo eternizado, estando a possibilidade de recobrimento (velamento) da voz do Outro obturada.
Didier-Weill (1997) refere-se à dimensão radical do sujeito como somente existindo enquanto habitado pelo tempo. "'Habitável' significa que o hábitat se produzirá se alguma coisa permitiu que o enxerto do tempo pegasse" (Didier-Weill, 1997: 257). Trata-se da possiblidade de ausência desta "alguma coisa" na qual estará sustentada a pulsão invocante - que o autor associa à inscrição do traço unário e que fará pulsar o inconsciente. Sustentará, deste modo, a hipótese de uma foraclusão desse enxerto de tempo. Tal foraclusão indicaria, portanto, a ruptura do pacto primordial com o traço unário.
Haveria uma temporalidade em jogo, tal como nos propõe Lacan (1955-1956/2002), neste intervalo interposto entre o significante e a conjugação de um significado. Deste modo, o significado de uma frase somente poderá ser obtido a seu final. Aponta-nos, assim, o ponto de basta como este ponto de convergência que permitirá situar de modo retroativo e prospectivo o que se coloca na ordem discursiva. Para Pommier (1998), tratar-se-ia de um tempo no qual o significado, em sua assunção, será o próprio significante, contudo lastrado com a temporalidade do sujeito. Desta forma, seria a significação fálica a colocar-se em ato a cada vez que encerramos uma frase, indicando nada menos que a busca de reconquistar-se tal significação, perdida quando do re-calque originário: "O que há a ganhar, quando um analisante é presa da psicose, a não ser esta temporalidade? Não ganhar tempo, o que sem dúvida é um parco resultado, mas que também poderia ser colocado sob a etiqueta da psicoterapia, mas ganhar o tempo" (Pommier, 1998: 464).
Aponta-nos Pommier (1998), pois, para a perspectiva de uma atualização/subjetivação, em ato, deste tempo foracluído na constituição do sujeito psicótico. Indicará, nesta via, a possibilidade de concebermos a transferência como um recurso na assunção de um tempo subjetivo. Tratar-se-ia da possibilidade de que a presença do corpo do analista atualize esta espécie de duração subjetiva, produzida como tempo do ponto de basta do recalque. Em outras palavras, a transferência atualizaria a possibilidade de sustentação, por parte do analista, de um vazio de presença - uma presença esburacada - no qual residiria o zero necessário a todo ato metafórico. A hipótese do autor, pois, é de que o dispositivo analítico possa, eventualmente, fazer metáfora em lugar e posto da metáfora delirante. Se o que pede para ser transferido é, justamente, a pulsão de morte, colocar em ato o tempo na transferência, no trabalho com a psicose, adviria como um ato de início - minimal - que suporia atuar sobre a questão da significação fálica na transferência.
Tendo como esteio tais elaborações, poder-se-ia inferir que uma possível posição do analista, no trabalho junto às psicoses, poderia imbuir-se da sustentação de uma presença ausente - esvaziada, esburacada - desde a qual se possa ancorar a fala do sujeito ao mesmo tempo que se a promove em um certo tempo de passagem. Evocamos, neste ponto, a questão da suspensão do sentido. Nesta medida, poderíamos considerar que tal posição se nutriria de uma oferta encarnada, em transferência, deste intervalo desde o qual seja possível ao sujeito alguma abertura do tempo. Vislumbramos, destarte, a transferência como dispositivo a operar, em alguns casos, nesta aposta de forjar-se um tempo subjetivo, o qual implicaria a sustentação de algum intervalo quanto à subjugação maciça ao Outro, padecimento que a escuta destes sujeitos faz desvelar.
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Recebido em 03 de setembro de 2011
Aceito para publicação em 30 de novembro de 2011