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Tempo psicanalitico

Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576

Tempo psicanal. vol.53 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2021

 

ARTIGOS

 

A depressão em Freud: uma análise do conceito a partir da teoria freudiana da libido

 

Depression in Freud: an analysis of the concept from the Freudian theory of libido

 

La depresión en Freud: un análisis del concepto a partir de la teoría freudiana de la libido

 

 

Alberto Antunes MedeirosI*; Roberto CalazansI, II**

IUniversidade Federal de São João del-Rei - UFSJ - Brasil
IIUniversidade Federal de Minas Gerais - UFMG - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O artigo propõe uma análise do conceito de depressão à luz da teoria freudiana da libido. Para essa empreitada, realizamos primeiramente uma imersão nos textos freudianos a fim de rastrear o uso do conceito. Essa direção nos mostra uma associação precisa entre a depressão e a inibição enquanto resposta do sujeito frente à angústia. Posteriormente, o dispositivo libidinal surge como a ferramenta que permite operar um diagnóstico diferencial entre uma depressão que pode ser definida como neurótica, se apresentando sob a forma de inibição e uma depressão melancólica, que se apresenta a partir de um apagamento do sujeito em função de uma identificação com um objeto perdido. Por fim, é possível constatar que a psicanálise se mostra como uma alternativa para pensarmos os estados depressivos presentes na clínica na medida em que os considera a partir da noção de desejo. Nesse contexto, a depressão assume a perspectiva de uma resposta do sujeito, podendo ser pensada além das desordens neurobiológicas e dos tratamentos medicamentosos.

Palavras-chave: Depressão, psicanálise, luto, melancolia, libido.


ABSTRACT

The article proposes an analysis of the concept of depression in the light of the Freudian theory of libido. For this endeavor, we first performed an immersion in the Freudian texts in order to trace the use of the concept. This direction shows us a precise association between depression and inhibition as the subject's response to distress. Subsequently, the libidinal device appears as the tool that allows to operate a differential diagnosis between a depression that can be defined as neurotic, presenting in the form of inhibition and a melancholic depression, which presents from a deletion of the subject as a function of an identification with a lost object. Finally, it is possible to observe that psychoanalysis presents itself as an alternative to think about the depressive states that present themselves in the clinic insofar as it considers them from the notion of desire. In this context, depression assumes the perspective of a response of the subject, and can be thought beyond neurobiological disorders and drug treatments.

Keywords: Depression, psychoanalysis, mourning, melancholia, libido.


RESUMEN

El artículo propone un análisis del concepto de depresión a la luz de la teoría freudiana de la libido. Para esa tarea, realizamos primero una inmersión en los textos freudianos a fin de rastrear el uso del concepto. Esta dirección nos muestra una asociación precisa entre la depresión y la inhibición como respuesta del sujeto frente a la angustia. Posteriormente, el dispositivo libidinal surge como la herramienta que permite operar un diagnóstico diferencial entre una depresión que puede ser definida como neurótica, presentándose bajo la forma de inhibición, y una depresión melancólica, que se presenta a partir de un borrado del sujeto en función de una identificación con un objeto perdido. Por último, es posible constatar que el psicoanálisis se presenta como una alternativa para pensar los estados depresivos que se presentan en la clínica en la medida en que los considera a partir de la noción de deseo. En ese contexto, la depresión asume la perspectiva de una respuesta del sujeto, pudiendo ser pensada más allá de los desórdenes neurobiológicos y de los tratamientos medicamentosos.

Palabras clave: Depresión, psicoanálisis, luto, melancolía, libido.


 

 

Introdução

Atualmente a depressão se tornou um assunto sempre presente no cotidiano, sendo um tema extremamente difundido na sociedade contemporânea. É raro encontrarmos com algum cidadão do mundo nos dias de hoje que não esteja a par da temática da depressão. Nessa direção, Peres (2003) nos afirma que a presença da depressão no cotidiano é algo alarmante e nos aponta algumas questões sobre sua incidência. Segundo a autora, em 1970, havia cerca de cem milhões de pessoas diagnosticadas com depressão no mundo; 30 anos depois esse número somava a quantidade de um bilhão de pessoas. A depressão ainda figura como problema de saúde pública. A Organização Mundial de Saúde estima que, em 2020, seja a segunda maior patologia em termos de incapacitação, só perdendo para os problemas cardiovasculares. Em países emergentes, provavelmente será a primeira (OMS., 2002). Sobre sua incidência na França, Peres (2003) ainda nos mostra um aumento de 60% dos casos em 10 anos (1980-1991); no caso em questão, trata-se do aumento de um milhão de diagnósticos. Os Estados Unidos, por sua vez, registraram no período entre 1980 e 1989 algo entre 2,5 e 4,7 milhões de consultas e prescrições de antidepressivos. Num sentido parecido, Santos (2014) afirma que foram vendidas, em 2007, 23,2 milhões de cápsulas de fluoxetina - um antidepressivo comum atualmente - sendo que em 2011 foram vendidas 34,6 milhões de cápsulas, o que mostra um aumento de quase 50% em quatro anos.

Nesse sentido, podemos afirmar que, embora tenhamos várias concepções acerca da depressão, a perspectiva que impera hoje é a biomédica. Como ilustração, podemos tomar as diretrizes para o tratamento da depressão disponibilizadas pela Associação Médica Brasileira. No referido documento, é possível perceber como os tratamentos só podem ser administrados por médicos na medida em que eles se dão quase que exclusivamente por via medicamentosa. Outros tratamentos como a psicoterapia acabam se tornando secundários, na medida em que os antidepressivos são "efetivos no tratamento agudo das depressões moderadas e graves" (Fleck et al., 2009, p. 9) e tratamentos psicológicos específicos para episódio depressivo são efetivos, "com maiores evidências para depressões leves a moderadas" (Fleck et al., 2009, p. 9). Ora, o que temos então é um cenário onde os casos mais graves de depressão são tratados pela medicina e os casos mais brandos, pela psicologia, com o aval da primeira.

Nesse sentido, Rodrigues (2000) nos afirma que a depressão enquanto problema médico acaba se tornando um objeto da psiquiatria, sendo o psiquiatra o profissional responsável por um saber sobre aquele fenômeno. Uma afirmação dessa ordem retira a possibilidade de diálogo com outras áreas do saber psicopatológico.

A contribuição da psicanálise para pensarmos a depressão difere das outras teorias que pretendem se posicionar como hegemônicas no campo psicopatológico, a saber, as que reduzem todo e qualquer fenômeno clínico a um epifenômeno de uma disfunção cerebral ou a um déficit cognitivo. Ainda sobre sua abordagem, Freud em "Inibição, sintoma e angústia", é muito preciso e atual ao nos afirmar que não é

a favor da fabricação de visões do mundo. Isso deve ser deixado para os filósofos, que confessadamente acham inexequível a jornada da existência sem um guia de viagem como esse, que informa sobre tudo. Aceitemos humildemente o desprezo com que eles nos olham, do alto de sua sublime carência. Mas, como também não podemos negar nosso orgulho narcísico, acharemos consolo na reflexão de que todos esses "guias de existência" envelhecem rapidamente, de que é justamente nosso trabalho miúdo, estreito e míope que torna necessárias novas edições deles, e de que inclusive os mais modernos desses guias são tentativas de achar substituto para o velho catecismo, tão cômodo e tão completo. Sabemos que até agora a ciência pôde lançar muito pouca luz sobre os enigmas deste mundo; o barulho dos filósofos nada mudará isso, apenas a paciente continuação do trabalho que tudo subordina à exigência de certeza pode gradualmente produzir mudança. Ao cantar na escuridão, o andarilho nega seu medo, mas nem por isso enxerga mais claro. (Freud, 1926/2010, p. 26)

Além disso, a psicanálise, como nos diz Phillipe Julien (2004), não é voltada à idiotia no sentido de que está sempre à disposição para manter um diálogo com outras práticas. Assim, muitos temas e termos são tomados da psiquiatria clássica e retomados a partir da noção de sujeito do inconsciente, como nos apontam Alvarez, Esteban, e Sauvagnat, (2004). Desse modo, ao pensarmos a depressão a partir da psicanálise, nos deparamos com a questão da singularidade do sofrimento e da impossibilidade de generalização, o que não significa impossibilidade de construção e transmissão de um saber. Tratar da singularidade é reportar a um campo específico de problemas que só podem ser tratados pelos modos com que o sujeito lida, pela linguagem, das dificuldades com eventos de ordem pulsional que afetam diretamente o seu corpo. A depressão se encontra diretamente ligada a essa dimensão.

Seguindo nessa direção, Quinet (2013) nos afirma que a depressão não é uma entidade clínica ou um sintoma, mas um estado do sujeito que se caracteriza por dor, tristeza e falta de vontade. Desse modo, consideramos que a depressão, a partir da psicanálise, é um tratamento subjetivo do afeto. Pinheiro, Quintella e Vertzman (2010, 2010, p. 155) assinalam "que a depressão configura-se como um estado que pode se manifestar em várias organizações psíquicas". Rodrigues (2000), por sua vez, nos mostra como Freud utiliza o termo melancolia para tratar de um quadro psicótico bastante preciso, enquanto os fenômenos depressivos se faziam presentes em diversas categorias nosográficas, concebendo-os como próprios do existir humano.

Diante disso, acreditamos que, para pensarmos essas proposições à luz dos conceitos freudianos, é necessário realizar um trajeto em sua obra a fim de investigarmos o que está em questão para o sujeito nesse momento.

 

O conceito de depressão na obra freudiana

Embora Freud nunca tenha apresentado um caso clínico de depressão, um breve percurso por sua obra pode nos mostrar que o termo se faz presente desde os seus primórdios. Encontramos o termo nos textos ditos pré-psicanalíticos de Freud, como é o caso de Histeria (Freud, 1888/1996), em que ele designa um estado. Através desse percurso podemos ver como o termo é utilizado em situações distintas. O que podemos dizer de maneira bem generalista sobre o termo é o fato de ele ser quase que em todos os casos empregados para falar de estados do sujeito. Um primeiro estado que se caracterizaria por completa apatia como nos mostra Freud no Rascunho F (Freud, 1894b/1996). Poderíamos entender ainda, através de outras passagens, como a depressão era designada para tratar de um estado oposto à excitação e bem-estar. Em "Psicologia das massas e análise do eu", Freud, afirma que "sabe-se que existem pessoas cuja disposição geral de humor oscila periodicamente, de um abatimento excessivo a uma elevada sensação de bem-estar" (Freud, 1921/2011, p. 75). Por fim, o antagonismo de sua posição em relação à excitação pode ser evidenciado em outros momentos, como na Conferência XXVIII, em que Freud fala de um caso de depressão cíclica (Freud, 1917b/2010). No entanto, é ao constatar a inibição - estado oposto à excitação - do sujeito como algo sempre presente no que se chama de depressão que podemos começar a nos orientar no tema. Em "Inibição, sintoma e angústia", Freud (1926/2010) traça uma distinção sobre esses três fenômenos a partir da psicanálise. Essa referência é importante na medida em que Freud nos afirma que "a partir daí deve ser possível encontrar uma via para compreender a inibição geral que caracteriza os estados de depressão, incluindo o mais grave deles, a melancolia" (Freud, 1926/2010, p. 19). Desse modo, podemos ver como a inibição é característica específica dos estados de depressão e como pode se fazer presente em diversos quadros clínicos.

Desse modo, nossos interesses se voltam para a questão da inibição. É nesse sentido também que dois pontos na obra freudiana nos interessam por serem contribuições para pensar o tema da depressão. A primeira referência é o texto "Sobre a psicogênese de um caso de homossexualidade feminina" (1920/2011) em que Freud brevemente nos fala de casos de

mulheres em estado de grave depressão, que ao serem interrogadas sobre a possível causa de sua condição, nos dizem que, realmente, tiveram um ligeiro sentimento por determinada pessoa, mas que não fora nada profundo, logo superando o sentimento quando tiveram de abandoná-la. No entanto foi essa renúncia, aparentemente tão bem suportada, que se tornou a causa do grave distúrbio mental. Encontramos ainda homens que passaram por casos amorosos ocasionais, e só pelos efeitos subsequentes compreendem que estiveram apaixonadamente amorosos da pessoa a quem, aparentemente, consideraram levianamente. Fica-se também estupefato com os resultados inesperados que se podem seguir a um aborto artificial, à morte de um filho não nascido, decidido sem remorso e sem hesitação. Tem-se de admitir que os poetas estão certos em gostar de retratar pessoas que estão enamoradas sem sabê-lo ou incertas se amam, ou que pensam que odeiam quando na realidade amam. Pareceria que as informações recebidas por nossa consciência acerca de nossa vida erótica são especialmente passíveis de serem incompletas, cheias de lacunas ou falsificadas (Freud, 1920/2011, p. 109-110).

No entanto, como podemos pensar o que está em questão para o sujeito nesse momento? Acreditamos que a dinâmica libidinal é um caminho possível para pensarmos essa questão. O dispositivo libidinal que nos é apresentado na teoria do narcisismo, proposta por Freud (1914/2010), pode contribuir com nossas investigações a partir da inibição enquanto resposta.

Retomando "Inibição, sintoma e angústia" (Freud, 1926/2010), temos uma definição da inibição que pode nos ajudar nessa tarefa. Trata-se de toda e qualquer "restrição funcional do Eu, sendo uma limitação funcional do Eu que pode ter causas muito diversas." (Freud, 1926/2010, p. 17). Sendo algo de causas diversas, tomemos como ponto de partida o fato de a inibição apresentar íntima conexão com a função. Esta, por sua vez, se encontra relacionada à motilidade que é delegada ao Eu (Freud, 1923/2011). Se o diagnóstico psiquiátrico de depressão pode ser pensado através de sintomas como perda de prazer e prejuízo na produtividade laboral/social (APA, 2013), acreditamos que a questão da motilidade na inibição do Eu pode apresentar relações com o desejo do sujeito que podem nos orientar quanto a uma perspectiva freudiana da depressão.

Freud ainda nos afirma que existem também tipos de inibições que podem ser facilmente explicadas. É o caso de quando o Eu é solicitado a uma tarefa difícil como, por exemplo, um trabalho de luto, em que tem de realizar um grande dispêndio de energia, reduzindo assim suas funções.

Na sua análise sobre a inibição, Freud (1926/2010) investiga as funções do Eu, em especial a função sexual, a nutrição, a locomoção e a função laboral para uma maior compreensão de sua manifestação. O que se pode notar a partir dessa análise é que, em todos esses pontos, os investimentos libidinais nos objetos se voltam para o Eu. Podemos ver um afastamento da libido que, segundo Freud (1926/2010), provoca uma inibição pura, a piora no cumprimento da função e a dificuldade na função graças ao desvio para outras metas. Como consequência o que temos é a falta de desejo. Falta desejo sexual, falta vontade de se locomover e falta vontade de se alimentar. Sobre a função laboral, Freud faz uma consideração interessante. Se no começo do texto ele nos afirma que a psicanálise permite uma distinção clínica entre inibição e sintoma, ele nos aponta o que pode ser entendido como um equívoco da medicina da época ao tratar a inibição do trabalho como sintoma isolado. Trata-se de um quadro que apresenta prazer diminuído, pior execução ou manifestações como fadiga quando o indivíduo não tem alternativa que não trabalhar. Tomando as outras funções por analogia, o que podemos ver então na função laboral é uma espécie de ausência dos investimentos libidinais no próprio trabalho em si. A íntima relação com a motilidade nos é evidenciada na medida em que a inibição se apresenta no momento em que os investimentos libidinais externos cessam. Desse modo, os investimentos libidinais externos figuram agora como norteadores para o problema apresentado.

Esse movimento de retração libidinal não deve ser visto, segundo Freud (1915/2010), como algo necessariamente patogênico. Trata-se de algo normal, que acontece também nos estados de sono por exemplo. Nesses casos o sujeito retira o investimento libidinal do mundo externo e os envia para o Eu, mais precisamente para a vontade de dormir. Em sua conferência sobre "A teoria da libido e o narcisismo", Freud (1917a/2010) nos fornece uma explicação metapsicológica precisa a fim de esclarecer o que se emprega em termos libidinais nesses casos. Segundo Freud (1917a/2010, p. 446):

A libido, que encontramos apegada aos objetos e que é expressão do anseio de neles conquistar satisfação, pode também deixá-los, substituindo-os pelo próprio Eu, uma concepção que gradualmente se desenvolveu de forma cada vez mais coerente. O nome para essa alocação de libido - narcisismo - tomamos emprestado a uma perversão descrita por Paul Nâcke, na qual o indivíduo trata o próprio corpo com todas as carícias normalmente dedicadas a um objeto sexual externo.

Freud ainda fala sobre essa capacidade da libido de eleger o Eu como meta em outros momentos. Em "Introdução ao narcisismo" (1914/2010), ele nos afirma que essa conduta - enquanto alocação de libido - pode se dar de maneira bem intensa, reivindicando um lugar no desenvolvimento sexual regular do sujeito. Para a fundamentação do fenômeno, isso é, a plasticidade da libido, Freud postula uma oposição entre libido narcísica e libido do objeto. Uma é inversamente proporcional à outra em termos de emprego. Quanto mais uma se faz presente, mais a outra se ausenta. Podemos ver isso no estado de enamoramento, no qual temos um abandono da própria personalidade em função do investimento objetal. Outro exemplo da plasticidade libidinal citada por Freud (1914/2010; 1915/2010) se dá quando um indivíduo sofre intensamente de dor orgânica. Este acaba abandonando o interesse pelo mundo externo em função do seu sofrimento. Só isso lhe interessa. O sujeito retira os investimentos libidinais externos e só os reenvia para fora novamente depois de curado.

Em relação à transformação da libido objetal em libido narcísica, Freud (1915/2010) nos chama a atenção para um fato importante. De acordo com o autor, o narcisismo seria um estado original que havia antes da estabilização das pulsões do Eu, da unidade deste e até mesmo dos investimentos libidinais em objetos externos. Inicialmente, muitas pulsões se satisfaziam no próprio corpo. Desse modo, o desenvolvimento da libido tem como possibilidade não apenas o apoio em um objeto externo, mas pode se desenvolver também de maneira narcisista. Um quadro em que o Eu é tomado como objeto.

O que podemos ver é que, embora Freud nos apresente a ausência dos investimentos libidinais como fator de influência da inibição que ocorre sobre o Eu, a inibição não se reduz a isso. Logo, a questão libidinal não adquire um aspecto etiológico direto, mas nos dá mais pistas para a compreensão do fenômeno e, principalmente, de sua complexidade.

É precisamente em "Além do princípio do prazer" que Freud (1920/2010) nos mostra como a libido do objeto é, na verdade, libido sexual, estando a serviço desse princípio do prazer. Essa libido tem como meta a satisfação através da ligação objetal. Em contrapartida a esta, temos a libido narcísica - ou libido do Eu. Ela surge também como fator responsável para explicar um fenômeno interessante que nos auxilia na compreensão da inibição, ao mesmo tempo que ditou os rumos da clínica psicanalítica. Freud (1920/2010, p. 131) diz:

Tornou-se cada vez mais claro, porém, que a meta proposta, de tornar consciente o que era inconsciente, também não era inteiramente exequível por esse caminho. O doente não pode lembrar-se de tudo o que nele está reprimido, talvez precisamente do essencial, não se convencendo da justeza da construção que lhe é informada. Ele é antes levado a repetir o reprimido como vivência atual.

Através dessa relação estabelecida entre a libido do Eu e a compulsão à repetição, Freud (1923/2011) atribui às pulsões certo caráter conservador e teoriza a existência de uma pulsão que tem como meta a morte. É isso que está para além do princípio do prazer. Essa pulsão de morte (Freud, 1923/2011) visa restabelecer um estado anterior à introdução do sujeito na cena do triângulo edípico. Uma situação que existia antes do sujeito enquanto tal. Segundo Freud:

Seria contrário à natureza conservadora dos instintos que o objetivo da vida fosse um estado nunca antes alcançado. Terá de ser, isto sim, um velho estado inicial, que o vivente abandonou certa vez e ao qual ele se esforça por voltar, através de todos os rodeios de seu desenvolvimento. Se é lícito aceitarmos, como experiência que não tem exceção, que todo ser vivo morre por razões internas, retorna ao estado inorgânico, então só podemos dizer que o objetivo de toda vida é a morte e, retrospectivamente, que o inanimado existia antes que o vivente (Freud, 1923/2011, p. 149).

Há ainda uma questão chave para a compreensão da inibição. Freud nos demonstra como essa pulsão de morte guarda um caráter de precedência em relação a Eros e visa restaurar um estado anterior à vida. O que atrapalha esse estado, segundo Freud (1923/2011), é a libido objetal - Eros. Têm-se agora plenas condições de estabelecer ligações externas, despertando o organismo para sua condição de sujeito na medida em que essa ligação acontece sempre de maneira incompleta.

Se a pulsão de morte pode, de certo modo, nos explicar a questão da inibição, Eros enquanto seu oposto também nos auxilia nessa questão. Ao se posicionar como uma pulsão que surge após aquela que visa à restauração inorgânica, Eros surge também como aquilo que pode vir a tirar o Eu da inibição aliada à falta de desejo. Agora podemos entender especificamente o motivo pelo qual os investimentos libidinais são influentes na questão da inibição. Ao se ausentar, Eros, que visa à ligação, permite que a pulsão de morte tome conta. Freud (1920/2010) ainda nos afirma que é exatamente a ligação como meta, ou seja, a libido objetal que faz com que o indivíduo saia da sua condição de organismo, podendo emergir enquanto sujeito. É como se Eros o perturbasse, clamando por uma ligação ao objeto.

Todas essas questões nos mostram que, a partir de Freud, a depressão assume um aspecto de resposta do sujeito. Essas questões também são trabalhadas em outro texto muito importante para o problema aqui apresentado. Trata-se de "Luto e melancolia" (1915/2010), em que Freud apresenta a noção de perda como fator comum aos dois quadros. No entanto, a abordagem freudiana nos permite pensar o dispositivo libidinal como a ferramenta que permite operar um diagnóstico diferencial desses quadros. Trata-se de uma questão importante para o problema aqui proposto, na medida em que orienta o analista em relação a uma diferenciação operacional dos diversos afetos depressivos que um sujeito pode apresentar na clínica.

 

Luto e melancolia e a dinâmica libidinal

"Luto e melancolia" (1915/2010) figura como um texto importante, pois surge como um norteador preciso para pensarmos uma diferença teórico-clínica entre os estados depressivos do sujeito, inviabilizando a redução de um quadro ao outro e impossibilitando uma clínica pautada unicamente na fenomenologia dos sintomas.

Freud aborda o luto e a melancolia a partir de uma distinção tênue entre os dois quadros que têm como fator comum a perda. Segundo Freud:

A melancolia se caracteriza, em termos psíquicos, por um abatimento doloroso, uma cessação do interesse pelo mundo exterior, perda da capacidade de amar, inibição de toda atividade e diminuição da autoestima, que se expressa em recriminações e ofensas à própria pessoa e pode chegar a uma delirante expectativa de punição (Freud, 1915/2010, p. 128).

O luto se apresenta de maneira parecida. O desânimo, o cessar de interesse pelo mundo externo e perda de capacidade de amar, enfim, a inibição do sujeito, se fazem presentes. Podemos ver que a semelhança entre os dois quadros se justifica quando Freud (1895/1996) nos afirma no Rascunho G que o luto é o afeto correspondente à melancolia. Essa semelhança pode inclusive nos ajudar a pensar a redução da melancolia à depressão na medida em que a psiquiatria opera, até hoje, através da classificação de sintomas.

Há então uma convergência dos dois quadros na teoria freudiana. Freud (1915/2010) nos demonstra como a perda objetal se apresenta como ponto de amarração. Paradoxalmente, é exatamente essa convergência nas relações objetais que nos permite uma explicação metapsicológica para o luto e os estados depressivos que com ele se relacionam e para a melancolia, marcando assim a distinção entre os quadros. A partir de sua metapsicologia, Freud (1915/2010) nos demonstra que no luto há um cenário em que o sujeito, ao perder um objeto amado, percebe através de um exame de realidade que "o objeto amado não mais existe, e então exige que toda libido seja retirada de suas conexões com esse objeto." (Freud, 1915/2010, p. 129). Todo o abatimento e inibição característicos do luto são, portanto, uma consequência do próprio trabalho, deixando o eu ocupado demais para se relacionar com o mundo externo. Ainda de acordo com Freud:

Isso desperta uma compreensível oposição - observa-se geralmente que o ser humano não gosta de abandonar uma posição libidinal, mesmo quando um substituto já se anuncia. Essa oposição pode ser tão intensa que se produz um afastamento da realidade e um apego ao objeto mediante uma psicose de desejo alucinatória (ver o ensaio anterior). O normal é que vença o respeito à realidade. Mas a solicitação desta não pode ser atendida imediatamente. É cumprida aos poucos, com grande aplicação de tempo e energia de investimento, e enquanto isso a existência do objeto perdido se prolonga na psique. Cada uma das lembranças e expectativas em que a libido se achava ligada ao objeto é enfocada e superinvestida, e em cada uma sucede o desligamento da libido. Não é fácil fundamentar economicamente por que é tão dolorosa essa operação de compromisso em que o mandamento da realidade pouco a pouco se efetiva. É curioso que esse doloroso desprazer nos pareça natural. Mas o fato é que, após a consumação do trabalho do luto, o Eu fica novamente livre e desimpedido (Freud, 1915/2010, p. 129-130).

Considerando então que o luto é o afeto correspondente à melancolia (Freud, 1895/1996), podemos concluir então que a melancolia, assim como o luto, diz respeito a uma perda objetal. Mas como podemos pensar o que está em questão para o sujeito em cada um desses quadros? Essa questão é importante, pois, se os dois quadros são semelhantes, o psicanalista precisa de uma orientação que lhe permita diferenciá-los para definir uma direção possível de tratamento. Vejamos então como essa questão se apresenta.

Freud nos afirma que há um traço clínico distintivo no quadro melancólico. Esse traço é importante na medida em que o diagnóstico psicanalítico de melancolia se orienta por ele, permitindo a distinção teórico-clínica entre os dois quadros. Trata-se das autocríticas que o sujeito profere. Estas são, por excelência, características do quadro melancólico. O sujeito sempre se apresenta como alguém indigno. Freud diz que:

O melancólico ainda nos apresenta uma coisa que falta no luto: um extraordinário rebaixamento da autoestima, um enorme empobrecimento do Eu. No luto, é o mundo que se torna pobre e vazio; na melancolia, é o próprio Eu. O doente nos descreve seu Eu como indigno, incapaz e desprezível; recrimina e insulta a si mesmo, espera rejeição e castigo. Degrada-se diante dos outros; tem pena de seus familiares por serem ligados a alguém tão indigno. Não julga que lhe sucedeu uma mudança e estende sua autocrítica ao passado; afirma que jamais foi melhor. O quadro desse delírio de pequenez - predominantemente moral - é completado com insônia, recusa de alimentação e uma psicologicamente notável superação do instinto que faz todo vivente se apegar à vida (Freud, 1915/2010. p. 130).

No entanto, algo específico no campo do sujeito acontece. É exatamente isso que nos explica a existência do quadro clínico que permite a distinção entre os dois quadros. Tal como no luto, houve uma perda objetal, mas, devido a uma condição específica, a libido, ao invés de ser retirada para um novo objeto após o fim do luto, teve outro destino. No lugar de ter um novo objeto, ela toma como alvo o ego. O que temos então é um quadro em que "a sombra do objeto caiu sobre o Eu" (Freud, 1915/2010, p. 133). Há, a partir disso, uma identificação do sujeito com o objeto perdido. A parte do ego que se identifica com o objeto é vítima agora de uma violência sádica que nos remete à ambivalência característica da perda. Freud (1915/2010) ainda nos chama a atenção para o fato de que, se escutarmos com atenção as queixas melancólicas, podemos constatar que não se adequam ao sujeito que as profere, mas sim a alguém que lhe é ou foi próximo. A identificação com o objeto perdido tem implicações libidinais que podem nos ajudar a compreender os estados depressivos do sujeito. Se, no luto, temos um trabalho de remanejo da libido, na melancolia temos algo diferente. Freud (1895/1996) nos fala de como na melancolia há uma espécie de hemorragia interna, uma espécie de sucção da excitação. Em outros momentos, como no "Rascunho B" (1893/1996) e no "Rascunho E" (1894a/1996), Freud ainda nos afirma a existência de uma espécie de anestesia sexual psíquica.

Ao fornecer um operador que permite o diagnóstico diferencial desses dois fenômenos, Freud nos mostra que na verdade os estados de depressão que se abatem sobre o sujeito, embora semelhantes, podem ter uma etiologia diferente. Assim, podemos dividi-los em dois grupos, sendo que o primeiro corresponde aos estados depressivos neuróticos ou à depressão neurótica. Trata-se de uma situação em que ocorre um desinvestimento nos objetos libidinais, tendo uma íntima relação com a inibição e com o luto. O segundo grupo agruparia os estados depressivos psicóticos ou a depressão melancólica, que representaria um quadro psicótico específico em que ocorreria um apagamento do desejo do sujeito e um discurso autodestrutivo que tem sua raiz em uma identificação do sujeito para com o objeto perdido. Trata-se especificamente de um luto que não pode ser elaborado.

 

Considerações

A psicanálise propõe outro caminho em relação à depressão. Ao invés de pensar o problema como uma desordem, Freud pensa os estados depressivos como uma resposta muito específica do sujeito que ele chama de Inibição. O dispositivo libidinal da psicanálise nos mostra que essa resposta se dá na medida em que o sujeito rompe ou não realiza os investimentos libidinais em objetos que podem lhe conferir alguma satisfação.

Em "Luto e melancolia", Freud faz uma contribuição definitiva para o tema na medida em que se propõe a pensar a etiologia desses afetos. Nesse trabalho, Freud situa o luto como fator etiológico por trás dos estados depressivos. Trata-se de uma perda objetal sofrida pelo sujeito e todo o sofrimento e abatimento que caracterizariam esse quadro podem ser explicados a partir de um trabalho de remanejamento da libido a ser feito.

A melancolia, por sua vez, diria respeito a um quadro clínico muito específico de psicose. Segundo Freud, o sujeito melancólico também sofre por uma perda, no entanto a psicanálise nos mostra que há aí uma diferença estrutural que nos remete às questões íntimas do sujeito. Trata-se de um apagamento do sujeito em função de uma identificação deste com o objeto que foi perdido. Essa situação faz com que o desejo se apresente às avessas, o que conduz o sujeito para o apagamento.

Nesse contexto, a dinâmica libidinal surge como o operador que nos permite entender o que está em questão tanto na depressão neurótica quanto na depressão melancólica. A partir dessa noção, temos ferramentas suficientes para pensarmos como se estrutura o desejo e quais suas possíveis relações com os estados depressivos.

Além disso, ao situar os estados depressivos como resposta dos sujeitos, a psicanálise nos permite pensar o fenômeno a partir de uma perspectiva que vai além dos manuais diagnósticos e das desordens neurobiológicas, situando o fenômeno como algo que é intrínseco à condição de sujeito.

 

 

Referências

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Artigo recebido em: 19/06/2019
Aprovado para publicação em: 21/02/2021

Endereço para correspondência
Alberto Antunes Medeiros
E-mail: alberto.medeiros@live.com
Roberto Calazans
E-mail: roberto.calazans@gmail.com

 

 

*Psicólogo. Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).
**Psicanalista. Doutor em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor Associado IV do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de São João del Rei. Membro do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Psicanálise. Pós-Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFMG.

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