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Tempo psicanalitico
Print version ISSN 0101-4838On-line version ISSN 2316-6576
Tempo psicanal. vol.53 no.1 Rio de Janeiro Jan./June 2021
ARTIGOS
Desafios e possibilidades do fazer do psicanalista numa equipe interdisciplinar em instituições
Challenges and possibilities of the psychoanalyst work in interdisciplinary team within institutions
Desafíos y posibilidades del hacer del psicoanalista en equipo interdisciplinario en instituciones
Jacqueline de Oliveira MoreiraI*; Juliana Marcondes Pedrosa da SouzaII**; Juliana MorgantiI***; Mara Alice Avelar Saraiva HortaI****; Bruna Machado Lagares CôrtesI*****; Mariana Benjamin de Oliveira DutraI******
IPontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC-Minas - Brasil
IIInstituto Metodista Izabela Hendrix - Brasil
RESUMO
Apresentamos uma revisão crítica de literatura sobre as possibilidades do fazer de um psicanalista numa equipe interdisciplinar no interior de uma instituição. Utilizando a plataforma Scielo com os descritores "psicanálise" e "instituição", localizamos quinze artigos organizados em quatro categorias: o lugar do analista na instituição; apresentação de caso clínico; dispositivos clínicos: escuta da equipe, discussão de casos e supervisão; a psicanálise e as políticas públicas de saúde mental (pós-reforma psiquiátrica); além do item outros. Concluímos que os artigos são ricos em reflexões sobre a relação psicanálise/instituição, mas não apresentam descrição do cotidiano do psicanalista nesses espaços. Ressaltamos a importância de pensar as especificidades da associação livre, da atenção flutuante e do efeito-equipe na práxis analítica no âmbito institucional.
Palavras-chave: Psicanálise, instituição, equipe interdisciplinar.
ABSTRACT
We present a critical literature review on the possibilities of a psychoanalyst's work in an interdisciplinary team within an institution. Using the Scielo platform with the descriptors "psychoanalysis" and "institution", fifteen articles were found and organized in four categories: the analyst's place in the institution; clinical case presentation; clinical devices: team listening, case discussion, and supervision; psychoanalysis and public policies on mental health (post-psychiatric reform); besides the item others. We concluded that the articles are rich in reflections on the relation psychoanalysis/institution, but they don't present descriptions of the day-by-day of psychoanalysts in these spaces. We emphasize the importance of thinking about the specificities of free association, floating attention and team effect in analytic praxis within the institutional framework.
Keywords: Psychoanalysis, institution, interdisciplinary team.
RESUMEN
Presentamos una revisión crítica de literatura sobre posibilidades de trabajo de un psicoanalista en un equipo interdisciplinario dentro de una institución. Utilizando la plataforma Scielo con los descriptores "psicoanálisis" e "institución", localizamos quince artículos organizados en cuatro categorías: lugar del analista en la institución; presentación de caso clínico; dispositivos clínicos: escucha del equipo, discusión de casos y supervisión; psicoanálisis y políticas públicas de salud mental (post reforma psiquiátrica); además, el ítem: otros. Concluimos que los artículos son ricos en reflexiones sobre la relación psicoanálisis/institución, pero no presentan una descripción del cotidiano del psicoanalista en esos espacios. Resaltamos la importancia de pensar las especificidades de la asociación libre, atención flotante y efecto-equipo en la praxis analítica en el ámbito institucional.
Palabras clave: Psicoanálisis, institución, el equipo interdisciplinario.
Introdução
Freud (1923) define a Psicanálise primeiramente como um método, seja de investigação de processos mentais, seja de tratamento de distúrbios neuróticos, e ainda como disciplina científica, indissociáveis. Pensar a Psicanálise como uma disciplina científica implica uma posição de pactuação com algumas exigências da comunidade científica, como, por exemplo, a de avançar e rever continuamente os conceitos e a práxis. Alguns anos antes, em setembro de 1918, ele apresenta, em Budapeste, uma conferência intitulada "Linhas de progresso na terapia psicanalítica". A abertura da conferência afirma que a proposta psicanalítica não se apresenta como um saber fechado e acabado e que é preciso que se esteja atento às imperfeições para aprender mais e "alterar os nossos métodos" (Freud, 1917/1976, p. 201). Seguindo esses dois preceitos freudianos, de incluir a Psicanálise na comunidade científica e de ter abertura para alterar o método, decidimos buscar artigos que descrevem e apresentam reflexões sobre os desafios e possibilidades do fazer de um psicanalista em uma equipe interdisciplinar no interior de uma instituição.
Nosso interesse surgiu a partir da realização de escutas/supervisões em instituições que acolhem adolescentes e jovens em conflito com a lei, em Belo Horizonte-MG. Nesses locais, profissionais de diferentes campos do saber como Serviço Social, Direito, Terapia Ocupacional, Pedagogia, Medicina, Psicologia e ainda profissionais orientados pela Psicanálise se propõem trabalhar em equipes interdisciplinares na acolhida e intervenção junto a esses adolescentes.
Nesse sentido, nosso trabalho se aproxima da experiência de Cazanatto, Martta e Bisol (2016), que relatam os efeitos das supervisões da instituição pública Lar da Infância, que atende crianças e adolescentes em contraturno escolar. Podemos afirmar que o lugar da Psicanálise nesses trabalhos de supervisão é externo e pontual, não se refere a uma prática cotidiana no interior da equipe na instituição.
Assim, interessa-nos pensar como um psicanalista, no seu trabalho cotidiano, se articula com a equipe interdisciplinar no interior de uma instituição. Cabe ressaltar que o espaço dos profissionais orientados pela Psicanálise é bem diferente da clínica clássica dos consultórios, com finalidades diversas da análise tradicional. Em nossas observações constatamos que, embora haja a preocupação de escutar o jovem, dando atenção às suas demandas enquanto sujeito desejante, a tentativa de praticar a Psicanálise tradicional em espaços institucionais esbarra na própria estrutura das instituições, muitas vezes rígida em relação a espaços, prazos, objetivos e metodologias.
Dessa forma, pareceu-nos pertinente investigar na literatura científica artigos que tratassem da temática "Psicanálise e instituições" com vistas a extrair de relatos de experiências, estudos de casos e reflexões teóricas algumas contribuições para construir um saber sobre a Psicanálise aplicada em espaços institucionais diversos. Já que a Psicanálise não se apresenta como um saber fechado em si e acabado, acreditamos que é sua própria dimensão dinâmica que poderá nos apontar caminhos para construir e alterar métodos, adequando-a e revelando suas possibilidades para sua prática em equipes interdisciplinares no interior de instituições.
Ao nos depararmos com a questão da prática em equipes interdisciplinares no interior de instituições, buscamos realizar uma revisão crítica de literatura com a finalidade de analisar e descrever referenciais teóricos que pudessem nortear nossas reflexões sobre a prática da Psicanálise em espaços institucionais. Ao longo do processo de pesquisa, análise, seleção e descrição de artigos científicos sobre o tema, nos questionamos sobre o quão madura é a área de pesquisa sobre a qual nos lançamos, procurando aferir o número de publicações sobre o tema e buscando averiguar a existência de alguma revisão recente sobre o assunto.
Realizamos, então, uma revisão sistemática, isto é, com a definição a priori de critérios a serem seguidos em relação à base de dados bibliográficos consultada, aos tipos de estudo, ao período, à seleção e língua das publicações, aos indexadores de pesquisa, entre outros. Através desse método, a detecção de todas as publicações dentro do período de busca estabelecido foi seguida de forma sistemática e padronizada, assegurando o rigor metodológico da presente revisão.
Nossa busca foi realizada na base de dados Scielo, que oferece filtros de pesquisa que lhe conferem capacidade de indexação e acesso às produções científicas. Foram selecionados artigos publicados em língua portuguesa, desconsiderando-se o recorte de tempo em relação à publicação. Devido à grande abrangência científica da área de estudos da Psicanálise, optamos pela utilização de descritores, palavras-chave, a saber: psicanálise e instituição, como forma de refinar a pesquisa. Esta última foi realizada em quatro etapas.
Na primeira etapa de busca, inserimos as palavras-chave (psicanálise e instituição) sem filtros e foram encontrados 62 artigos. Desse montante foram descartados os artigos em língua estrangeira, bem como aqueles que se referiam a patologias nomeadas, como psicoses e autismo. Assim, reduzimos nossa pesquisa a 10 artigos e realizamos uma segunda busca. Na segunda etapa de busca inserimos as palavras-chave (psicanálise e instituição) e utilizamos o filtro assunto, encontrando 11 artigos sobre o tema em questão. Em uma terceira etapa, utilizamos o filtro título que nos levou a 4 artigos. Por fim, na quarta etapa de buscas, utilizamos o filtro resumo, com as mesmas palavras-chave (psicanálise e instituição), encontrando 26 artigos sobre o tema.
A busca com a utilização de filtros nas etapas de número dois, três e quatro de nossa pesquisa levou à seleção de 5 artigos além dos 10 selecionados na busca anterior, sem filtros. Os critérios de descarte de artigos continuaram sendo os artigos em língua estrangeira, bem como aqueles que se referiam a patologias nomeadas, como psicoses e autismo. Assim, nos dedicamos à leitura e análise de 15 artigos sobre o tema, o que resultou na organização de quatro categorias de análise: o lugar do analista na instituição; apresentação de caso clínico; dispositivos clínicos: escuta da equipe, discussão de casos e supervisão; e, por fim, a Psicanálise e as políticas públicas de saúde mental (pós-reforma psiquiátrica).
Acrescentamos ao nosso trabalho também a categoria outros, que se refere a artigos que discutem o tema em questão, trazendo importantes contribuições para as reflexões da área, mas que não se identificam com os demais artigos por não versarem exatamente sobre os assuntos delimitados. Podemos afirmar que essa divisão é artificial, pois o caso clínico se constitui como o ponto convergente da pesquisa e intervenção em Psicanálise. Criamos a categoria apresentação de caso clínico para apresentar textos que focalizam a reflexão sobre a presença do psicanalista na instituição através da apresentação e discussão de um caso.
Na categoria outros, gostaríamos de mencionar o artigo de Pinto (1999) que trabalha a relação da Psicanálise com a instituição acadêmica. O autor interroga se haveria espaço para a Psicanálise no interior de um saber instituído, sedimentado. A argumentação do autor apresenta algumas possibilidades da realização da pesquisa psicanalítica na universidade e ressalta a importância da forma como os professores transmitem a teoria e a práxis psicanalítica nas universidades. Efetivando a pesquisa psicanalítica a partir da instituição universitária, podemos citar o trabalho de Sousa e Paravidini (2011), que investigam as formas de vinculação constituídas e constituintes em instituições de acolhimento, com especial atenção para o processo de apadrinhamento. Na realização da referida pesquisa, o convite para que as madrinhas entrevistadas pudessem falar livremente se orienta pela técnica da Psicanálise, suscitando a escuta dos conteúdos inconscientes que, aos serem analisados, trouxeram questões importantes para pensar as relações vinculares constituídas e constituintes desse processo. Nesse caso, a relação entre a Psicanálise e a instituição aparece via pesquisa científica, respeitando-se o enquadre ético-acadêmico.
Seguindo outra direção, apresentamos o artigo de Rocha (2000), que convida as instituições psicanalíticas para a saída de si mesmas. A autora registra a esperança de que, saindo da sua "política de avestruz" a instituição psicanalítica possa ter um papel sociopolítico importante no mundo de hoje, à medida que puder tomar a clínica social da contemporaneidade como seu ponto de encontro e partida" (Rocha, 2000, p. 167).
De acordo com nossa proposta de exposição, vamos aos textos que trabalham o tema do fazer do psicanalista em uma instituição.
O lugar do analista na instituição
Uma questão muito importante, observada tanto nas leituras realizadas quanto na prática de supervisão, foi o lugar do analista na instituição. Por se tratar de um espaço interdisciplinar, múltiplo e regido por preceitos coletivos, é certo que o analista ocupará um lugar diverso daquele da clínica clássica. Mas que lugar é esse?
Movidos pelos desafios do psicanalista nas instituições de saúde mental, Calazans e Bastos (2008) investem na discussão e distinção entre urgência subjetiva e emergência clássica como gatilhos que mobilizam as ações das equipes de saúde mental nas instituições. Os autores pretendem delimitar o que é chamado de urgência subjetiva, entendida como um "dispositivo de acolhimento aos sujeitos em crise, que são levados a instituições a partir de demandas variadas" (Calazans, & Bastos, 2008, p. 641). Para tanto, procuram compreender qual é a especificidade de uma urgência subjetiva, qual é o tipo de estrutura desse dispositivo institucional e se a urgência subjetiva corresponde a uma modalidade peculiar de entrevista preliminar, ou a uma variação do atendimento psicanalítico em instituições.
Na trilha da distinção entre urgência subjetiva e emergência, os autores fazem uma diferenciação entre demanda e encaminhamento, colocando essas duas instâncias como determinantes diante do dispositivo da recepção do caso, nos apresentando uma reflexão sobre urgência atualmente. Um ponto importante a se enfatizar na discussão de Calazans e Bastos (2008) é que o contexto institucional convoca o privilégio da emergência em detrimento da urgência subjetiva. Segundo os autores, o que torna possível a escuta da urgência subjetiva é a transformação da queixa em demanda, posto que esta última implica um desejo do sujeito de fazer enigmas sobre seu próprio sofrimento e deslizar em sua história em vez de se fixar na queixa. Dessa forma, temos uma distinção entre queixa e sofrimento. Calazans e Bastos (2008) apontam que Silvestre (1986) distingue esses conceitos. A queixa, ligada a um dizer, não sustenta uma demanda da análise, pois ela é uma fala que não tem a implicação do sujeito em seu sintoma. Ou seja, não há a formulação de uma questão sobre seu sofrimento. Já o sofrimento estaria ligado à ordem da paixão. Assim, pode ser entendido como aquilo que sustenta o laço social.
Outro desafio que a Psicanálise encontra em contexto institucional, sobretudo de saúde mental, é a categorização presente nas classificações dos manuais diagnósticos, colocada como uma modalidade de massificação dos sujeitos. Calazans e Bastos (2008, p. 650) nos esclarecem que
se seguirmos os princípios da Psicanálise nos serviços de recepção, não podemos deixar de considerar alguns aspectos: a escuta dos significantes eleitos pelo sujeito, mesmo em surto de fragmentação esquizofrênica ou em uma crise autística; o que o analista é como função e sua visada na retificação subjetiva como operador; além de não esquecer que a urgência subjetiva se consolida em instituições, o que traz problemas específicos para a direção do tratamento.
A distinção entre urgência subjetiva e emergência é fundamental para o trabalho do psicanalista em uma instituição, pois, inserido numa equipe multidisciplinar e convocado a um trabalho conjunto, o profissional deverá considerar as particularidades dos casos atendidos sem perder de vista as demandas institucionais e as peculiaridades das condições e recursos disponíveis nas instituições em que atua.
Nogueira Filho (2001, p. 65), provocado pela atual submissão das instituições psiquiátricas às verdades biológicas e às intervenções medicamentosas, nos revela que "o sofrimento de um ser é abordado pelo viés do desequilíbrio da neurotransmissão". Dessa forma, o autor nos esclarece que "cabe ao psicanalista demonstrar que há, na doença, algo mais do que uma simples somatória dos sintomas" (Nogueira Filho, 2001, p. 65). Restituir a função do diagnóstico na Psicanálise possibilita uma via de trabalho pela construção do caso, pelo saber que o sujeito porta sobre si mesmo. A perspectiva não é a de eliminar o sintoma, mas compreendê-lo, acolhê-lo e trabalhar a partir dele. Assim, Nogueira Filho (2001, p. 61) afirma que o analista pode ocupar "desde o lugar da orientação até lugar nenhum dentro da instituição psiquiátrica".
Seguindo a trilha de Nogueira Filho (2001), Mattos (2003) reflete sobre as convocações feitas à Psicanálise para o trabalho em um hospital geral. O autor busca colocar a Psicanálise em confronto com manifestações psíquicas atravessadas por um sofrimento que se inscreve no corpo de forma insidiosa. Seu intento é trabalhar a construção de um enredo que, necessariamente, discuta os confins da própria Psicanálise. Vai lhe interessar como a Psicanálise pode ser convocada de maneira ardilosa a ceder "a anseios de mestria" (Mattos, 2003, p. 111), correndo o risco de perder o viço do projeto freudiano.
Ainda sobre o lugar do analista, Minatti (2004) descreve os efeitos da entrada do psicanalista na instituição Casa de apoio à criança com câncer. Segundo a autora, à medida que o lugar do psicanalista vai se constituindo enquanto um espaço de escuta, o campo psicanalítico também se constitui tendo o sujeito como foco, em detrimento da doença. A riqueza do trabalho de Minatti (2004) consiste em descrever de forma minuciosa o cotidiano de sua relação com a instituição, nos revelando, por exemplo, que os atendimentos eram feitos "nos corredores, à beira do tanque de lavar roupa, da pia de lavar louça, do fogão, à beira da cama" (Minatti, 2004, p. 30). Nesse sentido, ela localiza o lugar do analista a partir da circulação entre os vários espaços disponíveis no serviço.
Os referidos artigos trabalham a questão do lugar da Psicanálise nas instituições e os dilemas e desafios dessa prática. No entanto, os três textos - os dois primeiros trazendo reflexões sobre o espaço de uma instituição hospitalar regida pela lógica "biologizante" e o terceiro, sobre o espaço de uma Organização Não-Governamental que procura dar apoio a famílias de crianças em tratamento oncológico - focalizam suas reflexões mais na relação analista-analisante do que no trabalho em equipe interdisciplinar propriamente dito.
Apresentação de caso clínico
Sabemos da importância da apresentação e discussão de casos para a Psicanálise. Freud (1918/2010, p. 17) revela que "naturalmente um único caso não ensina tudo que se gostaria de saber. Mais precisamente, ele poderia ensinar tudo, se nós estivéssemos em condição de tudo apreender e não fôssemos obrigados, pela imperícia de nossa percepção, a nos satisfazer com pouco".
Assim, mantendo a tradição freudiana, encontramos dois artigos que apresentam as possibilidades e dificuldades de um psicanalista em uma instituição através da apresentação de caso. Pinheiro (2002) apresenta a escuta clínica psicanalítica em uma instituição hospitalar privilegiando a discussão sobre o conceito de transferência a partir do relato da experiência do atendimento de um caso. A autora conclui que no contexto hospitalar encontramos dois tipos distintos de vínculos transferenciais: um que se estabelece com o analista e outro com a instituição (Pinheiro, 2002). Não podemos esquecer que o sujeito que se encontra hospitalizado normalmente dirige sua demanda ao saber médico e às técnicas oferecidas pelo hospital. O artigo de Pinheiro (2002) não tem por objetivo descrever a prática do psicanalista no interior da equipe do hospital, a autora se dedica ao tema dos embaraços e possibilidades da transferência em um atendimento individual fora do consultório.
Oliveira (2004), ampliando a discussão da Psicanálise de uma prática de um para uma prática de vários, nos oferece a descrição e discussão de um caso clínico em um Centro de Atenção psicossocial (CAPS) que acolhe sujeitos em sofrimento psíquico. Para a autora, é fundamental um posicionamento a respeito do lugar da Psicanálise nesses espaços nos quais muitas vezes "todos sabem do caso, conhecem sua problemática e buscam resolvê-la, o que produz um ensurdecimento na escuta do paciente" (Oliveira, 2004, p. 89). Para ela, o que se denomina de aplicabilidade da Psicanálise não pode prescindir da sua ética, que se pauta no trabalho com a singularidade que marca o lugar do sujeito no campo da linguagem. A partir daí, temos a problematização sobre a relação transferencial que norteia a construção do caso. Oliveira (2004) aponta que a escuta do caso indica o encaminhamento do trabalho da equipe.
O ponto de distinção entre os dois artigos se localiza na descrição da relação do psicanalista com a equipe. O texto de Pinheiro (2002) foca na relação entre analista e analisante, o espaço institucional é considerado e relatado como um contexto que produz efeitos na relação transferencial, mas não encontramos descrição da relação da psicanalista com a equipe. Oliveira (2004) trabalha os efeitos e a presença do psicanalista na equipe de saúde mental. Nesse sentido, a apresentação do caso no texto de Oliveira (2002) se refere a ele como um dispositivo que aciona a equipe, ultrapassando, pois, a descrição clássica de um caso clínico. Todavia, a força dos textos se encontra na transmissão do caso clínico e nas táticas e estratégias utilizadas pelo psicanalista para garantir a ética da Psicanálise na escuta do sujeito do inconsciente.
Dispositivos clínicos: escuta da equipe, discussão de casos e supervisão
As novas práticas clínicas do saber psi podem convocar o psicanalista para atuar fora do contexto do consultório. As convocações podem apresentar diferentes desenhos. Como integrante de uma equipe multiprofissonal, por exemplo, pode ser convidado para trabalhar a discussão de casos com uma equipe, ou a responder a uma demanda de supervisão em algum dispositivo de acolhida.
Castro (2005) nos apresenta as sutilezas da prática de um psicólogo orientado pela Psicanálise no Centro de Fisiatria e Reabilitação (CFR) da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. A autora revela que, na prática cotidiana, não somente os pacientes depositavam no profissional psi um saber sobre " aquilo que os afligia, sobre seu sintoma e sua dor, como também, com frequência, os próprios profissionais de outras áreas o faziam" (Castro, 2005, p. 465). Assim, o trabalho do psicanalista ultrapassou as atribuições institucionais do serviço, que eram os atendimentos individuais e de grupo. Os psicanalistas escutavam os colegas e trabalhavam na discussão dos casos para construção de relatórios de acompanhamento e de alta. Castro (2005, p. 471) conclui que o psicanalista integrante de uma equipe multiprofissional precisa experimentar a "alteridade e um olhar estrangeiro sobre sua própria prática e a do outro".
Cazanatto, Martta e Bisol (2016) nos oferecem mais elementos para a reflexão sobre os desafios e possibilidades do trabalho do psicanalista em ambientes institucionais. Todavia, é importante mencionar que se trata de um relato de uma intervenção pontual e externa à equipe da instituição. Os autores afirmam que a prática psicanalítica se organiza a partir de estudos singulares. Partindo desse pressuposto, os autores relatam uma experiência de escuta clínica psicanalítica em uma instituição infantil.
O primeiro alerta importante é de que precisamos fundamentar e debater os processos, as concepções e as políticas que regem a instituição, visto que a prática psicanalítica é atravessada pelas dimensões ética e metodológica específicas e a instituição tem uma lógica própria de funcionamento. A experiência de Cazanatto, Martta e Bisol (2016, p. 488) iniciou-se com a escuta da demanda local, considerando que o trabalho em instituições deve "levar em conta a demanda singular, sem desconsiderar a lógica institucional, o contexto social em que está inserida, o perfil de seus atendidos, ao propor um espaço de escuta dos sintomas e das passagens ao ato que ali se apresentam".
A escuta singular de cada sujeito da instituição possibilitou a circulação da causa do desejo. Em outro momento, a equipe se abriu para uma leitura "visual" da própria instituição, destacando a impressão que aponta a similaridade entre a instituição e um depósito de resíduos. Nesse ponto, os autores retomam Lebrun (2009) e revelam que o trabalho nas instituições na contemporaneidade consiste em afrontar o caos através da busca do projeto institucional, marcando, pois, o seu lugar de terceiro termo. A presença e mistura de cada sujeito deve circular, mas é importante reinventar, reelaborar e reinscrever continuamente o lugar da instituição como um elemento terceiro (Lebrun, 2009). Assim, não basta transpor teorias e técnicas para a prática, o trabalho acontece na e pela transferência, e a forma como esta se estabelece dependerá da singularidade de cada sujeito e da particularidade da instituição (Cazanatto, Martta, & Bisol, 2016). Os autores finalizam a reflexão sobre a experiência de atendimento dessa equipe e da instituição ressaltando a importância da supervisão para a equipe como um espaço de distanciamento, de circulação da palavra e possibilidade de um novo enlaçamento com a instituição.
O terceiro texto que anuncia a importância da existência de um dispositivo de discussão ou supervisão de caso é de Rinaldi (2015). Podemos afirmar que a discussão de casos e/ou de fragmentos clínicos se constitui em um dos métodos mais importantes da pesquisa em Psicanálise. Assim, a partir de fragmentos clínicos, Rinaldi (2015) pretende abordar a clínica do sujeito na instituição de saúde mental, os desafios do trabalho em equipe, focalizando em especial a prática "entre vários" do psicanalista nessa clínica e considerando as injunções da política de saúde mental que orienta os serviços. Podemos afirmar que a presença do psicanalista nos diversos dispositivos criados pela Reforma Psiquiátrica não é novidade, mas é preciso pensar continuamente sobre os desafios e avanços dessas práticas. Segundo Rinaldi (2015, p. 318), o trabalho do psicanalista " se efetiva no âmbito da equipe multidisciplinar instituída pela reforma, a partir da quebra da hegemonia do saber médico". Muitos são os desafios, e um deles é o trabalho na instituição que coloca questões para a prática tradicional do psicanalista, habituado à solidão do consultório. Rinaldi (2015) defende a importância das reuniões clínicas de discussão de casos como uma forma de elevar a questão do desejo singular ao status de uma política. Dessa forma deve-se assegurar espaço e voz primeiramente ao que o sujeito diz e não ao que os diversos profissionais dizem desse sujeito.
O artigo de Rinaldi (2015) nos permite avançar ainda mais na compreensão das diferentes possibilidades do trabalho do psicanalista em uma equipe no interior de uma instituição, pois, como revela a autora,
Lacan, ao referir-se em Radiofonia aos quatro discursos através dos quais pensa o laço social - o discurso do mestre, como avesso do discurso do analista, o discurso da histérica e o discurso universitário -, afirma que é o inconsciente, com a sua dinâmica, que precipita a passagem brusca de um discurso para outro. Na clínica institucional pública essa indicação é particularmente valiosa, pois não se trata de defender a prevalência de qualquer discurso que seja sobre os outros, nem mesmo o discurso do analista, mas de ressaltar a presença dos quatro discursos: o discurso do mestre, que funda a instituição, o discurso universitário que orienta o seu funcionamento e a burocracia, o discurso da histérica que questiona o saber constituído e o discurso do analista, que dá lugar à fala do sujeito. É o próprio exercício da clínica, em seus impasses, que traz à tona os furos desses discursos, ou seja, o seu real, e permite uma circulação discursiva em que o saber se mostra em sua impotência (Rinaldi, 2015, p. 322).
A aposta deste trabalho é a de que as contribuições da Psicanálise possam deslocar as equipes do lugar comum, sustentando uma prática que leva em conta, prioritariamente, a escuta do sujeito, focando na condição de singularidade que orienta as propostas de construção do caso na Psicanálise. Assim, ressalta-se a ética do movimento da Psicanálise, que coloca o sujeito e seu desejo como eixo do trabalho. Pensar a ética em Psicanálise nas instituições implica apontar o não saber, aquilo que não se adéqua e que resiste a toda normatização.
É esse sujeito que, ao revelar de maneira singular algo do que se passa com ele, direciona a construção das intervenções universais dentro de um fazer particular.
A Psicanálise nas políticas públicas de saúde mental (pós-reforma psiquiátrica)
Pareceu-nos importante apostar no movimento de colocar em destaque um tema da articulação entre Psicanálise e políticas públicas de saúde mental. Sabemos que a Psicanálise não recuou diante do desafio de contribuir para novas formas de políticas de atenção e cuidado ao sujeito que apresenta um sofrimento psíquico, seja no campo da neurose grave ou da psicose. A Psicanálise apresenta um papel ativo na efetivação dos novos dispositivos de atendimento ao sujeito com sofrimento psíquico grave.
Romanini e Roso (2012) destacam as diferenças entre a Psicanálise e as instituições de saúde mental no que se refere às concepções de sujeito, às posições discursivas e à percepção sobre a relação entre sujeito e desejo. Os autores ponderam que essas diferenças poderiam traçar " uma impossibilidade de a Psicanálise se inserir nas instituições de saúde, visto que elas concebem e propõem o tratamento aos sujeitos em sofrimento psíquico de maneiras muito distintas" (Romanini, & Roso, 2012, p. 352). Todavia, assistimos a uma crescente presença de psicanalistas nesses serviços. Assim, é fundamental o exercício da reflexão sobre a relação possível entre os dois campos. Segundo os autores, o psicanalista deve seguir a partir do fazer orientado pela construção singular do sujeito e sua lógica discursiva, que aponta para a alteridade. Atentando à não limitação do próprio saber que a instituição carrega, seu objetivo institucional é a realidade sócio-histórica das pessoas que realizam os atendimentos.
É relevante dizer que os profissionais de saúde mental nas instituições atuais pautam seus atendimentos por preceitos universais, concebendo o sujeito como único e individual. Porém essa concepção de indivíduo pautada nos princípios da cidadania não condiz com as noções da Psicanálise sobre o sujeito do inconsciente circunscrito à categoria do Outro. Assim, entramos no grande debate sobre como o psicanalista formalizaria o seu trabalho e suas devidas intervenções, já que encontra nessas instituições a promessa de cura e restabelecimento de um estado de bem-estar.
As instituições de saúde atuais exigem técnicas preestabelecidas que guiam o indivíduo que busca o tratamento, cujos métodos são aplicados a todos. Porém em um tratamento psicanalítico não há um protocolo geral e técnico que guie o atendimento do indivíduo. Indo por um caminho contrário, a Psicanálise visa à originalidade do cenário individual, encorajando a manifestação da singularidade subjetiva. A Psicanálise, diferentemente das outras intervenções, conduz a sua especificidade em direção ao sujeito do inconsciente.
A criação dos serviços de atenção especial, inaugurados a partir da reforma psiquiátrica, convocam a Psicanálise para intervir, criar e repensar suas práticas. Campos, Campos e Rosa (2010) tomam uma posição favorável à dimensão grupal e ao trabalho de terapia de grupo como recursos metodológicos, sem desconsiderar a força do atendimento individual. Os autores ressaltam a importância de se pensar o campo do atendimento no interior de uma instituição, no caso um CAPS, como " um espaço vivo (o lugar antropológico) de contradição no qual devemos focar o sujeito, trazê-lo para o centro da cena, para o interior de instituições cujo funcionamento é destinado a apagar a incômoda singularidade do pathos " (Campos, Campos, & Rosa, 2010, p. 506). Fundamentados no pressuposto da causalidade psíquica, os autores convocam a dimensão clínica da Psicanálise na cena da ação assistencial do dispositivo de saúde. No que tange especificamente às movimentações no interior da equipe, os autores apresentam a ideia de confusão de línguas, anunciando a importância de se considerar os diferentes saberes e os profissionais, enfatizando o fato de que, em uma equipe interdisciplinar, muitas vezes o primeiro a escutar o sujeito não é o psicanalista.
Mendes (2015) nos lembra que ter a singularidade como orientador do trabalho nas instituições implica estar em uma posição de interrogar as experiências e os saberes que, pela especialidade de cada profissional, interpreta as demandas do sujeito. A Psicanálise se inscreve nesses espaços e, pela escuta, coloca em evidência os detalhes de cada caso, provocando, assim, a estranheza e a resistência que a clínica psicanalítica impõe à compreensão imediata do sujeito.
Compondo esse campo de reflexão sobre as relações possíveis entre a Psicanálise e os novos dispositivos de saúde mental, encontramos o artigo de Carneiro (2008). A autora reconhece os avanços no modelo assistencial, mas revela que o sujeito permanece excluído. Dessa forma, a Psicanálise pode oferecer para a instituição a lógica do não-todo, do caso a caso, na qual não se pode escrever o universal ou formar conjunto. Encontramos, pois, uma relação entre Psicanálise e instituição que aposta na ação de respeito à singularidade. De acordo com Carneiro (2008, p. 217),
Essa proposta de uma Psicanálise aplicada ao campo da saúde mental, embora tenha como ponto de partida o sintoma, como faz a psiquiatria, trabalha visando não sua eliminação, mas certa reconciliação do sujeito com o sintoma e com o saber que o delírio comporta. Em vez de tratamento do sintoma, tratamento pelo sintoma. O que implica uma mudança na relação do sujeito com o seu gozo, numa perspectiva ética que se distancia da moral e que se realiza no caso a caso. Consequentemente, o discurso analítico se insere na lógica do não-todo, do caso a caso, onde não se pode escrever o universal. Se cada sujeito é diferente do outro, cada caso também o é, assim como cada tratamento. O que funda um tratamento não é uma lei universal, mas uma construção que se faz uma a uma.
Assim, a autora conclui que a Psicanálise, aplicada ao campo da saúde mental, constitui uma instituição de exceção, uma vez que privilegia o sujeito e leva o discurso analítico ao serviço público. É importante garantir também que a instituição pública dê lugar a vários discursos e suas práticas, não colocando o discurso analítico acima de nenhum outro.
Considerações finais
A revisão da literatura considerando os descritores "psicanálise e instituição" revelou a riqueza do diálogo dessa teoria com a sociedade. A prática do analista cidadão implica em "passar do analista reservado, crítico, a um analista que participa, a um analista sensível às formas de segregação, a um analista capaz de entender qual foi sua função e qual lhe corresponde agora" (Laurent, 1999, p. 8). Assim, por vezes, o analista pode introduzir nas instituições metodologias clássicas da Psicanálise, como a construção do caso clínico, e anunciar a força da supervisão como uma possibilidade de circulação da palavra, desde que esteja em questão a emergência do sujeito. Todavia, os artigos estudados não nos permitiram visualizar o cotidiano da prática de um psicanalista numa equipe interdisciplinar no interior das instituições.
Na primeira página do texto "A pulsão e suas vicissitudes", Freud (1915/1996) anuncia alguns pressupostos epistemológicos da Psicanálise. O autor defende a tese de que a atividade científica consiste primordialmente "na descrição dos fenômenos" (Freud, 1915/1996, p. 137). Para o autor, a ciência deve assentar seus pressupostos na observação, e mais: "a Psicanálise nasceu por uma necessidade médica" (Freud, 1915/1996, p. 307).
Interessa-nos essa afirmação freudiana sobre a importância do psicanalista não se distanciar da experiência clínica, pois é nela que se encontra a base empírica de sua ciência. Nesse sentido, gostaríamos de encontrar artigos descritivos e reflexivos sobre a práxis cotidiana do analista no interior de uma equipe interdisciplinar, pois somente a descrição da ação pode fornecer pistas sobre as possibilidades e desafios.
Freud (1918/2010) inicia uma de suas recomendações sobre a técnica da Psicanálise convocando a arte do ensino do jogo de xadrez, tomando-a como uma metáfora para a compreensão do ensino da arte da Psicanálise:
Todo aquele que espere aprender o nobre jogo do xadrez nos livros cedo descobrirá que somente as aberturas e os finais de jogos admitem uma apresentação sistemática exaustiva e que a infinita variedade de jogadas que se desenvolvem após a abertura desafia qualquer descrição desse tipo. Essa lacuna na instrução só pode ser preenchida por um estudo diligente dos jogos travados pelos mestres (Freud, 1918/2010, p. 164).
A ideia subjacente a essa afirmação, de que o aprendizado deve contemplar o estudo diligente dos jogos travados pelos mestres, parece-nos revelar que o lugar mais apropriado para saber sobre a técnica e a práxis da Psicanálise não é o livro, mas sim a experiência clínica em si mesma. Essa proposição freudiana se refere tanto à necessidade de o analista investir em sua análise pessoal, quanto à importância de descrição da prática. Assim, seria interessante apostar na produção de artigos que descrevessem o cotidiano da prática de um psicanalista no interior de uma equipe.
Na medida em que não encontramos esse material, decidimos pensar sobre os contornos específicos que receberiam as duas regras de ouro da Psicanálise (associação livre e atenção flutuante) no fazer de um psicanalista no interior de uma equipe interdisciplinar. Freud (1915/1996) enfatiza que o encontro psicanalítico se dá entre o cliente e uma "alteridade do saber", representada pela função do analista. No processo analítico não ocorre um encontro entre dois sujeitos num sentido meramente dialógico. Não se trata do diálogo entre dois sujeitos e nem, muito menos, de um encontro entre sujeito e objeto, como prescreve a clássica teoria do conhecimento. Para o pai da Psicanálise, o analista "deve simplesmente escutar e não se preocupar se está se lembrando de alguma coisa" (Freud 1915/1996, p. 150). Não se trata de uma busca de conhecimento lógico ou de uma teoria prévia e formalmente explícita sobre a experiência do cliente, pois o analista ouve de um outro lugar.
Todavia, nos interrogamos se a recomendação da atenção flutuante pode encontrar toda sua expressividade no trabalho de um analista em uma equipe interdisciplinar no interior de uma instituição. Acreditamos ser importante traçar algumas ideias sobre este termo "instituição".
Romanini e Roso (2012, p. 346), nos revelam que
os significados atribuídos ao conceito de instituição deixam claro, portanto, seu papel de agente regulador e normativo de aspectos relativos à vida social. Ela institui normas, regras e códigos de conduta, estabelecendo os limites entre o que é normal (a média) e o que é desviante, patológico.
Segundo Lebrun (2009), instituição se refere ao ato de instituir, ou seja, uma noção de primeira vez, mas que apresenta força para permanecer, em um segundo momento, como algo já estruturado, arrumado, instituído. Dessa forma, a noção de instituição se articula com os temas do tempo, da origem, da estrutura e da hierarquia. É importante ressaltar que uma instituição tem um ponto umbilical que fala da origem, mas não esgota toda a complexidade da instituição.
Lebrun (2009) convida Durkheim e Mary Douglas para pensar algumas características da instituição. Durkheim, na reconstrução de Lebrun, ressaltaria as conexões entre instituição e legitimidade, respeito e autonomia. Mary Douglas, por sua vez, afirmaria a importância da instituição para a formação da humanidade. Nesse sentido, podemos pensar a instituição como um espaço paradoxal de tentativa de contorno para o mal-estar estrutural da civilização e, ao mesmo tempo, como espaço de ativação do mal-estar. Segundo o autor, " não há meio de dar conta da formação do laço social a partir do entrecruzamento das preferências individuais" (Lebrun, 2009, p. 17). Fica claro, também, que a instituição ultrapassa o simples acordo entre indivíduos. A instituição seria uma exterioridade fundada em um ponto específico do tempo. Uma instituição possui, pois, uma data de fundação. Pensar a instituição a partir do verbo instituir, ou inaugurar, anuncia as movimentações do tempo, sobretudo, a ideia de início e permanência. Podemos considerar que a instituição propõe uma tradição, uma história e, por vezes, essa transmissão ocorre de maneira hierárquica: um ontem, a fundação, que se inscreve hoje, a permanência.
Lebrun (2009) revela ainda que a instituição pode se transformar em um estabelecimento, onde nada se move, onde a tradição se congelou. Nesse caso, o lugar do psicanalista é o da crítica, quebrar a rigidez do estabelecimento. Todavia, vivemos em uma época de crise da tradição, portanto esse terceiro não é respeitado e, por vezes, os indivíduos podem se perder nos diálogos horizontais infinitos. O autor alerta que, na atualidade, temos menos o problema da fixação e cristalização da instituição, a formação de uma espécie de estabelecimento. Os fantasmas são outros: agora é trabalhar para que um grupo se organize como instituição. O perigo agora é se perder em projetos pessoais ou não se conectar com um projeto comum que é fundado no umbigo da instituição. Por vezes, a instituição se perde no afã de gerenciar, de administrar e perde sua origem. Em última instância é preciso que os atores se articulem com o ponto umbilical da instituição, com seu ponto de fundação, sempre rediscutindo e reinventando.
Assim, acreditamos que a atenção flutuante não pode se esquecer desse ponto umbilical da instituição. É preciso fazer o movimento pendular de respeitar esse ponto umbilical da instituição e manter a ética da Psicanálise, da escuta do sujeito do inconsciente.
De outro lado, nos interrogamos sobre a possibilidade de efetivar a associação livre, considerando que o sujeito escutado se insere em uma instituição que se define a partir de um objetivo. Segundo Romanini e Roso (2012, p. 348-349), a concepção de sujeito na instituição é, portanto, "uma concepção universalista que, com objetivo de organizar, ordenar e extrair o sintoma que gera mal-estar, acaba por capturar modos de subjetivação singulares". De acordo com os autores, a instituição convoca o psicanalista a formalizar a intervenção a partir do eixo norteador e definidor dela mesma. A fala do sujeito escutado se inscreve a partir da demanda da instituição. Não se configura exatamente como uma associação livre. Dessa forma, se instaura o desafio: como "formalizar" essas intervenções que são pautadas na concepção de sujeito do inconsciente e que não é recoberto pelas noções de indivíduo ou de cidadão propostos pela instituição? Que sujeito é esse? (Romanini, & Roso, 2012). Qual é o campo de manobra do psicanalista que trabalha em equipe interdisciplinar no interior de uma instituição? Como conciliar a escuta do sujeito do inconsciente na sua livre associação e as demandas da instituição? Entendemos que um psicanalista dentro de uma equipe interdisciplinar numa instituição precisa estar atento às demandas das instituições e à ética da Psicanálise.
Parece-nos pertinente citar o trabalho de Mendes (2015), que oferece uma importante contribuição para entender essa práxis ao dizer que construir um caso em equipe é operar em um tempo de compreender em que é importante atentar para os movimentos, palavras e repetições que dizem da relação do sujeito com a instituição. Trabalhar com a singularidade na proposta de construção do caso é apostar em um não saber que orienta a criação dessas intervenções em que o sujeito possa estar implicado. As contingências do cotidiano do trabalho apontam para algo da verdade do sujeito que convoca um saber concernido a um ou mais profissionais de uma equipe. Assim, é importante lembrar que "a equipe não existe previamente a um caso, ao contrário, é a construção do caso que faz existir uma equipe" (Mendes, 2015, p. 129).
Ao longo deste trabalho nos propusemos pensar sobre como um psicanalista no seu trabalho cotidiano se articula com a equipe interdisciplinar no interior de uma instituição, buscando compreender os espaços de atuação desse profissional e o modo como ele lança mão do arcabouço teórico-prático da Psicanálise em sua rotina. Nesse sentido, é importante considerar as especificidades da associação livre, da atenção flutuante e do efeito-equipe como norteadores da prática do psicanalista numa equipe interdisciplinar numa instituição.
Referências
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Artigo recebido em: 22/06/2019
Aprovado para publicação em: 02/02/2021
Endereço para correspondência
Jacqueline de Oliveira Moreira
E-mail: jackdrawin@yahoo.com.br
Juliana Marcondes Pedrosa da Souza
E-mail: juliana.marcondespedrosa@gmail.com
Juliana Morganti
E-mail: emaildajulianamorganti@yahoo.com.br
Mara Alice Avelar Saraiva Horta
E-mail: mara.alice2@gmail.com
Bruna Machado Lagares Côrtes
E-mail: bm.machadobruna@gmail.com
Mariana Benjamin de Oliveira Dutra
E-mail: md_dutra@hotmail.com
*Professora da Pós-Graduação em Psicologia da PUC-Minas. Doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Mestre em Filosofia pela UFMG. Psicanalista. Bolsista Produtividade CNPq PQ2.
**Professora da Graduação em Psicologia do Instituto Metodista Izabela Hendrix, Doutora em Psicologia PUC Minas, Mestre em Psicologia UFRJ. Pós-Doutorado em Psicologia na Universidade Federal de São João Del-Rei.
***Mestre em Psicologia PUC Minas. Graduada em Psicologia pela PUC-Minas. Graduada em Letras pela UFMG.
****Graduanda em Psicologia PUC Minas.
*****Graduada em Psicologia PUC Minas.
******Bacharel em Direito PUC Minas. Pós-graduanda em Direito pelo Instituto de Educação Continuada (IEC) da PUC-Minas.