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Print version ISSN 0102-7395
Reverso vol.27 no.52 Belo Horizonte Sept. 2005
AUTORES SELECIONADOS
Perversões e suas versões
Paulo Roberto CeccarelliI
Círculo Psicanalítico de Minas Gerais
RESUMO
Traduz a tentativa de elaborar algumas questões suscitadas no XIII Fórum Internacional de Psicanálise, organizado pelo Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. São reflexões do autor sobre a dificuldade de consenso entre as correntes psicanalíticas no que diz respeito à concepção teórica e ao manejo clínico da perversão. Após apresentar, resumidamente, a concepção freudiana da perversão, o autor trabalha com a hipótese de que as posições teórico-clínicas de uma corrente psicanalítica, sobretudo no que diz respeito à perversão, são tributárias de como esta mesma corrente entende noção de sujeito. Finalmente, o autor faz algumas considerações sobre as conseqüências, para a psicanálise, destas diferenças teóricas.
Palavras-chave: Perversão, Sujeito, Teoria, Clínica, Castração.
ABSTRACT
This paper is an attempt to elaborate some questions brought upon after the author’s participation on the XII International Forum of Psychoanalysis organized by the Círculo Psicanalítico de Minas Gerais in August 2004 in Belo Horizonte, Brazil. This text discusses the difficulties of finding a commonsense amongst the many psychoanalytical schools of thoughts, concerning both the theoretical and clinic aspects of perversion. After presenting a summary of Freud’s controversial positions on perver-sion, the author works with the hypothesis according to which the way a given psychoanalytical school deals with perversion is in close relationship with the way this same school conceptualizes the “individual” (subject). Finally, the author discusses the consequences of such differences in Psychoanalysis as a whole.
Keywords: Perversion, Subject, Theory, Clinic, Castration.
Estas últimas [as perversões] devem originar-se não apenas de um fixação de tendências infantis, mas também de uma regressão àquelas tendências como resultado do bloqueio de outros canais da corrente sexual. É por este motivo que as perversões são acessíveis à terapia psicanalítica.
Freud, 1905
A idéia de escrever um texto sobre a perversão e suas versões traduz a tentativa de elaborar algumas questões e inquietações que me foram suscitadas quando participava, em agosto de 2004 em Belo Horizonte, do XIII Fórum Internacional de Psicanálise, organizado pelo Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. De certa forma, o presente texto, sob diferente enfoque, dá continuidade a algumas reflexões discutidas em um trabalho anterior1, apresentado no referido Fórum.
O tema do Fórum – As múltiplas faces da perversão – por si só sugere associações interessantes: a manifestação clínica classificada como “perversão” comporta diferentes apresentações? Múltiplas faces? Existem leituras diferentes do fenômeno dito “perverso”? Pode haver dúvida entre os especialistas quanto a acordar se determinado arranjo pulsional constitui uma “perversão”? A expressão da sexualidade dita “perversa” permite versões distintas segundo a teoria utilizada para lê-la? A essas questões, se junta a dificuldade de estabelecer quando determinado ato “desviante” é perverso, logo sintomático, ou quando ele apenas organiza a trama erótica dos protagonistas que a encenam2.
Em várias apresentações que assisti no Fórum, sobretudo as apoiadas em relatos clínicos, tive a impressão de que os pontos acima levantados não estavam claros. (Sem dúvida, o fato de haver analistas de diferentes tendências teóricas, justifica essa reflexão.) Nos casos extremos, era fácil constatar que a designação de “perversão” era usada como um recurso – perverso? – da parte do analista frente a uma dinâmica pulsional que ele não conseguia elucidar. Nesse caso, o diagnóstico era um expediente defensivo que em nada ajudava o sujeito que, afinal, deve ter alguma implicação no seu sofrimento pois estava ali em busca de escuta. Em outros casos, seguia-se, após a apresentação do trabalho, uma acalorada discussão se, de fato, se tratava, ou não, de um caso de perversão. O curioso era que o veredicto final, no qual nunca fazia consenso, era dado em estreita ressonância com a teoria utilizada para ler o fenômeno, sem que o menor espaço fosse criado para a elucidação dos caminhos pulsionais e das escolhas de objeto que, segundo Freud3, é a única coisa que compete à psicanálise. Em muitos dos trabalhos apresentados, ficava a sensação de que os perversos não faziam análise porque o analista não suportava escutá-los. Em alguns, a teoria era usada como outrora o fazíamos com as teorias sexuais infantis: frente a uma situação onde somos tomados por um senti-mento de estranheza (Das Unheimliche), pois o que o sujeito diz evoca (no analista) “complexos infantis que haviam sido recalcados”,4 defendemo-nos teorizando o sujeito em vez de escutá-lo. A teoria toma o lugar do discurso do paciente, apresentando-se como a sua história e transformando-o em um “sujeito teórico”.
Sem dúvida, o modo como o perverso nos afeta transferencialmente é diferente do neurótico. Para suportar seus ataques, que aparecem como agressividade, desprezo e desdém pelo trabalho e pela capacidade do profissional, temos que lançar mão de toda a nossa reserva narcísica. (Raramente observamos isso ao lidarmos com neuróticos.) Graças à transferência, o sujeito reatualiza sua cansativa e maçante pesquisa sexual infantil, o que transforma a situação analítica em um palco onde aquilo que, no passado, fora usado como defesa contra a castração é repetido para, num segundo momento, ser recordado e elaborado. “Quanto maior for a resistência”, escreve Freud5 [e sabemos que nas perversões ela é máxima], “mais extensivamente a atuação (acting out) (repetição) substituirá o recordar”. Foi justamente para negar essa ameaça fundamental [a da castração] – “O ato perverso é uma cura momentânea”6 –, e para manter afastado o perigo do encon-tro com o outro, com o diferente, que a perversão foi criada. Como escrevi em outro lugar7:
Fundamentalmente, é a questão da alteridade que está em jogo na perversão: o outro, o diferente e, num segundo momento, o outro sexo (a diferença anatômica dos sexos), aquele que não pensa como eu e assim por diante, tudo isto remete à castração, ao limite, que, no caso do perverso, foi gerenciada pelo mecanismo da recusa. É contra esta ameaça fundamental que o cenário perverso foi criado. Por outro lado, a organização perversa, como aliás toda organização psíquica, tem a função essencial de manter o sentimento de identidade.
A clínica da perversão exige uma disposição singular do analista para acompanhar o sujeito, ou melhor, a criança dentro do sujeito, de volta pela tortuosa e repetitiva trilha da sexualidade pré-genital até os pontos de fixação da libido a fim de introduzí-lo no mundo objetal de forma não ameaçadora.8 As atuações desses sujeitos, que atestam o caráter infantil de sua sexualidade, constituem grandes ameaças à possibilidade de mudança que o trabalho analítico propicia. Quando analisadas, essas atuações revelam ser defesas contra a angústia, a depressão, o sentimento de vazio, de aniquilamento, enfim, defesas contra o desamparo frente às moções pulsionais desconhecidas, incontroláveis, logo, ameaçadoras.
Na obra freudiana, podemos distinguir três momentos essenciais da teorização sobre a perversão. O primeiro encontra-se nos Três ensaios9, e pode ser condensado no axioma “a neurose é o negativo da perversão”. No segundo momento, o ponto nodal tanto da neurose quanto da perversão são os destinos edípicos. Esse é o modelo apresentado em “Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo das perversões sexuais”.10 O terceiro momento é considerado por muitos autores, principalmente os lacanianos, como o que, de fato, traduz a problemática da perversão. Sua formulação encontra-se no texto de 1927 “Fetichismo”11. Esse texto gira em torno do mecanismo da recusa (Verneinung) da castração. Recusa que leva, na linguagem lacaniana, à fixação do gozo em um objeto imaginário, em vez de centrá-lo na função simbólica que organiza o desejo a partir da castração.
Entretanto, e aqui a situação se complica, a perversão não pode ser circunscrita a partir do mecanismo de recusa, visto que esse mecanismo, assim como a divisão do ego, pode ser precocemente observada em outras organizações psíquicas12. Talvez seja por isso que não encontramos em Freud a afirmação segundo a qual o perverso não é analisável. Textos como “Dostoievski e o Parricídio”, ou “O homem dos Ratos”, o testemunham. Neles, Freud refere-se a esses sujeitos ora como neuróticos ora como perversos. Uma mescla, em diferentes proporções, “de eficiência, perversão e neurose”13 são ingredientes fundamentais para a disposição artística. Finalmente, o que os “Três Ensaios” demonstram é que não existe um fantas-ma especificamente perverso, pois a sexualidade humana é, em si, perversa14; que as perversões são “as forças motivadoras dos sintomas neuróticos”15. Em toda organização neurótico-normal, assim como na normopatia16, encontramos traços, em pulsações energéticas diferentes, da sexualidade polimorficamente perversa da infância.
A última parte dos “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, intitulada “Resumo”, chega a ser desconcertante em relação aos Ensaios precedentes. Nela, Freud avança algumas posições teóricas novas em relação aos capítulos anteriores, tornando ainda mais indis-tinta a delimitação topográfica entre neurose e perversão. Até ali, a perversão é teorizada como o resultado da fixação da libido decorrente de um excesso de gratificação. Entretanto, observação pesada de conseqüências, a perversão pode também instalar-se no caso de uma “debilidade constitucional da zona genital”. Por conseguinte, a conjugação das pulsões parciais na zona genital exigida na puberdade fracassa, “e o mais forte dentre os demais componentes da sexualidade impõe sua prática como uma perversão”17. (Alguns anos mais tarde, Freud precisa que a diferença entre a sexualidade infantil e a sexualidade perversa é que enquanto à primeira falta a centralização das pulsões parciais, esta centralização está, habitualmente, presente na segunda18.)
Na parte final desse texto fundamental sobre a sexualidade humana encontramos, ainda, uma passagem da qual, curiosamente, pouco ou quase nada se fala. Ali Freud afirma que, assim como a neurose, a perversão é acessível ao trabalho analítico, pois sendo uma o negativo da outra, ambas são afetadas pelo mesmo mecanismo psíquico: o recalque19. Freud deixa isto claro na nota acrescentada ao texto em 1915, e já citada em epígrafe. Em suas palavras20:
Isto [o bloqueio do fluxo pulsional devido ao recalque] não se aplica apenas às tendências “negativas” para a perversão que aparecem nas neuroses, mas igualmente às perversões chamadas positivas. Assim, estas ultimas devem originar-se não apenas de um fixação de tendências infantis, mas também de uma regressão àquelas tendências como resultado do bloqueio de outros canais da corrente sexual. É por este motivo que “as perversões positivas são acessíveis à terapia psicanalítica”.
Ainda no “Resumo”, Freud refere-se aos perversos como “perversos positivos” e às histéricas como “pervertidas negativas”21. Afirma, também, que devido ao mecanismo do recalque, “a neurose toma o lugar da perversão, sem que os antigos impulsos sejam extintos”22. A sublimação é o terceiro desfecho resultante “de uma disposição constitucional anormal”23, e nossas virtudes nada mais são do que formações reativas a nossa disposição perversa.
Estas afirmações freudianas que, seguramente, dariam abundante material para um congresso, sugerem não apenas que a perversão é analisável mas que é possível a um perverso, graças ao trabalho analítico, tornar-se neurótico. Parece que as posições de Freud no “Resumo” – posições, aliás, resgatadas pela Psicopatologia Fundamental24 – giram em torno da noção de pathos como paixão, sendo o adoecer psíquico um excesso, um transbordamento, da paixão (o que a torna patológica), do qual o psiquismo não consegue se defender:25
Aquilo a que chamamos “caráter” de um homem constrói-se, numa boa medida, a partir do material das excitações sexuais, e se compõe de pulsões fixadas desde a infância, de outras obtidas por sublimação, e de construções destinadas ao refreamento eficaz de moções perversas reconhecidas como inutilizáveis.
Ao escutar o sujeito que traz uma voz única a respeito de seu pathos, a teoria psicanalítica transforma o que causa sofrimento em experiência, em ensinamento interno, criando um discurso sobre o sujeito trágico26: “não nos esqueçamos de que, na realidade, é apenas através de sua própria experiência e infortúnios que uma pessoa se torna sagaz.”
Em alguns trabalhos apresentados no Fórum sobre “perversos inanalisáveis” que procuram análise, falou-se que eles o fazem frente à iminência de um colapso psíquico produzido por uma falha no mecanismo da recusa – suas atuações já não conseguem controlar a angústia –, que os levaria a ter que enfrentar aquilo que, sucessivamente, têm estado negando: a castração. Entretanto, acredito que mais importante do que provar se a teoria se aplica nesses casos, o fundamental é saber se é possível, se o analista é capaz e/ou se se dispõe a transformar esses motivos, que seguramente causam sofrimento, em demanda de análise. A pergunta que me parece central aqui é a de saber se o perverso inanalizável de Lacan é o mesmo perverso do qual nos fala Freud.
A desarmonia entre as diferentes escolas de psicanálise, tanto no uso da palavra “perversão” quanto na apreensão e compreensão do fenômeno, é tão conhecida que dispensa comentários. Cada modelo clínico propõe uma interpretação diferente direcionando a escuta e, conseqüentemente, a direção do tratamento desta manifestação da sexualidade. Tanto autores da Escola Inglesa27 quanto da Americana28 relatam acompanhamentos clínicos de sujeitos perversos cujos resultados foram considerados, por esses autores, como satisfatórios. Já a Escola Francesa de Jacques Lacan entende a perversão como uma estrutura que resiste ao trabalho analítico. Logo, o perverso, contrariamente à afirmação freudiana, não é analisável. (Na formulação lacaniana, a perversão é colocada em termos estruturais e não como um desvio em relação a uma norma.) Ora, como entender essas diferenças cujos desdobramentos teórico-clínico-éticos têm conseqüências de peso?
Dentre os inúmeros pontos que poderíamos explorar para se tentar compreender as posições aparentemente paradoxais citadas acima, gostaria de refletir sobre a participação da noção de sujeito na definição de “perversão”. Ou seja, em que medida as posições teóricas de uma corrente psicanalítica, com todas as implicações daí advindas, são tributárias de como esta mesma corrente entende a noção de sujeito? E isso independente do arranjo pulsional em estudo: neurose, psicose, perversão, psicossomático, normopatia... Para os propósitos deste trabalho, pode-se dizer que a grande linha que separa a Escola lacaniana das outras Escolas é justamente a teorização que sustenta a noção de sujeito. Embora toda corrente freudiana entenda que o sujeito é o sujeito do desejo que Freud descobre no inconsciente, nenhuma, exceto a lacaniana, traz inovações e contribuições tão radicais e tão abrangentes no que diz respeito a sua constituição.
Lacan, apoiado nas premissas freu-dianas, avança na conceptualismo do sujeito e, a partir da teoria do signo lingüístico, relaciona o sujeito ao significante29: “um significante é aquilo que representa o sujeito para um outro significante”. Em um texto de 1946, Lacan escreve que a história do sujeito se desenvolve a partir de uma série de identificações que têm a função de imagem. E é nessa imagem que o sujeito se aliena: “o primeiro efeito que aparece de imagem no ser humano é um efeito de alienação do sujeito. É no outro que o sujeito se identifica e se percebe inicialmente”30. Sendo alienação e separação as operações constitutivas do sujeito, este, causado pelo significante, é condenado a repetir o discurso do Outro31. É a partir do arsenal lacaniano sobre os processos de constituição do sujeito, que devemos pensar tanto a teorização de Lacan a respeito das três estruturas quando as possibilidades clínicas de intervenção.
Podemos, então, nos perguntar se determinada organização psíquica pode encontrar acolhimento em uma teoria mas não em outra. Não é que o “perverso” não seja analisável, mas é a teoria que sustenta a constituição do sujeito perverso que não contempla a análise dessa manifestação da sexualidade. As implicações decorrentes daí, permitem-nos compreender melhor o diálogo de surdos que surgiu em alguns momentos do Fórum. Para os partidários da Escola Inglesa/Americana, que não teorizam as organizações psíquicas em termos estruturais, toda a argumentação lacaniana, por mais bem sustentada que fosse, sobre a estrutura da perversão, sobre o funcio-namento do sujeito perverso diante da castração e, conseqüentemente, sobre a sua impossibilidade de beneficiar-se de um trabalho analítico, soava com a algo descabido de sentido e que, ademais, ia contra toda uma tradição analítica apoiada por anos de prática clínica. Por sua vez, os partidários da Escola Francesa, baseados na noção lacaniana de sujeito e em suas relações com o modelo estrutural, achavam que os colegas das outras Escolas sustentavam posições medievais em relação à psicanálise. Os mais radicais, de ambos os lados, chegavam a dizer que o trabalho apresentado, sobretudo a condução clínica, não era, em absoluto, psicanálise. Tratando a teoria como uma verdade religiosa, argumentavam como se fora dela não houvesse salvação, e muito menos prática psicanalítica: eles, e apenas eles, detinham o falo. Como se fosse possível padronizar e regulamentar uma teoria que, justamente, propõe dar sentido aos buracos do discurso fazendo surgir a outra cena. (O longo debate que temos assistido sobre a regulamentação da psicanálise exemplifica esse ponto.) Era impressionante observar como os partidários de uma Escola sequer se davam ao trabalho de escutar a outra. Sentiam-se ameaçados justamente onde a teoria deveria servir-lhes de suporte: não há objeto que tampone a falta. Quanto mais buscamos a identidade, somos confrontados com a diferença, o que provoca o retorno de angústias infantis ligadas ao reconhecimento da alteridade32. Somos, por definição, insocorríveis33.
A psicanálise ganharia muito mais se os diferentes manejos clínicos devido à existência de premissas, senão epistemologias, distintas fossem entendidos como prova da impossibilidade de se reduzir o fenômeno psíquico a uma única forma discursiva. Para os psicanalistas, tal constatação deveria servir de evidencia irrefutável de que algo sempre escapa; de que toda teoria, em qualquer campo do conhecimento, nada mais é do que uma construção, sobre bases mitológicas34, para dar sentido ao mundo. Uma teoria, que através das representações que ela cria amarra a pulsão evitando que ela se manifeste como angústia, é apenas uma das infinitas possibilidades de leitura do Real. Ela deve servir-nos de referência, não de um escudo da Verdade, mas para nos guiar na desconstrução das identificações que determinaram a particularidade dos caminhos pulsionais e das escolhas de objeto, que estão causando sofrimento no sujeito que nos procura. Sem o reconhecimento de que as diversas leituras do fenômeno psíquico têm o mesmo direito de cidadania na pólis psicanalítica, nossa prática corre o risco de transformar-se em uma prática perver-sa no sentido empregado por Freud nos “Três Ensaios”: a fixação da pulsão sexual em uma única forma de satisfação.
Endereço para Correspondência
Paulo Roberto Ceccarelli
Rua dos Aimorés, 1297/206
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Tel.: (55-31) 3213-2240
E-mail: paulocbh@terra.com.br
Site: www.ceccarelli.psc.br
Recebido em Junho de 2005
Aceito em agosto de 2005.
IPsicólogo. Psicanalista. Doutor em Psicopatologia Fundamental e Psicanálise pela Universidade de Paris VII. Membro da Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental. Membro da “Société de Psychanalyse Freudienne”, Paris, França. Membro de Círculo Psicanalítico de Minas Gerais – CPMG. Professor-Adjunto III no Departamento de Psicologia da PUC-MG (graduação e pós-graduação).
1CECCARELLI, P. R. A perversão do outro lado do divã, p.243-257 in Destinos da Sexualidade, Portugal, A. M; Porto Furtado, A; Rodrigues, G; Bahia, M, A; Gontijo, T; (org.) SP, Casa do Psicólogo, 2004.
2Sobre este ponto ver: ABRAS, R.M.G. CECCARELLI, P.R. FERREIRA, R.M. FOSCARINI, S.R.G. OLIVEIRA, L.M.L. REIS, J.T. SANCHES, N.R.A. (2004) Trauma, perversão e laço conjugal. Reverso, 26(51), 29-42.
3- Ela [a psicanálise] deve contentar-se com revelar os mecanismos psíquicos que culminaram na determinação da escolha de objeto, e remontar os caminhos que levam deles até as disposições pulsionais. Conf.: FREUD, S. A psicogênese de um caso de homossexualismo numa mulher. Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1976, XVIII, p. 211.
4FREUD, S. O Estranho. Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1976, XVII, p. 310.
5FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar. Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1969, XII, p. 197.
6STOLLER, R. La perversion et le désir de faire mal. In : Nouvelle Revue de Psychanalyse La chose sexuelle, 29, Paris : Gallimard, 1984, 164.
7CECCARELLI, P. R. COUTO, L. F. O gozo extático do expectador de uma cena perversa. Mal-estar e subjetividade, IV, 2, p. 266-276, set. 2004.
8Em um texto de 1998 relato um caso clínico que ilustra esta situação. Conf.: CECCARELLI, P. R., (1998) Neo-sexualidade e sobrevivência psíquica. Psychê, ano II, 2, 61-69.
9FREUD, S. “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1972, VII.
10FREUD, S. Uma criança é espancada: contri-buições ao estudo das perversões sexuais, Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1976, XVII.
11FREUD, S. Fetichismo, Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1974, XXI.
12FREUD, S. Fetichismo, v.XXI FREUD, S. Esboço de psicanálise, Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1975, XXIII. FREUD, S. A divisão do ego no processo de defesa, Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1975, XXIII.
13FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, v. VII p. 246.
14CECCARELLI, P. R. Sexualidade e Preconceito. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Funda-mental, São Paulo, III, 3, 18-37, set. 2000.
15FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, v.VII p. 246.
16FERRAZ, F. C. Normopatia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002.
17FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, v. VII p. 244.
18FREUD, S. O desenvolvimento da libido e as organizações sexuais, in: Conferências introdutórias sobre a psicanálise. Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1976, XVI, p. 378.
19Seria interessante aprofundar a discussão, mas isto será material para um outro trabalho, sobre o recalque na perversão. Teorizar a perversão unicamente a partir do mecanismo da recusa pode mascarar movimentos pulsionais importantes presentes nessa organização psíquica.
20FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, idem p. 239 (o grifo é meu).
21FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, idem p. 244.
22Idem p. 245.
23idem (o grifo é meu).
24CECCARELLI, P. R. A contribuição da Psicopatologia Fundamental para a saúde mental. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fun-damental, São Paulo, VI, 1, 13-25, mar. 2003.
25FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, idem p. 246.
26FREUD, S. Recordar, repetir e elaborar v. XII p. 200.
27KHAN, M.M.R. Alienación en las perversiones. Buenos Aires, Nueva Visión, 1987. McDOUGALL, J. Scène primitive et scénario pervers. In : La sexualité perverse, Paris, Payot, 1972, pp. 50-94. McDOUGALL, J. As múltiplas faces de Eros: uma exploração psicanalítica da sexualidade humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
28STOLLER, R. Perversion. New York, Pantheon Books, 1975. STOLLER, R. La perversion et le désir de faire mal. In : Nouvelle Revue de Psychanalyse La chose sexuelle. 29, Paris. Gallimard, 1984, 147-172. KERNBERG, O. F. Agressão nos transtornos de personalidade e nas perversões. Porto Alegre, Artes Médicas, 1975. KERNBERG, O. F. Perversão, perversidade e normalidade: diagnóstico e considerações terapêu-ticas. Revista Brasileira de Psicanálise, 32(1): 67-82, 1998.
29«Un signifiant, c’est ce qui représente le sujet pour un autre signifiant». Conf. : LACAN, J. (1960) «Subversion du sujet et dialectique du désir». in Écrits, Paris, Seuil, 1966, 819.
30LACAN, J. «Propos sur la causalité psychique». in Écrits, Paris, Seuil, 1966, 181.
31LACAN, J. Le Séminaire livre XI - Les quatre concepts fondamentaux de la psychanalyse. Paris : Seuil, 1973.
32Sobre este ponto ver: CECCARELLI, P. R. Identidade e Instituição Psicanalítica. Boletim de Novidades da Livraria Pulsional, 12(125): 49-56, 1999.
33O termo alemão Hilflosigkeit é composto de três palavras: Hilfe, que significa socorro; los, que pode ser definido por sem; keit que forma o subjetivo. Hilflosigkeit seria melhor traduzido por “insocor-ribilidade”. Ser desamparo atesta a condição de insocorribilidade do sujeito humano.
34Este tópico foi trabalhado em um texto anterior. Conf.: CECCARELLI, P. As bases mitológicas da normalidade. Latin American Journal of Fundamental Psychopathology on Line: http://fundamentalpsychopathology.org/br/revista-artigos-texto.php?id=12