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Reverso
Print version ISSN 0102-7395
Reverso vol.40 no.76 Belo Horizonte July/Dec. 2018
EDITORIAL
Duas mãos escrevem um texto. Uma delas, da qual a caneta não desgruda, faz uma psicografia inconsciente, e a outra recorta, sublinha, corta, refaz, pontua, coloca o um a mais das mil noites, o ponto final das infinitas pontuações. O psicanalista pontua sua presença. Duas inconsistências escrevem ao mesmo tempo. Uma que não sabe de si, e outra que quer se dar conta de si e se quer autor do seu próprio texto. Uma voz que se faz própria, na medida em que, ao se apropriar de um patrimônio cultural e centenário da psicanálise, numa intertextualidade com o patrimônio milenar da filosofia, da literatura, da arte poética, da ciência, oferece as mãos ao labor e submete o escrito a uma subjetividade.
Um texto, retalho de várias vozes, polifonia, retábulo de lavores que se inscrevem por gerações, pentimentos de cores variadas a serem descobertas ao buril da linguagem, sob o gesto do autor. Policromia.
Reverso, revista de psicanálise. E nesta Reverso 76 temos uma série de autores que se apresentam com suas tessituras psicanalíticas.
Transmissão em psicanálise - Convidado especial
O nosso convidado especial é o psicanalista francês Benoît Le Boutelier, que nos fala sobre Cartel, passe e verdade, discutindo sobre o aspecto compartilhado entre o tratamento analítico, o cartel e o passe, ou seja, a relação do sujeito com o saber, atravessada pela questão da verdade. Aborda ainda, com apoio em Ballint e Lacan, a dinâmica da transferência em ação nos processos de grupos próprios a uma escola de psicanálise.
Ainda sobre o assunto, Eliana Rodrigues Pereira Mendes nos diz Sobre a transmissão da psicanálise nas instituições psicanalíticas, argumentando em favor das instituições psicanalíticas que existem para tal fim e contrapondo-se à formação de analistas na universidade. Aponta também medidas que podem aprimorar a transmissão da psicanálise nas instituições psicanalíticas, tais como análise pessoal desde o princípio da formação e o acompanhamento de um referente para cada participante da formação.
Clínica e teoria psicanalítica
Eliane Mussel da Silva, Na trilha da falta, nos propõe pensar nas transformações do cenário que se apresenta na clínica contemporânea a partir de das três categorias do negativo trabalhado por Freud e Lacan: a falta, o nada e o vazio.
Scheherazade Paes de Abreu nos apresenta, em Considerações sobre a angústia: acontecimento do Real, o afeto que mais interessa à clínica psicanalítica, modo de ruptura e apropriação subjetiva, o sofrimento que encobre algum dizer. A análise não é apenas atenuante do sofrimento. A análise possui efeitos de travessia. E a angústia é uma via de acesso ao Real e uma verdade sobre a sexualidade humana.
As movimentações da ideia de repetição no texto freudiano: uma leitura cronológica, dos autores Fabrizia Isabel Meira Santos, Jacqueline de Oliveira Moreira e Breno Ferreira Pena, nos apresenta as movimentações na construção do conceito de repetição no texto freudiano. A repetição já aparece nos textos pré-psicanalíticos através da noção de facilitação neurônica. Em seguida, na articulação com os conceitos de transferência, resistência e elaboração. Por fim, na ideia de compulsão à repetição. Conceito cunhado a partir da experiência clínica, a repetição é decisiva para a constituição do sujeito.
Em Estruturas clínicas em psicanálise: um recorte, Messias Eustáquio Chaves faz uma síntese da criação da psicanálise a partir da experiência clínica por Freud e posteriormente por Lacan, ambos demonstrando que o inconsciente é estruturado como linguagem. A fala da mãe, a vivência edípica e a metáfora paterna são determinantes na constituição do sujeito e do seu desejo. A estruturação significante do inconsciente segue a lógica borromeana de RSI.
William Selau Alves nos apresenta Melancolia, o objeto perdido que me assombra, onde explora teoricamente a condição da melancolia como estrutura clínica. As principais características desse fenômeno são trazidas, baseadas principalmente em Quinet, em seu livro Psicose e laço social. Fazendo uma passagem de Freud a Lacan, o autor demonstra os motivos que levaram a melancolia a ser colocada como uma estrutura psicótica.
Em Mundo em palavra - a esquizofrenia e a questão da linguagem, Álvaro Oliveira trabalha a noção da linguagem na esquizofrenia a partir de Freud e Lacan, além do embasamento psiquiátrico que influenciou o pensamento dos dois autores. Levanta a questão do modo como se elabora e se trama a linguagem na esquizofrenia, pontuando tratar-se mais de uma linguagem abstrata, voltada para o conteúdo lógico, do que uma linguagem concreta, como se afirma comumente, e que na psicose, estranhamente, o trabalho a ser feito envolve uma espécie de antianálise.
Psicanálise e literatura
Em Esboço de um quadro melancólico na teoria de Freud e na literatura de Dostoiévski, Kátia Leite de Carvalho nos traz o texto de Freud Luto e melancolia, onde ele fala sobre o empobrecimento do Eu no quadro melancólico, o que torna o sujeito incapaz de qualquer realização, além de apresentar sentimentos de degradação e inferioridade. Perde-se o objeto enquanto objeto de amor. Kátia nos ilustra, através da literatura, tais aspectos na melancolia.
Finalizando a Reverso 76, Andrezza Souza Martinez Machado nos brinda com O agora é um instante, através do texto de Freud A transitoriedade, além de outros trabalhos e outros autores. A autora faz um cotejamento da psicanálise com a obra de Clarice Lispector no seu livro Água Viva.
Esse rico e diverso conteúdo da Reverso 76, vem emoldurado com a capa do artista Thiago Mendes, que em sua criatividade, nos aventa com a singularidade de cada sujeito.
A revista Reverso tem como comissão editorial, além de nós, Maria Mazzarello Cotta Ribeiro, coordenadora, Ana Boczar, Carlos Antônio Andrade Mello, Eliana Rodrigues Pereira Mendes e Paulo Roberto Ceccarelli. Trabalho sério, dedicado e gratificante.
A Reverso é possível de ser editada graças à participação de nossa revisora Dila Bragança de Mendonça, de Edna Malacco de Resende, secretária do CPMG, de Valdinei do Carmo, responsável pelo projeto gráfico e diagramação, e da gráfica O Lutador.
Este trabalho de várias mãos é dedicado a vocês, leitores, partindo da premissa de que quem faz o autor é o próprio leitor.
Usufruam dele.
Marília Brandão Lemos de Morais Kallas
Membro da Comissão Editorial da Reverso