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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.40 no.76 Belo Horizonte jul./dez. 2018

 

AUTOR CONVIDADO

 

Cartel, passe e verdade: rápidas considerações sobre as comunidades psicanalíticas

 

Cartel, pass and truth: brief notes on the psychoanalytic communities

 

 

Benoît Le Bouteiller
Tradução:
Bernardo Maranhão
Revisão da tradução:
Carlos Antônio Andrade Mello

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este artigo discute um aspecto compartilhado entre o tratamento analítico, o cartel e o passe, qual seja, a relação do sujeito com o saber, atravessada pela questão da verdade. Além disso, aborda, com apoio em Balint e Lacan, a dinâmica da transferência em ação nos processos de grupo próprios a uma escola de psicanálise, em especial no que concerne ao passe e ao cartel.

Palavras-chave: Cartel, Passe, Tratamento analítico, Transferência, Saber, Verdade.


ABSTRACT

This article discusses an aspect shared by the analytic treatment, the cartel and the pass, which is the subject’s relation to knowledge, crossed by the question of truth. Besides, it addresses, with Balint and Lacan, the dynamics of transference within the group processes at stake in a school of psychoanalysis, specially to what concerns the pass and the cartel.

Keywords: Cartel, Pass, Analytic treatment, Transference, Knowledge, Truth.


 

Minha proposta hoje parte de uma hipótese. Uma hipótese que para mim é algo vivido, uma experiência.

O tratamento analítico, o cartel e o passe têm em comum o fato de pôr o sujeito à prova em sua relação com o saber, atravessada pela questão da verdade.

Proponho-lhes desdobrar essa hipótese em algumas curtas etapas:

• A primeira, que eu submeto a vocês sob o título de “grupo”.

• A segunda refere-se a “o que falar quer dizer”.

• Ao longo da terceira, caminharemos sobre nossos passos.

• E para fechar ou, sobretudo para abrir, é pelo Mar Egeu que seguiremos.

 

Balint

Antes, porém, comecemos por uma recordação que aqui nos parece preciosa. Trata-se da importância de Michael Balint1 para Jacques Lacan. Uma importância em diversos níveis, por diversas razões. Encontramos nos Escritos e nos seminários de Lacan diversas referências a Balint.

Os vínculos entre Lacan e a Escola dita de Budapeste em geral, e Balint em particular mereceriam um estudo bem mais refinado do que este que proponho hoje.

Notemos em todo caso que, no momento de sua saída da IPA,2 Lacan proporá a Balint um encontro, que se dará em Londres.

Lacan vem a saber, então, da aversão de Balint pela rigidez clínica e teórica da IPA, sua aversão pela tendência dessa instituição a cultivar o gosto pelos chefes, pequenos ou grandes.

No prolongamento dessa aversão, Michael Balint tem seu ponto de vista – ao qual Lacan é sensível – sobre as análises ditas didáticas. “A análise didática é simplesmente uma análise”, diz Sándor Ferenczi, e Balint, seu aluno, sustentará o mesmo ponto de vista no curso de uma conferência que pronuncia na Sociedade Britânica de Psicanálise desde 1947, então recém-chegado a Londres.

Pierre Bruno, ao comentar a Proposição de 9 de outubro de 1967,3 chama nossa atenção para o fato de que

[...] esse texto não deve fazer esquecer aquilo que, nessa conclusão de um longo caminho, Lacan deve a Balint (BRUNO, 2003, p. 27).4

E também, de Balint, há os case work. De Balint ou, mais precisamente, do casal Balint, que Michael forma com Enid, sua terceira esposa. Juntos, eles desenvolverão essa técnica de trabalho a várias mãos, inicialmente com as assistentes sociais do planejamento familiar de Londres, depois estendendo a outros profissionais, notadamente os médicos generalistas. Esses famosos grupos Balint, ainda que nada tenham a ver com o dispositivo dos cartéis – nem nas modalidades de funcionamento, nem nas finalidades e nem nos postulados nodais – não deixa de ser verdade que eles têm aspectos em comum. Retornaremos a esse ponto mais adiante.

Um estilo, portanto, antes de mais nada, uma liberdade de tom, uma criatividade que caracteriza Balint e que, incontestavelmente, agradará a Lacan.

É também um vínculo com Michael Balint quanto à questão da análise e de seu fim, que encontramos no procedimento do passe e na criação dos cartéis.

E quer se trate do fim da análise ou do cartel, é a questão da transferência que está na base desse elo entre Balint e Lacan.

Em 1933 Balint escreve Le transfert des émotions. Nesse texto, o autor sustenta a seguinte hipótese: a psicanálise retira sua eficácia para o sujeito de dois fenômenos clínicos: a resistência e a transferência. Ele desenvolverá nessa obra sua teorização da transferência, à luz de sua clínica.

E Jacques Lacan, desde O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud (1953-1954), convocará os desenvolvimentos teóricos de Balint para sustentar suas próprias teses acerca da transferência. Lacan não subscreve as proposições de Balint, mas elas o ajudam a desdobrar suas próprias articulações.

 

O grupo

É a questão da transferência, portanto, que está na base desse elo entre Balint e Lacan, a transferência no processo analítico, mas também a transferência que está em ação na comunidade de trabalho, no grupo analítico.

Esse ponto preciso da transferência em ação na comunidade de trabalho interessa, com efeito, a Balint, conforme evocamos rapidamente acima. Notamos isso, por um lado, em sua posição em face da IPA e, por outro lado, na criação dos case work. Esses grupos de trabalho, com efeito, se propõem lançar luz sobre o que está em jogo na clínica, a partir dos desenvolvimentos de Balint sobre a dialética transferência/contratransferência. E este é um aspecto próprio dos grupos Balint: essa visada se torna possível – pelo menos é essa a hipóteses desses grupos – na medida em que se levam em conta os movimentos transferenciais em ação no próprio grupo de trabalho.

E esse ponto preciso da transferência em ação na comunidade de trabalho interessa também a Lacan.

É esse interesse que podemos perceber no fato de que haja criação simultânea, criação solidária do cartel e da Escola. Lemos essa conexão no Ato de fundação de 21 de junho de 1964.5

Jacques-Alain Miller aponta que esse

[...] ato de fundação diz que a marca própria da Escola, em sua relação com a verdade, é o trabalho por cartel.6

Uma verdade que só pode ser singular, mas que não pode se abster de uma lógica do coletivo.

Lacan evoca isso em seu texto O tempo lógico e a asserção de certeza antecipada - um novo sofisma, quando diz

[...] o quanto a verdade depende, para todos, do rigor de cada um, e até mesmo que a verdade, sendo atingida apenas por uns, pode gerar, senão confirmar, o erro nos outros. E também que se, nessa corrida para a verdade, é apenas sozinho, não sendo todos, que se atinge o verdadeiro, ninguém o atinge, no entanto, a não ser através dos outros (LACAN, 1966, p. 212).

Com relação ao fim da análise, a partir do texto Função e campo da fala e da linguagem, encontra-se essa mesma articulação da verdade singular com o coletivo:

[...] a questão do término da análise é a do momento em que a satisfação do sujeito encontra meios de se realizar na satisfação de cada um, isto é, de todos aqueles com quem ela se associa numa obra humana (LACAN, 1966, p. 321).

O passe e o cartel são, portanto, dois dispositivos que permitem que um coletivo de trabalho sustente o desejo de seus membros em uma articulação com a verdade e não com um saber suposto, atrelado ao poder de um ou de uma; a uma chefia, para retomar o termo que Lacan convoca no Ato de fundação.

Durante a Noite dos Cartéis, de 26 de novembro de 2006, Colette Soler observa que

[...] as instituições psicanalíticas que se agrupam em torno de sujeitos investidos de prestígios do suposto saber fabricam o que Lacan chamava, na ocasião, de bandos.

E é verdade que só podemos deplorar que suceda, lamentavelmente de maneira frequente, em certas comunidades psicanalíticas lacanianas, e não das menos influentes, que o trabalho dos membros se pareça a um concurso daquele ou daquela que terá a proposição mais laudatória, aduladora e lisonjeira em vista do chefe ou da chefa (conforme o caso) do bando.

Falamos de bando para prolongar a proposição de Colette Soler, mas Lacan, em seu texto Situação da psicanálise e formação do psicanalista em 1956, fala de “organizações fascistas”, “da função do boss ou do chefão”, que predomina nesse contexto.

Ocorre que, prossegue Lacan,

[...] trata-se aí de nada menos que do problema das relações do eu com a verdade (LACAN, 1966, p. 475).

Para que uma Escola não se torne uma escola-caserna (retomando uma expressão de Fernand Oury), é imperativo que o vínculo entre o poder e o saber seja posto sobre o trabalho de tecer. Tecer o quê? Tecer a verdade – no que ela tem de irredutivelmente singular, em sua cortante singularidade – com o coletivo.

O passe e o cartel são dispositivos que permitem a uma comunidade de trabalho estabelecer uma relação com o saber que se funda nessa tessitura entre verdade e coletivo; uma comunidade em que se experimenta, desse modo, como propõe Jean-Luc Nancy, que não há “ser singular sem um outro ser singular” (NANCY, 1990, p. 71).

Escola/escola-caserna. Tomamos essa fórmula emprestada a Fernand Oury. Seu aluno, que se tornou seu amigo, Félix Guattari, fala por sua vez de “equipamentos” e de “agenciamentos”:

As funções de equipamento se apoiam sistematicamente em categorias gerais que tendem a se apossar dos processos coletivos para reterritorializá-los nas formações de poder, ao passo que as funções de agenciamento se esforçam, ao contrário, para conectar diretamente os fluxos semióticos às máquinas abstratas alcançadas pela desterritorialização dos fluxos (GUATTARI, 2011, p. 137).

O cartel e o passe são dispositivos que podem, que devem ser articulados a outros processos vivos de criações. Processos de criação singulares e/ou coletivos, tomando, assim, – para convocar outro significante maior na elaboração de Guattari – uma forma “rizomática”.

É essa dimensão de “agenciamento” dos dispositivos que permite a uma comunidade de trabalho não se tornar um “equipamento” e se prevenir contra o que Lacan denunciará na Carta de dissolução, a saber, os

[...] efeitos de grupo que aí são consolidados à custa do efeito de discurso esperado da experiência (LACAN, 2001, p. 318).

Em 15 de abril de 1975, numa lição de seu seminário RSI, Lacan, pode-se imaginar, produz certo efeito de surpresa em seu auditório, ao chamar atenção para o efeito de grupo específico do cartel. Trata-se de permitir por meio desse dispositivo, dizia, “a identificação com o grupo”.

E acrescenta:

Pois é claro que os seres humanos se identificam com um grupo. Quando não se identificam com um grupo, estão mal, devem ser trancafiados. Não estou dizendo aí com que ponto do grupo eles devem se identificar.

E Lacan acrescentará um pouco mais adiante que o ponto de que se trata é o ponto onde a está escrito no nó borromeano.

Ora, é esse precisamente o ponto em que o saber é faltoso.

 

O que falar quer dizer

Fazer comunidade articulando verdade e saber de maneira subversiva, eis como podemos, neste ponto de nossa proposição, entender “a psicanálise à testa da política” em Lituraterra (LACAN, 2001, p. 18).

Essa articulação específica é o que dá a natureza própria do grupo e, por conseguinte, as técnicas de organização próprias a essa comunidade, bem como suas modalidades de funcionamento.

E é essa articulação também que imprime o regime da palavra que tem curso no seio da comunidade.

É essa articulação que abre um campo de resposta possível à questão que devemos a Paul Eluard, “o que falar quer dizer”.7

O cartel e o passe são dispositivos nos quais é convocada esta questão: o que falar quer dizer.

E no divã, assim como no cartel ou no procedimento do passe, podemos experimentar isso que formula Michel Foucault “[...] o enunciar […] é uma função de existência” (FOUCAULT, 1969, p. 115).

O ato da fala tem uma função de emergência do existente.

Giorgio Agamben propõe

[...] não mais pensar a linguagem como comunicação de um sentido ou de uma verdade a partir de um sujeito que seria seu titular e responsável; seria o caso de considerar antes o discurso em seu puro acontecer (AGAMBEN, 1999, p. 184).

E ele prossegue citando esta proposição de uma fulgurante poesia de Foucault (2001, p. 519): “[...] a inexistência no vazio da qual se persegue sem trégua a expansão indefinida da linguagem”.

O ato da fala tem, portanto, uma função de emergência do existente.

Falar é construir um sítio, um sítio sempre emergente.

E isso, seja no divã, seja no cartel, seja no procedimento do passe, nós experimentamos. Falar é talhar um lugar. O lugar do desejo. E não o lugar do saber.

O saber que se constitui no processo da análise, assim como no cartel ou no passe, é um saber produto desse lugar em emergência, que é o sítio do desejo. É nesse sentido que a relação com o saber nesses dispositivos é atravessada pela questão da verdade.

Enfim, acrescentemos aqui duas proposições, duas pistas de elaborações possíveis, para sustentar que o cartel e o passe, em sua conexão com uma comunidade de trabalho, permitem manter aberta esta questão: o que falar quer dizer.

De partida, ao que me parece, há uma proximidade a explorar entre o cartel, o passe e a produção do que Gilles Deleuze e Félix Guattari denominam “literatura menor” (DELEUZE; GUATTARI, 1975, p. 33), no sentido de que, para eles, a “literatura menor” comporta três características principais:

• a desterritorialização da língua;

• a inserção do indivíduo no imediato-político;

• o recurso a um agenciamento coletivo de enunciação.

Em seguida, a segunda proposição de prolongamento que lhes submeto aqui e que é um corolário da primeira, tem raiz na distinção entre uma língua morta e uma língua viva.

De uma língua morta, nos propõe Giorgio Agamben (1999, p. 210-211):

[...] diz-se, muito justamente, que ela não é mais falada, ou seja, que nela é impossível de designar a posição de sujeito. O já dito forma, então, um todo fechado sem exterior, que pode somente se legar como corpus, exumar-se no arquivo.

Mesmo se, como sublinha o filósofo italiano, há a exceção do poeta contemporâneo, para quem o latim, por exemplo, não é uma língua viva, e que criará nessa língua morta, da qual se poderia dizer então que ela é de algum modo ‘ressuscitada’.8

Posta à parte essa exceção, não poderíamos dizer que o cartel e o passe contribuem para manter viva a língua de uma comunidade de trabalho, impelindo-a à inovação, à transformação, ao encarnar uma vitalidade, uma fecundidade em torno de si por meio de um agenciamento aberto e criativo?

 

Caminhamos sobre nossos passos

O que une o tratamento analítico ao cartel e ao passe: essa questão da verdade. Uma verdade que se desvela, que se dá a ouvir entre as palavras.

Isso é possível, tanto no tratamento analítico quanto no cartel e no passe, porque, para tomar de empréstimo esse dito tão belo de Montaigne (2000):

[...] não vamos a parte alguma: mais precisamente, giramos e damos voltas aqui e ali. Caminhamos sobre nossos passos.

Há um conto persa que põe em cena três irmãos. Eles são os príncipes de Serendip. Esse é o nome persa para designar o Ceilão, o Sri Lanka.

Não tomaremos aqui o tempo para narrar esse conto, mas digamos, mesmo assim que, na aventura que é a desses irmãos, é porque consentem em ‘caminhar sobre seus passos’, que eles desvelam, que eles descobrem a verdade. Esse conto, segundo propõe um diplomata e poeta inglês, deu origem a essa palavra que, sem dúvida, vai florescer: a “serendipidade”. A “serendipidade” é essa disposição do flanêur, seja ele pesquisador, seja coletor, seja artista, de “caminhar sobre seus passos” e encontrar aquilo de cuja existência ele sequer podia suspeitar, justo antes de tê-lo encontrado.

É nessa disposição à “serendipidade” que pode advir – no tratamento analítico, em um cartel, em um passe – um novo radical, uma verdade que se revela, uma ‘ocasião’ – no sentido que lhe dá Vladimir Jankélevitch – de apreender essa verdade: um furo, um achado único e inédito.

Jankélevitch introduz esse conceito de ‘hápax existencial’: o hápax, do advérbio grego apax: uma só vez:

Toda verdadeira ocasião é um hápax, quer dizer que ela não comporta nem precedente, nem reedição, nem gosto prévio nem gosto posterior; ela não se anuncia por signos precursores e não conhece segunda vez (JANKELEVITCH, 1957, p. 117).9

Mas ela deixa traço, poderíamos acrescentar, no Real.

E porque o tratamento analítico, o trabalho em cartel e o procedimento do passe, nessa intimidade inextricável do saber e da verdade, permitem a descoberta, ela será, essa descoberta, nos três casos, feita nos filamentos, nas malhas da subjetividade.

Isso não difere em nada, creio, daquilo que Nietzsche (1971, p. 25) diz quando afirma que

[...] pouco a pouco, aprendi a discernir o que toda grande filosofia foi até hoje: a confissão de seu autor.

E é isso também o que nos diz Michel Foucault, repetidas vezes, quando evoca o caráter autobiográfico de sua obra.

Mas trata-se de uma autobiografia que só se constrói à luz de um saber que tem por fonte o horizonte de uma verdade, uma verdade em permanente emergência.

O que se realiza em minha história, nos propõe Lacan, não é o passado simples daquilo que foi, uma vez que ele já não é, nem tampouco o perfeito composto do que tem sido naquilo que sou, mas o futuro anterior do que terei sido para aquilo em que me estou transformando (LACAN, 1966, p. 300).

 

O Mar Egeu

Eis que chegamos à margem de minha proposição.

Então, para fechar ou, mais propriamente, para abrir, decerto, essa proposição: o Mar Egeu.

Uma tarde no Mar Egeu contém a alegria e a tristeza em partes tão iguais que no fim só resta a verdade (ELYTIS, 1985, p. 57).

O que eu ouço hoje, disso que nos diz aqui o poeta grego Odyssea Elytis, é um lugar. Um lugar de emergência. E é daí que a verdade se desvela, como um resto.

O tratamento analítico, o cartel, o passe podem ser, nesse sentido, mares Egeus.

E nisso que conecta esses dispositivos à comunidade de trabalho; o passe e o cartel permitem dar a entender um saber que se origina desse desvelamento.

Um saber que, por sua vez, não é um bloco monolítico, palavra de evangelho. Mas um saber em arquipélago, para retomar a imagem de Édouard Glissant; um saber frágil e efêmero, que se “arquipeliza”, paisagem provisória entre as lalínguas singulares.

O elemento decisivo desses dispositivos consiste, em suma, para a comunidade de trabalho, na possibilidade de fundar uma relação com o saber atravessada pela verdade, “implicando – cito aqui Lacan (2001, p. 373) – a relação com um desejo que não seja anônimo” e permitindo responder, pelo trabalho de muitos, à exigência ética formulada por René Char (1962, p. 71): “desenvolvam sua estranheza legítima”.

 

Referências

AGAMBEN, G. Ce qui reste d’Auschwitz. Paris: Payot et Rivage, 1999.         [ Links ]

BRUNO, P. La Passe. Toulouse: Psychanalyse et Presses Universitaires du Mirail, 2003.         [ Links ]

CHAR, R. Seuls demeurent, 22, dans Fureur et Mystère. Paris: Gallimard, 1962. (Collection Poésie).         [ Links ]

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Endereço para correspondência:
Benoît Le Bouteiller
E-mail: lebouteillerbenoit@gmail.com

Recebido em: 03/09/2018
Aprovado em: 10/09/2018

 

Sobre o autor

Benoît Le Bouteiller
Psicanalista. Entre 2002 e 2017 foi diretor de estabelecimentos médico-sociais em diversas estruturas francesas. Como professor, trabalhou em vários institutos de formação no campo médico-social. Participou igualmente da criação e do acompanhamento de formações profissionais. Dirigiu vários grupos de análises de práticas institucionais e/ou clínicas. Ele é convidado regularmente a participar de seminários e congressos na Europa, Estados Unidos e no Brasil para apresentar suas pesquisas. Os resultados dessas pesquisas são frequentemente publicados em revistas científicas internacionais. Hoje vive em Belo Horizonte onde trabalha como psicanalista e ministra vários seminários sobre a descoberta freudiana e a obra de Jacques Lacan.

 

 

1 Michael Balint nasceu na Hungria em 1896 e morreu em Londres em 1970. Com seu nome de nascimento Mihály Bergsmann, nasce e cresce em uma família judia em um bairro popular de Budapeste. Faz seus estudos de medicina na Universidade de Budapeste. É também nessa cidade que ele se submete a uma psicanálise com Sándor Ferenczi. Ele faz sua formação analítica em Berlim, em 1921, onde se reúnem vários húngaros exilados, entre eles, Melanie Klein. Michael Balint realiza uma análise didática com Hans Sachs em Berlim, enquanto exerce a profissão de químico. Instala-se em Londres, em 1945 e obtém a nacionalidade britânica. Segue o seminário do grupo coordenado por Wilfred Bion e John Rickman. Michael Balint e sua esposa Enid Balint instituem o dispositivo de supervisão e reflexão conhecido como “grupo Balint”, do qual falaremos mais adiante.
2 A IPA (International Psychoanalytical Association) é criada no segundo congresso internacional de psicanálise, em Nuremberg, em 1910. Carl Gustav Jung é seu primeiro presidente. Desde sua criação, essa associação é marcada pelas exclusões, pelas saídas retumbantes. Será esse o caso na saída de Jacques Lacan. A IPA é, ainda hoje, uma das principais associações internacionais de psicanálise. Sua sede é em Londres.
3 Trata-se da Proposição de 9 de outubro sobre o psicanalista da Escola, um texto de Lacan publicado inicialmente em Scilicet, n. 1 (Paris: Éditions du Seuil, 1968. p. 14-30). A partir de 2001, encontramos esse texto também em Outros escritos (Rio de Janeiro: Zahar, 2003. p. 248-264).
4 Sobre essa questão da análise e, mais precisamente, de seu fim, podemos encontrar os artigos de Balint consagrados ao tema em sua obra Amour primaire et techniques psychanalytiques (Paris: Payot, 1972).
5 Eis aqui um extrato: “Os que vierem para esta Escola se comprometerão a cumprir uma tarefa sujeita a um controle interno e externo. É-lhes assegurado, em troca, que nada será poupado para que tudo que eles fizerem de válido tenha a repercussão que merecer e no lugar que convier. Para a execução do trabalho, adotaremos o princípio de uma elaboração apoiada num pequeno grupo. Cada um deles (temos um nome para designar esses grupos) se comporá de no mínimo três pessoas e no máximo cinco, mas quatro é a justa medida. MAIS UM é encarregado da seleção, da discussão e do destino a ser reservado ao trabalho de cada um. Após certo tempo de funcionamento, os componentes de um grupo verão ser-lhes proposta a permuta para um outro. O cargo de direção não constituirá uma chefia cujo serviço prestado seja capitalizado para o acesso a um grau superior, e ninguém terá como se considerar rebaixado por retornar à categoria de um trabalho de base. Isso porque toda e qualquer iniciativa pessoal recolocará seu autor nas condições de crítica e de controle nas quais todo trabalho a ser empreendido será submetido à Escola” (LACAN, 2001, p. 229).
6 Intervenção na Jornada dos Cartéis, de 8 de outubro de 1994, na Escola da Causa Freudiana, transcrita por Catherine Bonningue. Publicado inicialmente em La Lettre mensuelle, n. 134.
7 Mais pour qui parles-tu puisque tu ne sais pas / Puisque tu ne veux pas savoir / Puisque tu ne sais plus / Par respect / Ce que parler veut dire [Mas para quem você fala, já que você não sabe mais / Já que você não quer saber / Já que você não sabe mais / Por respeito / O que falar quer dizer] (ÉLOUARD, 1968, p. 318).
8 É o caso, por exemplo, de Giovanni Pascoli, poeta de fins do século XIX e início do XX, que escolherá o latim para cinzelar sua produção.
9 Destaquemos aqui que Michel Onfray se propõe elaborar um pensamento a partir desse conceito de hápax existencial em seu livro L’art de jouir (Paris: Grasset, 1991).

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