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versión impresa ISSN 0102-7395
Reverso vol.41 no.78 Belo Horizonte jul./dic. 2019
TEORIA E CLÍNICA PSICANALÍTICAS
O que é falo passivo?
What is passive phallus?
Sarug Dagir RibeiroI; Fábio Roberto Rodrigues BeloI
I Universidade Federal de Minas Gerais
RESUMO
Falo passivo é uma noção elaborada por Bonaparte (1967) e Loewenstein (1935) e diz respeito à passividade fálica tanto no homem quanto na mulher. Nosso objetivo é esclarecer o sentido inaugural desse termo e demonstrar sua pertinência para os estudos psicanalíticos na atualidade. Tal noção, até então negligenciada pela maioria dos psicanalistas, mostra-se relevante em nossos dias por ser promissora sob o auspício da teoria da sedução generalizada e subjacente ao entendimento do metabolismo obsessivo.
Palavras-chave: Falo, Passivo, Obsessivo, Sedução.
ABSTRACT
Passive phallus is a notion elaborated by Bonaparte (1967) and Loewenstein (1935) and concerns phallic passivity in both men and women. Our aim is to clarify the inaugural sense of the term and demonstrate its relevance to current psychoanalytic studies. Such a notion forgotten by most psychoanalysts is relevant today is sometimes promising under the auspices of the generalized seduction theory and on the other, underlying the understanding of obsessive metabolism.
Keywords: Phallus, Passive, Obsessive, Seduction.
Introdução
Empreender um estudo em que os resultados levem ao necessário reconhecimento da noção de falo passivo na psicanálise contemporânea implica antes de tudo sinalizar para a “função de significante do falo” (LACAN, [1958] 1998, p. 700).
Podemos também atribuir a significação do falo à força com que Lacan (1998) subtraiu “[...] a psicanálise da proximidade da medicina e das instituições médicas” (FOUCAULT, 1999, p. 298). Quando escutamos a expressão “falo passivo”, intuímos que essa noção não está subordinada à doutrina lacaniana, o que está correto.
Tal formulação faz parte das doutrinas bonaparteana e loewensteiniana, cuja característica marcante para ambas é “jamais renunciar à biologização da psicanálise” (LEBOVICI, 1983, p. 1081, tradução nossa).
Sabemos que essa corrente biologicista na psicanálise no final dos anos 1950 e início da década de 1960 disputava o cenário científico e intelectual da época com a corrente oposta liderada por Jacques Lacan e seus seguidores, que abraçaram as novas ideias resultantes do chamado giro linguístico com as chamadas “ciências humanas” (FOUCAULT, 1984, p. 361-404).
Por outro lado, sobretudo o pensamento bonaparteano permaneceu na contramão desse giro e, dentro de uma certa ortodoxia freudiana, empreende explicações biológicas de determinados conceitos psicanalíticos colocando, assim, meio caricaturalmente, as “amebas sob o divã” (AMOUROUX, 2012, p. 186, tradução nossa).
O pensamento lacaniano e o bonaparteano representavam dois campos doutrinários opostos, numa declarada disputa pelo legado de Freud na França (BERTIN, 1989; ROUDINESCO, 1994), numa época de intensa rivalidade e cisões no meio psicanalítico francês.1
A partir desse cenário histórico se configurou o estruturalismo. E é também justamente nesse turbilhão de ideias que surgiu a noção de falo passivo, comprometida com o biologicismo, o que em nossos dias é absolutamente criticável.
Então, trazê-lo à baila implica assumir a responsabilidade de uma prodigiosa inventividade metodológica que nos permita esclarecer o que é o falo passivo e qual é a sua relevância tendo em vista os estudos atuais em sexualidade (CECCARELLI; ANDRADE, 2018), bem como a pertinência em ser revisitado na atualidade levando em conta toda a crítica já consolidada quanto ao desvio biologizante2 em psicanálise (LAPLANCHE, 1993; LACAN, 1998).
As origens do falo passivo
Segundo Bonaparte (1967), o termo “falo” se refere ao órgão anatômico pênis e/ou ao clitóris. Entretanto, de antemão, esclarecemos ao leitor que a noção de falo no corpus bonaparteano aparece como uma espécie de ícone condutor de uma elaboração científica complexa sobre a sexualidade da mulher e
[...] marca uma floresta de interpretação, de reflexões clínicas e teóricas que denotam sua pertinência (BOURGERON, 1997, p. 58, tradução nossa).
Com isso, queremos dizer que o falo adquire muitas nuances nas idealizações bonaparteanas, inclusive “o sentido simbólico fálico” (BONAPARTE, 1952a, p. 26, tradução nossa), como consta no dossiê clínico sobre Léfèbvre, um dos primeiros casos de psicose relatados na literatura psicanalítica, além de ser a maior contribuição de Bonaparte à clínica das psicoses. Esse sentido metafórico não remete à doutrina lacaniana, mas serve para nos alertar que a noção de falo na perspectiva bonaparteana não obedece a uma dedução tão direta e simples ao órgão anatômico.
As origens do falo passivo remontam à compreensão das fases pré-genitais da organização da libido conforme postuladas por Freud ([1905] 1980), em que a pré-história passiva do falo está localizada nos cuidados maternos com a higiene do corpo do bebê pelo adulto. Nesses cuidados ocorrem carícias provedoras essenciais de excitações provocadas pelo toque ora intencional, ora involuntário, podendo inclusive ser direcionado ao pênis ou ao clitóris do bebê.
Brevemente, temos o seguinte entendimento: a sedução maternal nos cuidados com a toilette do infante causa-lhe sensações de prazer, pois
[...] a menina, bem como o menino, são lavados, cuidados e acariciados por todas as partes, involuntariamente, por sua mãe, que é quem desperta a sensualidade cloacal-fálica passiva da criança (BONAPARTE, 1967, p. 72-73, tradução nossa).
Nessa perspectiva a passividade fálica é uma etapa necessária do desenvolvimento libidinal da criança, preparando-a para a sexualidade adulta.
A psicanálise veio nos mostrar que “[...] o caráter de erogenidade pode se ligar a algumas partes do corpo de forma particularmente marcante” (FREUD, [1905] 1980, p. 188), e quão complexa é a evolução das manifestações da sexualidade infantil até chegar ao estado acabado no adulto. Nessa evolução, a pequena criança aprende a dissociar dois tipos de prazeres, por exemplo, pela boca: um relacionado à alimentação (saciedade da fome) e outro ligado a satisfação de sugar.
Segundo Laplanche ([1970] 1985), essas satisfações são de essências diferentes: uma fisiológica, relacionada à sobrevivência (plano da autoconservação), onde a outra encontra apoio (étayage) no corpo (no caso, a boca), a fim de passar para o plano da sexualidade. Ou seja,
[...] o que é pervertido é sempre o instinto, mas é, enquanto função vital que ele é pervertido pela sexualidade (LAPLANCHE, [1970] 1985, p. 30).
O falo passivo remete não somente ao prazer sentido pela primeira vez no pênis ou no clitóris provocado pelo toque do adulto, mas também envolve toda a situação em que o bebê busca o prazer
[...] tomando qualquer parte do corpo [...] como sendo sua erogenidade. [...] como uma característica geral de todos os órgãos (FREUD, [1914] 1976, p. 100).
Essa tese nos possibilita entender, entre várias coisas, a abrangência que o domínio da sexualidade perversa polimorfa do bebê pode tomar e que por fim engloba o erotismo via passividade fálica.
Que é falo passivo?
É o falo compreendido como o pênis ou o clitóris, que deve seguir a lei geral regente dos fenômenos orgânicos, começando pela passividade e passando para a atividade ou ainda uma mistura desses dois estados.
Nessa concepção, a distinção entre o falo passivo e o falo ativo é:
Que nós entendamos por falo ativo aquele que espontaneamente, por excitação nervosa central, na visão ou no pensamento, por exemplo, do objeto amado, é capaz de entrar em ereção e desejar penetrar. O falo passivo, ao contrário, tem necessidade de excitações periféricas localizadas e pode, mesmo assim, em certos casos extremos de passividade, chegar ao orgasmo sem ereção (BONAPARTE, 1967, p. 72, tradução nossa).
Nesse trecho, é nítido o embaralho entre a biologia e a psicanálise, como já salientamos, fato que nos sugere realizar algumas críticas. Contudo, guardemos a ideia de que o falo passivo conserva a estreita relação com as fases pré-genitais da organização da libido e os fatos relacionados à intervenção do adulto sobre o corpo do bebê nos cuidados de higiene e carinho.
Esses cuidados podem provocar impactos inclusive acidentais de erupção de excitação difusa ou localizada sob a pele ou o órgão anatômico da criança. Então, temos o seguinte entendimento: há uma pré-história do falo, predominantemente passiva, antes da fase fálica (ativa) propriamente dita.
Isso significa de maneira precisa e sistemática que o falo é ativo e passivo, e mesmo passivo, ele é investido libidinalmente. Em outros termos, “[...] é passivamente que ele é antes de tudo vivo” (BONAPARTE, 1967, p. 71, tradução nossa).
Nessa mesma linha de pensamento, Loewenstein (1935, p. 38, tradução nossa) com muita pertinência nos esclarece que a função genital com metas passivas
[...] aspira às carícias que vêm de fora, que sejam de uma outra pessoa ou da mão do próprio sujeito. [...] as primeiras manifestações da fase fálica são representadas pelas tendências, pelos desejos e pelos atos com objetivos passivos: fazer ver, fazer tocar ou tocar sua própria vara. Essas manifestações genitais iniciam desde a primeira infância.
Os autores concebem esclarecimentos e indagações sobre as manifestações clínicas do falo passivo no homem e na mulher. Seus textos são elucidados por vários casos clínicos que mostram a relevância do falo passivo nas disfunções sexuais.
Em Bonaparte (1952b) há uma forte articulação dessa noção com a frequente inadaptação da mulher à função erótica (frigidez) e em Loewenstein (1935) no entendimento da impotência masculina.
Distinções do falo passivo na atualidade
O falo passivo, compreendido para além do primado do genital, rende mais compreensão aos fatos da sexualidade, pois
[...] no ser humano, o impulso sexual (Sexualtrieb) é composto por impulsos parciais [Partialtrieben] que não servem originalmente à reprodução, mas, antes, à obtenção de prazer em partes do corpo, para além dos genitais (CECCARELLI; ANDRADE, 2018, p. 235).
Em outras palavras, podemos pensar que as excitações periféricas
[...] desenham na superfície do corpo uma geografia da excitação que desconsidera qualquer primado do genital (ANDRÉ, 2016, p. 116).
Então, entendemos por sexualidade os destinos do sexual.3 Nesse sentido, o falo passivo compreendido para além da genitalidade reflete, a nosso ver, justa relevância em ser retomado ou revisitado. Sobretudo, em vista da contemporaneidade com que certas demandas e sofrimentos psíquicos têm chegado aos nossos consultórios: transtorno do orgasmo feminino, ejaculação prematura (precoce), as transexualidades.
Este último, segundo Ceccarelli (2013; 2017), com o movimento pela despatologização decorrente dos interesses sociopolíticos e econômicos do nosso atual momento histórico e cultural, tem requerido mais do clínico do que os meros laudos para a cirurgia de readequação sexual ou hormonioterapia, que muitas vezes se mostram insuficientes no tratamento. Queremos apenas indicar que é nessas situações clínicas que o falo passivo deve ser situado em nossos dias.
Por meio da noção de falo passivo lançamos mão de outras maneiras de compreensão da sexualidade, às vezes além, outras vezes na contramão da corrente estruturalista da psicanálise, movimento que em nossos dias não está tão em alta como na época da cisão entre Lacan e Bonaparte ou mesmo Laplanche e Lacan no famoso Colóquio de Bonneval.4
Nessa direção, faz todo sentido a pergunta:
No mundo contemporâneo existem lugares, ainda que pontuais, para uma simbolização aberta? (LAPLANCHE, 1981, p. 34, tradução nossa).
Entendamos por simbolização aberta a manutenção do caráter subversivo com que psicanálise em seus primórdios sublinhou em algumas de suas mais importantes postulações. Em outras palavras, em vez de proceder dogmaticamente, deveríamos nos interrogar sobre qual maneira a noção de falo passivo pode estar em
[...] consonância com as rupturas de pensamento que se fizerem necessárias para compreendermos melhor o mundo em que vivemos (FRANÇA; MAZZINI, 2018, p. 218).
Ao retomar a noção do falo passivo, reivindicamos uma psicanálise que aceite melhor aquilo que escapa ao funcionamento estrutural e quebra a compreensão estereotipada das vivências da sexualidade, por exemplo, as apontadas pelas transexualidades, uma vez que, “[...] escapam à lógica fálica sustentada pelas fórmulas de sexuação” (CECCARELLI, 2017, p. 85).
Não podemos ser ingênuos a ponto de acreditar que o fazer teórico e clínico da psicanálise é neutro ou isento de qualquer implicação política ou das relações de poder. Nesse sentido, a psicanálise corre o risco de se envolver na produção de discursos que reconhecem certas práticas como legítimas e outras como abjetas, “[...] produzindo uma nova ordem repressiva” (CECCARELLI, 2017, p. 86).
Por que a concepção de falo passivo é importante em nossos dias? Certamente essa ideia pede para ser revista. Há nessa noção algo que de fato é extraordinariamente propício para ser investigado. Para quem quer se aprofundar, vale indicar apenas dois caminhos. O primeiro é o da relação desse pressuposto com a noção de sedução tal como foi desenvolvida no sentido ampliado na chamada teoria da sedução generalizada (LAPLANCHE, 2015).
Essa teoria laplancheana nos ajuda a ampliar a noção de sedução envolta na pré-história passiva do falo, reconhecendo que os inelutáveis encontros do bebê com os cuidados dos adultos estão permeados de modalidades diferentes de mensagens a ele endereçadas. Essas mensagens vão enchendo o seu corpo de materiais discursivos e não discursivos, comprometidos com a sexualidade inconsciente desses adultos. Essas mensagens possuem um efeito traumático no bebê por causa da sua imaturidade na organização psíquica, que é incapaz de tratar o excesso de excitação.
De acordo com Laplanche (1992), esses excessos traumáticos serão esquecidos e farão parte do seu inconsciente pelo efeito do recalcamento originário. Acreditamos que uma investigação nesse sentido possa nos mostrar que a teoria da sedução generalizada vem ampliar a noção de sedução a qual o falo passivo envolve, distinguindo-o do biológico, mas localizando-o na história libidinal do sujeito, isto é, de que o pulsional tem infinitas formas de se arranjar.
E nisso está a potência conceitual do falo passivo,
[...] ali onde se esperava uma associação intransponível (falo/atividade/virilidade), foi possível mostrar outro funcionamento (RIBEIRO; BELO, 2018, p. 219).
O outro caminho indicado para se aprofundar nessa noção é perguntar se é possível entrever a influência do falo passivo no horizonte das formulações lacanianas. Lacan ([1957-1958] 1999, p. 219) fez observar com muita pertinência a passagem do falo para o plano do significante, inclusive “[...] ao que se denominou de estados de passividade do falo”.
Nesse sentido, os prazeres preliminares dos quais são retiradas às satisfações da passividade fálica passariam pela “elaboração significante do prazer” (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 312). Não vamos enveredar por uma aproximação que possa parecer forçada, mas nos afiguram sugestivas as observações lacanianas sobre o obsessivo e sua relação com o falo, ou seja, a recusa do falo e a mortificação do desejo. Sabemos que na neurose obsessiva tem-se a sensação de estar sendo observado o tempo todo, ou seja, a onividência do Outro pelo olhar, que remete ao pai onipotente, pai morto, pai da dívida (simbólico).
Lembremos no caso do Homem dos Ratos (FREUD, [1909] 1976) a visão da irmã morta, das mulheres nuas e a fala do pai enquanto voz imperativa, reproduzida pela própria voz interna do obsessivo, nos faz pensar na fase pré-genital vivida nesse tipo de estrutura clínica, onde a pulsão escópica e a pulsão anal fazem o obsessivo se investir pulsionalmente pelo olhar numa linguagem codificada, num tipo de idealização e espetáculo, em que ele recebe a permissão do outro para gozar. Só que ocorrem a mortificação do desejo e a falência do falo, inclusive na sua dimensão de desetumescência.
Lacan ([1961-1962] 2003, p. 132) afirma:
[...] o falo, objeto no cofre da demanda, é um falo morto. Pesquisar no obsessivo o que se passa no tipo de amor que ele cultiva; isso se assemelha a um rito funerário, honra ao falo embalsamado.
Essa ideia de falo morto em Lacan ([1961-1962] 2003) nos parece ser articulável com as demais indicações que ele faz a respeito da passividade fálica (LACAN, [1957-1958] 1999). Certamente, a noção de falo passivo deve ser inspecionada pelos psicanalistas, não procedendo pedantemente, mas preservando seu caráter subversivo.
Conclusão
Por meio desta pesquisa foi possível examinar a noção de falo passivo segundo Bonaparte (1967) e Loewenstein (1935), retomando seus postulados iniciais permeados por aspectos biologizantes, para em seguida mostrar sua pertinência na atualidade. Notadamente tal noção pode ser articulada à teoria da sedução generalizada (LAPLANCHE, 2015) e ao significante (LACAN, [1957-1958] 1999; [1958] 1998; [1961-1962] 2003).
Tal percurso nos exigiu um esforço notável para visualizar a passividade fálica além do genital, mas relacionada às diversas dinâmicas pulsionais que auxiliam as múltiplas expressões da sexualidade.
Concluímos indicando que a passividade do falo simboliza uma realidade que seria a presença desviril de um objeto que pode ser viril, aquilo que marca por sua presença e sua ausência ao mesmo tempo, ou seja, em sua “polivalência significante” (LACAN, [1957-1958] 1999, p. 422) presente na articulação inconsciente do sujeito.
Por outro lado, é importante continuarmos a desenvolver pesquisas que tomem a “teoria do falo passivo no campo da teoria da sedução generalizada” (RIBEIRO; BELO, 2018, p. 210), distinguindo o pulsional e localizando-o na exata medida da inversão do binarismo (fálico/castrado) pela diversidade que lhe é própria.
Referências
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Endereço para correspondência:
Dr. Fábio Roberto Rodrigues Belo
E-mail: fabiobelo76@gmail.com
Ma. Sarug Dagir Ribeiro
E-mail: sdagir@gmail.com
Recebido em: 28/11/2018
Aprovado em: 13/09/2019
Sobre os autores
Dr. Fábio Roberto Rodrigues Belo
Professor Adjunto de Psicanálise do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais.
Ma. Sarug Dagir Ribeiro
Doutoranda em Psicologia pela UFMG.
Tem pesquisado a obra de Marie Bonaparte sob orientação do Prof. Dr. Fábio Belo.
1 Sabemos da intensa amizade do fundador da psicanálise com a princesa Marie Bonaparte. Ela ficou mundialmente conhecida por ser responsável juntamente com E. Jones por convencê-lo a sair da Áustria nazista e retirá-lo dali (BERTIN, 1989; ROUDINESCO, 1994). As disputas de ideias entre Bonaparte e Lacan não somente refletiam o espírito da época, mas também uma grande peleja política no seio da Société Psychanalytique de Paris (SPP), financiada e sob a patronagem da princesa Marie, que sempre fora veementemente contrária às ideias lacanianas e à possibilidade de que ele assumisse a presidência da SPP.
2 Entendemos por desvio biologizante a tentativa de explicar o funcionamento psíquico atrelando-o a causas biológicas e não à história libidinal do sujeito.
3 Definimos assim o sexual: é múltiplo e polimorfo. Descoberta fundamental de Freud, ele se fundamenta no recalque, no inconsciente, na fantasia. É o objeto da psicanálise (LAPLANCHE, 2015, p. 155). Em outros termos, se manifesta nas fantasias, nos devaneios, nos atos falhos e nas ocasiões em que somos surpreendidos pelo estranho (Das Unheimlich) (CECCARELLI; ANDRADE, 2018, p. 236).
4 No Colóquio de Bonneval, em outubro de 1959, J. Laplanche e S. Leclaire travaram uma batalha com J. Lacan em torno da concepção de que o sintoma ou mesmo o inconsciente “é estruturado como uma linguagem” (LACAN, [1953] 1998, p. 270). Isso implica também dizer que “[...] nada do que diz respeito ao comportamento do ser humano como sujeito [...] não pode escapar de ser submetido às leis da fala” (LACAN, [1955-1956] 1988, p. 102). Portanto, “[...] o inconsciente é, no fundo dele, estruturado, tramado, encadeado tecido de linguagem” (LACAN, [1955-1956] 1988, p. 142). Laplanche e Leclaire (1992, p. 255) propõem um litígio entre inconsciente e estruturalismo, argumentando que a origem do inconsciente deve ser procurada no processo que introduz o sujeito no universo simbólico pelas etapas da simbolização e do recalcamento primário e que o estatuto do inconsciente assim constituído, se é um estatuto de linguagem, essa linguagem não pode, em absoluto, ser assimilada à nossa linguagem verbal. Esse fato acabou sendo responsa´vel pelo rompimento entre Laplanche e Lacan, o que levou mais tarde Laplanche a afirmar que “o inconsciente não tem uma estrutura de linguagem” (LAPLANCHE, 1992, p. 96, grifo do autor), que os elementos de linguagem que há no inconsciente são apenas restos, restos de fonemas, restos de palavras, sem organização alguma, mas compostos de elementos separados, o caos.