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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.43 no.82 Belo Horizonte jul./dez. 2021

 

DISCURSOS

 

Discurso de posse: diretoria triênio 2021-2023

 

 

Maria Auxiliadora Toledo Garcia Freire

Psicóloga, psicanalista. Presidente do Círculo Psicanalitico de Minas Gerais - triênio 2021/2023

 

 

Estimados colegas,

Tomei emprestada da amiga e companheira de ofício Scheherazade Paes Abreu a palavra "estimados" porque, a meu ver, muito mais que qualquer outra usada para se dirigir a um grupo de pessoas, essa por si só demonstra que se tem por elas um afeto, um apreço nascido de longos anos de convivência. Com cada um tenho uma história. Com alguns amizade profunda; com outros o companheirismo advindo do convívio e do amor compartilhado pela psicanálise.

Recebido o convite/indicação para assumir a presidência do CPMG, fui tomada pela surpresa e, assim, fiquei por um tempo, dialogando comigo mesma, revirando guardados de uma vida inteira, indagando-me pelo meu desejo. Quero mesmo assumir função dessa monta num momento tão delicado que a instituição vive, que cada um particularmente está vivendo, que o mundo está vivendo? O fato de ser cria desta casa, sempre nela trabalhando - clínica de psicanálise, secretaria, coordenação de cursos, coordenação da jornada - desde o início da minha formação em 1995, e as conclusões advindas do processo analítico, tudo isso levou-me a decidir encarar mais este desafio, não sem uma cota de angústia, mas aquela que nos faz caminhar.

Somos seres gregários. E estar em grupo para desenvolver um sem-número de atividades é muitas vezes vital. Não haveria de ser diferente com a psicanálise, nascida de um, Sigmund Freud, que logo a estendeu aos demais colegas no intuito de difundir suas descobertas e, com isso, ter ao seu lado colaboradores na tarefa, que se perpetua até os nossos dias, de seguir na transmissão da psicanálise.

E aqui estamos nós há 58 anos enfrentando percalços de toda ordem vindos desde o exterior, haja vista o movimento para regulamentação do ofício de psicanalista nos colocando em vigília constante, a pandemia que nos obrigou a rever posturas quanto à maneira de conduzir nossa formação, mas sempre rentes com a ética, que colocou os coordenadores de seminários em contato com a tecnologia, obrigados que foram a essa aprendizagem para seguir com a transmissão. Tudo na busca da melhor maneira de ir em frente.

E como não poderia deixar de ser, percalços vindos desde o interior também, pois onde está o ser humano estão os conflitos, as desconfianças, as reivindicações, o ciúme, a inveja e tantas outras humanas querelas.

Contudo, nem só de dificuldades vive uma instituição, e como prova disso, temos os laços que nos unem, laços que têm o nome de amizade, parceria, prazer no estudo, no trabalho bem feito, no desejo de ver o CPMG pulsando a psicanálise, motivo que nos reúne. E exatamente por causa desse conjunto estamos vivos, mais vivos do que nunca.

Alicerçados pelos que nos antecederam, tomamos para nós a tarefa de seguir com a proposta da diretoria que se finda, de fazer uma revisão da formação que oferecemos desde há uns vinte anos, aproximadamente, que havia sido planejada e executada para ordenar algumas questões que se colocavam à época, questões de ordem prática que implicavam a subsistência do CPMG enquanto instituição lugar físico, que, inserida no mundo tinha, e tem, deveres e responsabilidades civis e legais.

Depois de tanto tempo, inquietações surgiram. Um cheiro de acomodação tornou-se mais forte e levou um grupo a trabalhar sobre como deveria ser uma formação psicanalítica. Trabalho rico, que trouxe em seu bojo a figura do referente, trabalho ainda em construção, mas que já mostrou a que veio, e a "retomada" da entrevista de acolhimento, a ser feita com maior rigor quanto ao candidato estar em análise pessoal e ao seu analista, conforme está escrito no nosso estatuto: ser psicanalista do CPMG ou de instituição por nós reconhecida, ou, acrescentamos, alguém reconhecido pela comunidade psicanalítica.

Foi o que o dia a dia indicou ser preciso e, aliás, assim era desde há muitos anos atrás! Rigor para escutá-lo atentamente, nos permitindo perceber por onde pode andar esse "desejo" de ser psicanalista. Escutá-lo atentamente é recolher retalhos de desejos esquecidos, de equívocos, de pedidos de ajuda, entre outras coisas. Devolver a sua fala é questioná-lo em sua afirmativa e, daí, acolher a sua demanda de formação ou postergá-la para outro momento, para que ele se dê um tempo para essa elaboração em sua análise. Temas polêmicos, de delicada execução.

A gestão que se encerrou, representada pela querida Guiomar Antonieta Lage, nos deixou uma casa linda e funcional, além de nos transmitir um vigor e entusiasmo para dar mais um passo e seguir nesta toada. Continuaremos com as ideias e as questões sobre os dispositivos que fazem parte da formação de um psicanalista: a entrevista de entrada, os fundamentos dos seminários, a clínica, o tripé, a ética, os grupos de estudos, entre outros.

E nesse panorama de inquietações também temos outra questão muito importante. Estamos envelhecidos e envelhecendo, constatação irrefutável. Diante disso, pergunto: Continuamos vigorosos no exercício da psicanálise? No trabalho de sustentá-la e sustentar o CPMG? Por onde anda o desejo? Perdido? Dividido?

Penso que o CPMG - que, segundo Eliana Rodrigues Pereira Mendes, tem nome e sobrenome, os nossos - está vivendo uma passagem. É hora de reflexão, de cada um revisitar sua entrada para o Círculo. O que o motivou? Reler seu pedido de entrada, resgatar o desejo colocado em palavras e torná-lo pulsante novamente. A psicanálise precisa de trabalhadores decididos. E nós precisamos cuidar daqueles que nos sucederão, que chegam ávidos por aprender sobre essa senhora tão idosa quanto jovem, a psicanálise, continuar oferecendo-lhes um ensino fiel aos textos freudiano, lacaniano e de outros autores importantes que, a partir dos dois, desenvolveram suas ideias. Provocar-lhes sair do "amor do saber" para o "desejo de saber", como nos diz Marco Antonio Coutinho Jorge (2006, p. 251):

A rigor, não há contradição entre o amor do saber e o desejo de não saber, pois o amor do saber é algo que consome o saber que está dado ali como imutável. Já o desejo de saber, próprio ao psicanalista, está ligado à produção, à invenção do saber, e não a seu consumo.

Esse é o desejo que faz laço entre os analistas.

Ensino, transmissão; transmissão, ensino. Ensino é "transferência de conhecimento, de informação, instrução". Transmissão é "ato, processo ou efeito de transmitir (-se)", transmitir-se. Transmitir-se ao dar provas das consequências de seu processo analítico, que definiu o seu estilo, que o fez falar em nome próprio, que o fez acreditar na psicanálise e defendê-la, que o fez ter amor a Freud, que com toda sua generosidade nos ensinou a psicanálise e transmitiu-se na sua obra. Ter respeito por Lacan, que com sua genialidade, ao reler Freud, o atualizou e foi além, mas sempre ratificando a descoberta freudiana.

Enfim, processo analítico que o levou ao "desejo do analista", "desejo de exceção", que, segundo Denise Maurano (2020),

[...] se baseia no processo de análise onde esse sujeito conseguiu avançar o mais longe possível, fazendo o que se denomina a travessia da fantasia com a qual ele respondeu ao desejo do Outro, acordando justamente desse desejo. É por isso que esse desejo é um desejo de exceção, uma vez que todos os desejos são desejos do Outro que serve de suporte para a nossa própria subjetividade.

Agora quero dirigir a palavra a você, caro candidato. Lembre-se de que é sua a responsabilidade pela formação que terá, aquela que a instituição oferece é o fio condutor. Deixe-se tocar pelo texto psicanalítico, explore-o, veja onde ele o levará. Vá além! Contudo, tenha em mente que o decantado tripé - análise pessoal, estudo teórico e supervisão - é fundamental e inegociável, que quem pega essa empreitada tem que gostar de gente do jeito que ela se apresenta, tem que ter coragem para sair do seu (des) conforto neurótico indo o mais longe possível em sua análise. E seu futuro analisante só terá a ganhar.

Que cada um de nós seja um transmissor e defensor da psicanálise, a provocar nos que chegam o desejo de continuar nesse caminho, pois disso continua a depender a psicanálise. De minha parte, espero estar à altura da tarefa que me foi confiada.

 

JORGE, M. A. C. O desejo de saber como laço entre os analistas. Um comentário sobre a Nota Italiana. In: ______. Lacan e a formação do psicanalista. Rio de Janeiro, RJ: Contra Capa, 2006.         [ Links ]

MAURANO, D. Anotações de seminário Estudo da obra de Alain Didier-Weill, conduzido pelo Corpo Freudiano Escola de Psicanálise - Seção Rio de Janeiro, 2020        [ Links ]

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