SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.44 número84Entre linguagem e gozo, a escrita do sintomaSobre o nome próprio índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.44 no.84 Belo Horizonte jul./dez. 2022  Epub 22-Nov-2024

https://doi.org/10.5935/0102-7395.v44n84.09 

Artigo

Psicanálise e física quântica: sobre os quanta psíquicos de Marie Bonaparte1

PSYCHOANALYSIS AND QUANTUM PHYSICS: ABOUT MARIE BONAPARTE’S PSYCHIC QUANTA

Matheus Nascimento Santos1 

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Tocantins

Sarug Dagir Ribeiro2 

Psicanalista. Psicóloga (Universidade Federal de Minas Gerais). Mestre em Letras / Estudos Literários (Pós-Lit/UFMG). Doutora em Psicologia (Universidade Federal de Minas Gerais). Professora Adjunta do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Tocantins/UFT

1Universidade Federal do Tocantins

2Universidade Federal de Minas Gerais, Universidade Federal do Tocantins/UFT


Resumo

Neste trabalho, abordamos a construção das analogias psicanalíticas inspiradas na física partindo dos incentivos freudianos, passando pelos estudos de Marie Bonaparte sobre as objeções da atemporalidade do inconsciente, até chegar a uma discussão acerca dos quanta psíquicos. Apresentamos os pressupostos teóricos que sustentam esse eclético modelo de explicação metapsicológica. A noção de quantum psíquico tem seu esteio na física quântica e deriva do fisicalismo biopsíquico bonaparteano, o qual é alicerçado na epistemologia fisicalista da Naturwissenschaften. Por fim, a teoria dos quanta psíquicos é trazida com questões relativas à teorização clínica e metapsicológica sobre as neuroses obsessivas.

Palavras-chave: Física quântica; Inconsciente; Neurose obsessiva; Quanta psíquicos; Psicanálise

Abstract

In this work, we approach the construction of psychoanalytical analogies inspired by Physics, starting from Freudian incentives, passing through Marie Bonaparte’s studies on the objections of the unconscious’ timelessness, until we reach a discussion about the psychic quanta. We present the theoretical assumptions that support this eclectic model of meta psychological explanation. The notion of psychic quantum has its mainstay in Quantum Physics and derives from Bonaparte’s biopsychic physicalism, which is based on the physicalist epistemology of Naturwissenschaften. Finally, the psychic quantum theory is brought up with questions related to clinical and meta psychological theorizing about obsessional neurosis.

Keywords: Quantum physics; Unconscious; Obsessive neurosis; Quanta psychics; Psychoanalysis

Psicanálise e física quântica: uma breve conjuntura das afinidades

A maioria dos cientistas considera o período entre os anos 1895 e 1905 como o período da grande revolução na física com as descobertas da teoria quântica e da relatividade (Pais, 1986), pondo fim às “concepções inquestionáveis de energia e matéria, espaço e tempo, derivadas da física clássica2” (Bass, 1997, p. 235, tradução nossa). Essa revolução na física aconteceu acompanhada por outra revolução no campo da teoria da mente e do tratamento mental das neuroses com o surgimento da psicanálise, iniciada em 1900 com a publicação da obra A interpretação dos sonhos (Freud, [1900] 2017).

Como não é de surpreender, desde o início, o pai da psicanálise fez uso de analogia com vários aspectos/pontos da física para explicar seu novo modelo de estruturação do psiquismo.3 Tal fato é importante de ser notado, até porque alguns críticos comparam Freud com Max Planck, o pai da teoria quântica (Pais, 1986).4

Para Botella e Botella (1992), a aproximação entre psicanalistas e físicos é possível, uma vez que a teoria do inconsciente freudiana representa uma evolução do pensamento científico da época, tal como a teoria quântica e a relatividade. O modelo do aparelho psíquico de Freud rompe com a necessidade do Eu de acreditar em evidências tangíveis. De certa maneira, a premissa pós-positivista (Hanly, 1995) com a qual Freud trabalha é bastante semelhante à da física quântica. Para alguns estudiosos (Botella; Botella, 1992; Hanly, 1995; Bass, 1997), a realidade do inconsciente é mais parecida com as visões quânticas e relativísticas mais amplas do que os antigos postulados da física clássica, os quais tornavam mais difícil o colóquio entre a psicanálise e a física.

Contudo, como bem aponta Mayer (1996), uma aproximação entre esses dois campos somente faz sentido na medida em que essa paridade nos faz pensar no modo como o conhecimento causal ou preditivo pode ser gerado, ou seja, fora das limitações da racionalidade clássica (newtoniana) em que “a verdade desvencilha-se das amarras do pensamento cartesiano” (Farjani, 2013, p. 9). Todavia, não se trata de uma questão de aplicação direta da física quântica à psicanálise ou vice-versa, pois esse caminho nos conduziria por muitas armadilhas. Essa discussão pode nos levar a debater as fronteiras da psicanálise, como aponta Mezan (2019a) em Fronteiras da psicanálise, e a questionar o próprio estabelecimento da sua identidade epistemológica seja entre a Naturwissenschaften e a Geisteswissenschaften (Iannini, 2008; Mezan, 2019b), seja entre a Kulturwissenschaften (Assoun, [2008] 2012), ou até mesmo retomar a velha discussão entre mente e corpo. Entretanto, esses não são o foco deste artigo e estamos cientes da nossa limitação.

Freud empreendeu analogias com a física logo muito cedo, desde o texto pré-psicanalítico do Projeto para uma psicologia científica (Freud, [1950/1895] 1976) com o uso de termos: Q (Quantidade, em geral ou da ordem de importância no mundo externo), Q’n (quantidade, da ordem de importância intercelular), j (sistema de neurônios permeáveis), ψ (sistema de neurônios impermeáveis), ω (sistema de neurônios perceptíveis), entre outros.

Em As psiconeuroses de defesa, Freud [1894] 1976, p. 61) diz:

Esta hipótese, que aliás, já fundamenta nossa teoria da ab-reação em nossa Comunicação preliminar, pode ser aplicada no mesmo sentido que os físicos aplicam na hipótese de um fluxo de fluido elétrico. Essa ideia é provisoriamente justificada por sua utilidade em coordenar e explicar uma grande variedade de estados psíquicos (grifos do autor).

E anos mais tarde, no artigo Análise terminável e interminável, o autor ainda faz analogia com a física usando expressões como “campo biofísico” (Freud, [1937] 1976, p. 280). Em Esboço de psicanálise, ao se referir ao aparelho psíquico como algo que se estende no espaço, ele afirma: “essa hipótese nos coloca em posição de estabelecer a psicologia em bases semelhantes às de qualquer outra ciência, tal como, por exemplo, a Física” (Freud, [1940/1938] 1976, p. 225).

Freud realiza essas comparações porque sabia das questões mais importantes da ciência, sobretudo da física de sua época. Na sua famosa carta dirigida a Einstein sobre o tema da guerra ele não hesita em indagar:

Esperava que o senhor escolhesse um problema situado nas fronteiras daquilo que é atualmente cognoscível, um problema em relação ao qual cada um de nós, físico e psicólogo [...] pudéssemos nos encontrar, sobre o mesmo terreno (Freud, [1933/1932] 1976, p. 245).

As analogias com a física utilizadas por Freud perpassam sua obra de maneira considerável. Todavia, esse não é o foco deste artigo. Aqui nos interessa investigar os quanta psíquicos de Marie Bonaparte na breve conjuntura de afinidades entre física e psicanálise. Seu interesse pela ciência da sua época foi enorme, de acordo com Amouroux (2012). Bonaparte tinha uma atração especial pelas ciências da natureza [Naturwissenschaften]. Ela chegou a patrocinar inúmeros laboratórios e diversas pesquisas no Instituto Pasteur, em especial no combate à tuberculose, e no Instituto Radium, território dos pioneiros na luta contra o câncer por meio da radioterapia.

Lebovici (1983) nos lembra que Bonaparte “sempre demonstrou um interesse fascinante pelas várias questões científicas”5 (p. 1085, tradução nossa). As referências à física na obra bonapartista são bem pontuais e, nesse sentido, ela “tinha uma concepção modernista da oposição entre as noções de instinto e pulsão”6 (Lebovici, 1983, p. 1090, tradução nossa).

Ao ler seu trabalho L’introduction à la théorie des instincts (Bonaparte, 1951),7 percebemos que ela propõe um modo de funcionamento mental independente das leis biológicas e da cultura. É como se cada renúncia pulsional se tornasse um motor dinâmico, num tipo de determinismo quântico em todas as manifestações mentais. No seu texto L’inconscient et le temps (Bonaparte, 1939) localizamos a referência mais direta da autora à física quântica, o que veremos com mais detalhes na seção seguinte.

Neurose obsessiva, tempo e inconsciente: o que são os quanta psíquicos?

As objeções que Bonaparte (1939) faz à tese freudiana da atemporalidade do inconsciente (Freud, [1915] 1976) podem ser resumidas em três grandes refutações:8 a primeira refere-se à preservação do sentido de tempo mesmo quando dormimos, tanto é que alguns dormentes podem

[...] acordar sozinhos depois de determinado período de sono. O inconsciente sente o tempo fluindo, por isso eles acordam numa determinada hora exata9 (Bonaparte, 1939, p. 75, tradução nossa).

A segunda objeção é fruto de um intenso diálogo entre Bonaparte e Freud a respeito dos postulados kantianos sobre a exposição metafísica dos conceitos de espaço e tempo,10 cujas representações originárias não são conceitos, mas intuições a priori e entre ambos se estabelecem relações coexistentes (Kant, [1787] 1974).

O sonho, essa estrada real, de acordo com Freud, que leva ao inconsciente, não sabe como fazer sem o espaço e o tempo! O espaço é muito evidente, pois o sonho é geralmente visual e a imagem projeta-se no espaço. [...] Mas qualquer distorção que o tempo sofra em um sonho ele é sempre tempo. Portanto, essas formas inelutáveis da nossa percepção, tempo e espaço, estão salvas [no inconsciente]11 (Bonaparte, 1939, p. 75-76, tradução nossa).

Essa segunda refutação não permanece incólume a Freud, que, ao ler o ensaio de Bonaparte (1939), lhe comunica:

Então, o espaço do mundo exterior seria projetado a partir do nosso espaço interno, assim também ocorre com o tempo12 (Freud citado por Bonaparte, 1939, p. 102, tradução nossa).

E em outro momento, na carta a Bonaparte datada de 27 de maio de 1937, mesma época das revisões desse manuscrito, o pai da psicanálise esclarece:

Assim, pode ser que a ideia do tempo esteja ligada ao trabalho do sistema consciente, pré-consciente. Kant, então, teria razão se substituíssemos seu antigo a priori por nossa mais moderna introspecção do aparelho psíquico. O mesmo deve se dar com espaço, causalidade, tempo, etc. (Freud citado por jones, [1961] 1989, p. 451).

Nesse sentido, na ocasião da terceira e última objeção à permanência dos processos do sistema inconsciente sem a referência ao tempo, a autora recorre à noção de quantum psíquico, numa clara alusão às descobertas da física quântica (PlancK, 1901; einstein, 1919).

E tomando como exemplo clínico a neurose obsessiva, a autora esclarece:

[…] quanta psíquicos poderiam se formar no inconsciente e, tendo atingido seu limite efetivo, irrompe no pré-consciente, onde eles perturbariam mais ou menos o sentido do tempo. [...] o eu do obsessivo tem uma rigidez muito específica. A atemporalidade que emana do inconsciente traz ao seu eu, que possui um agudo sentimento de posse do tempo, um conflito enorme. A obsessão com o tempo no obsessivo geralmente não cede13 (Bonaparte, 1939, p. 77-78, tradução nossa).

Parece-nos que esse fenômeno é diferente daquilo que acontece na esquizofrenia, ou seja, um tipo de “temposificação” (Assoun, [1980] 1996, p. 209), em outras palavras, a coisificação do tempo. Isso é resultado da relação específica do esquizofrênico com a linguagem conforme ensina Lacan, ([1955-1956] 1988) em O seminário 3: As psicoses. No caso da neurose obsessiva, a perturbação com o tempo passa menos pela linguagem e mais no campo da experiência através de suas obsessões e compulsões.

Na física, um quantum14 equivale à menor quantidade de qualquer grandeza física envolvida numa interação. A ideia de que uma grandeza pode ser quantizada vem da hipótese da quantização (procedimento matemático que atribui um valor específico a um determinado sistema físico), ou seja, isso implica que a magnitude dessas grandezas pode apenas assumir valores discretos, que são múltiplos inteiros da unidade de um quantum (Wiener, 1966).15 A ideia de quantização de energia e suas consequências na interação de energia e matéria é parte da estruturação fundamental para entender e descrever a natureza na física quântica, fenômeno conhecido como eletrodinâmica quântica (Dirac, 1927).

Quanto a este trabalho, consideramos não apropriado interpretar o sistema psíquico como um sistema físico. Mas podemos passar por alguns pontos da teoria quântica que podem nos ser úteis. Vejamos: a quantizacão ocorre nos osciladores eletrônicos atômicos que compõem o sistema, e a energia irradiada se propaga na forma de ondas eletromagnéticas (Jammer, 1966; 1974). Assim, o elétron não é uma partícula nem uma onda, mas pode se apresentar ora de uma forma, ora de outra, conforme as exigências do contexto. E as partículas podem transferir-lhes parte de sua energia e, assim, envolver perda ou emissão de energia.16

No que concerne à metapsicologia, podemos elucidar a suposição bonaparteana em termos metapsicológicos tomando o modelo do aparelho psíquico da Carta 52 (Freud, [1950/1892-1899] 1976). Nessa matriz, podemos considerar que os sistemas consciente, pré-consciente e inconsciente funcionam como lentes de um telescópio (Assoun, [1980] 1996), cuja performance entre eles pode pender no domínio de um sobre o outro. E a organização entre eles é concêntrica em torno do núcleo traumático, como as camadas de uma cebola.17 Dessa maneira, nesse modelo, a vetorização das quantidades psíquicas das marcas do tempo,18 entra no aparelho psíquico pela percepção. Então, a atemporalidade do inconsciente entrará em conflito com a temporalidade da consciência e do pré-consciente, uma vez que o obsessivo almeja o completo controle do tempo.

Para Bonaparte (1939), os quanta psíquicos se formariam no inconsciente. Mas o que os faz irromper no pré-consciente é o resultado do conflito gerado pelo impossível de conceber o tempo desse sistema e o pleno sentido de tempo nos sistemas consciente e pré-consciente. E essa quantização psíquica chega à consciência dando ao obsessivo a ilusão de posse do tempo. No entanto, isso só é possível porque também nesse modelo cogita-se que no inconsciente só existem conteúdos catexizados com maior ou menor carga de força, e a passagem de um conteúdo inconsciente para o pré-consciente e a consciência é mais fácil do que o inverso (Freud, [1900] 2017). Talvez não seja ousadia pensar que, se para a teoria da relatividade o tempo se constitui numa quarta dimensão do espaço,15 então é provável, tal como sugere Bonaparte (1939), que os eventos espaciais evidentes no sonho se comportem da mesma forma que os eventos temporais.

Conclusão

A teoria quântica é responsável por praticamente todo o progresso tecnológico de nossa era, dos transistores aos chips, dos raios laser aos reatores nucleares, dos supercondutores à engenharia genética. Desse modo, se para a construção da física relativística o espaço e o tempo são conceitos relativos, então, essa tentativa de Bonaparte de formular a noção de quantum psíquico se depara inevitavelmente com os paradoxos que constituem a própria física quântica. E reconhecemos que estamos longe de solucionar e absorver a totalidade das implicações metapsicológicas de sua descoberta. As convicções do fisicalismo biopsíquico bonaparteano não permanecem presos a uma concepção relativamente estreita do enraizamento do inconsciente na biologia.

2No original: “unquestioned conceptions of energy and matter, space and time, derived from classical physics”.

3Não é intenção desta pesquisa abordar as diretrizes da física newtoniana que foram tomadas como base na psicanálise freudiana. Estamos cientes de que muitas das explicações mecanicistas e materialistas de Freud eram reflexo dos conceitos básicos da natureza newtoniana. Ao leitor que queira estabelecer essa relação conceitual entre a psicanálise e a física newtoniana recomendamos a leitura de CAPRA, F. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente (1982). São Paulo: Cultrix, 1993.

4Essa comparação se dá nos seguintes termos: a descoberta de Planck (1901) de uma constante, h, responsável por anomalias naquilo que os físicos chamam de radiação de corpos negros. A radiação do corpo negro refere-se aos padrões de descarga de qualquer energia que entrar nele. Para Pais (1986), assemelha-se ao que Freud ([1900] 2017) apresenta como os postulados dos processos inconscientes no aparelho psíquico, ou seja, utiliza uma estrutura similar ao do físico.

5No original: “montrant toujours un intérêt fascinant pour diverses questions scientifiques”.

6No original: “avait une conception moderniste de l’opposition entre les notions d’instinct et de pulsion”.

7. L’introduction à la théorie des instincts é um conjunto de oito cursos ministrados por Marie Bonaparte no Institut de Psychanalyse em Paris. Os textos foram publicados na Revue Franç. Psychanal., 1934, p. 217-478. Estamos utilizando uma edição de 1951, publicada pela Presses Universitaires de France.

8Essas objeções foram também apresentadas e analisadas por Ribeiro (2021) em seu artigo O tempo do inconsciente.

9No original: “à se réveiller seuls à une heure prescrite. L’inconscient, concluait-il, sent donc s’écouler le temps”.

10 Farjani (2013) nos adverte que as implicações filosóficas das descobertas da física quântica sobre o tempo e o espaço não são absorvidas facilmente nos debates filosóficos contemporâneos. Afinal, “espaço e tempo passam a ser vistos como conceitos relativos, reduzidos ao papel subjetivo de elementos da linguagem que um determinado observador usa para descrever fenômenos naturais” (Farjani, 2013, p. 8). Esses fenômenos envolvem velocidades próximas à da luz, formando um continuum quadridimensional (Wiener, 1966). Ao leitor que queira se aprofundar nesse debate no âmbito da filosofia sugerimos a leitura do texto Mctaggart, j. e. A irrealidade do tempo (1908). Tradução: César Chirmer dos Santos. Kriterion, n. 130, pp. 747-764, 2014.

11No original: “Le rêve, cette voie royale, d’après Freud, à l’inconscient, ne sait lui-même se passer ni de l’espace ni du temps. De l’espace c’est éclatant le rêve est d’ordinaire visuel, et l’image se projette dans l’espace. […] Mais quelque déformation que subisse le temps en rêve, c’est du temps toujours, et ces formes inéluctables de notre perception, le temps, l’espace, ne se sauraient [ en l’inconsciente]”.

12No original: “Notre perception interne n’en ferait qu’ensuite une continuité, et ce serait là, projeté au dehors, notre prototype du temps”.

13No original: “quanta psychiques pourraient se former dans l’inconscient et, parvenus à leur limite efficace, faire irruption dans le préconscient, où ils troubleraient plus ou moins le sens du temps. […] Le moi de l’obsédé, par contre, présente une tour autre solidité. Aussi, malgré les troubles que les bouffées d’intemporalité émanées de l’inconscient apportent à son sens du temps, l’obsédé garde-t-il une perception, une angoisse puissantes du temps. Alors le conflit entre ses bouffées d’intemporalité et sons sens aigu de l’écoulement de tout s’en fait poignant”.

14Plural: quanta. Segundo Farjani (2013, p. 10), “Einstein chamou quanta a essas partículas de luz, de onde veio o nome teoria quântica, mais tarde, vieram a ser conhecidas como fótons” (grifos do autor).

15Formando um continuum quadrimensional (Wiener, 1966).

15 O conceito de quantização da radiação foi descoberto por Planck (1901) numa tentativa de entender a radiação emitida por objetos aquecidos, conhecida como radiação de corpo negro. Planck (1901) levou em consideração que alguns objetos quando aquecidos mudam de cor. Portanto, o autor assume que a energia pode ser absorvida ou emitida apenas em pacotes diferenciais, denominados por ele de agrupamento ou elementos de energia. A quantização das grandezas e a definição do quantum são as bases da mecânica quântica conforme exposto por Einstein no texto einstein, a.; Podolsky, B.; rosen, n. (1935). Can Quantum: Mechanical Description of Physical Reality Be Considered Complete? Physical Review, v. 47, n. 10, pp. 777-780, 1935.

16 Usando a relação entre energia e frequência proposta por Planck e Einstein, é possível calcular o quanto essa irradiação de energia significa em termos de diminuição de frequência. A fórmula matemática corresponde a: E = hf. Onde, h, é a chamada constante de Planck, cujo valor consiste em 6,55 x 10-27erg; E = energia; f = frequência.

17 Segundo Mezan (2019a) esse modelo metapsicológico é do tipo associacionista cuja matriz clínica é a histeria. Contudo, apesar de esse modelo ser aparentemente preconizado pela abordagem mecanicista, acreditamos que sob o nosso ponto de vista norteado pelas consequências das descobertas da Teoria Quântica através da Teoria Geral dos Sistemas, que considera “o mundo em função da inter-relação e interdependência de todos os fenômenos” (Farjani, 2013, p. 18), esse modelo freudiano torna-se ainda mais interessante, pois os sistemas consciente, pré-consciente e inconsciente são integrados e suas respectivas unidades não podem ser reduzidas nem se prestam à divisão analítica preconizada pela perspectiva mecanicista. Na mecânica quântica é o todo que determina o comportamento das partes.

18 No estudo de Ribeiro (2021), que tem como base a teoria da sedução generalizada de Laplanche, o tempo é visto como uma intrusão estranha que vem do outro e adquire o estatuto de mensagem, portanto comprometida com o sexual do adulto. Assim, o tempo do outro torna-se também nosso tempo. Nessa direção, haveria marcas/traços do tempo no inconsciente.

Referências

AMOUROUX, R. Marie Bonaparte et les milieux scientifiques. In: ______. Marie Bonaparte: entre biologie et freudisme. Rennes, France: Presses Universitaires de Rennes, 2012. p. 137-166. [ Links ]

ASSOUN, P.-L. Metapsicologia freudiana: uma introdução (1980). Tradução: Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. [ Links ]

ASSOUN, P-L. Freud e as ciências sociais: psicanálise e teoria da cultura. Tradução: Luiz Paulo Rouanet. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2012. [ Links ]

BASS, A. The Status of an Analogy: Psychoanalysis and Physics. American Imago, v. 54, n. 3, p. 235256, 1997. [ Links ]

BONAPARTE, M. Introduction à la théorie des instincts. Paris: Presses Universitaires de France, 1951. [ Links ]

BONAPARTE, M. L’Inconscient et le temps. Revue Française de Psychanalyse, v. 11, n. 1, p. 61105, 1939. [ Links ]

BOTELLA, C.; BOTELLA, S. Le statut metapsychologique de la perception l’irreprésentable. Revue Française de Psychanalyse, v. 65, n. 1, p. 21-31, 1992. [ Links ]

DIRAC, P. A. M. The Quantum Theory of the Emission and Absorption of Radiation. Proceedings of the Royal Society of London A., v. 114, n. 767, pp. 243-65, 1927. [ Links ]

EINSTEIN, A. Über die spezielle und die allgemeine Relativitätstheorie. Braunschwig: Vieweg und Sohn, 1919. [ Links ]

FARJANI, A. Psicanálise e quantum: a ligação entre a psicanálise e a física quântica. [S.l.: s.n.]. 2013. [ Links ]

FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900). Tradução: Renato Zwick. Porto Alegre: L&PM, 2017. [ Links ]

FREUD, S. Análise terminável e interminável (1937). In: ______. Moisés e o monoteísmo. Direção-geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 247-290. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 23). [ Links ]

FREUD, S. As neuropsicoses de defesa (1894). In: ______. Primeiras publicações psicanalíticas (1893-1899). Direção-geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 57-88. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 3). [ Links ]

FREUD, S. Esboço de psicanálise (1940 [1938]). In: ______ . Moisés e o monoteísmo. Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 168-224. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 23). [ Links ]

FREUD, S. Extratos dos documentos dirigidos a Fliess (1950 [1892-1899]) Carta 52. In: ______. Publicações pré-psicanalíticas e esboços inéditos. Direção-geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 243-380. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1). [ Links ]

FREUD, S. O inconsciente (1915). In: ______. A história do movimento psicanalítico. Direção-geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 191-239. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 14). [ Links ]

FREUD, S. Por que a guerra? (1933 [1932]) (Einstein e Freud) Carta de Freud. In: ______. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise. Direção-geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 245-264. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 22). [ Links ]

FREUD, S. Projeto para uma psicologia científica (1950 [1895]). In: ______. Publicações prépsicanalíticas e esboços inéditos. Direção-geral da tradução: Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1976. p. 381-511. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 1). [ Links ]

IANNINI, G. Nem physis, nem psyché: o papel da estrutura do reordenamento epistêmico da psicanálise. Philósophos, Goiânia, GO, v. 13, n. 2, p. 43-60, 2008. [ Links ]

JAMMER, M. The Conceptual Development of Quantum Mechanics. New York: McGraw- Hill, 1966. [ Links ]

JAMMER, M. The Philosophy of Quantum Mechanics. New York: Wiley, 1974. [ Links ]

JONES, E. Apêndice A: excertos variados da correspondência. In: ______. A vida e obra de Sigmund Freud (1961). v. 3. Tradução: J. C. Guimarães. Rio de Janeiro: Imago, 1989. p. 449450. [ Links ]

KANT, I. Crítica da razão pura (1787). Tradução: Valério Rohden São Paulo: Abril, 1974. [ Links ]

LACAN, J. O seminário, livro 3: As psicoses (1955-1956). Texto estabelecido por Jacques-Alain Miller. Tradução: Aluísio Menezes. 2. ed. rev. Rio de Janeiro: Zahar, 1988. (Campo Freudiano no Brasil). [ Links ]

LEBOVICI, S. À propos de l’œuvre scientifique de Marie Bonaparte. Revue Française de Psychanalyse, v. 47, n. 4, p. 1081-1093, 1983. [ Links ]

MAYER, E. Changes in Science and Changing Ideas about Knowledge and Authority in Psychoanalysis. The Psychoanalytic Quarterly, v. 65, n. 1, p. 158-200, 1996. [ Links ]

MEZAN, R. Fronteiras da psicanálise. In: MEZAN, R. O tronco e os ramos: estudos de história da psicanálise. 2. ed. São Paulo: Blucher, 2019a, p. 507-527. [ Links ]

MEZAN, R. Que tipo de ciência é, afinal, a psicanálise? In: ______. O tronco e os ramos: estudos de história da psicanálise. 2. ed. São Paulo: Blucher, 2019b. p. 543-575. [ Links ]

PAIS, A. Inward Bound. New York: Oxford University Press, 1986. [ Links ]

PLANCK, M. Über das Gesetz der Energieverteilung im Normalspectrum. Annalen der Physik, v. 309, n. 3, p. 553-563, 1901. [ Links ]

RIBEIRO, S. D. O tempo do inconsciente. Brazilian Journal of Development, v. 7, n. 3, p. 28881-28893, 2021. [ Links ]

WIENER, N. Differential Space, Quantum Systems and Prediction. Cambridge: The Massachusetts Institute of Technology Press, 1966. [ Links ]

Recebido: 08 de Setembro de 2021; Aceito: 02 de Setembro de 2022

1

Texto proveniente do programa institucional de iniciação científica sob orientação da Profa. Dra. Sarug Dagir Ribeiro, pesquisa realizada com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Brasil.

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto (Open Access) sob a licença Creative Commons Attribution, que permite uso, distribuição e reprodução em qualquer meio, sem restrições desde que o trabalho original seja corretamente citado.