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Reverso

versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.45 no.85 Belo Horizonte jan./jun. 2023  Epub 04-Nov-2024

https://doi.org/10.5935/0102-7395.v45n85.01 

Editorial

Editorial

Maria Mazzarello Cotta Ribeiro


Tempo de comemorar: 60 anos do CPMG! Neste tempo não cessaram de se inscrever as edições sucessivas da revista Reverso, agora no número 85.

Este exemplar trouxe no seu interior a figura de um escriba egípcio, de extrema importância e destaque no Egito Antigo. O escriba era aquele que tudo ouvia, tudo via, tudo registrava. Além do registro dos assuntos pertinentes a seu métier, tinha a responsabilidade de transmitir seu ofício aos jovens candidatos a escriba, cuja formação exigia um conhecimento sólido e amplo em vários campos do saber.

Naquela época, a escrita não era uma habilidade acessível a todo e qualquer egípcio. Os futuros escribas a obtinham nas escolas destinadas a esse fim. Sobre sua figura depositavam-se o respeito, a admiração e a atribuição de saber.

Do Egito Antigo guardamos pontos de contato com o ofício de psicanalista. Formação rigorosa, ampla e atitude imparcial, como recomendado por Freud. O psicanalista é também uma figura que vê, ouve e registra, não os porquês, mas o que da verdade do sujeito a ele se apresenta. Em seu ofício, o psicanalista “faz abstração de si mesmo, condição sine qua non, de qualquer prática analítica” (Israel, 1984 citado por Pereira, 2003).

É sua responsabilidade, na direção da cura, o manejo da relação transferencial que o analisando com ele estabelece, atribuindo-lhe a posição de Sujeito suposto Saber (SsS). Assim como os escribas mais experientes, do psicanalista mais experiente em sua posição de escuta observação e ensino, advém a transmissão da psicanálise aos jovens candidatos.

Dessa função múltipla nascem textos construídos a partir da tradução de antigas inscrições psíquicas de seus pacientes. Tarefa delicada e longa, que se assemelha à decifração das inscrições trilíngues encontradas na Pedra de Roseta. A tradução do texto original grafado na escrita hieroglífica, na demótica e na grega, foi concluída por Jeanfrançois Champollion em 1822, após duas décadas de trabalho.

Autora convidada

Neste clima de pesquisas, abrimos este número com Hilda Fernandez Alvarez, que, no artigo Me Phynai, “Prefere não ser”: a lógica trágica do suicídio entre desejo, ansiedade e gozo, trabalha os impasses psíquicos do sujeito em situação suicida e sua “incapacidade de esquecer a morte”. Diante da pergunta “Por que, em circunstâncias subjetivamente precárias, uma pessoa decide acabar com sua vida e outra não?”, Hilda tece um debate sobre a constante atuação da pulsão de morte que entrelaça as considerações de Freud e Lacan.

Psicanálise e pós-modernidade

O colega Anderson de Souza Sant’Anna traz o artigo Da modernidade à pós-modernidade: do sintoma ao sinthoma?, que faz uma reflexão sobre a metapsicologia de Freud à luz dos avanços de Lacan, percorrendo o movimento entre os conceitos que vão da pulsão ao gozo, do sintoma ao sinthoma, do sujeito ao falasser.

A seguir, temos Anchyses Jobim Lopes com o texto Transexualidades - o discurso do capital contra a ciência e a favor da anatomia, apresentado na XL Jornada do CPMG, em que procura esclarecer os diversos termos dentro do campo das sexualidades, apresenta os principais pesquisadores do século XX e os movimentos teóricos na despatologização e patologização das transexualidades, a discussão sobre o binarismo e a realidade das condições socioeconômicas estudadas pelo grupo GTNTrans do CBP-RJ.

Com o grupo dos autores Mardem Leandro Silva, Helena de Almeida Cardoso Caversan, Elizabeth Fátima Teodoro e Daniela Paula do Couto, podemos acompanhar, no artigo Tornar-se mulher: articulações entre “A garota dinamarquesa” e o “Caso Schereber”, a diferenciação entre a angústia do sujeito de se transformar em outro gênero e os casos em que surge a construção do delírio psicótico.

Cláudio Teles de Toledo Bernardes, em A escolha de um sedutor - Lacan e o feminino em Kierkegaard, apresenta uma aproximação entre a escolha de amor do pensador Kierkegaard por Regine Olsen e a lógica que caracteriza a posição feminina da tábua da sexuação lacaniana, o que remete à modalidade de gozo que Lacan reconhece no testemunho dos místicos cristãos como representação do gozo feminino.

Em A relação sexual entre os seres falantes: uma questão - Comentários, sua autora Maria Pompéia Pires tece considerações a respeito da possibilidade da relação sexual entre o homem e a mulher a partir da fórmula da sexuação de Lacan.

Psicanálise e clínica

Esta seção se inicia com o artigo O tratamento está andando? A repetição conjunta como índice para estimar o progresso do tratamento psicanalítico, onde os autores Daniela Smid e Christian Dunker discutem sobre a dificuldade clínica em saber se o tratamento psicanalítico “está andando” e sobre a dificuldade de avançar em uma análise para o momento de concluir. Ao final, argumentam se o tripé análise pessoal, supervisão e estudo teórico será suficiente para auxílio na direção de um tratamento.

Com Impasses na clínica: quando o calar é dizer, Vanessa Campos Santoro nos traz fragmentos de um caso clínico em que faz considerações sobre os impasses da clínica diante da repetição e sua relação com a transferência, o inconsciente e a pulsão, na tentativa malograda de repetir a experiência de satisfação e a marca deixada por ela - o traço unário.

Danilo Garcia Mendes analisa o conceito de Unheimlich na obra de Freud, fazendo uma analogia entre o “infamiliar” e o “estrangeiro”. Investiga a aplicação desse conceito nos filmes de ficção científica sobre viagens no tempo, em seu texto De volta e às voltas com o infamiliar.

No artigo Psicose e alucinação em Ivan Karamázov, Thiago Silva Martins e Úrsula

Guimarães Dayrell, num recorte da obra Os irmãos Karamázov, de Fiódor Dostoiévski, trabalham os conceitos freudianos de Bejahung e Verwerfung e as teorizações iniciais de Lacan sobre a psicose, relacionadas ao significante Nome-do-Pai e à alucinação, através de uma crítica literária psicanalítica.

Psicanálise e clínica do idoso

A última seção traz um relato de Vivian Ulisses Barbosa Godinho sobre a clínica do idoso. Seu texto Desamparo e desejo em pauta: a clínica do idoso - entre a autonomia e a dependência evidencia a função do psicanalista na escuta desse sujeito, fazendo considerações sobre a atemporalidade do inconsciente num corpo organicamente envelhecido, porém pulsional, atravessado pela angústia do desamparo, da dependência versus autonomia e da iminência da morte.

A organização, a seleção e a publicação da Reverso estão a cargo de uma equipe muito empenhada e cuidadosa. A comissão de leitura e seleção dos artigos, cuja coordenação está sob minha responsabilidade, se compõe pelos preciosos e competentes colegas do CPMG: Ana Boczar, Carlos Antônio Andrade Mello, Eliana Rodrigues Pereira Mendes, Marília Brandão Lemos de Morais Kallas e Paulo Roberto Ceccarelli, também na função de revisor do inglês, cujas companhia e participação agradeço imensamente!

Contamos com o minucioso trabalho de revisão de Dila Bragança de Mendonça, com a dedicação de nossa secretária Adriana Dias Bastos, na biblioteca com a primorosa pesquisa de Marta Aparecida de Almeida e Almeida, e com a dedicada supervisão de tradução, do artigo estrangeiro, feita pelo nosso colaborador Bernardo Maranhão, profissionais a quem agradecemos a atenção, a presteza e a competência com que participam conosco. Agradecemos também ao nosso diagramador e projetista gráfico Valdinei do Carmo, sempre presente e atento a todos os detalhes das nossas edições.

Este número traz na capa a imagem de um mosaico que mostra três aros conectados colocados no piso central da Abadia da Dormição, no Monte Sião, Jerusalém, Israel. Neles lemos as inscrições: Santa e única unidade. Vardadeira e única trindade. Única e santa divindade, tradução livre do latim, de Carlos Antônio Andrade Mello.

Nosso especial agradecimento aos autores por partilharem conosco sua produção teórica, enriquecendo e contribuindo para a transmissão da psicanálise! E aos leitores, a quem oferecemos as edições da Reverso, nosso muito obrigado pela leitura e apreciação!

Finalmente, nosso reconhecimento ao apoio e incentivo dados pela Diretoria do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG!

Boa leitura a todos!

Maria Mazzarello Cotta Ribeiro

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