Sexualidade - o que domina a morada e a relação entre os seres falantes. Freud falou disso através dos termos “libido”, “pulsão de vida”, “pulsão de morte”. Aquilo que põe em movimento o aparelho psíquico - “apenas uma fantasia põe em movimento o aparelho psíquico”.
Para falar de sexualidade e da relação sexual entre os seres falantes, é preciso começar pelo início, qual seja, o conceito de pulsão.
Se agora nos dedicarmos a considerar a vida mental do ponto de vista biológico, uma pulsão nos aparecerá como sendo um conceito situado entre o mental e o orgânico, como sendo o representante psíquico dos estímulos que se originam dentro do organismo e atingem a mente, no sentido de trabalhar em consequência de sua ligação com o corpo (Freud, [1915] 1974, p. 142).
O conceito de pulsão exige a marca de um representante psíquico para se identificar como pulsão e, ao mesmo tempo, se diferenciar do instinto. Uma fixação de um representante psíquico, uma cunhagem nunca desfeita, inatingível.
Penso chamar-se recalque primário essa inscrição no corpo pulsional. O recalque primário (S1) constitui-se como o ponto de atração de todas as representações recalcadas posteriores. É fruto da barra (recalque secundário) que se instala entre o processo primário (inconsciente) e o processo secundário.
Chama-se inconsciente a essa morada das representações nossas sob a égide do processo primário. Saber inconsciente (S2).
Somos falados sem saber, e isso determina nossos impulsos, nossas ações, nossos desejos, nosso destino! Pulsão sexual, diz Freud.
Fantasias de desejo em um corpo sexualizado pela energia sexual do inconsciente têm seu ímpeto determinado pelo horizonte inatingível da relação sexual incestuosa.
Mítica?
A relação sexual não existe?
Essa mesma formulação é atingida em Lacan (1974-1975) no Seminário 22: RSI, com o conceito do gozo do Outro [jouissance de l’Autre] (JA), Outro sem barra (A). Real do gozo impossível, formulado na articulação topológica do nó borromeu.
Reverso • Belo Horizonte • ano 45 • n. 85 • p. 59 - 62 • jun. 2023 59 A relação sexual entre os seres falantes: uma questão. Comentários
Encontramos esse gozo Um na fórmula da sexuação lacaniana. Trata-se de uma formulação lógica a partir de Frege e Aristóteles. Conjuga os quantificadores universal e particular (existência), em relação à função fálica, que indaga as possibilidades de, através da função fálica, o homem e a mulher poderem dizer algo sobre si mesmos.
Existe encontro enquanto complementaridade?
Em primeiro lugar, a pergunta: o que é o Falo?
O Falo é um símbolo (Φ). Faz emergir o simbólico da estrutura do aparelho psíquico (RSI). Lembremo-nos da definição da pulsão, do recalque primário, da fixação de um representante à pulsão.
O Falo é um operador. Aquele que opera na operação significante. Operação na qual faz uma inserção no real. Real impossível. Aquele que não cessa de não se escrever. Essa operação faz emergir o simbólico (Ⱥ). Pois do real surge a possibilidade de significação. O Falo faz falar.
O Falo é a castração. Castração de gozo. Por quê? A operação fálica não foi completamente exitosa. O Falo não conseguiu assimilar todo o real contido nessa operação. Produz um resto não assimilado, um resto que cai da operação significante permanecendo como um resto de gozo que acompanha o Falo em todas as suas operações. Chama-se esse resto de objeto a. Pulsão pura que, acompanhando o significante, causa o desejo. Objeto causa do desejo. Pois o desejo está do lado do significante fazendo com que haja pela intensidade pulsional, desejo de desejo. Causa o desejo inconsciente.
Vamos abordar agora a fórmula da sexuação lacaniana, que questiona a relação sexual entre os seres falantes a partir desse Falo do qual estivemos falando.
Essa operação faz a demonstração que até agora consideramos. Temos dois quantificadores: Ǝ e ∀.
Um x através do qual a questão se coloca. E a questão se coloca em relação ao Falo: se é verdade que o Falo se constitui como elemento responsável pela sexualidade entre os seres falantes H - M, mais especificamente a relação sexual.
É o Falo aquilo que define a relação sexual entre os seres falantes, diferenciados como H e M?
Temos, então, a função fálica e dois quantificadores: Ǝ e ∀, que se articulam em quatro proposições lógicas, enquadradas em duas colunas, uma em contraposição à outra.
Do lado esquerdo, o masculino.
Do lado direito, o feminino.
E os valores positivo e negativo que negam ou afirmam a proposição.
Qualquer que seja o ser falante, está inscrito de um lado ou de outro nas duas colunas.
À esquerda, na linha inferior, indica que é pela função fálica que o ser falante toma sua inscrição. Entretanto, trata-se de uma possibilidade. E como provar isso, exceto que essa possibilidade encontre seu limite da existência?
Não há o conjunto do Todo a não ser que um limite o contenha para inscrevê-lo como Todo. Do contrário, se faz uma extensão amorfa, não designada como Todo.
A possibilidade do Todo é necessariamente explicitada pela existência de pelo menos Um elemento exterior a ele que o limite.
Eis a apresentação do Um.
Existe Um que diz não ao Falo.
Existe Um que diz não à função fálica, que é o que domina a relação sexual entre os seres falantes.
Existe Um que, ao dizer não, não se submete à castração (castração simbólica diferente da castração imaginária).
É propriamente esse Um na qualidade de ex-sistência em relação ao universal que desenha a borda que contém o conjunto de todos os homens.
Um particular paradoxal, porque não faz parte da estrutura, mas, ao mesmo tempo, estrutura o Todo da estrutura (ŽiŽek, 1988, p. 54).
O dizer é dizer não. Um não sem predicação, sem presença de conteúdo. O Um em questão não é da ordem da quantidade, como aquele ao qual seguem o dois e o três.
Não é o Um do Outro, mas uma unidade vazia, reflexiva sobre si mesma, seu próprio Outro.
“Sou o que sou”.
Enigmas sempre presentes diante desse Um:
Deus... A Coisa... Gozo A.
Aí está no lado do homem a inscrição do registro da castração.
O mito do Pai Primeiro.
Diz Lacan ([1971-1972] 2012. p. 199): “É absolutamente necessário”. O dizer que não à castração.
Passamos para o lado direito da fórmula, lado da Mulher.
Não-toda mulher está sob o signo do operador Falo.
A mulher é não-toda.
Não há o conjunto das mulheres fazendo o A mulher.
A mulher tem que ser contada uma a uma.
Por outro lado, se a mulher não está toda submetida ao Falo, ou seja, à castração, existe algo a mais. Há um gozo a mais, pois o que está para além do Falo é a não castração, ou seja, um gozo a mais.
O chamado gozo feminino.
Entre o todo do homem e o não-toda da mulher, não há em sua evidência relação de complementaridade, mas de disjunção, disjunção de gozo, donde podemos inferir:
Não há relação sexual entre Homem e Mulher.
Mas se voltarmos nosso pensamento ao nó borromeu, uma das escritas que se conjugam com essa da fórmula da sexuação, chegamos à escrita da fantasia fundamental.
Para falar que a relação sexual não existe, de uma outra forma.
Se o que define o sujeito do inconsciente é a pulsão e se a pulsão se expressa nessa relação em termos de fantasia fundamental, única para cada um, podemos concluir que a relação sexual exige enquanto real - corpo real, um se gozando através do outro.
Mas, segundo a definição de pulsão freudiana, parece impossível esse encontro do real com a fantasia. Segundo Freud, só uma fantasia põe em movimento o aparelho psíquico.
Os seres não sabem que gozam através de uma fantasia inconsciente, uma a uma fazendo semblant de dois.
Mas talvez sejam quatro, segundo Freud, considerando sua hipótese da bissexualidade.
Do lado da mulher, resta comentar o termo da existência (Σ).
Não existe uma que possa afirmar que o Falo seja responsável pela relação sexual entre os sexos.
Há duas negações:
Da existência - não existe.
Do falo - não é o elemento responsável pela relação entre os sexos.
Daí surge a formulação de Lacan ([1972-1973] 2008, p. 63: “A mulher não existe”.
Ponto zero da estrutura fálica.
Ponto do impossível.
Real como impossível.
É a partir da negatividade que se pode supor a existência.
É a partir da inexistência que se inaugura o aparelho psíquico.j