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versão impressa ISSN 0102-7395

Reverso vol.45 no.86 Belo Horizonte dez. 2023  Epub 03-Fev-2025

https://doi.org/10.5935/0102-7395.v45n86.03 

HISTÓRIA DA PSICANÁLISE E DO CPMG

A origem das origens1

THE ORIGIN OF THE ORIGINS

Arlindo Carlos Pimenta

Psiquiatra.

Psicanalista.

Sócio efetivo do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais.

E-mail:arlindopimenta@gmail.com

1 

1Sócio efetivo do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais


Resumo

A partir do tema da escolha inconsciente postulada pela psicanálise, o autor assinala que no sistema inconsciente temos uma ponte determinada pelo Outro e uma ponte indeterminada. Aplica no nível cultural essa questão que é elaborada no subjetivo. Assim, as instituições carregariam em si também uma herança arcaica. Essa herança no âmbito do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais é colocada nas escolas do pensamento e nas circunstâncias históricas.

Palavras-chave: Escolha; Inconsciente determinado e indeterminado; As massas; Espaço psi no Brasil e em Minas Gerais

Abstract

The author, commencing with the concept of unconscious choice, which is postulated by psychoanalysis, indicates that part of the unconscious system is determined by the Other, while another part is undetermined. This question, which is elaborated at the subjective level, is also applied to the cultural level. In this manner, institutions also carry an archaic inheritance in their within. In the Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, this inheritance is present at the level of the schools of thought and, also, at the level of historical circumstances.

Keywords: Choice; Determined unconscious and undetermined; The masses; Psy space in Brazil and in Minas Gerais

O mito é o nada que é tudo.

O mesmo sol que abre os céus.

É um mito brilhante e mudo -

O corpo morto de Deus,

Vivo e desnudo.

Fernando Pessoa

Quando Carlos Mello me telefonou para fazer o convite em nome da comissão organizadora das comemorações de aniversário do nosso sexagenário Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, ele me disse que o tema a ser apresentado seria de minha escolha.

Eis a primeira questão: fazer uma escolha. Depois de muito pensar, comecei a perceber como realmente é difícil fazer uma escolha, visto que nenhuma escolha é apenas uma questão racional e consciente. Toda escolha, por mais simples que possa parecer, carrega em si uma determinação histórica e um além dela.

Vamos, então, nos deter um pouco mais no tema da escolha em psicanálise. Sabemos que, desde seus primeiros anos de elaboração da teoria psicanalítica, Freud se viu em confronto com a proposta da medicina em geral e, de forma particular, de Charcot, que ligava a etiologia das neuroses à questão da hereditariedade. A hereditariedade é colocada por Charcot no mesmo lugar, por assim dizer, em que para os gregos estava a fatalidade, o destino (Quinet, 2005).

Freud vai discordar dessa colocação, elaborando a questão da escolha da neurose, bem como da posição sexual, abrindo, assim, um caminho possível para uma abordagem além do niilismo terapêutico. Dentro dessa perspectiva, colocar a questão da escolha é ir contra o determinismo da herança biológica. Para tanto, a proposta freudiana passa a levar em conta a dimensão simbólica, sendo indispensável a presença do Nebenmensh [ser humano experiente, apto] seu veiculador primeiro.

Nesse sentido, podemos propor, tal como Freud, que existe algo que vem desse Outro, que é determinado, mas esse determinismo ou essa herança arcaica não é tudo, pois no ser falante existe também o indeterminado. Esse é o espaço da escolha, ou seja, da participação do sujeito.

Em Lacan temos o grande Outro (A) como tesouro do significante, mas a partir de seu barramento, ele produz a queda do objeto a, que é do âmbito do não inscrito, portanto, do indeterminado. Não podemos negar que há uma determinação. E podemos pensar até que ponto o destino não seria aquilo que está inscrito no inconsciente como determinado pelo Outro. E que a escolha, como dissemos, se situa no indeterminado,

Nesse sentido, a psicanálise seria uma prática um tanto paradoxal, pois visa exatamente ir contra esse determinado no inconsciente, possibilitando ao sujeito fazer outras escolhas, além das determinadas pelo Outro ou pelo menos alterar a posição subjetiva com relação às suas escolhas (Quinet, 2005).

Gostaria de estender a questão de destino e escolha do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Mas como estender uma elaboração no nível da subjetividade individual a uma instituição ou um grupo? Não seria uma incongruência ou um equívoco epistêmico grave?

Creio que não, pois Freud, em vários de seus textos, nos diz que o inconsciente é um sistema que se expressa tanto na subjetividade quanto na cultura. E Lacan nos fala da intenção e da extensão. Portanto, é possível a uma cultura ou um grupo carregar em si traços ligados a sua determinação histórica, mas que ao lado dela esteja o espaço de suas escolhas.

Há dez anos, quando comemorávamos as bodas de ouro do nosso Círculo, apresentei um trabalho que intitulei Da dilemática à dialética (Pimenta, 2013), em que percorri alguns textos dos primeiros anos do CPMG, sobretudo tendo em vista o modelo de estruturação da Sociedade Internacional de Psicanálise (IPA), que nos tinha sido legado, nos vimos anos depois sob a pressão de outra alternativa, ou seja, adotar o modelo de escola de Lacan.

Na época foi até sugerido por um grupo que adotássemos o nome de Círculo Freudiano de Minas Gerais. Preferimos ficar com o psicanalítico, que significava sair do dilema, isto é, não ter uma leitura única, oficial, mas uma terceira posição resultante da superação do dilema anterior.

Hoje gostaria de recuar no tempo e falar da origem das origens, ou seja, do nosso determinado, para que, se formos desalienados desses significantes originários, possamos avançar no indeterminado.

Ao falar do destino, é impossível não pensar nas Moiras da cultura grega ou nas Parcas de Roma. As Moiras Laquési, Átropos e Cloto, filhas de Nix, a deusa primordial da noite, eram as fiandeiras responsáveis pelo destino dos humanos, ou seja, fiar, medir e cortar o fio da existência. Elas eram temidas até pelos deuses.

Pretendo tratar das origens do CPMG não como uma instituição, mas como um mito, pois o mito é uma forma de dizer o indizível. Para tanto, vamos fazer tal como Homero que, ao iniciar a Odisseia, solicita a ajuda das ninfas, filhas de Zeus e Mnemósine, deusa da memória, que cantavam o passado, o presente e o futuro, e inspiravam os poetas, os músicos e os historiadores. Faço, então, uma invocação especial a Clio, ninfa da arte histórica para tratar de nossos antecedentes. De início teço breves considerações sobre a relação entre os mitos e a psicanálise.

Freud lança mão dos mitos exatamente quando vai falar das origens seja no nível da subjetividade, seja no nível da cultura. No Projeto para uma psicologia científica, de 1895, ao tematizar a origem da subjetividade, Freud descreve a experiência de satisfação e a conceituação de das Ding que, embora não denomine como mitológica, não tenho a menor dúvida que o seja.

Posteriormente, em Totem e tabu, quando vai tematizar a origem da cultura, Freud (1913/1996) lança mão do mito do pai primevo, o único mito moderno também chamado por alguns de mito científico, por mais paradoxal que pareça, pois Freud o construiu a partir de dados colhidos por Darwin.

Para Lévi-Strauss (1953/1985), que se ocupou brilhantemente da questão dos mitos, todo mito é a procura do tempo perdido. Para esse autor, o mito é um legado cultural que contempla ao mesmo tempo um aspecto coletivo e singular pondo em destaque os paradoxos da subjetividade situada e construída na fronteira do sujeito e do outro.

Lacan (1953/2008) analisa as relações do mito com a linguagem propondo sua aplicabilidade à teoria psicanalítica, construindo o que denominou de “mito individual do neurótico”, seguindo as proposições de Lévi-Strauss, a partir de elementos retirados de seu passado, os quais vão compor os mitemas - unidades de construção mítica que se (re)significarão ao serem combinados em cada narrativa e possuírem algo de atemporal e inesgotável contendo, portanto, a noção de estrutura.

É ainda Lacan (1953/2008), seguindo a proposição de Lévi-Strauss quem assinala que o mito tem uma estrutura ao mesmo tempo sincrônica (não histórica, momentânea) e diacrônica (histórica e permanente). Dessa forma, é a permanência da estrutura ao longo do tempo que lhe traz a possibilidade de mudança dentro da própria estrutura (Souza e Rocha, 2009). O mito é, então, uma tentativa de dar uma forma épica à estrutura. Seu caráter ficcional não o separa necessariamente da noção de verdade, pois a verdade tem a estrutura de ficção (Lacan, 1974/2003).

É nesse sentido que vou tentar abordar as origens do CPMG como mito, ou seja, esperando que não passe apenas do viés diacrônico, mas possibilite uma abordagem sincrônica. No mito o que importa não são seus elementos isolados, mas a relação entre eles.

Para a linguística a função da linguagem é a comunicação e para a psicanálise é a evocação. A fala é um ato de discurso e não um simples ato de informação, pois já o sabemos desde Freud que a fala pode evocar o mágico (Souza e Rocha, 2009). Dito isso, vejamos como se estrutura o mito do CPMG.

As origens das origens

Falemos, ainda que brevemente, do espaço Psi no Brasil, que nos reporta ao início do ano 1830, com a fundação do colégio médico cirúrgico no Rio de Janeiro e na Bahia (Russo, 2002).

Sabemos que no Brasil colonial era proibida a existência de universidades, mas os interessados podiam recorrer às universidades europeias, principalmente as portuguesas. Em 1838, José Clemente é nomeado provedor da Santa Casa de Misericórdia e inicia uma campanha pública para a construção de um hospício, tendo como lema “aos loucos, o hospício”. O gesto de Pinel, ao final do século XVIII, chega ao Brasil por essa época.

Depois de várias peripécias e mudanças em 1911, Juliano Moreira, médico baiano, jovem negro, assume a chefia e a direção do hospício. Moreira é festejado pelos historiadores da psiquiatria como responsável pelo ingresso da psiquiatria brasileira na era científica. Por causa de uma tuberculose pulmonar, Juliano Moreira se dirigiu à Europa para tratamento. Lá frequentou vários cursos, tendo entre seus professores Emil Kraepelin e provavelmente tomou conhecimento das ideias de Freud. Pois, como só acontece no Brasil, além de assimilar o método de diagnostico kraepeliniano, sabidamente de caráter organicista, Moreira combina-o com a teoria freudiana, além de propor àquela época métodos de assistência humanizados aos doentes mentais. Posteriormente a Sociedade Brasileira de Psicanálise, fundada no Rio de Janeiro em 1929, tinha como presidente Juliano Moreira. Mas não se desenvolveu.

Em São Paulo, Franco da Rocha, grande nome da psiquiatria paulista, vinculou-se à psicanálise e foi autor do primeiro livro brasileiro sobre as teses freudianas: A doutrina pansexualista de Freud publicado em 1920.

Durante as três primeiras décadas no Brasil, a psicanálise, como fator de modernização, ultrapassou os limites da academia e das corporações médicas, para se popularizar em outros espaços como o das artes, tendo como exemplo o Movimento Modernista de 1922. Além do mais, surgiram publicações populares, colunas em revistas femininas e programas de rádio difusão. Artur Ramos e Gastão Pereira da Silva chegaram a enviar seus livros a Freud que lhes respondeu agradecendo por cartas.

A psicanálise brasileira

Sabemos que, em decorrência da colonização, do império e da república, o desenvolvimento socioeconômico e cultural no Brasil ficou extremamente ligado ao litoral, ou melhor, ao eixo Rio-São Paulo. Com a psicanálise não foi diferente. Ou melhor, como veremos, um pouco diferente. Porém, sempre tendo a psiquiatria como sua avalista principal (Russo, 2002).

Em São Paulo, como consequência dos esforços do psiquiatra Durval Marcondes, chega à cidade, a médica Adelheid Koch, psicanalista ligada ao Instituto de Berlim, recém-autorizada, judia, egressa da Alemanha, com a incumbência de iniciar o treinamento oficial de psicanalistas no Brasil. Adelheid chega evidentemente autorizada pela Sociedade Internacional de Psicanálise (IPA), única possibilidade desde aquela época de se fundar um núcleo psicanalítico.

Corria o ano 1936. Foi criada, então, a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, mas só foi reconhecida pela IPA 15 amos mais tarde, ou seja, em 1951. No Rio de Janeiro, em 1948, chegou o primeiro didata a ser encaminhado pela IPA Mark Burke, judeu polonês ligado à Sociedade Britânica e em segundo lugar Werner Kemper, membro da Sociedade Psicanalítica de Berlim.

Pouco tempo depois sobreveio uma dissidência. O grupo ligado a Kemper foi intitulado Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ) e os médicos psicanalistas ligados a Burke formaram a Sociedade Brasileira de Psicanálise do Rio de Janeiro (SBPRJ). A IPA enviara simultaneamente o judeu polonês Mark Burke e um membro do instituto de Berlim, mesmo após ter sido “arianizado” por Göring.

Após doze anos de trabalho sob o jugo nazista, Kemper chega ao Rio de Janeiro com sua família. Após fundar a futura Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro (SPRJ), impôs sua mulher Kattrin Kemper, como didata, aparentemente sem formação médica ou psicológica, exigências da época, que futuramente iriam gerar novos tumultos que repercutiram, como veremos depois, no Círculo Brasileiro de Psicanálise e no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais. Só podia dar no que deu: confusões e cisão.

Então, por que dissemos que a chegada da psicanálise no Brasil foi um pouco diferente? É que além do eixo Rio-São Paulo, no Rio Grande do Sul, formou-se progressivamente um grupo que acabou sendo oficializado pela IPA.

Vejamos os motivos. Com a ascensão nazista e a diáspora dos analistas do continente europeu, a maioria se dirigiu para as Américas. Grande parte para os Estados Unidos e, na América do Sul, para a Argentina, considerada o polo culturalmente mais avançado em termos sul-americanos.

A abordagem kleineana, era a que predominava no pós-guerra. Para os gaúchos foi muito menos difícil se deslocar para Buenos Aires e ali cumprir as exigências da IPA em termos de número de sessões de análise, supervisão e cursos para outros profissionais fora do eixo.

Além dos precursores não oficiais, o início da psicanálise autorizada pela IPA no Rio Grande do Sul está ligado a Cyro e Mário Martins, psiquiatras estabelecidos em Porto Alegre. Ao receberem de um vendedor argentino os dois primeiros números da Revista Argentina de Psicoanálisis, ambos viram ali a possibilidade de uma formação em Buenos Aires. Cyro faz, então, um contato por correspondência com Angel Garma, que o aceita em análise didática. Corria o ano 1945. Mário Martins também é aceito por Garma e volta a Porto Alegre dois anos mais tarde habilitado para as funções didáticas. Seguiram o mesmo caminho outros gaúchos, como Walderedo Ismael de Oliveira, Alcyon Bahia, além do casal Danilo Perestrelo e Analzira Perestrelo.

Nos primórdios da APA, seguindo o historiador Jorge Balam, os analistas argentinos se reuniam para estudos e suas mulheres ficavam tomando chá. Houve, então, uma revolta feminina, na qual as mulheres exigiram fazer também sua formação. Assim se formaram, entre outras, Arminda Arberastury, que era mulher de Pichon Rivière, o qual residiu muitos anos no Brasil e faleceu no Rio de Janeiro.

O novo grupo formado em Porto Alegre tentava se legalizar na IPA, primeiramente pela APA, mas não foi bem-sucedido. O mesmo aconteceu por via da Sociedade Psicanalítica De São Paulo. Mas foi pela filiação a São Paulo que a autorização da IPA finalmente se fez.

Minas Gerais

Os dados que seguem, foram extraídos de Breve história da psiquiatria mineira, de Antônio Carlos de Oliveira Corrêa (2018).

A psiquiatria mineira teve como seu principal expoente no século XIX Antônio Gonçalves Gomide, que iniciou seus estudos no Seminário Diocesano de Mariana, rumando posteriormente para a Universidade de Coimbra e Universidade de Edimburgo, na Escócia. Gomide escreveu a obra pioneira Impugnação analytica ao exame feito pelos clínicos Antônio Pedro de Souza e Manoel Quintão da Silva em uma rapariga que julgaram santa na capela de Nossa Senhora da Piedade da Serra, proxima a villa Nova da rainha do Caethé, comarca do Sabará, com muita probabilidade de se tratar de uma histérica, em 1814.

Em 1903 foi criado o Hospital Colônia de Barbacena, cujo diretor Joaquim Antônio Dutra exerceu o cargo desde sua inauguração até 1936. Em 1920 foi iniciada a construção do Instituto Raul Soares para onde eram encaminhados os pacientes atendidos na Faculdade de Medicina. A psiquiatria mineira, até a década de 1960, será marcada pela ênfase na hospitalização.

Em 1937 é inaugurado o primeiro hospital particular psiquiátrico de Belo Horizonte, a Casa de Saúde Santa Clara. Em 1946, a Clínica Pinel, em 1947 a Casa de Saúde Santa Maria. E outras tantas se seguiram.

Em 1962 é inaugurado o Hospital Galba Veloso e em 1963 é nomeado diretor o Dr. Jorge Paprocki, que vai propor uma visão revolucionária no atendimento psiquiátrico em Minas Gerais. Era também incentivador das abordagens psicoterápicas e de psicologia social no naquele hospital.

Da turma do Galba vieram vários integrantes do recém-chegado Círculo. Nesse sentido, é importante o testemunho da Dra. Eunice Rangel, uma das fundadoras do Círculo e vice-diretora do HGV nesse período.

Cabe lembrar que o Banco da Lavoura, através de um incentivo fiscal do governo, criou um departamento de assistência psicológica aos funcionários do qual faziam parte vários profissionais que participaram das origens do CPMG. Entre seus integrantes, podemos enumerar Djalma Teixeira, Jarbas Portela, Célio Garcia, Nilza Feres e Pierre Weil.

Também pelo início da década de 1960, foram instalados os cursos de psicologia, tanto na Universidade Federal de Minas Gerais quanto PUC Minas, com muita influência da psicanálise.

Como veremos mais adiante, o Hospital Galba Veloso e sua nova orientação vão exercer influência decisiva na implantação da psicanálise em Minas Gerais e vai estender sua influência ao Hospital André Luiz e à Clínica Santa Margarida.

Voltando um pouco no tempo, o Instituto Raul Soares, fundado em 1922, teve em dois psiquiatras de seu corpo clinico os principais divulgadores das ideias freudianas em Minas Gerais. O primeiro deles foi Iago Pimentel, que em 1925 traduziu parte das conferências de Freud na Clark University de 1909. Portanto, As cinco lições de psicanálise foram traduzidas por ele diretamente do alemão e publicadas em 1926, no periódico A revista, dirigida por Carlos Drummond de Andrade e ligada ao movimento modernista.

Logo se seguiram outras traduções dos escritos freudianos na revista Verde, de Cataguases (MG), abordando a importância da pulsão sexual como força de união na vida das pessoas, além da questão de que os homens deveriam abrir mão de parte de sua satisfação pulsional a fim de que pudessem conviver em sociedade.

Como era de se esperar, Iago Pimentel sofreu forte oposição da Igreja católica, de amplos setores da psiquiatria, dos médicos e de parte da sociedade de Belo Horizonte, que via nas teorias freudianas uma referência direta ao pansexualismo.

O segundo psiquiatra membro da IRS a divulgar as ideias de Freud foi Galba Veloso que, segundo o escritor mineiro e médico Pedro Nava, tinha se tornado uma referência para o estudo da psicanálise na Faculdade de Medicina de Minas Gerais.

Porém, para Galba Veloso, as teorias de Freud eram importantes como enriquecimento da psiquiatria e da clínica médica, e não como Iago Pimentel, que tinha na visão da teoria freudiana uma proposta com características próprias. Porém, naquela época não houve nenhuma proposta de criação de uma sociedade psicanalítica.

Em meados dos anos 1940, em Belo Horizonte, o estudante de medicina Leão Cabernite e o austríaco Karl Weissmann se reúnem para estudar psicanálise. Weissmann ministrava cursos de hipnose para dentistas visando atenuar a dor pela sugestão pós-hipnótica. E em 1949 Weissmann estabeleceu correspondência com Werner Kemper, recém-chegado ao Brasil.

Cabernite graduou-se em medicina em 1948 e no ano seguinte se mudou para o Rio de Janeiro para se especializar em neurocirurgia e se submeter à terapia psicanalítica. Retornou a Belo Horizonte em 1950 e fazia o atendimento em psicanálise, embora não tivesse uma formação oficial, o que era praxe na época. Entre seus clientes estavam Paulo Dias Corrêa, cunhado de Weissmann, e o psiquiatra José Pedro Salomão.

Em 1954, Werner Kemper, realizou uma viagem turística pelo Rio São Francisco. Weissmann o recebe em sua casa em Belo Horizonte. Na ocasião Leão Cabernite solicita a Kemper uma vaga para formação psicanalítica e é aceito. Paulo Dias Corrêa, que tinha feito a mesma solicitação, não foi atendido e posteriormente se mudou para São Paulo. José Pedro Salomão continuou em Belo Horizonte.

Quanto a Hélio Pelegrino, nos deteremos um pouco mais sobre esse personagem da psicanálise brasileira. Ele ingressa na faculdade de medicina em 1942. Em 1943 decide-se pela psiquiatria, após o incidente narrado em sua autobiografia. Em 1947 inicia sua prática psiquiátrica no Instituto Raul Soares. Seu tempo é dividido entre a psiquiatria, a literatura, a poesia e a política. Em 1950 abre seu consultório particular e se transfere do Raul Soares para o Hospital de Neuropsiquiatria Infantil. Em 1952 transfere-se para o Rio, inicia sua análise com Iracy Doyle e trabalha como redator do jornal O Globo. Em 1953 inicia sua prática psicanalítica. Em 1956 morre Iracy Doyle. Em 1958 Pelegrino reinicia sua análise com Kattrin Kemper e termina sua formação pela Sociedade de Psicanálise do Rio de Janeiro (SPRJ) em 1963. Em 1966 participa de Congresso no Chile, onde apresenta o texto Pacto edípico e pacto social.

Em 1971 é fundada a Clínica Social e dos Encontros Psicodinâmicos. Em 1980, ocorre a psicanálise e sua inserção no modelo capitalista, na PUC-Rio. Instala-se uma crise na SPRJ devido à denúncia de Hélio Pelegrino e Eduardo Mascarenhas com relação ao episódio do torturador Amílcar Lobo, o que vai durar dois anos.

Hélio denuncia também os barões da psicanálise e é expulso da IPA juntamente com Eduardo Mascarenhas. Os dois movem uma ação na Justiça e são reintegrados. Em 1983 apoia o movimento do Grupão, ocorrido no CPMG. Em 1985 cria o MIRE, grupo de estudos Mística e Revolução. Em 1988 Hélio Pelegrino falece no Rio de Janeiro, no dia 23 de março.

De uma forma geral, àquela época, a única forma de fazer uma formação psicanalítica era pela via da IPA, que seguia os trâmites do Instituto de Berlim. Malgrado a crítica de alguns psicanalistas como Balint, que denunciava a farsa da psicanálise didática, a burocracia do IPA se manteve soberana ainda por muitos anos. Abordo com mais detalhes as críticas ocorridas nesse período no meu artigo de 2013.

Análise didática três a quatro vezes por semana, supervisão e cursos na sociedade, tornavam o custo da formação extremamente elevado. Era muito difícil custear essa formação sem ter uma clínica própria. Isso era possível porque a demanda pela psicanálise era muito grande no final dos anos 1940, além dos anos 1950 e 1960. Os que eram nomeados didatas, tinham filas de espera enormes, o que fazia com que a situação fosse muito confortável em suas cidades de origem.

Em Minas Gerais, como vimos, houve a divulgação dos ideais de Freud, mas a ideia de formação não prosperou muito. Os candidatos se dirigiram para o Rio e São Paulo, mas com clínica já estabelecida não retornaram mais.

O Dr. Sebastião Abrão Salim (2010) nos oferece alguns dados em seu artigo As origens da psicanálise em Belo Horizonte e do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Belo Horizonte filado à Associação Internacional de Psicanálise: a saga de um ideal.

Leão Cabernite, Paulo Dias Corrêa, Karl Weissmann e José Pedro Salomão, embora na época (final dos anos 1940 e início dos anos 1950) não tivessem formação psicanalítica, segundo o Dr. Salim, poderiam ser considerados os primeiros terapeutas profissionais da psicanálise em Minas Gerais.

Formado em 1963, Salim se propõe a fazer sua formação psicanalítica nos moldes da IPA, tendo completado sua formação 26 anos depois, em 1989, no Rio de Janeiro. Todos esses anos lutando com denodo contra a burocracia da IPA, com várias solicitações negadas, é instalado o Núcleo Psicanalítico de Belo Horizonte, sob a coordenação da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro em 1993. Em 2008 o grupo foi admitido como Study Group pela IPA, por supervisão internacional.

1Texto apresentado no Círculo Psicanalítico de Minas Gerais, Belo Horizonte, em 24 abr. 2023.

Referências

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Recebido: 20 de Outubro de 2023; Aceito: 24 de Novembro de 2023

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