O mundo é tal como ele nos parece, feito de coisas que não aparecem
(Santo Agostinho).
Um relato pessoal: quando eu era jovem, muito jovem, primeiro ano da faculdade, o Centro Acadêmico, em convênio com o Instituto Sedes Sapientiae, recebeu uma religiosa, doutora em Filosofia e Teologia para dar aula de religião a quem se interessasse. Passei a frequentar os encontros e, em pouco tempo, somente eu em uma aula, quando a Soror me fez a pergunta: “O que você entende por Liberdade?”. Não sei ou não lembro que resposta me ocorreu, até ouvir a fala da mestra: Liberdade é escolher Deus! Nunca mais voltei às aulas, por não entender nem aceitar resposta tão incongruente! Meu ego não podia concordar. Somente depois de muitos anos de vida, análise, perdas, me rendi à Verdade quando a compreensão se fez pelo Self!
É meu entender que a intencionalidade das escolhas é um fenômeno presente em todas as realidades existenciais, de origem inconsciente, para as quais nem sempre estamos atentos. A constatação desse fato causa espanto, muitas vezes estranheza, outras fascínio, deslumbramento... Todavia, se nos debruçarmos ante essa constatação tão enigmática, haveremos de nos render e nos fazer humildes diante da expressividade da sabedoria desse grande desconhecido que se nos apresenta e se faz anunciar tanto no mais aparentemente insignificante, quanto também no mais evidente insólito, muitas vezes lido ou tido como “milagre”!
A intencionalidade dos fenômenos, revelada nas “escolhas” mais primordiais, é assustadoramente impactante!
Em 1857, quando da primeira publicação do “Livro dos Espíritos”, por Allan Kardec (1993), uma de suas proposições foi a presença do espírito divino em todas e quaisquer expressões da matéria, seja mineral, vegetal ou animal. “A matéria é o laço que prende o espírito; é o instrumento de que este se serve e sobre o qual, ao mesmo tempo, exerce sua ação”. A partir desse ponto de vista, pode dizer-se que a matéria é o agente, o intermediário com o auxílio do qual e sobre o qual atua o espírito (KARDEC, 1993, p. 81).
Em “O Fenômeno Humano”, Pierre Teilhard de Chardin (1995) considera que, desde as origens do mundo, opera um Atrator (o “Ponto Ômega”) “já sumamente presente” (p. 251-252) capaz de fazer com que as coisas se façam. A par disso, Chardin propõe, nesse mesmo texto, a realidade fenomenal de ser a consciência um processo em transformação, atualizada desde o reino mineral, acontecendo no reino vegetal, revelando-se no reino animal até atingir o seu ômega nos seres humanos...
Jean E. Charon (1977), em seu texto “O Espírito, esse Desconhecido”, se autodeclara como um físico teórico, ou seja, que se interessa pela descrição das leis que governam a natureza. Diz ele logo no prefácio do livro:
minhas pesquisas estão dirigidas às teorias dita unitárias, que são as teorias que se esforçam para unificar as diferentes leis observadas, demonstrando que elas formam casos particulares de uma lei mais geral, válida para todos os fenômenos, designada como lei unitária (p. 13).
Charon propõe a existência de uma realidade “pensante”, inerente a toda e qualquer matéria, realidades estas que “pensam” em nós, que alertam, que se carregam de propósitos!
Os novos gnósticos de Princeton e Pasadena, segundo Charon, guardaram da antiga filosofia, a ideia de que aquilo que chamamos Espírito é indissociável de todos os fenômenos que vemos no Universo, sejam físicos sejam psíquicos (ou seja, o mesmo enunciado de Kardec). Nesta proposição de Charon existiriam, notadamente, seres portadores de Espírito, chamados éons, que interfeririam no comportamento da matéria.
Ainda segundo Charon (1977), para tal teoria unitária do cosmos, os éons representam elétrons, com um conceito espaço-tempo próprio, que unificam matéria e espírito e condicionam a contínua evolução do espírito dentro de si e de todo cosmos.
Dentro de cada homem, há individualidades microscópicas que pensam, que sabem, que transportam o Espírito dentro do Universo, e que podemos chamar, segundo os antigos gnósticos, de éons. Estes conhecem o saber humano, visto que são eles que “pensam” este saber. Mas este saber ultrapassa largamente o saber humano, tal como somos capazes, por exemplo, de o formalizar em uma linguagem qualquer; os éons sabem, notadamente, como criar a vida (p. 204).
Os fantásticos fenômenos que ocorrem nos recônditos mais primordiais de nossas vidas retratam momentos nos quais as escolhas, de natureza absolutamente inexplicáveis, mas com objetivas intencionalidades, se manifestam!
Quando da formação dos gametas, células reprodutoras dos mamíferos, tanto masculinas quanto femininas, ao serem forjadas, revelam-se portadoras dessa sabedoria plena de intencionalidades, condizentes com um futuro possível, antes do vir a ser!
A presença do espírito, esta sublime inteligência presente em todas as estruturas que compõem a natureza, que “decide”, quando da divisão celular para a formação do óvulo, quais partes dos cromossomas do avô e da avó maternos irá escolher; que “decide”, enquanto gameta, manter apenas a metade dos seus cromossomas originais; que “decide”, ao descer pela trompa e alcançar o útero para juntar-se a outro gameta (espermatozoide), cujas “escolhas” foram forjadas à imagem e semelhança de seu futuro parceiro; que “decide” copular com o enésimo espermatozoide e não com o primeiro ou segundo que chega, para formar o futuro ser humano... Que, após a fusão de ambos irá se dividir em incontáveis células, aparentemente iguais a que lhes deu origem e, por um processo miraculoso, forma uma uroboros inicial com incontáveis células “aparentemente” iguais, mas, com competências multidiferenciadas e ininteligíveis, atualizando, em apenas dez ou 12 semanas, todos os diferentes tecidos, todos os diferentes órgãos, todos os diferentes aparelhos: gastroentérico, respiratório, vascular, reprodutor e tantos outros: todos os ossos, o cérebro e os sistemas nervosos, enfim, forja de uma única célula-ovo primordial um embrião humano completo. E, nas próximas 28 ou 30 semanas, este embrião irá crescer, aumentar de tamanho e peso, amadurecer, completar-se de si mesmo até estar apto para vir a luz, para respirar o oxigênio do mundo exterior, deixando o meio líquido dentro do qual se desenvolveu, alimentado que fora, exclusivamente, pelo sangue materno (SNUSTAD, SIMMONS, 2001).
E, ei-lo que surge, com as competências mais complexas de sua natureza, quando então sua primeira expressão será o choro, após a primeira respiração!
Vir ao mundo, causa dor!
Sair do ninho uterino, assusta!
Sentir-se sem continência, ameaça!
Jung (1984, par. 388), ao discorrer acerca das “Considerações Teóricas sobre a Natureza do Psíquico”, considera o inconsciente como uma “consciência múltipla”, propondo a hipótese da existência de incontáveis luminosidades, semelhantes à “consciência” e presentes no conteúdo do inconsciente. Lembra ele que “uma das fontes mais importantes para o conhecimento das representações simbólicas no passado foi a alquimia”. É dela que Jung toma a ideia das scintillae (centelhas) que surgem de ilusões visuais na “substância de transformação”. Ressalta Jung que certos alquimistas já pressentiam a natureza psíquica dessas luminosidades. Para ele, a mente humana seria também uma scintilla desta espécie, permitindo comparar estas scintillae com os arquétipos, correlacionando-as com as imagens eternas de Platão, ou seja, uma versão filosófica dos arquétipos. Dessa visão alquímica haveria como concluir que os arquétipos têm em si um certo brilho ou certa semelhança com a consciência e, por conseguinte, uma certa luminositas vinculada à numinositas.
Para Jung (1984, par. 388), ainda no mesmo parágrafo citado, Paracelso teve também uma ideia deste fato, conforme citação dele em sua Philosophia sagax, qual seja:
E do mesmo modo como no homem não pode existir nada sem o númen divino, assim também nada pode existir no homem sem o lúmen natural. São estas duas únicas partes: o númen e o lúmen, que tornam o homem perfeito. Tudo o que existe provém dessas duas coisas, e as duas estão no homem, mas sem elas o homem não é nada, embora possam existir sem o homem.
Santo Agostinho (apud CHARON, 1977) propõe: “O mundo é tal como ele nos parece, feito de coisas que não aparecem”, o que nos incita a uma reflexão, atentando para “as coisas que não aparecem”. Esta proposição revela e retrata o quanto vivemos iludidos pelo pressuposto de que a atividade psíquica, que nos povoa, confere competência para saber e entender a realidade na qual supomos estar inseridos!
E assim, por conta dessas tantas constatações de sabedoria que nos forja, haveremos de passear pela mítica lembrando que Prometeu (PLATÃO, 1973; HESÍODO, 1995 vers. 507-616) nos dotou, simbolicamente, com o fogo de Hefesto e a techné de Atená e, diante de tantas atrocidades cometidas como decorrência dessas competências tão criativas quanto destrutivas, premiados fomos com as virtudes olímpicas de diké, ou seja, agir com justiça para com o outro, e aidós, ou melhor, fazer para o outro o melhor de nós, sendo que se não o fizéssemos, nos envergonharíamos! Estas duas virtudes, advindas do divino Zeus, haveriam de nos tornar criaturas humanas, investidos que fomos de atributos relacionais, levando-nos a nos ocuparmos do outro. Para tanto, haveríamos de realizar para com o outro o que temos de melhor sem o que, se não conseguíssemos, o fato causaria desonra, a par de nos compenetrarmos de tratar a todos com equidade e justiça, pois esta seria a nossa função!
Há de convir, a sabedoria que nos antecede, nos forja, nos cria, nos presenteia, certamente nos conduz para a meta na qual deveríamos ser e ter a consciência plena de sermos entidades ímpares de um universo jamais pensado!
Mas ainda não somos e nem assim nos exercemos!
Partindo dos pressupostos “pensantes”, citados por Jean Charon, (1977, p. 13) que nos compõe, nos povoa, nos fecunda e nos faz vislumbrar o inaudito, haveremos de constatar que o reino da consciência/inconsciente é, possivelmente, também expressão dessa realidade “pensante” em nós.
O universo do inconsciente coletivo, sábio pela própria natureza, incansavelmente nos manda “recados”, alertas, mensagens singelas, “broncas” fenomenais quando dos nossos desatinos; manda sonhos tanto quanto pesadelos, manda intuições singulares, ideias inéditas, demandas e desejos imperiosos que nos custam décadas de trabalho...
Esse reino do inconsciente, prenhe de criaturas que reclamam por vir à luz, aguardando ansiosamente pelas “frestas” que se forjam nas fronteiras da consciência, como se fossem fetos esperando o tempo do nascer... E, eis que desavisadamente a “ficha cai”, o insight acontece e, fundamentalmente, o autoconhecimento surge!
E, de repente, nos sabemos “feitos de coisas que não aparecem” e o mundo nunca mais será o mesmo!
Pensar o fenômeno da intencionalidade das escolhas e das decisões tão somente pelo referencial finalista empobrece a natureza do processo por reduzi-lo à condição do caminhar para uma meta previamente idealizada, suposta, entendida.
Os pressupostos da condição finalistas se forjam, há de convir, fundamentalmente, como decorrência do referencial de uma dinâmica patriarcal, fundamentada em uma linearidade sequencial, de caráter temporal. Este caráter temporal, linear e sequencial entende os fenômenos todos como decorrentes de um passado que os forjou, atualizando-se e desenvolvendo-se num presente do aqui-agora, quando então podemos interferir num futuro para o qual caminhará desde que se faça segundo nossos desejos ou “se deus quiser” ou “se a sorte ajudar” ou se “as forças do bem ou do mal interferirem”! (ALVARENGA, 2018).
Saber o “aqui-agora” como realidade fenomênica simbólica implica saber-se como instância do próprio fenômeno, implica saber-se transformando e sendo transformado no fenômeno e pelo fenômeno.
Assim, saber-se como um fenômeno, sendo o próprio fenômeno no qual se constata estar, implica saber-se sendo transformado por realidades inconscientes inerentes à própria natureza do fenômeno no qual somos, realidades essas que estão sob a consigna de “intencionalidades” e de “escolhas” que desconhecemos! E, quando acordamos para essas escolhas, nos admiramos, a par de não sabermos que somos também as intencionalidades e as escolhas!
Em sendo o tempo realidade eternamente presente, tanto o passado quanto o futuro estarão nesse momento presente, simbolicamente, em contínua transformação. Entretanto, para a realidade da consciência, que se encontra ainda sob o referencial de como a dinâmica patriarcal avalia o tempo, o passado se manterá inalterado (ledo engano) e o futuro “a deus pertence” (fatalismo).
Entendo que somente as defesas imperiosas, com altíssimo consumo de energia, conseguem, por alguns momentos impedir que a consciência, sempre tão restrita, perceba a presença das transformações em curso pelas quais o “passado” encontra-se em transformação propiciando, conjunta e sincronicamente, as transformações do eterno presente, bem como os futuros possíveis. Esses futuros possíveis, que já são reais, serão postergados, e possivelmente substituídos por futuros prováveis. O fato é decorrência da consciência, pela intensidade das defesas não atentar para o fenômeno do passado manter-se em transformação. Assim, esse passado em transformação não se forja como consciência.
E assim se dará até que as defesas sejam elaboradas!
O terrível é constatar que as defesas coletivas duram milênios!
Entender o eterno presente e saber-se sendo em contínua e constante transformação implica atingir uma dinâmica de consciência pós patriarcal, ser no encontro com o outro, pois significa estar em interação com a totalidade e, portanto, saber-se em transformação contínua e constante como o todo!
Assim, como o Universo em expansão se renova e se amplia, se recria, sem deixar de ser o que já foi, assim somos nós, instâncias desse mesmo Universo!
Somente a compreensão simbólica da realidade poderá abarcar o entendimento dessa totalidade. Símbolos e Diábolos são contingências do nosso todo. A compreensão de que tudo está em transformação propicia a tranquilidade de nos sabermos escolhidos e escolhendo (muitas vezes ou quase nunca atentando para as próprias escolhas, de caráter inconsciente), participando das intencionalidades dessas escolhas da totalidade em expansão (ALVARENGA, 2018).
Importante atentar-se para a condição de que Símbolos e Diábolos são contingências do fenômeno: o que agrega, conjuga, forja o inteiro, faz-se Unidade, está em sincronicidade com o que separa, divide em pedaços aleatórios, dissocia, desmembra.
O fenômeno tempo, pensado em termos da quarta dinâmica de consciência (ALVARENGA, 2018) em sendo o eterno presente, espera, pois que: “O mundo é tal como ele nos parece, feito de coisas que não aparecem”.
A par da proposição acima, sobre o tempo, Gregg Braden (2002), ao escrever sobre o “efeito Isaias” referenda a condição de que, em um presente contínuo, mais de uma possibilidade de “futuros” estarão previsíveis e disponíveis, dependendo fundamentalmente do quanto estamos aptos para atualizar esses futuros possíveis, diferentes dos prováveis. Se eles, futuros prováveis, não forem atualizados, permanecerão neuroticamente se reeditando em um padrão de consciência, sempre presente e avesso a transformações.
No meu entender, a incompetência para a atualização de futuros possíveis decorreria, também, da incompetência para transformar o passado, (considerado imutável), por conta da carência de processos reflexivos quanto a acatar ou a assumir a responsabilidade decorrente das demandas intencionais por transformações, continuamente carreadas pelos sonhos, intuições, desejos por novos caminhos!
As realidades passadas modificam-se, segundo meu entender, a partir da releitura reflexiva que podemos fazer, fundamentalmente pelo processo de análise. Quando revemos, reavaliamos e refletimos sobre esses momentos, (tidos como passados, mas presentes na memória) segundo nova consigna de consciência atualizada, de caráter pós-patriarcal, constatamos o quanto transformamos a realidade mnemônica do passado. A compreensão simbólica inédita se fazendo, cria a condição do passado se transformar!
Há de se convir que o passado se encontra num eterno processo de transformação por conta de nossas reflexões contínuas, decorrentes das elaborações simbólicas que podemos atualizar ao longo da vida!
A par de nossas incompetências passageiras, para compreendermos que o passado pode ser modificado, é meu entender ser profundamente glorioso atentarmos para a realidade de estarmos, contínua e concomitantemente, sob a imperiosidade de escolhas e intencionalidades de caráter inconsciente que nos alertam, inspiram, demandam disposições para futuros possíveis. Todavia, para que tais futuros possíveis se cumpram, vislumbres de consciência sobre os encargos a serem assumidos se fazem presentes. E a percepção dos altos custos dos desafios, quando percebidos, acaba por provocar desconfortos e/ou vivências subjetivas de ameaças que desencadeiam promessas egoicas fortuitas e/ou defensivas. E muitos são os futuros possíveis que não se cumprem. Como decorrência, a sensação instaurada é a de aprisionamento!
Acolher as demandas decorrentes das intencionalidades e decisões de caráter inconsciente implica reconhecer o tamanho da decisão, como significa também atentar para o quanto a demanda, muitas vezes, é ameaçadora para o próprio ego. O medo de assumir o desafio provoca desistências; assim se dando, a consciência de ter desistido desencadeia injúria de si para consigo mesmo. Um pouco de reflexão e nos damos conta da vergonha que sentimos de nós mesmos, o que redunda num sentimento de infelicidade! A par de supormos não sermos competentes para assumir a demanda, nos sentimos coagidos a assumi-la e, ao mesmo tempo, revoltados com o que estamos vivendo. O conflito decorrente dessa consciência redunda, muitas vezes, na sensação neurótica, defensiva, de termos sido abandonados, talvez por “deus”, bem como, culpados e/ou azarados e revoltados com o “divino”.
Quando conseguimos fazer uma leitura simbólica do material que o inconsciente intencionalmente envia, sejam sonhos, intuições e demandas inexplicáveis que emergem para o campo da consciência, é impressionante como essa sabedoria do material que aflora tem um sentido objetivo de nortear o processo de individuação. Creio ser mais do que óbvio que exista uma intencionalidade em promover o crescimento, o desenvolvimento ou a realização de todos nós no sentido de que a pessoa caminhe para sua concretude das ações e decisões.
Quando assumimos as intencionalidades e decisões advindas do inconsciente, emerge em nossa conduta uma certa “valentia” explícita em defender a decisão tomada seguida de sensações de dúvidas não confessas de “serei capaz realmente?”, “vou conseguir?”, “e se eu fracassar?”. Algumas vezes não conseguimos! Todavia, quando temos sucesso, o prazer de ter tido a coragem de lutar é indescritível!
Refletindo sobre onde os erros ocorrem nessas negociações, suponho que se fazem presentes quando o ego não aceita ou não suporta o encargo ou faz negociação e não cumpre o combinado. E quantas são as desculpas que todos nós damos quando não cumprimos nossas próprias decisões!
Constato que o padrão de consciência patriarcal defensivo concorre para que o crescimento seja frustrado. O preço que todos nós pagamos por não assumirmos as demandas do inconsciente depende de termos uma consciência reflexiva.
Até que ponto o que chamamos de livre arbítrio bloqueia ou impede que as sábias demandas da intencionalidade se cumpram? Por que, se somos criaturas decorrentes dessa sabedoria que nos povoa, recebemos o atributo de livre arbítrio que boicota o processo de individuação?
Penso que, da mesma forma que a célula primordial comete erros e forja hamartoma e o cromossoma 21 se divide e se faz numa trissomia, o Ego por ter autonomia comete erros! Mas a sabedoria dos pensantes não desiste e continua mandando mensagens. Se não, vejamos! Há mais de 2000 anos, o Cristo anunciou a possibilidade de saímos da dinâmica patriarcal defensiva para atingirmos a quarta dinâmica e tantas outras mais desenvolvidas. E foi assim que os apóstolos se tornaram curadores, provocaram conversões, tiveram o dom da palavra e, portanto, a quarta, a quinta e a sexta dinâmica estiveram objetivamente presentes neles! (ALVARENGA, 2018).
Da mesma forma que o universo se expande, a Vida e a Consciência também se expandem e se recriam, fazendo Vida.
A intencionalidade pedagógica das mensagens que emergem, por exemplo, de sonhos, é surpreendente. Tomemos, a título de explicação e fechamento do texto, um sonho que entendo, contém esta natureza. Falarei de um sonho de uma cliente (com autorização dela), povoado, no meu entender, pela sabedoria das mensagens das intencionalidades e demandas inconscientes!
Sonho que estou observando um casal que está em uma casa na floresta. Este casal parece ser de camponeses antigos, como figuras de contos de fadas. Vejo que o casal se movimenta em comunhão com a natureza e a casa. Os movimentos são calmos e harmoniosos. Em um determinado momento parece que eles “comem” um pedaço da casa, mas quando olho a casa está restaurada.
Na cena seguinte eu me vejo na casa (não sei se a mesma ou outra). Parece ser uma casa ou um trailer porque ela (a casa) se movimenta comigo. Estou sozinha, mas sinto que é como se eu fosse una com meus filhos e meus ancestrais. Eu me movimento na natureza, sou a casa e a casa sou eu. Posso comer a casa, se necessário, e ela se restaurará. Vejo as estações passando: muito frio – e a casa é quente e acolhedora; muito calor – a casa arejada e aberta.
Mais coisas acontecem no final do sonho mas não consigo me lembrar, só me recordo sobre algo que vai acontecer no dia 31/5.
A primeira mensagem dos “pensantes” foi anunciar à sonhadora que tudo quanto viesse a seguir deveria ser lido ou entendido como um conto de fadas, ou seja, simbolicamente! Na cena seguinte, ela se vê aparentemente sozinha e sente ser também a casa que se move – ela e a casa móvel são unas e, ao assim se saber, também se descobre incorporada de seus ancestrais e seus descendentes, ou seja, se descobre plena. E, em se sabendo plena, alimenta-se da plenitude em que se forjou pela transformação vivida. Ao se alimentar de si mesma amplia a totalidade (certamente pela transformação auferida pelo morrer o que ela mesma foi, sem deixar de ser, e pelo incorporar-se do que se tornou). Ao se vir nas várias seguintes estações (futuros possíveis) se sabe em harmonia (casa sempre agradável). Ao intuir, subjetivamente, a vivência de morte, certamente como um rito de passagem anunciado pelo sonho, e que implica sua morte simbólica, um novo vir a ser se anuncia, e sua consciência (ego) antevê transformações que entende como um morrer literal! Ainda não entendeu que o morrer que está sendo “sentido” é simbólico e que a transformação vivida representa tornar-se alimento de si mesma, incorporar-se da própria plenitude!
Fascinante a mensagem dos “pensantes” da sonhadora revelando a demanda de seu próprio processo de individuação, intencionalmente indicando a necessidade de fazer-se una, com o que tornar-se-á alimento de seu próprio crescimento.
A intencionalidade das decisões bem como as demandas carreadas para o consciente pela via egóica tende a causar, algumas vezes, conflitos. Meu entender é que a conflitiva causada possa decorrer da soberbia do ego que não pode ou não consegue aceitar se submeter a determinadas demandas quando estas não estejam sintônicas e sincrônicas com o momento existencial. Todas as vezes em que o ego entende que precisa ou “deve” se submeter à demanda, ele tende a contestar, reclamar, protestar ante as situações que se assemelham a “destino”, “azar”, “conluios” de outros e de tantas situações que levam o ego a sentir-se, de certa forma, ameaçado ou perseguido.
Refletindo sobre estas situações que configuram ameaça ao ego, fui levada a pensar o quanto as intencionalidades das demandas e das escolhas retratam um fenômeno coletivo segundo o qual os pensantes, a par de atuarem como co-condutores do processo de individuação de cada um dos seres humanos, são também co-condutores do processo de individuação da humanidade, interferindo, interagindo e concorrendo para que encontros aconteçam, descobertas sejam feitas, sincronicidades se realizem e a humanidade se descubra desejosa de escolher ser livre!
Aceitar a demanda intencional do inconsciente implica ser e tornar-se livre. Assim se dando, posso hoje compreender plenamente a mensagem da soror: Liberdade é escolher Deus!